terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Três Pontos

Por Alexandre Vivacqua

Três pontos, três terminologias utilizadas pela psicanálise e a filosofia: ponto de basta, ponto de pega e ponto de conversão. Muitas interpretações para essas pontuações. No âmbito de uma filosofia aplicada, numa versão mais livre, trata-se de um processo tanto do pensar como do agir. Processo entendido como aquilo que passa por fases, como processo de crescimento, democrático, técnico, científico, amoroso, etc.

Numa análise pessoal (psicanálise), ponto de basta é a interrupção de uma seqüência compulsiva, como interromper o ritual de lavar mãos dezenas de vezes por dia. No cotidiano das relações humanas, romper com um estado negativo repetitivo, como as intermináveis brigas de um casal.
O ponto de pega, ainda no "divã", é a elaboração do padecimento de um sintoma, simbolizar, por exemplo, uma falta de interesse pela coisas sem maiores motivos, que não se consegue explicar com as informações de que se dispõe.
O ponto de conversão, mais uma categoria filosófica que psicanalítica, é a experiência viva de libertação de simbolizações neuróticas, um circular noutra cadeia de significantes, numa nova compreensão da vida pessoal. Conversão, aqui, não se refere à religiosa, mas a do mundo laico, uma "guinada de vida", novos ares.
Esse roteiro não acontece de uma forma linear, ele se dá num vai e vem. Mas uma fase conquistada - integrada no sujeito, vivenciada, não só racionalizada - , não se retorna fácil ao mesmo ponto, acusa avanços, as quedas vão se tornando menos freqüentes e menos intensas. A percepção do acontecido, uma vez transitado por uma crítica pertinente e integrada subjetivamente, torna-se uma poderosa refêrencia para o sujeito prosseguir suas melhorias, faz-se uma "vontade de potência".
Como as coisas se dão num processo, estamos sujeitos às chamadas"tentações", como a da desistência ou "deixa para lá". E quando se está no começo e mesmo lá na frente, comum são as "derrapadas": "lá venho eu de novo fazendo as mesmas coisas". As propostas, por exemplo, de largar o vício do cigarro, de se tornar uma pessoa menos alienada, de estar no encalço da melhoria financeira, e tantas outras, passam pelo crivo desse processo. Tudo no tempo do ir e vir.
Contundente é a experiência do ponto de conversão, quando alguém é tomado por uma decisão do coração, vivida, seja terminar um casamento, abandonar um emprego, etc. Tudo que nesse âmbito ocorre, deságua no ato de recomeçar, por-se noutra estrada, "converter-se" a outro modo de se posicionar numa incômoda situação especifica e em muitas outras.
Contudo, nesse processo, esconde-se o ponto chave, o quarto: o ponto de não-retorno. Desse muito tem que se cuidar, estar atento a ele. Há um acúmulo de situações negativas em nossas vidas e um somatório de neuroses que vão deteriorando nossa estrutura pessoal, um sistema qualquer, chegando a esse ponto de não mais haver volta, defazerem-se as soluções. Hora difícil e amarga.
Esse ponto de não-retorno está implícito nos três outros, pois o ente humano é essencialmente errância, constantemente lançado no exílio de si, numa perda de rota. Faz parte desse jogo não haver garantias absolutas, navegamos dentro da insegurança, numa precária e relativa segurança. Por isso os homens tentam contornar o instável e fugaz com a criação de instituições, leis, regulamentos e um modo de pensar estabilizador.
Mas se um relacionamento não tem garantias, ele pode ser depositário de uma esperança:o comprometer-se. Amantes não devem se prometer para toda vida, mas se comprometerem . Esse é o núcleo do jogo.

Alexandre Vivacqua
Filósofo

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