terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A ONU pede 'New Deal Verde' contra aquecimento global

Os líderes mundiais que se encontrarão em Londres em abril para a cúpula do G20, o grupo das 20 principais economias do mundo, deveriam lançar um "New Deal Verde" para lutar contra o aquecimento global e ressuscitar a combalida economia mundial em bases sustentáveis, disse ontem a ONU.

A notícia é do jornal Folha de S. Paulo e do Le Monde, 17-02-2009.

Ministros do Ambiente de mais de cem países iniciaram em Nairóbi um encontro do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), tendo no topo da agenda a questão de como atrair atenção para temas verdes no meio da crise econômica mundial.
O Pnuma diz que esforços políticos para afastar a mudança climática falharam e que o mundo deve aprender com a resposta do presidente americano Franklin Roosevelt à Grande Depressão.

"A mudança climática bem pode ser um acontecimento mais importante do que aquilo que está acontecendo em Wall Street", disse Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma. Segundo ele, socorros bilionários a bancos foram mobilizados em semanas, mas a resposta à mudança climática tem sido letárgica. "Devemos nos assegurar de que trilhões de dólares não sejam gastos por esta geração para salvar sua economia hoje sem nenhuma resposta sobre o que a próxima geração, que terá de pagar a conta, fará em termos de empregos no futuro."



domingo, 15 de fevereiro de 2009

Meditando


Na meditação, a mente-alma toma consciência de si.
Nada havendo que a distraia,
no instante presente,
O vazio é sua imensidão.
Sua energia e seu espaço se expande
pela contemplação de si própria.
Concentração da consciência de si, sobre si.
Desprovida de conteúdo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Uma Introdução à Magia do Caos




Por: Adrian Savage


Caos - a ausência de forma e ordem. Acima de qualquer outra palavra, o caos assombra o homem ocidental. Enche sua mente com visões de marés encontrando-se com rios, homens dando luz à rãs, peixes voando através de grossas nuvens. É o cerne inominado de todas as histórias de terror - o inesperado, o imprevisível, o incontrolável, o anárquico - Caos.

O homem ocidental, desde os primórdios de sua história, tem procurado derrotar um dos mais implacáveis de seus inimigos - o Caos. Procurou, por gestos e palavras, domar os desejos caóticos e arbitrários de seus primeiros Deuses. Criou a imagem de uma divindade toda poderosa, que não apenas trouxe ordem do nada, mas é a ausência da lei. Escolheu inumeráveis tiranos, preferindo a perda de sua própria alma à visão de cães correndo desenfreadamente em suas ruas. Examinou o mundo a sua volta, desejando encontrar leis inflexíveis. Quase destruiu as condições originais de seu planeta - os processos reais que tornam sua vida possível - de modo a controlar cada faceta de sua existência, freqüentemente sacrificando seus mais profundos instintos no altar de sua necessidade, por estabilidade. E, onde não podia encontrar ou impor ordem, delineou mitos, dogmas, especulações filosóficas difíceis de serem entendidas, fórmulas ocultas e teorias científicas estéreis, assassinando qualquer um que ousasse questionar tais fantasias - tudo para negar o terror que sente quando confrontado com o que não podem entender.

Do passado mais sombrio até hoje, a imagem do sábio, para aqueles homens, tem sido a de alguém que sabe a lei secreta escondida por debaixo do aparente mundo arbitrário a sua volta. Sua visão do mago tem sido a de alguém que poderia explorar aquela lei para subjugar, à sua vontade, o mutável evento da vida.

Do final dos anos 60 até o presente, contudo, vozes partindo da Inglaterra - o menos caótico dos países, lar de jardins bem tratados, chá das quatro, e de um sistema de classes que fixa o lugar de cada pessoa desde seu primeiro suspiro - proclamou o Caos como a única realidade, a verdadeira fonte de toda Magia. Irados, às vezes de forma estridente, esbravejam ameaças aos que proclamam a busca pela ordem divina. Eles veneram aquele que é o mais antigo de seus inimigos - o Caos.

Para entender esta rebelião, devemos, primeiramente, explorar as tradições que a originaram. Já que nesta obra não podemos examinar a totalidade do pensamento ocultista, teremos que nos limitar às fontes mais relevantes a Magia do Caos.

Comecemos pela Europa Medieval. Foi durante este período que três ramos do ocultismo desenvolveram aquilo que ainda influencia o pensamento mágico ocidental - a Wicca, o Satanismo e a Magia Cerimonial.

Dos três o Satanismo é o mais fácil de examinar - e descartar. Face ao contínuo interesse da Igreja sobre o assunto, o Satanismo é o mais cuidadosamente registrado, e melhor pesquisado, dos três ramos. Seus conceitos básicos são, também, os mais simples: inversão completa das crenças cristãs. O Satanista realiza a Missa Latina às avessas, zombando dela. Exaltam a ganância ao invés da caridade, a revolta ao invés do perdão. Da mesma forma que o cristão vê o Cristo como um salvador pessoal, que recompensará com uma eternidade de bem-aventurança depois da morte, uma vida de despojamento servil, o Satanista vê o Diabo - quem, à propósito, o cristão identifica como sendo o inimigo da ordem divina, o Caos encarnado - como um salvador pessoal que o recompensará com o poder material e riquezas para deflorar a mulher de seu vizinho. Em ambos os casos, o objeto de veneração é visto como um mestre externo cuja vontade deve ser obedecida. Ao contrário da Wicca e da Magia Cerimonial, o Satanismo parece ter mudado pouco desde o dia de seu nascimento. Do início até o presente, sua corrente mais forte tem sido um clamor contra a moralidade sexual antinatural defendida pela cristandade. Na Idade Média, deve ter sido uma extrema e, certamente, perigosa forma de terapia para problemas sexuais. Nos anos precedentes, parece uma desculpa para reuniões e, talvez, um modo dos menos fisicamente atrativos de ganhar um número maior de parceiras sexuais. Assim que a Igreja parou de queimar seus defensores, o Satanismo teve uma postura de chocar o mais socialmente convencional. Isto é especialmente verdadeiro hoje, quando o Satanismo é o slogan de inúmeras bandas de Rock - um emblema para ofender os pais de adolescentes, agitar os seus já super-ativos hormônios, e acrescentar ilusão da realidade a gritos estridente e barulho infernal.

Ao contrário do Satanismo, até recentemente, a Magia Cerimonial não tem se apresentado como uma rebelião contra o cristianismo. Os Cerimonialistas judaico-cristãos têm sido, de fato, cuidadosos em evitar qualquer coisa que a Igreja pudesse considerar herético. Freqüentemente eram homens devotados que sentiram que estavam explorando os mistérios mais profundos da fé cristã. Em seus rituais, invocavam a proteção do Deus dos Judeus e dos Cristãos e a ajuda dos arcanjos e anjos do panteão judaico-cristão. Se tivessem que evocar demônios, o faziam em nome do Senhor e somente chamavam aqueles diabos que Deus tinha ligado ao serviço da humanidade. Nunca foram perseguidos pela Igreja. Havia e há um forte preconceito de classe e sexual na Magia Cerimonial - seus praticantes têm sido tradicionalmente homens aristocratas. Esta tendência permeou todos os setores. Seus rituais eram destinados a entidades masculinas; eram longos, viáveis somente para os que tinham tempo disponível; eram na maioria das vezes em grego e latim e envolviam conhecimento de geometria e matemática, marcas da classe erudita, e requeriam túnicas garbosas e instrumentos que somente o rico podia sustentar. O mais sugestivo de sua tendência de classe era sua curiosa orientação científica. Como um cientista, os Cerimonialistas acreditavam que o efeito desejado só poderia ser atingido pelo uso dos instrumentos apropriados, no procedimento apropriado - qualquer desvio trazia o fracasso. Como o cientista - que sempre eram, diga-se de passagem - o Cerimonialista procurava conhecimento. Tendo pouca necessidade material, sempre procurava os segredos do Universo visível e do invisível, puramente pelo conhecimento. Apesar do Cerimonialista, na maioria das vezes, trabalhar sozinho, freqüentemente aprendia sua arte em uma Loja - ascendendo através de graus, guardando os ensinamentos secretos de sua própria estação, enquanto obedecia a seus superiores na esperança de eventual promoção. A estrutura hierárquica da Loja tinha um paralelo com a visão do Universo do Cerimonialista, todo grau representando um plano claramente definido que teria de ser completamente examinado e dominado.

Apesar de ter retido muito de sua tendência - Lojas, equipamento caro, visão hierárquica do Universo - ao contrário do Satanismo, a Magia Cerimonial evoluiu e modificou-se. Os agentes dessa mudança foram a Ordem Hermética da Golden Dawn e seu mais conhecido membro Aleister Crowley.

Aleister Crowley

A primeira mudança veio em relação às entidades as quais se dirigiam. Enquanto mantinham as hostes judaico-cristãs, a Golden Dawn também se dirigia a deuses do panteão egípcio e greco-romano, sempre trajando túnicas e adornos sugestivos das deidades invocadas. Depois que Crowley seguiu por conta própria, continuou a dirigir-se a antigos deuses. Mais adiante, ele negou a existência de um poderoso Ente Supremo no topo da hierarquia universal. Proclamou que o objetivo do Mago era "alcançar o Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião", satisfação de "verdadeira vontade", e a realização da própria divindade. Apesar de alguns magos terem sido influenciados pela própria obra de Carl Jung, que considerava todos os deuses como imagens arquetípicas projetados por um inconsciente coletivo, e por filosofia orientais, as quais mencionaremos mais adiante; outros teriam começado a tomar uma abordagem mais psicológica de seus trabalhos. Existe pouca dúvida de que Crowley acreditasse que o Sagrado Anjo Guardião fosse uma entidade externa à própria pessoa, uma das inúmeras inteligências operando de outras dimensões da existência. Para Crowley, a realização da divindade do mago não significa sua absorção no absoluto, significava a realização de sua linha de evolução individual. Incansavelmente, Crowley trabalhou - escrevendo novos rituais em Inglês, encontrando a Astrum Argentum e reestruturando a Ordo Templi Orientalis, adaptando conceitos orientais, sintetizando as várias tradições mágicas - Grega, Egípcia, Hermética, Cabalística e Maçônica - em um novo sistema, o qual publicou em infindáveis livros. À parte de trazer a Magia de volta aos olhos do público, a maior contribuição de Crowley foi sua franca admissão da verdadeira fonte do poder mágico - a energia sexual. Tendo proclamado abertamente o segredo, revelou ao escrivão o que se segue: reconhecendo o uso de drogas e indulgências orgiásticas para facilitar a entrada em estados alterados de consciência; desposando Thelema, a filosofia da absoluta liberdade pessoal (ou abuso de liberdade, como seus críticos o acusaram) e intitulando-se a "Besta 666", Crowley empenhou-se em chocar. Ao fazê-lo, ficou exposto a desnecessários mal entendidos e, em muitas esferas, foi estigmatizado como um Praticante Negro. A despeito de sua diabólica reputação, e não obstante a existência de idéias norteadas por uma tradição judaico-cristã - notadamente aquelas de Dion Fortune e Israel Regardie, ambos cabalistas - Crowley é amplamente considerado a fonte da qual flui toda Magia Cerimonial Moderna.



A Wicca, o terceiro ramo, é talvez a mais difícil de se descrever. Sem proporcionar desmedidos créditos a seus precursores medievais que a associavam com o Satanismo, os trabalhos de Margaret Murray, que levou em conta a religião do homem pré-histórico, e as geralmente auto-louvadas "tradições" de seus adeptos modernos, quase nada pode ser dito sobre seu passado. Poucas coisas, entretanto, parecem, de pronto, notórias - a mais importante é que sob todos os aspectos a adepta da Wicca permaneceu em contraste com o Mago Cerimonialista. Primeiro, e principalmente, a adepta da Wicca praticava uma religião oposta à cristandade, sem dúvida uma continuação das antigas crenças regionais, apesar de ser difícil dizer com certeza o que estas crenças eram. Por causa de sua rejeição do Cristo as Wicca eram assassinadas pela Igreja. Em uma era onde a Igreja e os Estado eram um, a tolerância religiosa era considerada o portão para a anarquia. Onde o Cerimonialista medieval era um homem aristocrático da cidade, o adepto da Wicca era sempre um camponês e, sobretudo, uma mulher; onde o Cerimonialista praticava sozinho, realizando complicados rituais em latim e grego, convocando Anjos e Demônios para ensiná-los os mistérios do Universo, as adeptas da Wicca comumente celebravam os fenômenos das mudanças das estações, entoando rimas simples de modo a assegurar melhor colheita ou um companheiro. O Cerimonialista praticava a mística "arte", a adepta da Wicca praticava "o ofício". Muitas destas diferenças continuam até os nossos dias. A moderna adepta da Wicca ainda trabalha numa convenção e, ainda que viva em um apartamento urbano e não tenha conhecimento de agricultura, ela ainda celebra a precessão das estações, entoando em verso para qualquer coisa que possa precisar. É difícil dizer onde a moderna Wicca difere de suas raízes medievais - bruxas hereditárias, descendentes das Wicca que sobreviveram aos "tempos das fogueiras", são incrivelmente reservadas sobre as crenças e práticas que herdaram de seus ancestrais. Mesmo se elas não fossem, seria impossível dizer a quantidade de idéias originais que foram distorcidas, acrescentadas, e subtraídas, pois foram transmitidas de geração em geração. Portanto, é também impossível dizer quanto Gerald Gardner - o pai da Wicca moderna - preservou do passado e quanto, apesar de afirmar o contrário, ele realmente criou. Qualquer que seja o caso, da mesma forma que a maioria da moderna Magia Cerimonial flui de Crowley, a Wicca origina-se de Gardner. Ainda que os rituais de Gardner estejam repletos de simbolismo agrícola e, por extensão, aos praticados pelas modernas adeptas da Wicca, a maioria deles parece tanto com versões rimadas e simplificadas dos ritos Cerimonialistas, que existem rumores que atribuem a sua verdadeira autoria ao bom amigo de Gardner, Aleister Crowley. Ao contrário do Cerimonialista, contudo, o que distingue a Wicca moderna é o seu inexorável feminismo. As adeptas da Wicca veneram um Ente Supremo dual - um Deus, muitas vezes identificadas com o Sol, Marte, Pã ou Hórus, e uma Deusa, muitas vezes identificadas com a Lua, a Terra, Vênus ou Ísis. Sob todos os aspectos, a Deusa é considerada a dominante. Dá nascimento ao Deus, que é seu filho e consorte. É considerada eterna, enquanto o Deus sofre contínuas mortes e nascimentos, simbolizados pela marcha das estações. As fases da Deusa Lunar - crescente, cheia e minguante - são identificadas com as três fases do ciclo de vida da mulher - virgem, mãe, idosa. As idéias básicas são elaboradas numa variedade de aspectos. As mulheres são sempre consideradas mais sábias, mais fisicamente poderosas, e mais espiritualmente desenvolvidas que os homens e, apesar dos rituais das Wicca serem realizados por um sacerdote e uma sacerdotisa, a sacerdotisa sempre detém a autoridade absoluta. O sacerdote é sempre seu servo. Um observador versado em psicologia pode detectar nos rituais das Wicca uma sutil forma de sadismo feminino e masoquismo masculino. Muitas das Wicca advogam o Matriarcado - um sistema no qual a mulher detém, em última instância, o poder político. Ao contrário dos Cerimonialistas, que tendem a regular seus rituais de acordo com intrincados cálculos astrológicos, as Wicca realizam sua Magia segundo as fases da Lua - trabalhos de expansão são iniciados durante a Lua Nova, e culminam durante a Lua Cheia; trabalhos de contrição são feitos ao inverso. Identificando a Terra com a Deusa e procurando manter-se perto de suas raízes agrícolas, a Wicca moderna é muito interessada pela Ecologia. A Wicca hoje é altamente consciente de sua imagem, sempre jogando abaixo sua popular associação com maldições e orgias. Muitos trabalhos são feitos para o fortalecimento psíquico. Seu feminismo e preocupação com a opinião pública lhe dá uma única atitude perante o sexo - por outro lado, sua pretensa descendência dos antigos cultos de fertilidade e seu foco feminista sobre a sexualidade feminina força a reconhecer o sexo como uma fonte de poder mágico; por outro lado, sua atenção por aparências as fazem as campeãs da monogamia. A convenção perfeita de bruxas é composta de pares dedicados e profundamente comprometidos. Nenhuma orgia crowleana, por favor. Quanto ao Deus e a Deusa, a maioria das Wicca não são claras em relação a se eles devem ser considerados como aspectos masculino e feminino de uma única deidade, ou como duas entidades distintas. Apesar da Wicca Graça ter uma linha afirmando que a Deusa deve ser encontrada dentro de cada um, muitas Wicca a tratam como um ser externo. Começando com Alex Sanders, muitas se depreenderam do Gardnerianismo, formando infindáveis ramificações, quase todas mantendo a ênfase feminina. A Wicca moderna poderia ser chamada a religião do movimento de libertação das mulheres.

As três correntes do ocultismo ocidental descritas acima podem ser consideradas a ortodoxia - da qual a Magia do Caos deriva e contra as quais se rebela. Antes de poder explorar a Magia do Caos inteiramente, devemos parar brevemente para examinar quatro outras tendências que a influenciaram profundamente: o Jungianismo, a Parapsicologia, a Física, e a Filosofia Oriental.

Do trabalho de Carl Jung precisamos dizer pouco, exceto que sua teoria dos arquétipos - imagens universais que simbolizam as experiências humanas e aspectos da mente humana - determinou definitivamente a visão de todos os deuses da Magia do Caos. Apesar de que a maioria dos praticantes do Caos poder considerar a ciência como apenas um outro sistema, não podem ajudar, mas ser influenciado pelas pesquisas parapsicológicas, as quais sugerem que a habilidade psíquica pode ser função da mente humana - tornando possível a idéia de poder mágico sem assistência desencarnada. A física do Quantum, com suas partículas indeterminadas e, na maioria das vezes, teórica, deve encontrar um lugar confortável em seu coração. Mas a filosofia oriental é a sua maior fonte, e não podemos entender sua definição especial do Caos - uma pedra angular de suas idéias - e como difere da tradicional visão Ocidental, sem entender o pensamento Asiático.

Qualquer que sejam suas diferenças superficiais em terminologia e sua semelhança prática, as três grandes correntes da filosofia oriental - Hinduísmo, Budismo e Taoísmo - estão unidas ao proclamar que o Universo é um vasto, um todo mutável, além de todos os conceitos, categorias e definições. O Hindú o chama Brahman, e seu deus, como as teóricas partículas da física quântica, são meramente símbolos de seu aspecto cósmico. Para o Budista , é o Vazio - aquilo além de toda designação e descrição - e seu panteão de Budas e Bodhisattvas são, como os arquétipos jungianos, símbolos de estados psicológicos. O Taoísta simplesmente o chama Tao, o Caminho. Além disso, eles concordam que a natureza íntima do homem - que o hindú chama "Atma", o Budista "Nenhuma Alma", e o Taoísta "Sem Ego" - é identificado com aquele do Universo. Em todas as três religiões conhecer existencialmente estas duas coisas é considerado a Iluminação - liberação das visões e opiniões, todas as quais somente podem ser falsidade, servidão e ilusão.

Aqui reside a diferença entre as definições dos praticantes tradicionais e dos praticantes do Caos sobre aquela temível palavra - Caos. Para os praticantes do Caos, não é a ausência de ordem, mas - para parafrasear Henry Miller - uma ordem além da compreensão. É análogo ao Brahman Hindú, ao Vazio Budista, ao Tao do Taoísta, e ao Wyrd dos antigos anglo-saxões. Está em constante mutação - pode ser experimentado, mas está além de categorização intelectual. A ordem é, na melhor das hipóteses, o aspecto indescritível da realidade que nosso equipamento sensorial nos permite perceber - a abelha vê a flor de modo diferente dos seres humanos. Na pior das hipóteses, a Ordem é simplesmente um padrão ilusório projetado pelos nossos preconceitos. Para asserção de Albert Einstein que Deus não joga dados com o Universo, o praticante do Caos pode responder que o Universo é deus - se alguém tiver que usar tal palavra, que é emocionalmente carregada - e Ele é a única coisa com quem Ele pode sempre jogar. Desde que ele acredita que a realidade é basicamente indescritível, ele renuncia a todos os dogmas, tomando idéias práticas de todos os lugares, combinando-as conforme a situação, abandonando-as quando não mais se ajustam. Num Universo incognoscível nenhuma crença é válida - contudo, toda crença é válida enquanto que o adepto a reconheça como uma ferramenta, uma ilusão necessária, e enquanto ela continua a trabalhar para ele.

O modelo integral da Magia do Caos pode ser facilmente observado com um rápido vislumbre dos pensamentos de um homem que seus praticantes consideram o pai da Magia do Caos - Austin Osman Spare.


Austin Osman Spare



Outrora membro da Golden Dawn e associado a Crowley, até que uma desavença rompeu a relação deles, Spare incessantemente denunciou a religião, a ciência e Magia Cerimonial. Seus ataques a todos os três eram baseados na mesma premissa: em um Universo que desafia descrição, todos os sistemas de crenças somente podem ser falsos. Desde que o homem é parte do Universo e, portanto, Deus, tudo que a religião pode lhe oferecer são falsos ídolos que o impedem de perceber sua verdadeira divindade. Desde o início Spare viu que a ciência é uma forma de religião, uma tentativa de designar o inominável, um sistema de categorias que rejeita tudo que não pode encerrar. A Magia Cerimonial, ele considerou como uma perda de tempo demasiadamente complicada - perpetrada sobre o ingênuo por charlatões gananciosos - que impede o homem de descobrir sua verdadeira fonte de poder, que está dentro dele mesmo. Spare pregou a necessidade absoluta de simplicidade em todos os trabalhos mágicos e, ao invés de prece e ritual, ele considerava como técnica mágica máxima a criação e meditação sobre o sigilo - um desenho pessoal de letras estilizadas expressando um desejo, ocultando-o, contudo, da mente consciente. Os Sigilos têm tradicionalmente, sido o desenho de talismãs mágicos, mas Spare afirmava que seus poderes não estavam intrínsecos às linhas e figuras do desenho - seus poderes vinham de seus efeitos sobre as camadas mais profundas da mente inconsciente. Portanto, cada uma deveria criar seu próprio desenho, o qual teria de ser suficientemente simples para ser facilmente visualizado e suficientemente complexo para que a mente consciente esqueça seu significado original.


Em seu trabalho sobre sigilização, nós observamos a influência Oriental nas idéias de Spare. Embora o Sigilo deva ser criado sob a influência de um ardente desejo, e deva ser visualizado e meditado enquanto a obsessão persistir, pode não ter efeito mágico até que tenha-se esgotado o desejo, esquecido o significado do Sigilo, e tornando-se completamente indiferente ao desejo e ao símbolo que ele representa. Para Spare, a meditação significa manter o Sigilo na imaginação até que ele gradualmente exclua todos os outros pensamentos e, então desbotar-se da consciência, deixando a mente vazia - o polo oposto para fixar-se a mente sobre um símbolo, avaliando seu significado, repelindo outras idéias, e focando toda sua vontade concentrada em sua realização. Qualquer um que tenha um conhecimento superficial do Tantra Hindú ou Budista reconhecerá isto como a prática do Tantrika, aqueles que realizam idênticas visualizações sobre os Yantras - desenhos geométricos representando forças cósmicas e psicológicas. Os Yantras são os modelos básicos por trás das Mandalas - e considera a satisfação de um desejo como um passo em direção ao desprendimento de todos os desejos.

Como se aquilo não fosse suficiente, o conceito de Universo de Spare parece com as idéias asiáticas reformuladas. O absoluto ele chamou Kia - uma palavra que não tem nenhum significado em nenhuma língua ocidental e assemelha-se à palavra japonesa "Ki", que significa o sopro vital por trás de toda a vida. Percebe o quão de perto as palavras de Spare ecoam naquelas de Lao Tzu. Spare: "De nome, não tem necessidade, para designá-lo, e eu o chamo Kia...o Kia que pode ser expresso em idéias concebíveis não é o Kia eterno". Lao Tzu: "o Tao que pode ser dito não é o Tao...Dele mesmo, não tem nome...por falta de palavra melhor, eu o chamo 'o Tao'". O Kia - que poderia tão facilmente ser chamado Caos - está além de descrição, um todo completo, sem partes divisíveis, um zero inconcebível. Contudo, ele se manifesta em dualidades aparentes - macho e fêmea, luz e escuridão, nascimento e morte. Na fórmula de Spare, do nada vem dois. Mas os pólos de cada dualidade não são absolutos neles mesmos; cada um é como um braço, unidos por um tronco, o qual neste caso não pode ser descrito. As dualidades sempre surgem juntas. Alegria emerge com angústia, fé com dúvida. Portanto, a mente não pode evitar o conflito e a contradição. A solução de Spare não é para escolher entre impulsos opostos, mas observá-los simultaneamente - um estado mental que fixa sua consciência, por exemplo, sobre a aurora e anoitecer, horas crepusculares que não são nem dia nem noite. "Nem-Nem" de imediato lembra o hindú "Neti-Neti", nem isto/nem aquilo, a dialética negação de Nargajuna pelo qual nada pode ser dito para existir ou não existir, a não escolha do eremita taoísta, e a percepção não discriminante do Mestre Zen. Ele também insiste que o ego permanece num estado de auto-amor - que não deve ser confundido com narcisismo - um estado onde é absorvido com felicidade na alegria de sua própria existência e não tem necessidade de exaltar-se continuamente por infindáveis conquistas e aquisições. Como diz os Upanishads: "Permita que o Eu (self) encontre refúgio no Eu (self)".

Durante sua vida, Spare - um artista brilhante, que produziu uma série de notáveis desenhos automáticos - nunca recebeu a atenção que foi dado a seu antigo companheiro, Crowley. Os pequenos comentários que faziam eram em sua maioria ruins. Os críticos de arte odiavam seu trabalho e muitos ocultistas, inclusive Crowley, o consideravam um Mago Negro. Suas idéias - que ele comunicou em pequenos livros, escritos em um estilo exortativo, denunciatório e declamatório reminescentes ao "Assim falava Zarathrusta" - foi apenas recentemente dada a consideração que eles mereciam.

Talvez este seja o mais alto cumprimento para um homem que detestava que aqueles responsáveis pela redescoberta de seu trabalho não o tomam como uma autoridade absoluta. Enquanto que Ray Sherwin, Julian Wilde, e "O Círculo do Caos" possam louvar o trabalho de Spare, o consideram o ponto de partida, uma influência sobre um precursor de suas próprias diligências. Ao contrário dos seguidores de Crowley, eles não transformaram Spare num "Asno Dourado". Os discípulos de Spare - como eles provavelmente odiariam este termo - diferem dele tanto quanto eles diferem de cada um deles. A maior diferença é que os sucessores de Spare, enquanto o criticam, não rejeitam ritual fora de controle.

Antes de nós analisarmos mais detalhadamente como a Magia do Caos difere do Ocultismo Tradicional, seria proveitoso uma breve revisão do trabalho dos praticantes que se tornaram conhecidos na América.

Do "Círculo do Caos", nós podemos dizer muito pouco. São uma coleção eclética de diversos ocultistas que reuniram-se em meados dos anos sessenta - até certo ponto em reação a crescente sectarismo e mercantilismo com o mundo do ocultismo. Criaram um conjunto de rituais tecendo diferentes elementos das tradições de vários de seus membros. Até então, tinham somente publicado um livro, The Rites of Chaos, com direitos em nome de "Paula Pagani". É uma coleção de rituais sazonais, celebrações rimadas dos tradicionais dias festivos da Wicca. Originalmente conhecido como "O Círculo Wyrd", o "Círculo do Caos" é basicamente em estilo da Wicca, se não completamente em substância.



Em seu sentido mais verdadeiro, o mesmo não pode ser dito de Julian Wilde. Ele se considera um Wicca Tântrico Xamânico e é exatamente tão eclético quanto esta designação subentende. Por sua própria conta estudou a Wicca, a Cabala, o Shamanismo, o Zen e o Budismo Tântrico Tibetano, usou o sexo, as drogas e o Rock n'Roll como auxiliares para alcançar o êxtase, e foi influenciado pelos apontamentos de Carlos Castañeda e Michael Moorcook. Seu "Grimoire of Chaos Magick" - uma fragmento de seu Livro das Sombras pessoal que ele tinha publicado como uma coleção de sugestões para almas da mesma opinião - é um livro delgado, ainda que extraordinário. Seu estilo é ainda mais feroz e denunciatório do que o de Spare. Suas invocações são versos livres, cheias de imagens notáveis transmitidas em uma linguagem bárbara, ainda que majestosa - entre suas linhas vislumbra-se um homem que sobreviveu a quase todo tipo de catástrofe pessoal. Como se para provar a sinceridade de compromisso ao ecletismo, seu livro contém ao mesmo tempo um áspero ataque sobre e um ritual de - Aleister Crowley. Wilde é o fundador da Igreja de Ka'atas, uma entidade que não existe no sentido legal e é somente um nome para aqueles que mais ou menos compartilham de sua visão. Ele é verdadeiramente, como descreve-se, um Guerreiro do Caos.

Ray Sherwin é talvez o mais convencional dos praticantes do Caos. Como membro da I.O.T. - uma Loja Inglesa que rompeu com a O.T.O. - é um mago Cerimonialista. Ao contrário de Spare e Wilde, seus livros são escritos em um estilo calmo e analítico, sistematicamente explorando pontos de interesse prático para o mago. Um ponto que merece atenção é que a I.O.T. - ao contrário de outras praticantes do Caos - considera o Caos como o fim de uma dualidade, o outro fim sendo Cosmo/Ordem. Sherwin não parece concordar plenamente com esta visão, mas não a rejeita completamente, tomando uma postura de talvez sim/talvez não.

Após uma visão geral da Magia do Caos, agora iremos examinar detalhadamente como seus praticantes diferem do ocultismo ortodoxo e um do outro. Infelizmente, teremos de limitar a maior parte desta discussão à visão de Spare, Wilde, e Sherwin, já que o "Círculo do Caos" somente publicou rituais sazonais.

A Fonte de poder: O que o mago considera como fonte de seu poder determina o resto de sua prática. Obviamente, o Satanismo acredita que seu poder é um presente de seu mestre, o Diabo. O Cerimonialista acredita que seu poder deriva, por meio de uma série de entidades astrais, em última instância do Senhor das Hostes, o Deus mais elevado - um crowleano diria que somente os seres astrais existem e dão poder. E as adeptas da Wicca colocam sua fé na Deusa, no Deus, e nos elementais. Mas, todos os praticantes do Caos concordam que as energias ainda não descobertas no subconsciente humano são a verdadeira fonte da Magia. Eles compartilham esta visão com a filosofia Oriental, com a parapsicologia e com modernos teóricos da Magia, como Issac Bonewitz.

Os Exercícios Preparatórios: A maioria das tradições mágicas contêm um corpo de exercícios delineados para abrir o noviço às influências mágicas, as quais devem ser dominadas antes de lhe ser permitido prosseguir para os trabalhos Ritualísticos. Sem dúvida, o Satanismo considera algumas orgias e umas poucas centenas de libra da erva mais forte que possa comprar, suficiente para a tarefa. Tanto as modernas adeptas da Wicca como os Cerimonialistas concentram-se na projeção astral e na visualização - usualmente sobre os Tattwas e sobre os Arcanos Maiores do Tarot. Spare, por outro lado, coloca toda ênfase sobre a postura da morte - na qual relaxa-se totalmente o corpo e mantém-se a mente o mais vazia possível pelo maior tempo possível, uma prática vantajosa para desenvolver a condição mental de "Nem - Nem". E Wilde criou todo um novo conjunto de exercícios. O mais interessante deles é uma meditação, baseada no Tantra Tibetano, na qual visualiza-se o corpo fundindo-se completamente e então reconstruindo-se do nada, e outra meditação na qual visualiza-se os chakras - centros psíquicos dispostos um sobre o outro na espinha dorsal, um conjunto yogi - como salas modernas conectadas por uma escada espiral. Fiel à forma, Wilde diz que não precisa acreditar na existência literal dos chakras. O aspecto notável de todos estes exercícios é que eles tentam colocar o praticante em contato com o seu eu (self) mais profundo - não com entidades externas ou planos.

A Adivinhação: Usualmente, o próximo passo no treinamento do noviço é o aprendizado dos vários métodos de predizer acontecimentos vindouros. As adeptas da Wicca tendem a concentrar-se no Espelho Mágico, na Bola de Cristal, e ocasionalmente na leitura de padrões das folhas de chá ou coisa semelhante. Tanto os Cerimonialistas como as Wiccas dão grande importância ao Tarot. Modernamente, o I Ching e as Runas tornaram-se popular, e ultimamente a tábua Ouija está sendo redescoberta. Os ocultistas medievais pensavam que os métodos divinatórios eram canais pelos quais os Deuses, Semi-Anjos, e espíritos comunicavam-se com os homens. Mesmo Crowley acreditava que suas operações dependiam das inteligências astrais. Embora ainda haja aqueles que mantém-se fiéis a visão antiga, os praticantes mais modernos consideram os mecanismos de adivinhação como meios de focar a mente consciente, permitindo ao subconsciente apresentar seu conhecimento do futuro. Todo praticante do Caos concorda com a visão moderna. Wilde leva isto um pouco mais além sugerindo que a quiromancia e a astrologia, as quais a maioria dos ocultistas consideram como "ciências" objetivas, também são mecanismos de focalização. Para Wilde - que desenhou sua própria versão dos Arcanos Maiores do Tarot para seu uso particular - a disposição dos planetas num horóscopo ou as linhas na palma da mão provavelmente não tem outro significado senão aquele que ele sugere para as faculdades psíquicas do intérprete.

Iniciação: em todas as tradições ocultas, Ocidental e Oriental, a iniciação é considerada a morte do antigo ser e o simultâneo nascimento da Pessoa Mágica. Geralmente, é então que o poder mágico é conferido - na tradição Oriental, pelo instrutor - ao iniciado durante a cerimônia. Os praticante do Caos têm uma visão mais complexa do processo. Para Spare, a iniciação era quase tanto uma farsa como qualquer outra cerimônia. Sherwin e Wilde concordam que em uma iniciação propriamente dita não significa mais do que a aceitação dentro de um grupo particular de praticantes. Wilde toma a visão Shamanística de que a iniciação real é um produto de uma severa crise pessoal - pego numa situação da qual não há nenhuma via normal, de escape, o indivíduo convoca espontaneamente um poder desconhecido de seu subconsciente. Ao mesmo tempo concorda com a visão de Wilde, Sherwin acredita que é da responsabilidade do grupo de iniciados produzir artificialmente uma crise controlada no iniciado - uma prática empregada pelas antigas escolas de mistério do Egito, da Grécia, e de Roma, e das ordens maçônicas.

Ritual e Cerimônias: Os praticantes tradicionais da Magia entendiam o ritual com uma ação que agradava tanto aos Deuses que eles consentiriam com o pedido do realizador como que uma forma de retransmissão de circuito cósmico em direção a um objetivo específico. Aprender cada detalhe da cerimônia sempre foi considerado de suma importância para o sucesso da operação - um erro significaria um fracasso. A Wicca moderna, entretanto, reconhece que a intenção determina a eficácia do rito mais do que a perfeição de sua forma. A Magia do Caos concorda com a Wicca moderna - e, outra vez, vai um pouco mais além. Wilde e Sherwin consideram o ritual como uma forma de teatro, desenhado para incitar a emoção do realizador a um nível febril e, então, descarregá-lo para fora - uma catarse que deixa o mago drenado da obsessão e coloca sua mente no estado neutro "Nem - Nem" de Spare. Eles acreditam que a Magia não pode realizar seu trabalho enquanto a consciência do mago desejar que a operação tenha resultado. A fim de conseguir o seu desejo, não deve ser por muito tempo seu desejo. Ao contrário das várias tradições Cerimonialistas e de praticantes da Wicca, todos os quais empregam métodos específicos de dispor um círculo, cada um deles afirmando que seu modo é o único correto - Wilde, Sherwin, e o Círculo do Caos aconselham ao praticante de dispor seu Círculo da forma que preferir. Enquanto que os Magos tradicionais de todos os gêneros exigem que os rituais realizados para fins específicos devem ser executados com os incensos, óleos e velas coloridas apropriadas, Wilde sugere a utilização dos incensos mais alucinantes e de velas de cores mais berrantes que se possa encontrar - para todos os rituais. Também sugere a visualização de vários animais como Guardiães do Círculo, ao invés dos tradicionais Senhores dos Elementos. Sherwin sugere tanto a visualização de seres do espaço, trajando as indumentárias apropriadas, ou objetos sexuais nus nas quatro atalaias. Acreditando que a fonte do poder reside no praticante, Wilde sugere que o Mago excite sua ira, ódio, loucura, mágoa e, especialmente, ardor - sugerindo que antes do ritual ou masturbe-se ou seja felado por alguém, parando, antes do orgasmo, poupando a liberação sexual até o ponto mais alto do rito. Ele acredita que preces de súplicas aos deuses deveriam ser compostas espontaneamente no ponto mais alto do ritual. Sherwin, por outro lado, refuta a teoria que os rituais específicos deveriam ser realizados em períodos específicos, ponderando que nem todas as pessoas são notadamente afetadas pelas fases da lua e que as tábuas designando certos dias e horas para certos planetas foram desenhadas antes da descoberta de Netuno, Urano e Plutão e estão, portanto, invalidadas. O melhor momento para realizar um ritual é quando a necessidade e a oportunidade se apresentam.

Os Deuses do Caos: Como os praticantes do Caos consideram seus deuses como projeção de sua própria mente, sua atitude frente a eles é eclética e os Magos ortodoxos diriam - irreverente. O Grimório de Wilde relaciona um potpourri de divindades de uma miscelânea de panteões. Ele diz que os Deuses podem ser adaptados das palavras de escritores tais como Tolkien, e mais além afirma que qualquer Deus que não proporcione um mínimo de utilidade deveria ser esquecido. De modo geral, os praticantes do Caos preferem concentrar-se em deidades recém redescobertas ou recém criadas. Dentre as redescobertas algumas favoritas são Baphomet, um deus cornígero andrógino que, no século XII, os Cavaleiros Templários usaram como um símbolo Cabalístico, foi descrito no século XIX por Eliphas Levi, e é considerado por Wilde como a síntese total de todas as forças universais e a personificação do Caos ativo. Outro favorito é Eris, Deusa da Discórdia, uma divindade grega muito esquecida que foi considerada (na "teogenia" de Hesíodo) como sendo a mais selvagem metade feminina de Eros, o Deus do Amor. Para os gregos antigos, Eros e Eris juntos condensavam uma Afrodite andrógena. O Círculo do Caos reverencia a Thataneros - uma divindade criada por Thessalonius Loyola - que representa o princípio freudiano de Sexo e da Morte. Wilde criou K'atas - um velho sábio oriental de olhos verdes, que funciona como um guia calmo através de um temporal caótico. Levando a teoria do Caos ao extremo, pode-se dizer que um herói de revista em quadrinhos como o Super-Homem pode ser o melhor protetor de alguém que possa sentir qualquer afinidade com um deus guerreiro clássico como Marte.



Os Trabalhos Mágicos: Ao contrário de Wilde, que não tinha nada de novo a acrescentar às técnicas da Magia Prática - ele sugere que se compre encantamentos tradicionais e candle-burning books e adapte seus ensinamentos a sua necessidade. As experiências de Sherwin o levaram a algumas inovações interessantes. Como se para enviar um tremor através do corpo de Spare, Sherwin sustenta que os sigilos são melhor visualizados por meio de intensos rituais. Tomando ainda mais além o trabalho de Spare, Sherwin acredita que se poderia extrair certas sílabas das sentenças que foram sigilizadas e então entoá-las como uma espécie de mantra sem sentido enquanto se medita sobre o sigilo.

Como podemos ver, os praticante da Magia do Caos são unidos e distintos uns dos outros pela sua ênfase na experimentação e experiência individual. A Magia do Caos não é um tipo novo ou diferente de Magia. É um conjunto de princípios de trabalho - alguns novos, outros antigos, - os quais o praticante individual pode reintepretar criativamente para adaptá-lo suas próprias necessidades.

Que tipo de efeito tal abordagem personalizada terá sobre o ocultismo americano é difícil de dizer. Quem pode prever o Caos? Pode muito bem encantar o individualismo americano. Pode comprovar uma ponte útil entre o Ocultismo Oriental e Ocidental - uma ligação que no passado foi sabotada pela procura do bajulador homem branco liberal pelo selvagem exótico - a atávica incapacidade do homem branco conservador em aceitar a sabedoria de qualquer um que não se pareça com ele ou possua sua tecnologia, e o complexo de inferioridade que leva os professores asiáticos a tratar os Ocidentais como ricos atrasados. Na pior das hipóteses pode comprovar somente outro slogan expelido pelos mentecaptos Mohawks que, sendo tão estúpidos para ver o verdadeiro Caos na ordem do dia a dia, invoca o Caos ao quebrar as garrafas de cerveja na calçada e vomitando na entrada das outras pessoas. Até mesmo a possibilidade ameaçadora é tolerável, contudo, se a Magia do Caos silenciará às declamações dos maxi Wicca matriarcais, finaliza a necessidade de autenticar as tradições antigas que foram criadas dois dias depois por bruxas com mentalidade étnica, e põe fim ao incessante debate alimentado por facções ocultistas rivais sobre quantos planos a realidade possue e qual é o verdadeiro esquema de cor com que a magia deve trabalhar - todos os quais atualmente dominam o ocultismo Americano. Se a Magia do Caos pode parar os Cerimonialistas americanos de lamber os pés de suas estátuas de Aleister Crowley...mas, talvez algumas coisas são demais para de desejar.

Não importa. Qualquer coisa que possa advir, os Ingleses estão nos invadindo de novo.

Agora seu estandarte diz: O Caos Domina

É bom lembrar mais de uma vez: "Cuidado com o que pedes através da magia, pois poderá conseguir."

Lí um artigo interessante sobre isto, pelo excelente Escritor de Quadrinhos Grant Morrison em que ele conta que, certa vez, só para testar a Sigilização, fez um para "se encontrar com o Super Homem". Um dia ele estava sentado num banco de praça em San Diego, quando de repente: É um pássaro,? É um avião? Não, era o Super Homem ali mesmo, em carne e osso, de pé em sua frente. Ele mais que prontamente fez uma das melhores entrevistas de sua vida. E depois o Super foi para a famosa Convenção de Quadrinhos e afins de San Diego. Era um fã vestido a caráter. O Universo e a Magia nos prega peças. Seja específico e tenha certeza do que está pedindo...- José Carlos Neves





Fonte: http://www.alanmoore.com.br/Artigo35.aspx






terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Sinto, logo existo - Por uma antropologia dos sentidos



Por: Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia


(RESENHA da obra de LE BRETON, David. "El sabor del mundo – Una antropología de los sentidos". Buenos Aires, Ediciones Nueva Visión, 2007, 367 p.)


“El mundo es la emanación de un cuerpo que lo penetra. (...) Antes del pensamiento, están los sentidos” (p.11).

Com essas frases, ainda no primeiro parágrafo do livro, David Le Breton inicia mais uma das críticas ao pensamento de Descartes e sua influência nas noções de corpo no imaginário ocidental. O objetivo de sua afirmativa, “sinto, logo existo”, é estabelecer as bases de uma antropologia dos sentidos focada no papel da orientação cultural e das experiências pessoais nas percepções sensoriais, entendidas como sensibilidades individuais ou projeções de significados do indivíduo sobre o mundo a partir das suas relações com o entorno, das suas formas de comunicação e percepção, enfim, do seu engajamento corporal no mundo.


Ao tratar da corporeidade e o conhecimento do mundo, Le Breton retoma contribuições de duas obras fundamentais de Maurice Merleau-Ponty: Fenomenologia da Percepção (1999) e O visível e o invisível (1999a). Merleau-Ponty mostra em Fenomenologia a relação entre o corpo e o espaço exterior na dinâmica das percepções sensoriais, pois é no movimento, na prática que a espacialidade do corpo se realiza. Segundo o autor, “o movimento não se contenta em submeter-se ao espaço e ao tempo, ele os assume ativamente, retoma-os em sua significação original” (1999, p. 149). O homem se efetiva pela ação do corpo no tempo e no espaço. O corpo habita o tempo e o espaço e essa é a condição humana do conhecimento. Para Lê Breton, isso é essencial para refletir sobre a tomada de consciência sensível do mundo, a inscrição do homem no seu entorno e a elaboração simbólica do seu meio através das percepções sensoriais. Se o corpo tem a mesma carne que o mundo, como propõe Merleau-Ponty em O Visível e o invisível (1999a), “a carne é a via de abertura para o mundo”, sugere Le Breton (p. 21). O corpo não é então um limite ao conhecimento do mundo pelo espírito. É, pelo contrário, a forma do homem experienciar o mundo e a si próprio, agir e atribuir significado à concretude do mundo e reconhecer a si mesmo como um ser, “uma criatura de sentido” (p. 22), a partir do sistema simbólico que vivencia. Conceitua, assim, o corpo em atividade de conhecimento como condição de entrelaçamento do homem com o mundo através dos fluxos de sentidos. Em suas palavras, “frente al mundo, el hombre nunca es un ojo, una oreja, una mano, una boca o una nariz, sino una mirada, una escucha, un tacto, una gustación o una olfacción, es decir, una actividad” (p. 22). O indivíduo se apropria simbolicamente do mundo através de suas percepções, suas projeções de significados sobre o mundo. As percepções sensoriais são tidas por Le Breton como interpretações pessoais do universo de sentidos resultantes da experiência do sujeito a partir da sua localização social e dos códigos simbólicos que compartilha. Cada sociedade configura um modelo sensorial próprio, particularizado pelas experiências e vinculações dos indivíduos que a constituem.



Ou seja, qualquer socialização é uma restrição da sensorialidade possível e, sendo assim, “experimentar el mundo (...) es percibilo com su estilo propio em el seno de uma experiencia cultural” (p. 14). As percepções, sejam olfativas, visuais, auditivas, tácteis ou gustativas, remetem às memórias e emoções fundantes do enraizamento dos indivíduos no mundo social como marcas da experiência decodificadas pelo sistema simbólico. Os dados sensíveis são referenciados por eventos significativos da vivência do indivíduo e, dessa forma, distendem o tempo pela via da rememoração, da evocação de diversas emoções possíveis. Tais propostas estimulam investigações que tenham o corpo como matriz da identidade, com vistas às relações e fronteiras em jogo no social dinamizadas pelas atividades de interpretação e expressão sensoriais. Para Le Breton, o antropólogo deve se abrir às outras culturas sensoriais, estranhar seus sentidos, e, nesse desprendimento perceptivo, acessar outras maneiras de sentir o mundo (p.16). O antropólogo tem o papel de se colocar como outra percepção possível nesse universo de sentidos, de buscar compreender os significados das trocas permanentemente agenciadas pelos sujeitos em suas relações intersubjetivas.


Ao longo do livro o autor expõe um extenso mosaico de dados ilustrativos sobre o papel das percepções nas mais diversas sociedades e épocas como forma de dar sustentação a suas argumentações. Aponta inúmeras direções abertas para explorações no universo das sensibilidades - algumas já mais percorridas que outras. Desde o longo processo histórico que edifica a hierarquização do universo sensorial no mundo ocidental e confere à visão o papel de metáfora do conhecimento, do esclarecimento à visão de mundo, até o cafuné e a sensualidade própria dos negros no Brasil escravagista, da repugnância como emoção socialmente construída e simbolicamente elaborada ao universo acústico próprio a cada comunidade humana, o autor apresenta elementos e inspirações para a antropologia dos sentidos. Em sua análise sobre a supremacia do olhar em relação aos outros sentidos corpóreos no ocidente, Lê Breton reconstrói o processo de configuração da idéia de individualidade relacionado à visão. Busca então na Renascença a celebração da visão, a maior instância das atividades sensoriais e, em conseqüência, a estigmatização da cegueira como a maior das invalidezes, a impossibilidade efetiva de qualquer lucidez ou discernimento. Como “janela da alma”, a visão ganha a partir de então o estatuto de sentido primordial pela importância do distanciamento, da diferenciação entre o eu e o nós, que tem nas biografias e retratos, bem como nos auto-retratos característicos desta época, seu traço revelador. A demarcação do individual na sociedade ganha forma simultaneamente à elevação da visão ao posto de sentido “mais nobre” por ser o sentido próprio da distinção.

Pelo distanciamento, “la vista cobra importancia en detrimento de los sentidos de la proximidad, como el tacto, el olor o el oído. El progressivo alejamiento del otro a través del nuevo estatuto del sujeto como individuo modifica asimismo el estatuto de los sentidos” (p. 37). A epígrafe e o encerramento do livro – nomeado ouverture - são citações de Marcel Proust em No caminho de Swann, inspiração para leituras e reflexões sobre sensibilidades e emoções, memórias impregnadas no corpo em sua trajetória pelo mundo, recordações da “inesgotável profusão” de estímulos experienciada, envolvidas pelo encanto do vivido que revelam a consciência “amarga e doce” das limitações humanas (p. 345). Assim é também, afirma Le Breton, o antropólogo em seu ofício. Leves toques na aproximação da infinitamente profunda dimensão do humano, mas com a consciência do seu encanto pelo efêmero, pelos deslocamentos e retornos tão inúteis quanto plenos de significados, para quem a investigação vale por si mesma, pois a percorre, como Proust, com “a emoção à flor da pele” (Idem).

Luiz Gustavo Pereira de Souza Correia

(Fonte: RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 7, n. 21, pp. 668
a 675, dezembro de 2008.)






Referências





MERLEAU-PONTY, Maurice. (1999). Fenomenologia da Percepção. São Paulo, Ed. Martins Fontes.



MERLEAU-PONTY, Maurice. (1999). O visível e o invisível. São Paulo, Ed. Perspectiva.



PROUST. Marcel. (2001). No caminho de Swann. Rio de Janeiro, Ed. Globo.




domingo, 8 de fevereiro de 2009

O Saussure místico


"O binarismo redescobre-se nos centros de interesse e na própria personalidade do lingüista genebrino, que trocava frequentemente Genebra por Marselha; nessas viagens regulares, ele levava pequenos cadernos que cobria de meditações sobre os textos védicos e saturninos da poesia sagrada da Índia e de Roma. Assim foi que ele encheu 200 cadernos a respeito dos anagramas e efetuou toda uma pesquisa cabalística para ver se não haveria um nome próprio disseminado no interior desses textos que fosse, ao mesmo tempo, o destinatário e o sentido fundamental da mensagem.

"Perturbado por suas descobertas, Sausssure até se interessa por sessões de espiritismo durante os anos de 1895-1898. Essa dualidade não é, aliás, exclusiva de Saussure, vamos encontrá-la também em outros cientistas. Foi o que ocorreu com Newton, por exemplo, que enchia milhares de páginas sobre alquimia ao mesmo tempo em que redigia os seus Principia. O fundador da mecânica clássica e da racionalidade ocidental estava também empenhado na descoberta da pedra filosofal.


Saussure



"Haveria, portanto, naquele que Luis-Jean Calvet denominou o segundo Saussure (22), a idéia da existência de uma linguagem sob a linguagem, de uma codificação consciente ou inconsciente das palavras sob as palavras, uma busca de estruturas latentes, das quais não existe o menor traço no Curso de Ligüística Geral, no Saussure oficial, ajardinado. Saussure chegou mesmo a ser convocado em 1898 por um professor de psicologia de Genebra, Fleury, para examinar o caso de glossolalia de Mlle.Smith que, sob hipnose, declarava falar sânscrito. Saussure, professor de sânscrito, deduziu que "não era sânscrito, mas que nada havia que fosse contra o sânscrito".(23)
Todos esses cadernos foram cuidadosamente mantidos em segredo pela família e somente em 1964 Jean Starobinski pôde publicar parcialmente esses anagramas.(24)


Julia Kristeva



"Poder-se-á então inaugurar uma nova direção nas investigações, apoiando-se nessa descoberta, em meados dos anos 60, com destaque para Julia Kristeva. Pode-se falar, com Jakobson, da "segunda revolução saussuriana", por muito tempo reprimida.

(...)

Essa segunda filiação permitirá o retorno do sujeito. "



Notas

(22) CALVET, L.-J., Pour et contre Saussure. Paris:Payot, 1975.

(23) Louis-Jean Cavet, entrevista com o autor.

(24) J. Starobinski, Mercure de France, fevr. 1964; depois, Les mots sous les mots. [Paris:Gallimard], 1971.




(Texto extraído da obra de François Dosse,"História do Estruturalismo", Vol.1, cap.7: "O Corte Saussuriano". )

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Existe uma Realidade Objetiva ou o Universo é um Fantasma?



Em 1982 ocorreu um fato muito importante. Na Universidade de Paris uma equipe de pesquisa liderada pelo físico Alain Aspect realizou o que pode se tornar o mais importante experimento do século 20. Você não ouviu falar sobre isto nas notícias da noite. De fato, a menos que você tenha o hábito de ler jornais e revistas científicos, você provavelmente nunca ouviu falar no nome de Aspect.

E há muitos que pensam que o que ele descobriu pode mudar a face da ciência.

Aspect e sua equipe descobriram que sob certas circunstâncias partículas subatômicas como os elétrons são capazes de instantaneamente se comunicar umas com as outras a despeito da distância que as separe. Não importa se esta distância é de 10 pés ou de 10 bilhões de milhas. De alguma forma uma partícula sempre sabe o que a outra está fazendo. O problema com esta descoberta é que isto viola a por muito tempo sustentada afirmação de Einstein que nenhuma comunicação pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz. E como viajar mais rápido que a velocidade da luz é o objetivo máximo para quebrar a barreira do tempo, este fato estonteante tem feito com que muitos físicos tentem vir com maneiras elaboradas para descartar os achados de Aspect.

Mas também tem proporcionado que outros busquem explicações mais radicais.

O físico da Universidade de Londres, David Bohm, por exemplo, acredita que as descobertas de Aspect implicam em que a realidade objetiva não existe, que a despeito da aparente solidez o universo está no coração de um holograma fantástico, gigantesco e extremamente detalhado. Para entender porque Bohm faz esta afirmativa surpreendente, temos primeiro que saber um pouco sobre hologramas. Um holograma é uma fotografia tridimensional feita com a ajuda de um laser.

Para fazer um holograma, o objeto a ser fotografado é primeiro banhado com a luz de um raio laser. Então um segundo raio laser é colocado fora da luz refletida do primeiro e o padrão resultante de interferência (a área aonde se combinam estes dois raios laser) é capturada no filme. Quando o filme é revelado, parece um rodamoinho de luzes e linhas escuras. Mas logo que este filme é iluminado por um terceiro raio laser, aparece a imagem tridimensional do objeto original.

A tridimensionalidade destas imagens não é a única característica importante dos hologramas. Se o holograma de uma rosa é cortado na metade e então iluminado por um laser, em cada metade ainda será encontrada uma imagem da rosa inteira. E mesmo que seja novamente dividida cada parte do filme sempre apresentará uma menor, mas ainda intacta versão da imagem original. Diferente das fotografias normais, cada parte de um holograma contém toda a informação possuída pelo todo.

A natureza de "todo em cada parte " de um holograma nos proporciona uma maneira inteiramente nova de entender organização e ordem. Durante a maior parte de sua história, a ciência ocidental tem trabalhado dentro de um conceito que a melhor maneira para entender um fenômeno físico, seja ele um sapo ou um átomo, é dissecá-lo e estudar suas partes respectivas. Um holograma nos ensina que muitas coisas no universo não podem ser conduzidas por esta abordagem. Se tentamos tomar alguma coisa à parte, alguma coisa construída holograficamente, não obteremos as peças da qual esta coisa é feita, obteremos apenas inteiros menores.

Este "insight" é o sugerido por Bohm como outra forma de compreender os aspectos da descoberta de Aspect. Bohm acredita que a razão que habilita as subpartículas a permanecerem em contacto umas com as outras a despeito da distância que as separa não é porque elas estejam enviando algum tipo de sinal misterioso, mas porque esta separação é uma ilusão. Ele argúe que em um nível mais profundo de realidade estas partículas não são entidades individuais, mas são extensões da mesma coisa fundamental.

Para capacitar as pessoas a melhor visualizarem o que ele quer dizer, Bohm oferece a seguinte ilustração: Imagine um aquário que contém um peixe. Imagine também que você não é capaz de ver este aquário diretamente e seu conhecimento deste aquário se dá por meio de duas câmaras de televisão, uma dirigida ao lado da frente e outra a parte lateral.

Quando você fica observando atentamente os dois monitores, você acaba presumindo que o peixe de cada uma das telas é uma entidade individual. Isto porque como as câmeras foram colocadas em ângulos diferentes, cada uma das imagens será também ligeiramente diferente. Mas se você continua a olhar para os dois peixes, você acaba adquirindo a consciência de que há uma relação entre eles.

Quando um se vira, o outro faz uma volta correspondente apenas ligeiramente diferente; quando um se coloca de frente para a frente, o outro se coloca de frente para o lado. Se você não sabe das angulações das câmeras você pode ser levado a concluir que os peixes estão se intercomunicando, apesar de claramente este não ser o caso.

Isto, diz Bohm, é precisamente o que acontece com as partículas subatômicas na experiência de Aspect. Segundo Bohm, a aparente ligação mais-rápido-do-que-a-luz entre as partículas subatômicas está nos dizendo realmente que existe um nível de realidade mais profundo da qual não estamos privados, uma dimensão mais complexa além da nossa própria que é análoga ao aquário. E ele acrescenta, vemos objetos como estas partículas subatômicas como se estivessem separadas umas das outras porque estamos vendo apenas uma porção da realidade delas.

Estas partículas não são partes separadas mas sim facetas de uma unidade mais profunda e mais subliminar que é holográfica e indivisível como a rosa previamente mencionada. E como tudo na realidade física está compreendido dentro destes "eidolons", o próprio universo é uma projeção, um holograma.

Em adição a esta natureza fantástica, este universo possuiria outras características surpreendentes. Se a aparente separação das partículas subatômicas é uma ilusão, isto significa que em nível mais profundo de realidade todas as coisas do universo estão infinitamente interconectadas.

Os elétrons num átomo de carbono no cérebro humano estão interconectados com as partículas subatômicas que compreendem cada salmão que nada, cada coração que bate, e cada estrela que brilha no céu.

Tudo interprenetra tudo e embora a natureza humana possa buscar categorizar como um pombal e subdividir os vários fenômenos do universo, todos os aportes toda esta necessidade é de fato artificial e todas de natureza que é finalmente uma rede sem sentido.

Em um universo holográfico, mesmo o tempo e o espaço não podem mais serem vistos como fundamentais. Porque conceitos como localização se quebram diante de um universo em que nada está verdadeiramente separado de nada, tempo e espaço tridimensional, como as imagens dos peixes nos monitores, também podem ser vistos como projeções de ordem mais profunda.

Este tipo de realidade a nível mais profundo é um tipo de super holograma no qual o passado, o presente, o futuro existem simultaneamente. Sugere que tendo as ferramentas apropriadas pode ser algum dia possível entrar dentro deste nível de realidade super holográfica e trazer cenas do passado há muito esquecido. Seja o que for que o super holograma contenha, é ainda uma questão em aberto. Pode-se até admitir, por amor a argumentação, que o super holograma é a matriz que deu nascimento a tudo em nosso universo e no mínimo contém cada partícula subatômica que existe ou existirá - cada configuração da matéria e energia que é possível, de flocos de neve a quasars, de baleias azuis aos raios gamma. Deve ser visto como um tipo de "depósito" de "Tudo que é".

Embora Bohm admita que não há maneira de saber o que mais pode estar oculto no super holograma, ele se arrisca em dizer que não temos qualquer razão para admitir que ele não contenha mais. Ou, como ele coloca, talvez o nível super holográfico da realidade é um simples estágio além do que repousa "uma infinidade de desenvolvimento posterior".

Bohm não é o único pesquisador que encontrou evidências de que o universo é um holograma. Trabalhando independentemente no campo da pesquisa cerebral, o neurofisiologista Karl Pribram, de Standford também se persuadiu da natureza holográfica da realidade. Pribram desenhou o modelo holográfico para o quebra-cabeças de como e onde as memórias são guardadas no cérebro.

Por décadas, inúmeros estudos tem mostrado que muito mais que confinadas a uma localização específica, as memórias estão dispersas pelo cérebro.

Em uma série de experiências com marcadores na década de 20, o cientista cerebral Karl Lashley concluiu que não importava que porção do cérebro do rato era removida; ele era incapaz de erradicar a memória de como eram realizadas as atividades complexas que tinham sido aprendidas antes da cirurgia. O único problema foi que ninguém foi capaz de poder explicar a natureza de "inteiro em cada parte" da estocagem da memória.

Então, na década de 60, Pribram encontrou o conceito de holografia e entendeu que ele tinha achado a explicação que os cientistas cerebrais estavam buscando. Pribram acredita que as memórias são codificadas não nos neurônios, ou pequenos grupos de neurônios, mas em padrões de impulsos nervosos de tipo cruzado em todo o cérebro da mesma forma que a interferência da luz laser atravessa toda a área de um pedaço de filme contendo uma imagem holográfica. Em outras palavras, Pribram acredita que o próprio cérebro é um holograma.

A teoria de Pribram também explica como o cérebro humano pode guardar tantas memórias em um espaço tão pequeno.

Tem sido calculado que o cérebro humano tem a capacidade de memorizar algo na ordem de 10 bilhões de bits de informação durante a média da vida humana ( ou rudemente comparando, a mesma quantidade de informação contida em cinco volumes da Encyclopaedia Britannica).

Similarmente, foi descoberto que em adição a suas outras capacidades, o holograma possui uma capacidade de estocagem de informação simplesmente mudando o ângulo no qual os dois lasers atingem um pedaço de filme fotográfico, e é possível gravar muitos registros diferentes na mesma superfície. Tem sido demonstrado que um centímetro cúbico pode estocar mais que 10 bilhões de bits de informação.

Nossa habilidade de rapidamente recuperar qualquer informação que precisamos do enorme estoque de nossas memórias se torna mais compreensível se o cérebro funciona segundo princípios holográficos. Se um amigo pede a você que diga o que lhe vem a mente quando ele diz a palavra "zebra", você não tem que percorrer uma gigantesca lista alfabética para encontrar a resposta. Ao contrário, associações como "listrada", parecida com um cavalo e "animal nativo da África" logo lhe vem à mente.

Uma das coisas mais surpreendentes sobre o processo de pensamento humano é que cada peça de informação parece imediatamente correlacionada com muitas outras - uma outra característica intrínseca do holograma. Por que cada porção de um holograma é infinitamente interligada com todas as outras porções, talvez seja a natureza o supremo exemplo de um sistema interligado.

A estocagem da memória não é o único quebra-cabeças neurofisiológico que se torna abordável à luz do modelo holográfico de cérebro de Pribram.

Um outro é como o cérebro é capaz de traduzir a avalanche de freqüências que recebe via sentidos (freqüências de sons, freqüências de luz e assim por diante ) dentro do mundo concreto de nossas percepções. Codificando e decodificando freqüências é precisamente o que o holograma faz melhor.

Exatamente como um holograma funciona como um tipo de lente, um aparelho tradutor capaz de converter um borrão de freqüências aparentemente sem sentido em uma imagem coerente, Pribram acredita que o cérebro também parece uma lente e usa os princípios holográficos para converter matematicamente as freqüências que recebe através dos sentidos dentro do mundo interior de nossas percepções. Um impressionante corpo de evidência sugere que o cérebro usa os princípios holográficos para realizar as suas operações. A teoria de Pribram de fato tem ganho suporte crescente entre os neurofisiologistas.

O pesquisador ítalo-argentino Hugo Zucarelli recentemente estendeu o modelo holográfico ao mundo dos fenômenos acústicos. Confuso pelo fato de que os humanos podem localizar a fonte dos sons sem moverem as cabeças, mesmo se eles só possuem audição em um ouvido, Zucarelli descobriu que os princípios holográficos podem explicar estas habilidades.

Zucarelli também desenvolveu uma técnica de som holográfico, uma técnica de gravação capaz de reproduzir sons acústicos com um realismo quase inconcebível.

A crença de Pribram que nossos cérebros constroem matematicamente a "dura" realidade pela liberação de um input de uma freqüência dominante também tem recebido grande quantidade de suporte experimental. Foi descoberto que cada um de nossos sentidos é sensível a uma extensão muito mais ampla de freqüências do que se suspeitava anteriormente.

Os pesquisadores tem descoberto, por exemplo, que nosso sistema visual é sensível às freqüências de som, nosso sentido de olfato é em parte dependente do que agora chamamos de freqüências ósmicas e que mesmo cada célula de nosso corpo é sensível a uma ampla extensão de freqüências. Estas descobertas sugerem que está apenas sob o domínio holográfico da consciência e que estas freqüências são selecionadas e divididas dentro das percepções convencionais.

Mas o mais envolvente aspecto do modelo holográfico cerebral de Pribram é o que acontece quando ele é conjugado à teoria de Bohm. Se a "concretividade" do mundo nada mais é do que uma realidade secundária e o que está "lá" é um borrão de freqüências holográfico, e se o cérebro é também um holograma e apenas seleciona algumas das freqüências deste borrão e matematicamente transforma-as em percepções sensoriais, o que vem a ser a realidade objetiva? Colocando de forma simples, ela deixa de existir.

Como as religiões orientais há muito tem afirmado, o mundo material é Maya, uma ilusão, e embora pensemos que somos seres físicos que se movem em um mundo físico, isto também é uma ilusão. Somos realmente "receptores" boiando num mar caleidoscópico de freqüência, e que extraímos deste mar e transformamos em realidade física não é mais que um canal entre muitos do super holograma.

Esta intrigante figura da realidade, a síntese das abordagens de Bohm e Pribram tem sido chamada de "paradigma holográfico", e embora muitos cientistas tenham recebido isto com ceticismo, este paradigma tem galvanizado outros. Um pequeno mas crescente grupo de pesquisadores acredita que este pode ser o modelo mais acurado da realidade científica que foi mais longe. Mais do que isto, muitos acreditam que ele pode solucionar muitos mistérios que nunca foram antes explicados pela ciência e mesmo estabelecer o paranormal como parte da natureza.

Numerosos pesquisadores como Bohm e Pribram tem notado que muitos fenômenos parapsicológicos se tornam muito mais compreensíveis em termos do paradigma holográfico.

Em um universo em que cérebros individuais são atualmente porções indivisíveis de um holograma muito maior e tudo está infinitamente interligado, a telepatia pode ser simplesmente o acessamento do nível holográfico. E é obviamente muito mais fácil entender como a informação pode viajar da mente do indivíduo A para a do indivíduo B ao ponto mais distante e auxilia a entender um grande número de quebra-cabeças em psicologia.

Em particular, Grof sente que o paradigma holográfico oferece um modelo de compreensão para muitos estonteantes fenômenos vivenciados por indivíduos durante estados alterados de consciência. Nos anos 50, conduzindo uma pesquisa em que se acreditava que o LSD seria um instrumento psicoterapêutico, Grof teve uma paciente que de repente ficou convencida que tinha assumido a identidade de uma femea de uma espécie pré-histórica de répteis.

Durante o curso da alucinação dela, ela não somente deu riquissimos detalhes do que ela sentia ao ser encapsulada naquela forma, mas notou que uma porção do macho daquela espécie tinha anatomia que era um caminho para as escamas coloridas ao lado de sua cabeça. O que foi surpreendente para Grof é que a mulher não tinha conhecimento prévio sobre estas coisas, e uma conversação posterior com um zoologista confirmou que em certas espécies de repteis as áreas coloridas na cabeça tem um importante papel como estimulantes do desenvolvimento sexual.

A experiência desta mulher não foi única. Durante o curso da pesquisa, Grof encontrou exemplos de pacientes regredindo e se identificando com virtualmente todas as espécies na árvore evolucionária (descobertas da pesquisa ajudaram a influenciar a cena do homem-vindo-do-macaco no filme Altered States). E mais ainda, ele descobriu que estas experiências freqüentemente continham detalhes obscuros que mais tarde vieram a ser confirmados como acurados.

Regressões dentro do reino animal não são os únicos quebra cabeças entre os fenômenos psicológicos que Grof encontrou.

Ele também teve pacientes que pareciam entrar em algum tipo de consciência racial ou coletiva. Indivíduos com pouca ou nenhuma educação repentinamente davam detalhadas descrições das práticas funerárias do Zoroastrismo e cenas da mitologia hindu. Em outro tipo de experiências os indivíduos forneciam relatos persuasivos de jornadas fora do corpo, relâmpagos pré cognitivos do futuro, de regressões dentro de aparentemente encarnações de vidas passadas.

Em pesquisa posterior, Grof encontrou a mesma extensão de fenômenos manifestados em seções de terapia que não envolviam o uso de drogas. Em virtude dos elementos em comum nestas experiências parecerem transcender a consciência individual, além dos usuais limites do ego e/ou as limitações de tempo ou espaço, Grof chamou estas manifestações de experiências transpessoais e no fim dos anos 60 ele auxilou na fundação de um ramo de psicologia chamada "psicologia transpessoal" e se devotou inteiramente ao seu estudo.

Embora a recém-fundada Association of Transpersonal Psychology conquistasse um rápido crescimento entre o grupo de profissionais de mente similar, e se tornasse um ramo respeitado da psicologia, durante anos nem Grof nem seus colegas foram capazes de fornecer um mecanismo para explicar os bizarros fenômenos psicológicos que eles estavam testemunhando. Mas isto mudou com o advento do paradigma holográfico. Como Grof recentemente notou, se a mente é parte de um continuum, um labirinto que é conectado não somente as outras mentes que existem ou existiram, mas a cada átomo, cada organismo e região na vastidão do espaço e tempo, o fato de que seja capaz de ocasionalmente fazer entradas no labirinto e Ter experiências transpessoais não pode mais parecer estranho.

O paradigma holográfico tem também implicações nas chamadas ciências "concretas" como a biologia. Keith Floyd, um psicólogo do Virginia Intermont College, tem pontificado que a concretividade da realidade é apenas uma ilusão holográfica, e não está muito longe da verdade dizer que o cérebro produz a consciência. Mais ainda, é a consciência que cria a aparência do cérebro - bem como do corpo e de tudo mais que nós interpretamos como físico.

Esta virada na maneira de se ver as estruturas biológicas fez com que pesquisadores apontassem que a medicina e o nosso entendimento do processo de cura poderia também ser transformado em um paradigma holográfico. Se a aparente estrutura física do corpo nada mais é do que a projeção holográfica da consciência, torna-se claro que cada um de nós é mais responsável por sua saúde do que admite a atual sabedoria médica. Que nós agora vejamos as remissões miraculosas de doenças podem ser próprias de mudanças na consciência que por sua vez efetua alterações no holograma do corpo.

Similarmente, novas técnicas controversas de cura como a visualização podem funcionar muito bem porque no domínio holográfico de imagens pensadas que são muito "reais" se tornam "realidade". Mesmo visões e experiências que envolvem realidades "não ordinárias" se tornam explicáveis sob o paradigma holográfico. Em seu livro, "Gifts of Unknown Things," o biologista Lyall Watson descreve seu encontro com uma mulher xamã indonésia que, realizando uma dança ritual , foi capaz de fazer um ramo inteiro de uma árvore desaparecer no ar. Watson relata que ele e outro atônito expectador continuaram a olhar para a mulher, e ela fez o ramo reaparecer, desaparecer novamente e assim por várias vezes.

Embora o atual entendimento científico seja incapaz de explicar estes eventos, experiências como esta vem a ser mais plausíveis se a "dura" realidade é apenas uma projeção holográfica. Talvez concordemos sobre o que está "lá" ou "não está lá " porque o que chamamos consenso realidade é formulada e ratificada a nível de inconsciência humana a qual todas as mentes estão interligadas.

Se isto é verdade, a mais profunda implicação do paradigma holográfico é que as experiências do tipo da de Watson não são lugares comum somente porque nós não temos programado nossas mentes com as crenças que fazem com que sejam.

Num universo holográfico não há limites para a extensão do quanto podemos alterar o tecido da realidade. O que percebemos como realidade é apenas uma forma esperando que desenhemos sobre ela qualquer imagem que queiramos.

Tudo é possível, de colheres entortadas com o poder da mente aos eventos fantasmagóricos vivenciados por Castaneda durante seus encontros com o bruxo Yaqui Don Juan, mágico de nascença, não mais nem menos miraculoso que a nossa habilidade para computar a realidade que nós queremos quando sonhamos.

E assim, mesmo as nossas noções fundamentais sobre a realidade se tornam suspeitas, dentro de um universo holográfico, como Pribram postulou, e mesmo eventos ao acaso podem ser vistos dentro dos princípios básicos holográficos e portanto determinados.

Sincronicidades ou coincidências significativas de repente fazem sentido, e tudo na realidade terá que ser visto como uma metáfora, e mesmo eventos ao acaso expressariam alguma simetria subjacente.

Seja o paradigma holográfico de Bohm e Pribram aceito na ciência ou morra de morte ignóbil, é seguro dizer que ele já tem influenciado a mente de muitos cientistas. E mesmo se descoberto que o modelo holográfico não oferece a melhor explicação para as comunicações instantâneas que vimos ocorrer entre as partículas subatômicas, no mínimo, como observou notou Basil Hiley, um físico do Birbeck College de Londres, os achados de Aspect "indicam que devemos estar preparados para considerar radicalmente novos pontos de vista da realidade".


Tradução do original:
Reality - the Holographic Universe - 03/16/97.


Arquivo postado como REALITY.ASC na lista KeelyNet BBS em 24 de fevereiro de 1991.


Extraído de:



domingo, 1 de fevereiro de 2009

O ciclo de nascimento e morte é uma ilusão


"Bhikkhus (monges), sejam diligentes em sua prática de olhar profundamente a fim de que o fruto da Compreensão possa surgir e vocês não permaneçam mais aderidos à dor. Nascimento, doença, velhice e morte também deixarão de importunar vocês.

"Quando um bikkhu estiver por realizar seu passamento, ele deveria manter a contemplação do corpo, dos sentimentos, da mente e dos objetos da mente. Cada posição e cada ato do corpo deveriam ser postos sob a mente atenta. O bikkhu comtempla a natureza da impermanência e a natureza da interdependência do corpo e dos sentimentos, de modo que não fique ligado ao corpo e aos sentimentos, ainda que prazerosos.

"Se precisa de todas as suas forças para suportar a dor, ele deveria apenas observar:

Este é um tipo de dor que necessita de toda as minhas forças para ser tolerada. Esta dor não sou eu. Eu não sou esta dor. Não estou preso a esta dor. O corpo e os sentimentos são, neste momento, como uma lamparina cujo óleo e pavio estão se extingüindo. É por meio de condições que a luz se manifesta ou cessa de se manifestar. Eu não estou ligado às condições.

Se um monge praticar desse modo, calma e alívio surgirão"



***



Quando as primeiras chuvas começaram a aliviar o calor do verão, ele voltou a Jetavana para a estação do retiro. Ensinou mais aos bhikkus e bhikkunis (monges e monjas) sobre a lei da originação interdependente. Um deles levantou-se e disse:

"Senhor, você tem ensinado que a consciência é a base para nome e forma. Isto quer dizer que a existência de todos os darmas emerge da consciência ?"

O Buda respondeu: "Isto está correto. A forma é um objeto da consciência. O sujeito e o objeto são as duas faces da realidade. Não pode haver consciência sem o objeto da consciência. A consciência e o objeto da consciência não podem ser separados, ambos são ditos surgidos da mente."

"Senhor, se a forma surge da consciência, ela pode ser considerada a fonte do universo. É possível saber como a consciência ou a mente surgem ? Quando a mente surgiu ? É possível alguém falar em início da mente ?"

"Bhikkus, os conceitos de início e fim são meras construções mentais criadas pela mente. Na verdade, não há início ou fim. Nós só pensamos em termos de princípio e fim quando somos capturados pela ignorância. É devido à ignorância que as pessoas são apanhadas em um ciclo intermínável de nascimento e morte."

"Se o ciclo de nascimento e morte não tem início nem fim, como alguém pode escapar dele?"

"Nascimento e morte são meros conceitos fabricados pela ignorância. Transcender os pensamentos de nascimento-e-morte e começo-e-final é transcender o ciclo infindável. Bhikkus, isto é tudo o que desejava dizer por hoje. Pratiquem olhar profundamente para dentro das coisas. Falaremos novamente sobre este assunto um outro dia."





Extraído do livro do Mestre Thich Nhat Hanh, "Velho Caminho, Nuvens Brancas - Seguindo as Pegadas do Buda", pag. 341-342 ( Trad. Enio Burgos)