terça-feira, 30 de novembro de 2010

As influências gnósticas de Peter Sloterdijk






As influências gnósticas de Peter Sloterdijk

Por: José Luiz Bueno - Universidade de São Paulo, Brasil


Resumem


O filósofo alemão Peter Sloterdijk, em uma de suas mais conhecidas obras, “Extrañamiento del Mundo” se propõe, em seu esforço de construir uma moderna teoria do homem, a retomar e fazer fecundo o que ele chama “um velho tema gnóstico”. Com os elementos adquiridos nesta retomada, também prentende atualizar a presente linguagem não-metafisica para que esta possa dar conta de aspectos da experiência humana de negação do mundo, tema em que somente nas línguas metafísicas se encontram recursos para a sua expressão. Assim, nos propomos a fazer um percurso por textos do filósofo alemão para avaliar se, e em que medida, os conceitos gnósticos estão presentes em seu pensamento.


Las influencias gnósticas en Peter Sloterdijk (1)


No prefácio de seu livro Extrañamiento del Mundo (2), Peter Sloterdijk diz que “encabeza una serie de tentativas de hacer fecundo um viejo tema gnostico para uma teoria moderna del hombre”. Nossa proposta é rastrear a presença destes conceitos gnósticos em alguns textos de nosso autor. Para tanto, analisaremos não somente o livro acima citado, mas também textos de seu livro Esferas II (3), procurando, assim, reconhecer se, e em que grau, a presença de tais conceitos em suas argumentações conformam de alguma maneira a estrutura de seu pensamento.

Peter Sloterdijk se pergunta no título de um capítulo de “Extrañamiento del Mundo” se o mundo é negável. Partindo desta questão, Sloterdijk se propõe a atualizar algumas idéias antigas, muito estruturais na consciência ocidental, e que se fazem presentes de maneiras empiricamente observáveis, como é o caso da prática das pessoas de estar e não estar no mundo. A música, a meditação não objetiva, o entretenimento, o sonho noturno e diurno, a religião, são, entre tantos outros, alguns caminhos do sujeito contemporâneo através dos quais este faz desaparecer o mundo externo para, talvez assim, aliviar o peso deste sobre si mesmo.

Entretanto, encarar esta questão não se esgota em somente fazer um simples discurso psicológico mecanicista de uma tendência biopsíquica do indivíduo humano. Ao menos é assim que vemos o esforço de Sloterdijk, que propõe que a antropologia e a psicanálise devem ser os sucedâneos da metafísica em tempos de pensamento não metafísico.

Para isso, deve-se ter novas formas de contar a história do homem, e discorrer sobre a metafisica de uma maneira melhor do que ela faria sobre si mesma. É assim que a linguagem poderosamente metafórica de Sloterdijk adquire seu sentido e sua aplicação. E este é o caso da grande linguagem metafórica das esferas. Esta imagem, que é assumida como sua principal maneira de expressão, não é apresentada como sua criação senão como uma morfologia universal identificável antropológica e historicamente.

Se as idéias e conceitos gnósticos se harmonizam com a metafórica das esferas é algo que vamos investigar neste ensaio.

Teoforia e serviço ao centro

Nos diz Sloterdijk que o caminho antropológico e histórico do homem começa em microsferas íntimas, do tipo útero-placenta, que estabelecem um modelo que se repete em planos macroesféricos. A saída ao mundo é a primeira experiência de uma esfera que explode e lança o homem ao desabrigo de um mundo sem teto.





Assim, a questão inicial se enfrenta localizando o homem no histórico espaço esférico que o constitui. A metafísica clássica empreendeu o esforço de compreender o homem como um ser epicêntrico (4) num todo macrosférico de centro absoluto. Meditando sobre a imagem mítica do gigante Atlas (5) que sustenta o mundo, nosso autor põe a questão da impossibilidade de uma visão excêntrica do mundo desde fora e, ao mesmo tempo, a mesma impossibilidade de uma visão absolutamente centrada da esfera ontológica. Com isso, o homem vê o mundo sensivelmente, o que significa não contemplá-lo em seu interior desde um ponto médio real, e também, ver a si mesmo como um ser ao mesmo tempo deslocado e excêntrico. Em termos gregos, os humanos não são apenas os mortais, mas também os removidos do centro, os marginais de Deus, semicegos, semiclarividentes. Entretanto, pensar metafisicamente ainda é pensar o homem como um ser epicêntrico atraído por este centro; então, sua existência epicêntrica significa saber-se exalado de um centro supremo sem poder se confundir com o mesmo.

Diferentemente da situação do Atlas, o que se sucede com os papéis sustentadores do ser humano é que, como epicentro, um centro deslocado do ponto central, está subordinado a um centro e é atraído e utilizado por este. E isto se pode encontrar na história cristã da salvação, na qual os seres humanos têm uma relação forte com o centro e são utilizados (6) por ele no autocumprimento da salvação.

Sloterdijk considera o caso da Virgem Maria como especialmente eloqüente (7). Em uma descrição naturalista, a relação mãe-filho, que é a situação fundamental da criação microesférica de intimidade, põe o peso anímico na mãe. Mas, esta ordem metafísica muda no caso de Maria pois a mãe não é a que produz a criança, senão que é apenas uma portadora, teófora, do homem-Deus, uma atlante íntima, pois se não leva o mundo sobre os ombros, carrega-o em seu interior, em seu ventre, na figura do homem-Deus. A ordem muda a ponto de não ser a mãe quem produz o filho, senão o contrário, o que porta (a mãe, criatura) é produzido e o que é portado (o filho, homem-Deus criador) é quem produz. A macroesfera utiliza completamente para si a microesfera. Assim, dever-se-ia dizer, em linguagem esferológica, que o epicentro deve dar o melhor de si mediante sua autodisposição nas ações do centro. E assim se alcança a utopia da relação forte entre epicentro e centro, na qual o epicentro se torna digno por delegação do centro.

Diz Sloterdijk:

“Así surge el modelo normativo de los grandes mundos: la metafísica de la cooperación y servicio al centro” (8).

Neste modelo, distinto da escravidão do gigante Atlas, o serviço ao centro deve se dar de maneira consciente, nunca como uma recepção passiva de estímulos provenientes do centro, mas em vez disso, como uma espécie de co-espontaneidade inteligente (9). A metafísica cristã não é de sumissão passiva ao centro, mas de que “el centro adyaciente tiende hacia al centro mediante sumisión activa” (10).

Sloterdijk, de passagem, faz notar que “el caminho de la subjetividad moderna conduce, a través de la cooperación con Dios, a uma igualdad mística de condición con él y, desde esta – después de la muerte de Dios – a la situação comprometida, aunque triunfal, de quedar sola como trabajadora para todo” (11).

Sloterdijk, em uma análise do mito de São Cristóvão (12) (Cristo-foros, o transportador do Cristo), o faz figurar como um substituto do Atlas, o que converte o mito do escravo que suporta um peso morto em um ato de solidariedade entre o epicentro e o centro, um ato metafísico de serviço.

O exemplo de São Cristóvão mostra uma solução para o problema do Atlante pois agora a esfera se converte em um todo no qual o centro está intimamente relacionado ao epicentro. O serviço cristofórico é um serviço dentro de uma relação de amor do centro ao epicentro. Assim, o modelo de serviço amoroso ao centro pode ser utilizado para a monarquia do centro, pois o que antes era esforço recalcitrante se converte agora em impulso servil.

O cristianismo estabelece um “principio de solidaridad anclado em espacio dual, puesto que concibe, ingenua y reflexivamente a la vez, la acción solidaria como cooperación del epicentro en el proyecto del centro”. (13)

Embora para os modernos, cujo pensamento se caracteriza por descentralizações de tipos vários, a metafísica esférica esteja esquecida, e embora os manuais de filosofia façam apenas alusões a uma velha ontologia das esferas, a história da velha metafísica européia, segundo Sloterdijk, “fue toda ella uma única meditación entusiástica de la esfera animada y de la existência cómplice” (14). Ou também que “entendida como ontoteología y cosmología filosófica, la metafísica clásica no fue otra cosa que un ritual-teoría inmensamente circunstanciado y complejo en honor de Su Majestad la Forma Redonda” (15).

O culto à monoesfera consistia de um esforço de apaziguar a inquietude humana diante de um mundo ampliado e assustadoramente aberto através de uma morfo-teología que aportava mais segurança e sentido de proteção, pois, com a esfera, se poderia abarcar o todo em um único giro.

Desta maneira, o evangelho da boa nova redonda fazia com que qualquer indivíduo, inclusive o mais distanciado do centro, pudesse ser alcançado por ele como que por um raio de bondade emanado do centro absoluto. Claramente se vê a presença do conceito de um centro bom que faz todo o entorno tornar-se abrigo para o ser humano desgarrado. Diz o nosso autor: “con la imagem de la esfera se extiende el evangelio de la inclusión total: nada real puede estar realmente fuera” (16).

Quando o poder procede do centro, nada fica absolutamente fora, nada fica separado, a não ser por um ato de rebeldia. A ontologia da esfera é uma meditação sobre a possibilidade de que tudo tenha sentido e de se estabelecer uma espécie de terapêutica da participação no todo.

A história do início do cristianismo mostra seus teólogos acomodando o conceito de Deus à metafísica das esferas. A relação da alma com Deus somente ocorre em uma relação forte e se ambos pertencem a um mesmo espaço interior comum, no qual Deus é o centro e as almas são pontos fora do centro, mas conectados a ele a partir da irradiação do centro.

Ficar fora do espaço interior, ou estar na excentricidade, foi um ato somente da figura que representa a exterioridade e a autorreferência, que, na teologia cristã, é o Satã e seu séquito de pecadores. Satã seria o símbolo de uma tese atéia de exterioridade, de uma liberdade religiosa relativa à teologia esférica e ao poder do centro e, além disso, a uma indiferença morfológica. De tal maneira que a imagem do inferno corresponderia muito bem à experiência moderna de múltiplas excentricidades autorreferentes.

Com esta idéia de um centro forte que atrai tudo a si, insere-se a idéia de altruísmo, pois a atração do centro é uma força dirigida ao outro. De forma que o centro esférico faz iguais o teocentrismo e o altruísmo, e além disso, os pontos excêntricos estão conectados não somente ao centro mas a todos os pontos adjacentes, estabelecendo a consciência de coexistência na esfera e a ética e a solidariedade como forças de coesão.

Nosso autor põe agora em destaque o mais potente contraste à metafísica ou teologia esferológica. O conceito de Deus se harmoniza com a esfera pois protege as fronteiras do ser frente ao nada, tendo isto garantido que o Deus esferocêntrico tenha permanecido em vigor enquanto seus teólogos sustentaram sua virtude de ser uma esfera. Entretanto, quando os filósofos e teólogos começaram a tomar a sério o atributo da infinitude de Deus, que Sloterdijk considera como o movimemto endógeno que deu lugar à modernidade (17) – pois em uma esfera infinita se perde a diferença ontológica entre dentro e fora e assim o centro está em toda parte e, portanto, em nenhuma. Este é o resultado da infinitização de Deus e do universo e que prepara a morte de Deus. Sloterdijk diz que a morte de Deus é uma “tragédia morfológica” (18). O Deus infinito é um Deus invisível, amorfo, o qual, por não fazer diferença entre dentro e fora, não pode oferecer nenhuma vantagem em se estar dentro dele.

A morte de Deus é a morte da esfera. O nascimento da modernidade põe em relevo a necessidade de cada ponto ser autorrefente, de sua posibilidade de ser um lugar em si mesmo, de que o egoísmo seja a única e última possibilidade de centralização. Todo aquele que é um “si mesmo” deve ocupar-se de si mesmo, seja este um indivíduo, um Estado, uma família ou uma empresa.

Sloterdijk propõe uma definição morfológica de modernidade como sendo um “excentrismo não-satânico” e denominará “espumas” as “aglomerações de pontos excêntricos autorreferentes” (19).

As imagens combinadas do “transporte” de Deus, o qual confere intimidade e proximidade interna com o Deus central, e a imagem da esfera todo-abarcante que protege as fronteiras contra o nada, são uma poderosa combinação da idéia de uma centelha divina produzida no centro e transportada pelo homem com a idéia de sua tendência a uma tentativa de aproximação, de estar conectado e de voltar ao centro divino para não ser arremessado fora do campo do ser no nada da não-existência. O que coincide com uma idéia gnóstica fundamental, que é a de que todas as centelhas divinas, constituintes do homem desejam voltar ao centro luminoso que as produziu.


Peter Sloterdijk




Meios puros, telecracias e a metafísica das telecomunicações

Um outro ponto de vista de importância na discussão da esferologia sloterdijkiana é a sua capacidade de demonstrar como se produz a coesão de um grande império através do conceito de poder central emanado e presente em todas as partes do império por meio da telecomunicação. Neste tema, a idéia de emanação, tão cara ao neoplatonismo e ao gnosticismo, será a mais fundamental.

Como avalia Sloterdijk, a antigüidade testemunhou o desenvolvimento da tecnologia de presença do poder à distância do centro. Os grandes impérios da antigüidade só podem ser compreendidos em seu sucesso mediante a presença de um uso consciente de uma telecracia em molde esferológico.

A essência mesma de um poder centralizado é a sua capacidade de atuar à distância como se estivesse alí e isto se dá com a criação de signos majestáticos que podem ser emitidos a qualquer parte do império representando o poder e fazendo-o presente in absentia. Na cultura cristã, o exemplo de encontro de ser e signo é o ritual da eucaristia.

O poder central se revela com capacidade de expansão e transportabilidade quando consegue estabelecer signos plenos nos quais participe seu poder e seus mensageiros plenipotenciários. Estabelecer signos do ser é criar a capacidade de emitir signos de poder a qualquer lugar onde não possa estar e onde, precisamente, deve estar.

O grande exemplo do apóstolo Paulo demonstra como é possível que um signo seja o mesmo que o remetente do signo, não somente uma lembraça deste mas o remetente mesmo. O verdadeiro emissário deve participar da substância do ser do remetente e deve manifestá-la em presença real (20). O mensageiro que ouviu diretamente a mensagem e a transporta faz com que os destinatários sejam responsáveis por suas reações diante da mensagem como se a houvessem ouvido diretamente do remetente (21). Este é o poder conferido ao mensageiro.

A característica que se exige do mensageiro é de que seja um meio puro, que não reclame co-autoria na mensagem, que não veja seu próprio interesse, que seja, portanto, diáfano, transparente, eliminando a distância entre o remetente e os destinatários, atuando, em outras palavras, como um neutrum, um mero canal. Do mensageiro também se espera um perfeito altruísmo, que se manifeste independentemente das características ou da situação atual do mensageiro. Veja-se o exemplo tanto de Moisés com sua língua pesada ou de Paulo com sua capacidade de escrever com uma prosa engenhosa: ambas as situações são indiferentes quando chega o tempo de serem usados como canais do emissor divino.

O caso do apóstolo, todavia, não se trata de um mero assunto de carteiro ou de enviado. O tipo de mensagem levado pelo apóstolo aporta um tipo de recepção da mensagem que não permite que o remetente mude o tipo de meio de envio da mensagem, por exemplo, fazendo-a escrita em vez de oral. O caso do apóstolo é paradoxal pois o remetente o faz a partir de sua transcendência e o mensageiro, por isso, torna-se insubstituível. Se o remetente perde o mensageiro, perde-se a mensagem e o Deus remetente não pode se manifestar no mundo.

Com a ascensão do Cristo, o remetente se colocou completamente nas mãos do processo evangélico. Sloterdijk cita as três instâncias em que o remetente se deixou em mãos dos mensageiros: “desde su retirada de la carne se convirtió plenamente em ser noticiable (predicación), plenamente em sociedad mediática (iglesia) y plenamente em procesamiemto informativo (teología)” (22). Estas dimensões dependem integralmente do apóstolo mensageiro plenipotenciário. Entretanto, a delegação de poderes do apóstolo não tem outra justificação a não ser ele mesmo; sua plenipotencialidade é autofundada. Somente se sabe que o apóstolo foi enviado com uma mensagem por que ele mesmo o disse. Mas a situação não é tão simples pois o apóstolo não fala em seu próprio nome e, além disso, diz que quem o enviou é que lhe deu tais poderes.

Desta maneira, o discurso apostólico somente se pode fundar e se fazer valer através de uma forma nova de transmissão da mensagem, especificamente cristã, que é a do “medium-ismo” (23). O apóstolo opera uma mudança ontológica de sujeito, trocando sua voz pela do remetente, de tal sorte que “Dios mismo es el hablante” (24).

O maior êxito do apóstolo como mensageiro possuído pela missiva é o de convencer os receptores da mensagem a também se converterem em mensageiros. Assim se pode compreender como foi possivel surgir um mundo em um mundo, um império em um império, a igreja operante no âmbito imperial.

A crença na universalidade da mensagem de Jesus a faz alcançar amplitude imperial, por isso deve ser levada e tornada presente em todo o império. Precisamente esta necessidade, fundada em uma visão macroesférica de uma notícia a ser levada a todo orbis terrarum, exigirá do cristianismo uma solução para o problema de um sistema universal eficiente de propaganda.

O neoplatonismo formulou o modelo que permite entender a energética do domínio à distância através de um processo radiocrático. Seu conceito básico é o de emanação, que tem no modelo solar um de seus exemplos, utilizado por Plotino para explicar como se emana um raio de luz ou calor que, por emanação, alcança as periferias do mundo manifesto.

O modelo platônico exige que se entenda que o sol central não apenas emite calor mas que suas emissões de luz levam consigo as formas ideais que se manifestam em objetos sensíveis e que os fazem reconhecíveis pelo intelecto (25).

Além do exemplo do sol, Sloterdijk cita o exemplo plotiniano do desfile real que mostra que mesmo as fileiras mais externas em desfile já representam a dignidade real, com o mesmo ocorrendo em todas as outras circunferências de poder em torno do rei (26). O processo de emanação é assim resumido por nosso autor: “una unica conmoción en el centro, por decirlo así, solar, que comienza como rayo, atraviesa el espacio como proceso de signos y acaba en un movimiento de mano” (27).

O imperador Constantino fez o grande amálgama entre os símbolos telecráticos imperiais solares e os signos bíblicos. Segundo Sloterdijk, através deste imperador solar, o cristianismo levou o platonismo ao poder fazendo do império cristianizado um neoplatonismo para o povo, com um rei filósofo batizado e com a emanação do poder a partir do centro (28).

O neoplatonismo, enquanto emanacionismo, permitiu conceber com suficiente clareza o modelo de emissão de poder, de delegação imperial e transmissão ontológica do poder. Com isto, o neoplatonismo se torna a ontologia política velada da cultura imperial (29).

Neste mesmo sentido, a filósofa brasileira Marilena Chauí, especialista em filosofia política e no filósofo Baruch de Spinoza, em seu livro “Política em Espinosa” faz a avaliação da importância fundamental da metafísica neoplatonista, incluindo-se os conceitos emanatistas hierárquicos do Pseudo-Dionísio Areopagita, como sendo a ontologia política da cultura da antigüidade e descreve como esta ontologia foi incorporada aos princípios da teologia política da Igreja em seu esforço de justificação do modelo de poder centralizado e emanado do trono do Pontífice (30).

As antigas técnicas de emissão emanacionistas dependem de que o “médium” seja perfeitamente desinteressado e que possa deslocar-se por todo o império, de forma que no nível divino isto se resolva com a figura desinteressada e pura, o mensageiro que, de tão desinteressado, não possui nem a si mesmo. Assim são as figuras dos anjos e arcanjos.

O imperador, entretanto, depende de ministros e funcionários quase-desinteressados, o que expõe a comunicação ao risco iminente da corrupção. O mal aparece quando o mensageiro abusa do poder de porta-mensagem ao introduzir seus interesses no processo de levar a mensagem. Isto representa o protótipo do mal e do malvado introduzindo-se no mundo.

As antigas culturas de domínio dependem da ascese (pureza) e fidelidade de servidores e funcionários, que são as virtudes do desinteresse nos mediadores do poder central . Um mensageiro que pense em si mesmo não executa sua missão com sentido, ele deve substituir seu ego pela subjetividade do senhor. O conceito de “diáfano” é o poderoso conceito de um mediador permeável.

O mensageiro deve renunciar ao seu si-mesmo antes de sair em missão. E isto, assim como a investidura no cargo de mensageiro, não se faz sem formalidade. O ser-para-o-serviço é o conceito que fundamenta o tabú do egoísmo e a proibição do narcisismo. A possibilidade de um ser humano esquecer-se de si mesmo para melhor servir a seu senhor é o que tornou possível esta ética de ser-para-servir, imprescindivel para a arquitetura do poder.

A idéia do olvido de si, a proibição do narcisismo e o tabú do egoísmo são frontalmente opostos à idéia tipicamente liberal dos egoísmos como forma socialmente organizada inclusive de distribuição do trabalho; além disso, a era moderna neutralizou e naturalizou o chamado “mal”.

Se Satã representa o mensageiro infiel, e sua falha – a traição - é considerada o pior dos pecados, o Cristo e a igreja representam o bom e fiel mensageiro e inauguram a nova era salvífica, e a estrutura eclesiástica garante a pureza da mensagem através da ação de uma oficina central, a Igreja do bispo e seus funcionários-sacerdotes, que censura as missivas para garantir as representações puras entregadas por funcionários desinteressados.

Põe-se, então, a questão de como grandes corpos políticos e eclesiásticos, desde o final da Antigüidade até os umbrais da Idade Moderna hajam organizado e fundamentado sua coerência “semiosférica”. Esta questão é melhor enfrentada se lhe pomos a questão diretamente: “Como es posible la síntesis de emanacionismo y apostolado?” (31)

Ou, em outras palabras, como é possível que o apóstolo, um mensageiro, ocupe o lugar de poder do imperador, cuja fundamentação de sua posição é emanacionista? Como o mensageiro se converte em imperador?

“En Esta Vida – Teorias Críticas del Nacimiento” (32)

Na parte 2 do capítulo em epígrafe de “Extrañamiento del Mundo”, Sloterdijk lembra que, segundo Spinoza, “determinatio est negatio”, e raciocina que, se isto vigir na grande escala, determinar o mundo quer dizer, ao mesmo tempo, dizer o que ele não é. Não há como determinar o mundo sem negá-lo. Todavia, para Sloterdijk, determinar o mundo ao mesmo tempo significa aglomerar tudo o que pode cair no espaço representativo, imaginativo, do existente, e pô-lo diante ou em destaque contra um fundo que se pode saber como um nada, ou ao menos como tudo aquilo que não é o todo e que o faz determinável. É a dualidade insuprimível do fundo-todo na esfera da representação. A metafísica, em seu campo discursivo, poderia, assim, ser definida como um “juego de pensamiento con la totalidad como figura” (33).

Deste ponto se pode voltar à questão inicial proposta sobre um pensamento pelo qual metafísica e psicanálise se encontrem e possam falar sobre “o mesmo”, o que se mostra claramente com a questão multicultural do nascimento. Sloterdijk avalia que ambas as disciplinas funcionam como escolas da recordação. A psicanálise tenta ouvir o que se diz “em mim” como vestígio do esforço de vir ao mundo enquanto a metafísica sinaliza “todo o aí” onde o existente está submergido.

Neste exato ponto, Sloterdijk faz um giro muito interessante ao afirmar que a tradição metafísica postula que “a morte faz pensar”, entretanto, ele diz que “retrocedendo ante la metafisica del reino de los muertos, se muestra que, en verdad, es el nacimiemto el que ‘hace’ pensar” (34) (falta a citação). Neste giro, o autor propõe que os discursos metafísicos anteriores tentaram mostrar que o nascimento é parte de um movimento do absoluto, além de pretender mascarar as implicações mortais do próprio fato de se haver nascido.

Mas a individuação é o processo que realmente importa, pois permite ao indivíduo saber que está aí embora não possua a lembrança de seu nascimento, e tenha como sua auto-definição um “rotundo yo-no-sé” (35) a respeito de sua natureza íntima. É a obscuridade relativa ao seu próprio nascimento que o possibilita como indivíduo. Diz o autor: “sé que eso que lleva a mi no lo sé como uno que estuvo presente” (36).

Mas este absoluto olvido do passo pelo desfiladeiro do nascimento é o próprio princípio da relativa felicidade inicial, pois se não há recordação, isso simplesmente pode querer dizer que não se passou nada que represente um motivo para que seja lembrado, e por conseqüência, não haver nada que recordar-se pode ser o mesmo que dizer que não deve ter havido um caráter absolutamente mau nesta experiência inicial.

Desta forma, não se ter a memória do fato do nascimento, não se ser testemunha de seu próprio vir ao tempo e ao mundo, ou seja, não ter que ver a si mesmo do exterior, de fora, nos protege contra o perigo de vermos a nós mesmos como seres que atravessam um certo intervalo de tempo relativamente definido e que caminhamos para o desaparecimento, que sejamos como alguém que está no mundo como um prisioneiro condenado à execução em sua própria cela. Sem o olvido da cisão inicial, e sem a conservação da irreflexão original, a vida se converte “nesta vida” e tudo se passa como uma liquidação penosa de conteúdos vitais ávidos de ser no tempo, a vida se passa como um “fragmento de finitude pánica” (37).

A metafísica faz o esforço de objetivar o indivíduo mediante o apontar para “esta vida” e aí fazer-se uma casuística metafísica do microcosmo individual. E isto é o intento metafisico de conquista de uma ausência de morte. Esta passagem “inaugura la aventura del radical ascenso de la negatividad” (38).

A metafísica de ambos os mundos, hindú e gnóstico, é casuísta e mostra o existir “nesta vida” como o marco de uma história casuísta absoluta. Mas, em ambos, também para a iluminação permanece obscura a razão última para a caída “neste mundo” e “nesta vida”. O que se consegue encontrar são explicações do “para” e do “como” na individualidade.

Mas a perplexidade do ser-no-mundo não encontra uma língua autêntica para sua expressão; não o encontra nos idiomas metafísicos antigos nem na língua da psicologia profunda, pois estas oferecem diferentes hermenêuticas do ir parar no mundo. Todas as metafísicas casuístas, todas as religiões de liberação e todas as psicoterapias não mecanicistas não são mais que respostas ao mesmo mal-estar pós-natal.

Analisando a descrição gnóstica do processo de descenso, de caída, neste mundo e a aquisição das qualidades negativas dos planos por onde a alma passa em seu descenso, assim também a da ascensão como processo de regresso, de subida, de expropriação do mundo e reintegração ao pleroma, notamos que se fecha o círculo hermenêutico que foi posto em marcha quando ocorreu a pergunta pelas condições do próprio nascimento-caída. Mas a terapia gnóstica de iluminação somente pode dizer-se exitosa quando faz o paciente tão feliz em sua iluminada consciência em Deus que não pergunta mais pelas razões de ter entrado no circuito de descenso-ascenso da alma.

Segundo a descrição de Sloterdijk, também na literatura antiga do hinduísmo o casuísmo do processo de vinda ao mundo parece ignorar as perguntas pelo sentido do haverem as almas ido parar no mundo. A escolha de um ventre na roda das reencarnações é um tema da alma consigo mesma, dependendo de sua história pré-nascimento e de seus méritos ou culpas. A negação do mundo pela liberação se torna um tema universal do mundo especialmente con o advento do budismo, que chega ao ponto máximo de que a saída radical da roda de reencarnações exige a negação radical dos ventres. Se há alguma alegria do absoluto pelo nascimento no brahmanismo, isto encontra na radical negação budista seu mais extremo oposto. O budismo considera que o brahmanismo ainda é um mascaramento de formas de manutenção do processo de reencarnação, ou seja, de afirmação dos ventres. Para o budismo, não há nenhum motivo que faça com que “esta vida” não seja a última.

Assim como no gnosticismo o ato de entendimento do vir a parar no mundo é a cura para a liberação, também a doutrina budista tem traços terapêuticos gnosiológicos, pois o saber ou conhecer o princípio do processo pode redimir as paixões impostas pelo não-saber que lançam a alma em um ventre. Neste ponto, pode-se considerar o papel da meditação não objetiva para o budismo como processo de regresso a antes da origem do processo de vir a esta vida, a este Eu, e submergir antes da origem, dissolvendo os primeiros vestígios de personalidade, e com sua atenção focalizada neutraliza os mais prematuros registros da experiência formadora do Eu.

Peter Sloterdijk

O Acosmismo (39)

Ora, é interessante notar que Sloterdijk aponta que, se a psicanálise mais ampla e a antropologia histórica querem desenvolver uma línguagem não metafisica para responder a nossas questões de como nos fizemos e o que somos, elas devem, para isso, “esforzarse por una traducción de las antiguas doctrinas sapienciales en una dicción moderna” (40).

O autor põe uma línguagem (a metafísica, antiga) diante da outra (a não metafisica, atual) e as mostra em seu conflito, onde a primera diz que a nova sofre da ignorância dos processos de negação e do vir-a-parar, enquanto que a nova argumenta que substitui o exercício espiritual pela clínica e a terapêutica, e nos casos mais árduos enfrentam o risco de nada ter a oferecer além de diagnósticos rígidos.

Diz Sloterdijk que “solo em alianza con la força de la tradición metafísica puede llegar la segunda lengua a ser lo bastante rica como para convencer como lengua universal de la ecumene psicológica-antropológica” (41).

Será rica a segunda língua se, para evitar o perigo de rápido esgotamento, conseguir fazer uma tradução dos antigos termos básicos das velhas metafísicas casuistas: iluminação, salvação, liberação.

O autor propõe como possíveis traduções: para a iluminação, uma teoria da ausência de mundo; para a salvação, uma teoria do acabar; e para a liberação, uma teoria da criatividade. Em uma escala ascendente de complexidade, a ordem seria iniciada pela liberação, uma vez que a modernidade encontrou na criatividade uma nova expressão para a velha metafísica. Depois, a salvação já oferece problemas mais complexos de tradução, pois depende da fé em que o bem tende à longevidade enquanto o mal é abreviável. Com a teoria do acabar se abarcam as três campanhas contra os males, as quais são as idéias políticas de reforma, a técnica e a clínica. Assim, salvação é o alívio pelo sair de círculos viciosos.




O mais difícil, diz Sloterdijk, é traduzir a iluminação. Esta tradução ainda parece um disparate para os dois lados, para metafísidos e para não metafísicos. Para os não metafísicos, a expressão foi abandonada e o objeto não desperta interesse. No amplo espectro de possibilidades de psicologias profundas, das mais ortodoxas às mais liberais, a fenomenologia da iluminação ainda faz passar o barateamento do fenômeno como sua tradução.

Pelo que se pode perceber, a língua não metafísica terá que secundar a metafísica se quiser obter êxito em fazer uma tradução deste fenômeno que ainda não se silenciou diante do mundo, pois faz parte de duas grandes tradições que desenvolveram poderosas culturas de iluminação. A iluminação recai sob as categorias não metafísicas pois ela mesma se propõe estágios de negação das dualidades Eu-mundo, de superação do mundo e sua liquidação através da iluminação; a iluminação conduz à desmundanização e também conduz para fora de toda doutrina do ser.

A doutrina budista assim como a gnose cunharam nomes poderosos para o estado mais elevado de ausência do mundo. Assim são os termos moksha e nirvana para o budismo, e seu equivalete preciso é o pleroma gnóstico. Ambos exigem que se supere qualquer hálito efetivo de energia de vício e fuga, pois estes são estados ainda mundanos e devem ser completamente neutralizados. Isto explica a unidade budista de samsara e nirvana (roda de nascimentos e quietude); pela mesma razão a gnose ensina a unidade de pleroma e kenoma (plenitude e vacuidade). Ambos são o ponto máximo de equilíbrio entre a “liberdade de” com a “liberdade para”.

Isto posto, a língua não metafisica da psicanálise-antropología deverá buscar sua expressão acosmista não somente para o ponto culminante, o limite, mas também para os acosmismos cotidianos.

O acosmismo é um tema de toda psicologia. Se as doutrinas psicológicas admitirem que o acosmismo é um complemento necessário para elas, “el viejo discurso de iluminación pierde mucha de su extravagancia”(42). A psicologia pode perceber que se pratica cotidianamente a arte de estar e de não estar no mundo. A diferença do acosmismo iluminado para aquele cotidiano é que o iluminado exige um estado de plenitude de consciência (43)

Assim, é necessário que toda psicologia assimile o acosmismo como um tema permanente sabendo inclusive que se pratica cotidianamente o acosmismo como uma arte de estar e não estar no mundo. Isto é posto de manifesto pela neuropsicologia como um aparato de defesa, pois a vigília permanente seria em verdade uma tortura permanente. Assim, pois, Sloterdijk propõe que a doutrina psicoanalítica do mecanismo de defesa contra a vigília permanente deve compreender-se “como un caso especial de la fenomenología general de la ausencia de mundo y su irrupción a través de lo real emergente” (44).


Peter Sloterdijk

Uma tentativa de conclusão...

À guisa de conclusão, gostaríamos de propor que este percurso por alguns textos de Sloterdijk parece apontar para um pano-de-fundo- gnóstico de seu pensamento que não é somente um caso de estilo. Sua metáforica esferológica, sua análise do mecanismo telecrático de poder em um mundo esférico que se propõe como auto-abrigo em resposta e como proteção contra o externo e contra um nada, além do conceito neoplatônico de emanacionismo para explicar o poder e a constituição da mais duradoura estrutura de poder emanacionista de centro esférico, que é a Igreja Católica, sua avaliação da língua antiga da metafísica casuísta do gnosticismo e do budismo, indicam que a temática do pessimismo gnóstico toma um caráter novo com sua linguagem não metafísica. Entretanto, em que pese seu posicionamento na linguagem não metafísica da psicanálise e da antropologia histórica, seus temas e sua perspectiva psicológica assim como o tema do acosmismo gnóstico e sua metafórica esferológica soam como uma cosmologia gnóstica em novos termos.

Nos parece que realmente se pode perceber que os motivos do autor indicados no prólogo do livro “Extrañamiento del Mundo” não ficaram restritos ao próprio livro, mas que permanecem em seu horizonte teórico como cenário e base para todo o desenvolvimento conceitual a que ele se propõe.

***

Investigación realizada por el Licenciado José Luiz Bueno durante el 'Seminario Sloterdijk', Programa de Postgrado del Instituto de Filosofía de la PUCV, dictado por el Prof. Dr. Adolfo Vásquez Rocca, 1º Semestre Académico, 2007.




* Lic. José Luiz Bueno

Licenciado en Filosofia por la Universidade de São Paulo (Brasil)

Estudiante de Postgrado en Filosofia por la Pontifícia Universidad Católica de Valparaiso (Chile)

Programa de Postgrado. Instituto de Filosofía de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. Seminario Nietzsche – Sloterdijk Prof. Dr. Adolfo Vásquez Rocca


Membro do Núcleo de Estudos em Mística e Santidade (antiguo Grupo de Pesquisa “Religião: Teoria e Experiência”) del Departamento de Estudos Pós-Graduados de la Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desde el 2004.

Ponencia en el I Congreso Brasileño de Filosofía de la Religión, en Brasilia, Brasil, en el año 2005, con el Título “As Conseqüências de se entender o pensamento de Spinoza como monista”.


Artículo en la Revista Agnes - Cadernos de Pesquisa em Teoria da Religião, publicação do NEMES – Núcleo de Estudos em Mística e Santidade (antigo Religião, Teoria e Experiência), certificado pelo CNPq - do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião da PUCSP, con el título “Deus e Liberdade – (Dios y Libertad: Spinoza en el pensamiento político contemporáneo)".

Artículo:

Las influencias gnósticas en Peter Sloterdijk; medios puros, telecracias y la metafísica de la telecomunicación.


Notas

1 Las influencias gnósticas en Peter Sloterdijk; medios puros, telecracias y la metafísica de la telecomunicación.
2 SLOTERDIJK, Peter. Extrañamiento del Mundo. Pre-Textos, Valencia. 1998.
3 SLOTERDIJK, Peter. Esferas II: Globos. Macrosferología. Siruela, Madrid. 2004.
4 Por “epicentro” entende-se aqui não o centro absoluto da esfera mas um tipo de centro secundário, distinto do centro absoluto, mas que tem certa força própria e consciência tanto de seu deslocamento em relação ao centro absoluto como de sua capacidade de gerar movimento.
5 SLOTERDIJK, Peter, Esferas II, op.cit., pp 87ss
6 Os exemplos seguintes explicitarão a idéia de serem “utilizados”
7 SLOTERDIJK, Peter. Esferas II, op.cit., pg 92
8 Idem, pg 97
9 Idem, pg 98
10 Ibid
11 Ibid.
12 Ibid.
13 Idem, Pg 102
14 Idem, Pg 106
15 Idem, pg 106.
16 Idem, pg 107
17 Idem, pg 115
18 Idem, pg 117
19 Idem , pg 123
20 Idem, pg 586
21 Idem, pg 588
22 Idem, pg 592
23 Idem, pg 593
24 Idem, pg 594, apud Kierkegaard.
25 Idem, pg 614
26 Idem, pg 614
27 Idem, pg 616
28 Idem, pg 627
29 Idem, pg 630
30 Chauí, Marilena. Política em Espinosa. Companhia das Letras, São Paulo, 2003
31 Idem, pg 645
32 Extrañamiento del Mundo, Cap. V, “¿Es el mundo negable? Sobre el espíritu de India y la Gnosis Occidental” – Pg 229ss
33 Idem, pg 230
34 Idem, pg 232
35 Idem, pg 233
36 Idem, pg 234
37 Idem, ppg 234-235
38 Idem, Pp 235-236
39 Idem, pg 250
40 Idem, idem
41 Idem, pg 252
42 Idem, pg 257
43 Idem, pp 255-256
44 Idem, pg 258
Revista Observaciones Filosóficas - Nº 5 / 2007


Abstract

The german philosopher Peter Sloterdijk in one of his mostly known books, “Extrañamiento del Mundo” makes a proposition to update a old gnostic subject in order to achieve a contemporaneous theory of Man. He also proposes to update the contemporary non-metaphisical language with the help of the old metaphisical language, mainly the one used by the western gnostic tradition, in order to make the contemporaneous one able to deal with the human experience of denial of the world. So we propose to make an investigation in some of our german philosopher’s texts to evaluate how far goes the influence of those gnostic concepts over his thought.





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Quem sou eu ?

Baghavan Sri Ramana Maharshi

Opensamento-eu é a fonte de todos os pensamentos.


A mente só vai se dissolver através da autoinvestigação "Quem sou eu?". O pensamento "Quem sou eu?" destruirá todos os outros pensamentos e depois destruirá a si mesmo também. Se outros pensamentos surgirem, devemos perguntar a quem esses pensamentos ocorrem, sem tentar completá-los. Que importa quantos pensamentos surgem? Na medida em que cada pensamento surgir, devemos estar vigilantes e perguntar para quem ele ocorre. A resposta será "para mim".
Se você perguntar "quem sou eu?", a mente então voltará à sua Fonte (de onde surgiu). O pensamento que surgiu também desaparecerá. À medida que você praticar dessa forma mais e mais, o poder da mente de permanecer em sua Fonte aumentará.
Alimentando-se com uma quantidade moderada de comida sãttvika (pura) - o que é superior a qualquer outra regra e regulação de autodisciplina - a qualidade sãttvika ou pura da mente crescerá e isso ajudará a autoinquirição.
Embora os apegos sensoriais, antigos e imemoriais, possam surgir sob forma de incontáveis vãsanãs (tendências mentais), assim como as ondas surgem no mar, todos eles serão destruídos na medida em que a meditação (dhyãna) avançar. Devemos nos agarrar sem cessar à meditação do Ser, sem duvidar da possibilidade de erradicar todas essas vãsanãs e de só o Ser permanecer. Por mais pecadora que uma pessoa possa ser, se ela parar de se lamentar "Ai de mim que sou um pecador! Como posso eu alcançar a libertação?" e, abandonando até mesmo o pensamento de que é pecadora, se dedicar zelosamente à autoinquirição, ela com certeza realizará o Ser (Atman).
Se o ego estiver presente, tudo o mais também existirá. Se estiver ausente, tudo o mais desaparecerá. Como o ego é tudo isso, investigar a sua natureza é a única forma de abandonar todo apego.
Controlando a fala e a respiração, e mergulhando fundo em nós mesmos, como alguém que mergulha na água para recuperar algo que nela caiu, devemos, por meio de um insighi aguçado, descobrir a fonte de onde surge o ego.
A investigação, que é o caminho da Sabedoria (Jñãna), não consiste em repetir verbalmente "eu, eu", mas em buscar, por meio de uma mente profundamente interiorizada, de onde o "eu" surge. Pensar "Eu não sou isso", "Eu sou aquilo" pode ajudar, mas não constitui a inquirição em si.
Quando questionamos dentro da nossa mente "Quem sou eu?" e chegamos ao Coração, o "eu" sucumbe e imediatamente outra entidade se revela proclamando "Eu-Eu". Muito embora ela também surja dizendo "eu", não se trata mais do ego, mas sim da Existência Única, perfeita.
Se investigarmos incessantemente a forma da mente, descobriremos que não existe algo chamado "mente". Este é o caminho direto aberto a todos.
A mente é constituída apenas de pensamentos, e para todos eles a base ou fonte é o pensamento-"eu". O "eu" é a mente. Se nos voltarmos para dentro perguntando pela Fonte do "eu", o "eu" sucumbe. Esta é a investigação da Sabedoria.
Onde o "eu" se dissolve, outra entidade emerge como "Eu-Eu" por conta própria: é o Ser Perfeito.
É inútil remover as dúvidas [uma a uma]. Se esclarecermos uma, outra surgirá e não haverá fim para elas. Todas as dúvidas cessarão apenas quando quem duvida e sua Fonte forem encontrados. Procure a Fonte do responsável pela dúvida e você descobrirá que ele na realidade não existe. Se o questionador cessar, as dúvidas também cessarão.
Como a Realidade é você mesmo, não há nada a realizar. Todos tomam o irreal por real. É preciso que você desista de tomar o irreal por real. A finalidade de toda meditação ou repetição de mantras (japa) é apenas isso - abrir mão de todos os pensamentos referentes ao não Eu; é desistir de todos os pensamentos e concentrar-se num só. O objetivo de toda prática (sãdhana) é fazer com que a mente fique unifocada, concentrando-a num só pensamento e assim excluindo os demais. Fazendo isso, no, final até mesmo esse pensamento único irá embora e a mente se extinguirá em sua fonte.

Quando inquirimos "Quem sou eu?", o "eu" investigado é o ego. Também é esse "eu" quem faz a autoinvestigação (vichãra). O Ser não tem inquirição. É o ego que faz a investigação. O "eu" sobre o qual a investigação é feita também é ego. Como resultado da investigação, o ego deixa de existir e descobrimos que somente o Eu Real existe.

Qual a melhor maneira de matar o ego? Para cada um o melhor caminho é aquele que parece mais fácil ou que tem maior apelo. Todos os caminhos são igualmente bons, na medida e que conduzem ao mesmo objetivo: dissolver o ego no Eu Real. O que o devoto (bhakta) chama de entrega, aquele que faz investigação (vichara) chama de Sabedoria (Jñãna). Ambos estão tentando levar o ego de volta à Fonte da qual ele surgiu e fazê-lo ser absorvido por ela.
Pedir que a mente mate a si mesma é como fazer do ladrão um policial. Ele irá com você e fingirá prender o ladrão, mas nada será ganho. Portanto, volte-se para dentro, veja de onde surge a mente e ela deixará de existir.
A respiração e a mente surgem da mesma fonte e quando uma delas é controlada, a outra também fica controlada. De fato, no método investigativo - no qual, aliás, a pergunta "De onde eu vim?" seria mais correta do que "Quem sou eu?" - não estamos simplesmente tentando eliminar, dizendo "não sou o corpo, nem os sentidos" e assim por diante, visando alcançar a realidade última, mas sim estamos procurando descobrir onde surge o pensamento-"eu" ou ego dentro de nós. O método contém em si - de forma implícita - a observação da respiração.
Quando observamos de onde o pensamento-eu surge, estamos observando também a fonte da respiração, já que tanto o pensamento-"eu" quanto a respiração provêm da mesma Fonte.
O controle da respiração pode servir como uma ajuda, mas por si mesmo nunca pode levar ao objetivo. Enquanto você o pratica mecanicamente, procure manter a mente alerta, lembrando do pensamento-eu e da busca pela sua Fonte. Então você descobrirá que o pensamento-eu surge do lugar no qual a respiração desaparece. Eles desaparecem e emergem juntos. O pensamento-"eu" também submergirá junto com a respiração. Simultaneamente, um outro "Eu-Eu" -luminoso e infinito - emergirá, e será constante e inquebrantável. Este é o objetivo, o qual recebe diferentes nomes: Deus, Eu Real, Kundalini , Shakti, Consciência, etc.
"Quem sou eu?" não é um mantra. Significa que você deve descobrir onde em você surge o pensamento-"eu", que é a fonte de todos os outros pensamentos. Mas se você achar que o caminho da investigação é difícil demais, continue a repetir "eu-eu", e isso o levará ao mesmo objetivo. Não há nenhum mal em usar o "eu" como um mantra. Trata-se do primeiro nome de Deus [Eu Sou].
Peço que veja onde o "eu" surge em seu corpo; mas realmente não é muito correto dizer que o "eu" surge e dissolve-se no Coração no lado direito do peito. O Coração é outro nome para a Realidade e não está nem dentro nem fora do corpo. Não pode haver nenhum dentro e fora para Ela, já que a Realidade apenas é. Por "Coração" não me refiro a nenhum órgão fisiológico, nenhum plexo de nervos ou qualquer coisa do gênero.
Mas enquanto a pessoa se identificar com o corpo e pensar ser o corpo, ela é aconselhada a ver no corpo onde o pensamento-"eu" surge e volta a se dissolver. Deve ser no Coração, no lado direito do peito. Todo homem de qualquer raça, língua ou religião, quando diz "eu", aponta para o lado direito do peito para referir-se a si mesmo. Isso é verdadeiro em todo o mundo.
Portanto, esse deve ser o lugar. E observando-se de forma perspicaz o constante surgimento do pensamento-"eu" no estado de vigília e de seu desaparecimento no sono, podemos ver que surge no Coração no lado direito.

Saiba primeiro quem você é. Isso não requer escrituras ou erudição. É simplesmente experiência. O estado de Ser está aqui e agora o tempo todo. Você perdeu contato consigo mesmo e está pedindo orientação aos outros. O propósito da espiritualidade é voltar a mente para dentro. Se você conhecer a si mesmo, nenhum mal poderá lhe acontecer. Como você me perguntou, eu estou lhe dizendo (verso do Kaivalya Navaneeta). O ego só surge agarrando-se a você (o Eu Real). Permaneça no Eu Real e o ego desaparecerá. Até este momento o sábio estará feliz dizendo: "Eis aí", e o ignorante perguntando: "Onde?". A regulação da vida, tal como levantar-se em uma hora determinada, tomar banho, praticar repetição de mantras, etc., tudo isso é para quem não se sente atraído pela auto investigação ou não é capaz de fazê-la. Mas para aqueles que podem praticar esse método, todas as regras e disciplinas são desnecessárias. Sem dúvida é dito em alguns livros que devemos cultivar uma virtude após outra e assim nos prepararmos para a Libertação (moksha); mas para os que seguem o caminho da Sabedoria ou da investigação (Jñãna ou vichãra), sua sãdhana é por si só suficiente para adquirir todas as qualidades divinas. Eles não precisam fazer mais nada.
O que é [o mantra] Gayatri? Na verdade, quer dizer "Deixe-me concentrar Naquele que tudo ilumina".







Fonte: Capítulo 4, intitulado "Quem Sou Eu" , do livro Pérolas de Bhagavan - do discípulo de Sri Ramana Maharshi, A. Devaraja Mudaliar. Esse texto encontra-se reunido no volume editado pela Editora Teosófica, "Pérolas de Sabedoria - Vida e Ensinamentos de Sri Ramana Maharshi".



quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Reconhecendo o Ser


Mooji, você poderia explicar a auto-inquirição? Como de fato eu começo?

Comece assim: "Eu sou" - Este é o reconhecimento e o conhecimento mais natural. O sentimento de existir é espontaneamente sentido em você como "eu sou". Ninguém lhe ensinou isto. Esteja consciente desta simples intuição sem associá-la a outros pensamentos. Sinta como é estar simplesmente presente, neste instante, sem se agarrar a qualquer intenção. Não toque em nenhum pensamento de estar fazendo algo especial. Mantenha-se interiormente quieto. Se, de repente, uma onda de pensamentos vier, não entre em pânico.

Não é preciso controlá-los ou suprimi-los - simplesmente deixe-os brincar sem o seu envolvimento.


Observe com desapego. Permaneça vazio de intenção.


Mantenha-se em silêncio.


Imagine que você está parado em uma plataforma na estação do trem. Um a um os trens vêm, param, as portas se abrem, as portas se fecham, eles continuam. Você não precisa entrar. Desta forma, apenas observe a atividade do pensamento aparecendo na tela da consciência sem se conectar a ela. Não se envolva. Você perceberá que os pensamentos e as sensações se movem por si sós, sem serem forçados. Permaneça neutro. Esteja com a Pura Consciência sendo a própria Pura Consciência. Sinta a respiração movendo-se sem esforço, sem nenhuma vontade ou dificuldade.


Observe os sentidos funcionando, o sentido de fora ou dentro, qualquer movimento simplesmente "acontecendo" por si só, sem planos ou esforço.


O que quer que surja como pensamento, sentimento, movimento ou sensação é silenciosamente observado, só que agora existe menos interesse, menos atração. Tudo está surgindo; o seu ser não é estimulado. Tudo isso é gentilmente observado. Agora, até mesmo o sentimento de ser - o sentimento "eu sou" - está dentro desta Pura Consciência. Não faça esforço maior do que é exigido. Você está aqui. Aquilo, que não está fazendo ou desfazendo, nem dirigindo a atividade, nem sendo afetado por ela, que está naturalmente consciente, embora sem interesse: isto é o seu verdadeiro Ser.


Não está atrás ou na frente, nem em cima nem embaixo - porque não é um fenômeno. É o Ser sem localidade, sem nascimento, sem limites.


Agora, observe o observador: "Quem sou eu?" Investigue internamente, mas se mantenha quieto com uma atenção alerta. Não deduza nenhuma resposta ou indício; uma resposta seria - e apenas poderia ser - uma opinião, uma ideia de outro conceito. Não se amarre a nenhum conceito. Retire a atenção dos objetos e direcione-a para o sujeito que vê. O que é e onde está o observador? Permaneça silencioso e neutro. A observação deve estar agora mais focada.


Agora, observe novamente o sentimento "eu sou". O que é "eu"? De onde ele surge? Observe. O que você encontra?



Não pode ser encontrado. Não existe.



Não pode ser encontrado objetivamente. No entanto, a intuição ou sentimento "eu" continua presente. É o fato de o "eu" não ser encontrado que prova sua existência não-objetiva. O "eu", ou "eu sou", é descoberto como sendo sem forma; uma intuição surgindo do vazio, no vazio, e como o vazio. Sem uma investigação focada, o "eu" parece ser uma entidade contida em um corpo e em uma mente condicionada. Quando se busca o "eu" como uma forma, descobre-se que ele é meramente um pensamento; a forma do "eu" é pensamento. Sem forma, o "eu" surge do vazio como a sensação intuitiva da "presença" subjetiva.


Agora, esse "eu" é percebido como sendo presença sem forma. O que reconhece isto? Isto possui uma forma?


Investigue assim.


Obrigado, Mooji.



Você é muito bem-vindo.






(extraído do livro: Antes do Eu Sou - Diálogos com Mooji - O Reconhecimento do Nosso Ser Original" - Ed. Qualitymark)