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terça-feira, 29 de abril de 2008

O "Círculo Max Weber de Heidelberg"...(3)

Parte III: O "Círculo" e o Expressionismo alemão
Max Weber



Também na Alemanha, o fascismo (ou a reação) não é necessariamente o desaguadouro do anticapitalismo romântico dos intelectuais, escritores e universitários. Se tomarmos como ponto de referência o círculo de Max Weber de Heidelberg, que foi um dos principais focos de irradiação desta corrente, encontramos uma “ala esquerda”, que se tornará marxista, revolucionária, e bolchevique no pós-guerra. Esta “esquerda de Heidelberg” dará ao movimento comunista um grande filósofo marxista, utópico-messiânico – Ernst Bloch – um poeta, dramaturgo e comandante do Exército Vermelho da República dos Conselhos da Baviera (1919) – Ernst Toller – e, finalmente, o maior filósofo marxista do século XX e comissário do povo na República húngara dos Conselhos (1919) – Gyorgy Lukacs...

Toller representa o desenvolvimento expressionista revolucionário do romantismo anticapitalista. Sua primeira educação política tem lugar em 1916-1917, junto a Max Weber em Heidelberg, mestre do qual ele presta homenagem em seu romance autobiográfico, Uma Juventude na Alemanha (1933):

“A juventude une-se a Max Weber; sua personalidade, sua probidade intelectual atraem-na para ele...Nas conversas noturnas revela-se a natureza combativa deste erudito. Com palavras, que colocam em perigo sua liberdade, sua própria vida até, ele revela as misérias do Reich. Ele vê no Imperador o mal principal...”.

Max Weber com Ernst Toller ao lado




Em seguida, sofre a influência utópica do grande pensador anarco-sindicalista Gustav Landauer (descrito por seu amigo Martin Buber como “conservador revolucionário”) que queria substituir a cidade capitalista por uma Gemeinschaft rural, uma aldeia socialista simultaneamente agrícola e industrial, da qual o ponto de partida deveriam ser as tradições camponesas comunitárias conservadas, renovadas e desenvolvidas. Em 1917, Toller corresponde-se com Landauer, cujo Apelo ao Socialismo (1915) “tocou-o e determinou-o de forma decisiva”. De início simplesmente pacifista, enojado com a guerra (que viveu pessoalmente como convocado) o jovem poeta vai evoluir rapidamente para uma posição anticapitalista:

“Os politiqueiros enganam-se a si mesmos e enganam os cidadãos, chamam de ‘ideais” a seus interesses e, por estes ‘ideais’, pelo ouro, pela terra, pelas minas, pelo petróleo, por todas estas coisas mortas, os homens estão famintos, desesperados e são mortos por toda a parte. A questão de saber de quem é a culpa da guerra empalidece ao lado da culpa do capitalismo.”

Ernst Toller



Vai então se revoltar, em nome de seu pacifismo ardente, contra a economia e o estado capitalistas, esses Golems, esses falsos ídolos que reclamam sacrifícios ilimitados da visdas humanas.

Preso durante uma manifestação operária contra a Guerra, em Munique, Toller escreve da prisão, em 1917-1918, um drama romântico-expressionista que o tornará célebre, A Mutação (Die Wandlung), no qual se encontram grandiosas visões idealistas e messiânicas:

“Agora abrem-se saídas do seio do universo
As altas portas arqueadas da catedral da humanidade
A juventude ardente de todos os povos se lança
À caixa luminosa de cristal, que percebe na noite.”

Tendo aderido ao USPD – Partido Social Democrata Independente – cisão de esquerda da SPD em 1917) e estabelecido ligações da amizade com seu dirigente Kurt Eisner (socialista neo-kantiano e presidente do Governo de esquerda da Baviera), Toller tornar-se-á – após o assassinato de Eisner por um aristocrata reacionário – um dos chefes da efêmera República dos Conselhos da Baviera.

Ernst Toller



As participações de Toller, do poeta expressionista Erich Müsahm e de Gustav Landauer na Comuna de Munique de abril de 1919, mostram bem quanto, malgrado sua confusão e limitação ideológicas, essas correntes expressionistas e neo-românticas podem ganhar uma dimensão revolucionária autêntica.
Lukács, em seu célebre ensaio sobre A Grandeza e a Decadência do Expressionismo (1934), sublinha o parentesco dessa corrente artística com o anticapitalismo romântico, e particularmente com a crítica cultural do capitalismo, tal como ela se encontra, por exemplo, em A Filosofia do Dinheiro de Simmel. Além disso, Lukács tente destacar as ligações entre expressionismo e a ideologia do USPD, citando como exemplo típico de sua unidade precisamente o caso de Toller em Munique. Entretanto, de maneira estranha e unilateral, não vê nesses dois movimentos (político e artístico) senão “a hesitação da pequena burguesia em face da revolução proletária eminente...o medo em face do “caos” da revolução”. E conclui com esta observação feroz, na qual se sente um ranço do sectarismo do “Terceiro Período”do Komitern: “As duras lutas dos primeiros anos da revolução e seus primeiros fracassos na Alemanha destroem de maneira cada vez mais clara as pseudo diferenças entre a retórica revolucionária e os gemidos dos que capitularam. E acontece então o fim – simultaneamente à dissolução do USPD numa coincidência temporal que não é devida ao acaso – do expressionismo como corrente literária na Alemanha.”



Ora, Lukacs silencia sobre o fato de que o desaparecimento do USPD teve lugar no Congresso de Halle, quando a maioria dos delegados decide a fusão com o PC alemão, partido ao qual adere também (como muitos escritores expressionistas) Ernst Toller, após haver passado muitos anos na prisão por suas funções como cabeça da República dos Conselhos e do Exército Vermelho da Baviera...







O esquematismo de Lukacs torna-se ainda mais surpreendente quando ele pretende que “o expressionismo é, sem dúvida, uma das múltiplas correntes ideológicas burguesas que desemboca mais tarde no fascismo; seu papel ideológico de preparação não é maior – nem menor – que o de diversas outras correntes contemporâneas.”






Três anos depois da publicação do ensaio de Lukács, os nazistas organizaram a tristemente célebre exposição Art Degenere (Arte Degenerada), na qual figuravam praticamente todos os pintores expressionistas conhecidos. Em uma nota acrescentada a seu artigo em 1953, Lukacs proclama imperturbavelmente: “O fato dos nacional-socialistas terem rejeitado mais tarde o expressionismo como ‘arte degenerada’ não muda em nada a exatidão histórica da análise naqui exposta”. O mínimo que se pode dizer (sem querer negar a ambigüidade ideológica da corrente) é que uma análise histórica que ignora a dimensão revolucionária do expressionismo e o reduz a um precursos da ideologia nazista está muito longe de ser “exata”...



Extraído de:
Michael Löwy, "Para Uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários", Ed.LECH - 1979 - pags. 42-46.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

O “Círculo Max Weber de Heidelberg...(2)”

Parte II: Simmel e Paul Ernst
Max Weber, em 1917


Provavelmente, o “visitante” mais importante e o mais influente do círculo de Max Weber era George Simmel, com quem, em Berlim, estudaram Lukács, Bloch e Karl Mannheim (1) . Segundo Lukács (em 1953), o pensamento de Simmel também deve ser compreendido como expressão do descontentamento anticapitalista dos intelectuais, e situado no quadro global da tendência de crítica anticapitalista da cultura.

Simmel



Não é por acaso que, em uma de sua primeiras obras, A Filosofia do Dinheiro (1900), o leitmotif central é a preponderância crescente da quantidade sobre a qualidade, a tendência a dissolver esta naquela, e a substituir tudo o que for determinação específica, individual, qualitativa, pela simples determinação numérica – tendência da qual a dominação cada vez mais esmagadora do dinheiro sobre a vida social é a expressão mais tocante. Graças a esta venalidade universal, não somente todos os objetos, mas também os valores em princípio não quantificáveis, como a honra e a convicção, o talento e a virtude, a beleza e a saúde da alma, se tornam mercadorias, adquirem um “preço de mercado”. A prostituição é a forma suprema desta mercantilização dos valores humanos, forma que manifesta em seu ser a natureza fundamental do dinheiro, sua fria impessoalidade, sua redução do ser humano à condição de simples meio. (2)
O capitalismo, sublinha Simmel, é fundado sobre a transformação do trabalho humeno em mercadoria, em objeto que se opõe ao trabalhador, que se tornou estranho a ele, e que tem suas próprias leis de movimento. Todo o universo da produção capitalista aparece como um cosmos regido por leis internas independentes dos indivíduos e de sua vontade. Estas análises lembram evidentemente a problemática marxista do fetichismo da mercadoria, mas a diferença é que, para Simmel, o fenômeno estudado por Marx não é mais do que “um caso particular” daquilo que constitui a “tragédia da cultura”: a alienação da cultura objetiva em relação à cultura subjetiva, o avanço da cultura das coisas e o declínio da cultura das pessoas (3). Por esse viés, a análise econômica concreta, historicamente determinada, de Marx, é metamorfoseada, ou antes dissolvida em uma visão de mundo trágica, uma psicossociologia a-histórica, uma filosofia da cultura de tendência profundamente metafísica. (4)
Não se pode falar de visão trágica de caráter metafísico sem se referir imediatamente ao poeta e dramaturgo Paul Ernst, que manteve contatos com Simmel entre 1895-1897, e ao qual Lukács vai dedicar em 1910 seu célebre ensaio “Metafísica da Tragédia” (publicado em A Alma e as Formas).


Paul Ernst



Paralelamente às tragédias neo-clássicas sobre temas medievais (Canossa, 1907) ou teutônicas (Brunhild, 1908), que chamaram a atenção e a simpati de Lukács, Paul Ernst escreveu um grande número de ensaios estéticos e literários nos quais se desenvolve toda a problemática romântica anticapitalista: a decomposição dos valores comunitários, a despersonalização e a mecanização crescente da sociedade moderna etc.(5). O tema centra é ainda uma vez a oposição Kultur/Zivilisation:
“Devemos libertar-nos da ligação entre nossas concepções de cultura e as conquistas da civilização. Os bárbaros podem utilizar a eletricidade e navegar no ar; mas somente os homens cultos (Gebieldete) têm sentimentos profundos e pensamentos elevados. A ciência, também, encontra-se atualmente submetida ao compasso da economia. Porém, não é o homem da economia que pode decidir se um povo tem cultura ou não, mas o poeta e o sacerdorte.”
A eviolução ideológica de Paul Ernst desde o fim do século XIX até sua morte (1933) é um intinerário estranho, mas bastante característico das ambigüidades do radicalismo anticapitalista dos intelectuais alemães deste período: e, em 1888, adere ao Partido Social-Democrata e trava uma correspondência político-literária com Friedrich Engels (cuja carta a Paul Ernst de 5 de junho de 1890 sobre a sociologia das obras de Ibsen é célebre); em 1891 adere a uma ala esquerda, semi-anarquista, do PSD alemão conhecida como die Jünger (“os jovens”), composta sobretudo de intelectuais (“uma revolta de estudantes e de literatos”, escreverá Engels) e acaba por deixar o Partido (6). Em 1892, colabora com o “socialista agrário” Rudolf Mayer na redação de uma obra intitulada Der Kapitalismus fin de siécle, mas deixa logo a política para se dedicar às suas atividades literárias. Entre 1908-1911 escreve suas tragédias neoclássicas e faz amizade com Lukács, mantendo com ele uma rica correspondência de 1911 a 1926. Enfim, depois de 1917, encaminha-se mais e mais para uma ideologia político-literária nacionalista e ultraconservadora, da qual a expressão acabada é a obra Kaiserbuch (1923-1928), um hino à glória do Reich alemão na Idade Média (7).
Entretanto, mesmo em sua fase reacionária, o anticapitalismo permanece no centro do pensamento de Paul Ernst; em um ensaio redigido em 1926, ele olha com nostalgia o mundo “orgânico” destruído pelo capitalismo e pela indústria, e denuncia o universo dominado pelo capital como uma “barbárie absurda” (sinnlose Barbarei).



É interessante notar que em 1926 (ou 1927), Lukács escreveu-lhe uma carta a propósito deste artigo, a última de sua correspondência, na qual o militante bolchevique encontra ainda um terreno comum com o poeta conservador:
“qualquer que seja a divergência entre nossas concepções, há uma possibilidade de discussão, se ao menos nós valorizamos o capitalismo de maneira semelhante. Penso que você está errado sobre praticamente todas as questões, mas, pelo menos, não está do outro lado da barricada.”

Notas

1 Lukács, em artigo à memória de Simmel, escrito em 1919, rende-lhe ardorosa homenagem: “Era tão excessivamente atraente para aqueles que estavam, em verdade, filosoficamente inclinados à nova geração, que quase não há quem não tenha estado submetido, durante mais ou menos longo tempo, à magia de seu pensamento”. Gyorgy Lukács, “Georg Simmel”, in Pester Loyd, n. 230, 2 de outubro de 1918.



2 Georg Simmel, Philosophie des Geldes, 1920, p.414: “Sente-se na própria essência do dinheiro algo da essência da prostituição. A indiferença com que se presta a qualquer uso; a infidelidade com que se separa de cada sujeito, porque não está verdadeiramente ligado a nenhum; a objetividade que exclui todo sentimento que lhe é próprio para ser um simples meio, tudo isto suscita uma fatal analogia entre ele e a prostituição.”



3 Este tema está desenvolvido sobretudo em importante artigo de Simmel de 1912, “Der Begriff und die Tragödie der Kultur”, in Logos, t.II, 1911-1912., p.20: “O caráter fetichista que Marx atribui aos objetos econômicos na época da produção mercantil, não é mais que um caso especialmente modificado do destino universal de nossos conteúdos culturais. Tais conteúdos estão submetidos a um paradoxo: são criados por sujeitos e destinados a sujeitos, mas continuam sob a forma transitória da objetividade..., uma lógica de desenvolvimento imanente, que os aliena em sua origem e em seu fim...Esta é a verdadeira tragédia da cultura...Designamos como uma fatalidade trágica o seguinte fato: que as forças destruidoras dirigidas contra um ser nascem precisamente do fundo do mesmo ser.”



4 O próprio Simmel definiu explicitamente sua relação metodológica com o marxismo no prefácio de Philosophie dês Geldes: “Construir por baixo do marxismo um fundamento (Stockwerk) que conserve o valor explicativo da compreensão da vida econômica entre as causas da cultura espiritual, mas que reconheça nessas mesmas formas econômicas o resultado de valorações e correntes mais profundas, de pressuposições psicológicas e até metafísicas.”



5 “Quando Schiller escrevia seus poemas, ninguém sabia nada sobre o atual estado de aburguesamento e mecanização do mundo; mas Schiller havia-os pressentido...”



6 Entre esses literatos figurava o notável escritor anarco-utopista Gustav Landauer, futuro dirigente da República dos Conselhos da Baviera, assassinado pela contra-revolução em 1919.



7 É curioso que Lukács, que em sua Brève Histoire de la Litterature Allemande (1944) distribui generosamente, à esquerda e à direita, o qualificativo de “precursor do fascismo” (por exemplo, a Reiner Maria Rilke etc), evite cuidadosamente mencionar Pau Ernst: é por esquecimento, mortificação ou indulgência para com o velho amigo ?



Fonte: Michel Löwy, "Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários" - pags. 35-39

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O “Círculo Max Weber de Heidelberg...(1)”

Parte I: O "Círculo" como principal núcleo anticapitalista da Alemanha



Max Weber: um proeminente círculo
de pensadores neo-românticos
e anti-capitalistas


O principal centro de pensamento sociológico na Alemanha do início do século XX era Heidelberg, onde se reunia em torno de Max Weber uma plêiade brilhante de intelectuais e universitários.
Entre os participantes regulares ou episódicos deste famoso “Círculo Weber de Heidelberg” encontram-se, de 1906 a 1918: os sociólogos Ferdinand Tönnies, Werner Sombart, Georg Simmel, Alfred Weber (o sociólogo da cultura, irmão de Max), Arthur Salz (membro do Verein für Sozialpolitik dos “socialistas de cátedra”), Robert Michels (nesta época, “sindicalista revolucionário”), Ernst Troeltsch (sociólogo das religiões, de orientação “social-cristã”), Paul Honigsheim (então jovem estudante); os filósofos neokantianos Wilhelm Windelband, Hugo Münsterberg e Emil Lask, os neo-hegelianos Ehrenberg (judeu tornado místico-cristão) e Rosenzweig; o jurista George Jellinek; o esteta Friedrich Gundolf (amigo do poeta Stephan George); o poeta pacifista Ernst Toller; o psiquiatra e futuro filósofo kierkegaardiano Jaspers; o especialista em Dostoievsky Nikolai von Bubnov; e dois dostoievskyanos escatológicos: Ernst Bloch e György von Lukács...

George Simmel, um dos integrantes do Círculo de Heidelberg...

...juntamente com Jaspers, dentre outros.


Evidentemente, não se pode falar de uma ideologia comum a este conjunto heterogêneo e disparatado, mas nele se encontra indiscutivelmente uma potente corrente anticapitalista romântica; segundo o testemunho muito esclarecedor de Paul Honisgsheim,

“mesmo antes da guerra, havia em vários meios uma tendência a se distanciar do modo burguês de vida, da cultura da cidade, a racionalidade instrumental, a quantificação, a especialização científica, e todos os outros elementos considerados então como repugnantes...Lukács e Bloch, Ehrenberg e Rosenzweig eram partidários desta tendência. Este neo-romantismo, se assim se pode chamá-lo, estava ligado ao velho romantismo por múltiplas, ainda que ocultas, pequenas correntes de influência; podemos dar alguns exemplos: Schopenhauer, Nietzsche, o velho Schelling, Constantin Franz...o movimento de Juventude...O neo-romantismo sob suas diversas formas estava representado em Heidelberg...e seus adeptos sabiam a qual porta bater: a porta de Max Weber.”

Uma das manifestações deste estado de espírito era um estranho renascimento da religiosidade, como forma de rejeição radical do racionalismo burguês; segundo Paul Honisgsheim “era uma época em que a religião começava a estar na moda – nos salões e nos cafés – em que se liam naturalmente os místicos e se simpatizava espontaneamente com o catolicismo, uma época em que era de bom-tom lançar um olhar de desprezo sobre o século XVIII...para poder em seguida invectivar de coração aberto contra o liberalismo”. Esta tendência também se manifestava no círculo de Max Weber, entre outros, em Bloch e Lukács, que gostavam de fazer, então, “louvações extasiadas ao catolicismo”.

Entretanto, mais que a Igreja Católica, era a música e a literatura russa que faziam a unanimidade do círculo de Heidelberg; era ainda um modo de recusar a civilização ocidental capitalista. Graças a esta eslavofilia – estimulada pela participação nas reuniões de domingo (com Weber) de Nikolai von Bubnov, professos de História do Misticismo em Heidelberg, autor de publicações diversas sobre filosofia religiosa russa, em geral, e sobre Dostoievsky, em particular, e pela presença do escritor Feodor Stepum, que introduz no público alemão a obra do teórico do misticismo russo Vladimir Soloviev. A obra de Tolstoi e Dostoievsky encontrava-se no centro dos debates do círculo de Max Weber, particularmente no contexto da contradição entre a ética absoluta colocada pelos escritores russos (radical e sem concessões) e a ética da responsabilidade, implicando que se tomasse sobre si o fardo do pecado, como em “O Grande Inquisidor” de Dostoievsky...Esta problemática obcecava ainda Max Weber em 1919: no seu célebre discurso aos estudantes sobre a vocação política, ele menciona explicitamente o “Grande Inquisidor” de Dostoievsky como a apresentação mais notável desta contradição.

Veremos que os dilemas ético-políticos de Lukács em 1918-1919 apresentam uma similitude espantosa com a perspectiva de Weber, partindo das mesmas fontes: Dostoievsky e Tolstoi.

Lukács em 1919

O círculo de Max Weber tinha certas relações com outro grupo de Heidelberg, muito mais esotérico e fechado: o círculo de Stephan George, que reunia os amigos e admiradores quase religiosos em torno do célebre poeta.

O poeta místico Stephan George



Ao menos um membro deste grupo, o crítico de arte Friedrich Gundolf, participava dos dois círculos,e o próprio Weber lia com interesse os poemas de George. Lukács dedica em 1918 um ensaio a Stephan George (publicado em seguida A Alma e as Formas) em que sublinha o caráter “profundamente aristocrático” de seu lirismo que “mantém longe de si toda escandalosa banalidade, todos os suspiros fáceis e as moções baratas do coração”. Entretanto, o ensaio não agradou aos iniciados do círculo místico dos adoradores do poeta, porque não reconhecia os pretensos dons proféticos sobrenaturais de George. Alguns anos mais tarde (1946), Lukács retorna sobre a significação da obra de Stephan George; sublinha a “não-fraternidade aristocrático-estética de sua visão de mundo” e acrescenta:


“George recusa apaixonadamente a vida social de sua época. Não vê nela senão a prosa mortífera para a alma, a perdição encarnada...São claras as conseqüências do matiz alemão do anticapitalismo romântico. É do ódio contra este mundo, o mundo do capitalismo e da democracia, que nasceu o ‘profetismo’ de George...”.

Lukacs insistirá, em seu livro Brève histoire de la littérature allemande, nas implicações políticas desse "profetismo", por meio do qual George

"converte-se no chefe espiritual da reação que avança. Mão se contenta em formular apaixonadas acusações contra o mundo contemporâneo; anuncia também, com virulência crescente, sua queda necessária e o advento de um mundo novo, de um novo "Reich", que salvará da maldade e da fealdade... Fundando-se em tais poemas o fascismo o reclama para si. [Mas] não estava inteiramente justificado no que concerne ao poeta. George não quis saber nada do hitlerismo: morreu em exílio voluntário...Não existem laços essenciais ao menos objetivamente." (Lukacs, Brève histoire de la littérature allemande, 1949)

São visíveis as afinidades possíveis com a corrente neo-romântica do círculo de Max Weber.

Na realidade o próprio Max Weber não pode ser classificado como um neo-romântico. Aliás, é muito difícil definir sua posição político-ideológica: é um “liberal”, como pretende Merlau-Ponty, um “representante ativo da política do capital monopolista”, como pensava a Academia de Ciências da URSS, ou um aristocrata nietzscheano como sugere Jean-Marie Vincent ? Ele era contrário ou favorável à democracia parlamentar, ao militarismo, à social-democracia ? Sem querer, de forma alguma, truncar o debate, desejamos somente chamar a atenção sobre certa “afinidade eletiva”, malgrado diferenças significativas, entre a sociologia de Weber e o anticapitalismo romântico. Jean-Marie Vincent caracteriza com razão a ideologia weberiana como “uma espécie de humanismo precário, estranho às tendências fundamentais do desenvolvimento social (burocratização, desencantamento)”, um pessimismo que recusa com obstinação alguns aspectos da evolução do mundo moderno. Desse ponto de vista, ele foi, sem dúvida, profundamente influenciado por Tönnies, do qual retoma freqüentemente as categorias de análise, tentando superá-las em direção a uma visão mais objetiva da realidade sócio-econômica moderna.

(...)

“...é horrível pensar que um dia o mundo será ocupado somente por estas pequenas peças, por pequenos homens que se agarram a pequenos empregos e procuram obter outros maiores – uma situação que...tem um papel crescente no espírito de nosso sistema administrativo presente...Esta paixão pela burocracia é suficiente para pôr-nos em desespero...A grande questão não é saber como promover e estimular esta evolução, mas como se opor a esta máquina para manter uma parte da humanidade livre desse desmembramento da alma, desta suprema dominação do modo burocrático de vida.”
(Max Weber, Gesammelte Aufsätze zur Soziologie und Sozialpolitik)

(...)

Sem esta dimensão anticapitalista – que seguramente não é senão um aspecto de um sistema teórico complexo, matizado e às vezes contraditório – é difícil de compreender alguns fenômenos como a simpatia de Weber pelos sindicatos operários:

Eles são os únicos no interior do Partido Social-Democrata que...não se rebaixaram, e que mantiveram o idealismo em face da mediocridade do Partido...O único refúgio do trabalho idealista no seio do Partido Social-Democrata são e serão, em nossas condições alemãs, os sindicatos.

(...)

Segundo Eduard Baumgarten, para Weber, os sindicatos constituem precisamente um contrapeso ao aburguesamento e à burocratização do Partido, ponto de vista que aproxima o eminente sociólogo de Heidelberg de seu discípulo “sindicalista revolucionário” Robert Michels. O próprio Michels sublinha em outro lugar o interesse de Weber por suas idéias e a abertura das páginas do Archi für Sozialwissenschaft para a corrente sindicalista, com a publicação de artigos de Hubert Lagardelle, Arturo Labriola, Enrico Leone etc. Enfim, segundo o testemunho sempre revelador e penetrante de Paul Honisgsheim, a Weltanschauung de Weber transporta-o para a “vizinhança dos anarquistas e, sobretudo, dos sindicalistas bergsonianos”.

Lukács na maturidade

É somente dentro deste contexto que se pode compreender o comentário surpreendente que fez Lukács a seus amigos de Heidelberg:

“Max Weber é o homem que poderá arrancar o socialismo do miserável relativismo produzido pela ação de Frank (um dirigente social-democrata revisionista e direitista) e seus asseclas” (...).




(Texto extraído de: "Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários", Michel Löwy, pags.28 e segs)