quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Para além do cérebro e da mente




Nesta noite, vamos percorrer um longo caminho. Ontem estivemos tratando do sofrimento e do findar do sofrimento. Quando o sofrimento chega ao fim, há paixão. Pouquíssimos de nós realmente compreendem a questão do sofrimento ou nela penetram profundamente. Será possível liquidar, de vez, o sofrimento? Todos os seres humanos têm feito essa pergunta, embora, talvez, não muito conscientemente, mas, no fundo, todos querem saber se a dor e o sofrimento humano podem acabar. Enquanto o sofrimento não termina, não pode haver amor.

O sofrimento é um violento golpe no sistema nervoso, como um soco no corpo e na psique. E geralmente tentamos escapar dele através de drogas, bebida, movimentos religiosos - ou, então, acabamos cínicos ou passamos a aceitar as coisas como inevitáveis. 

Será que podemos investigar, a fundo e com seriedade, se é possível ficar com o problema sem fugir dele? Suponhamos que perca meu filho e, sofrendo com isso um grande choque, experimentando uma dor imensa, descubra que sou um ser humano extremamente solitário. Não consigo encarar nem suportar a situação e, por isso, fujo dela. Há inúmeras formas de fuga - religiosas, mundanas ou filosóficas. Mas será que posso permanecer com o que aconteceu, com essa coisa chamada sofrimento, sem procurar, de modo algum, fugir da dor, da angústia, da solidão, da aflição, do abalo? Será que podemos observar um problema, observá-lo apenas, sem procurar resolvê-lo, olhar para ele como se fosse uma jóia preciosa, de fino acabamento? Para uma coisa bonita olhamos sem parar, sem qualquer desejo de fugir dela; sua beleza nos atrai tanto e tanto prazer nos proporciona que ficamos olhando para ela o tempo todo. Se, da mesma forma, pudermos observar nosso sofrimento, sem um movimento sequer de julgamento ou fuga, ficar com a tristeza... nesse caso, a própria ação de ficar com o fato nos liberta completamente daquilo que produziu a dor. Voltaremos a isso depois. 

Desejamos também considerar o que é a beleza - não a beleza de uma pessoa nem de quadros e estátuas de museus, nem os mais remotos esforços do homem para transmitir seus sentimentos através da pedra, da pintura ou de um poema, mas indagar a nós mesmos o que é a beleza. Talvez a beleza seja a verdade. Talvez seja o amor. Sem compreendermos a natureza e a profundidade dessa coisa extraordinária que é a beleza, jamais chegaremos ao que é sagrado. Examinemos, portanto, a questão da beleza. 

O que acontece quando vemos algo grandioso como a montanha coberta de neve contra o céu azul? Por um segundo a majestade da montanha, com sua imensidão, com seu belo recorte contra o céu azul apaga toda nossa preocupação com nós mesmos. Nesse segundo, não há "ninguém" a olhar. Por um segundo, a grandiosidade da montanha afasta todo sentimento egocêntrico do nosso viver. Certamente que já devem ter notado isso. Já observaram uma criança com um brinquedo? Durante o dia inteiro ela fez travessuras (o que é normal), e então damos um brinquedo a ela. Agora, por um bom tempo, até que escangalhe o brinquedo, ela permanece tranqüila; o brinquedo dissipou sua agitação, absorveu-a. Assim também quando vemos algo extremamente belo - a beleza nos absorve? Significa isso que só há beleza quando cessa a luta do eu, quando não existe mais egocentrismo. Compreendem isso? Se não ficamos absorvidos nem impressionados por algo muito belo, como uma montanha ou um vale cheio de sombras; se não somos arrebatados pela montanha, podemos compreender a beleza sem o ego? Quando o eu está presente, não há beleza; quando existe egocentrismo, não há amor; e o amor e a beleza estão sempre juntos - não são duas coisas separadas. 

Temos de tratar também da morte. Isso é uma coisa que todos precisamos encarar. Sejamos ricos ou pobres, ignorantes ou eruditos, jovens ou velhos, a morte é inevitável para todos nós; todos vamos morrer. E nunca fomos capazes de compreender a natureza da morte; estamos sempre com medo de morrer, não estamos? Para compreender a morte temos de indagar o que é o viver, o que é a nossa vida, pois estamos desperdiçando a nossa vida, estamos desperdiçando nossas energias de muitas maneiras, nas muitas profissões especializadas. Pode ser que sejam ricos, muito competentes, que sejam especialistas, um grande cientista ou um homem de negócios; pode ser que tenham poder, posição, mas, no fim da vida, será que tudo isso não foi um desperdício? Toda essa lida, sofrimento, essa enorme ansiedade e insegurança, as tolas ilusões que o homem acumulou (deuses, santos, etc.), não será tudo isso um desperdício? Por favor, essa é uma pergunta séria, que cada um tem de fazer a si próprio. Ninguém pode responder por nós. Costumamos separar o viver do morrer. A morte fica lá no fim da vida; nós a colocamos o mais longe possível - depois de muito tempo. Mas, ainda que seja uma longa jornada, temos de morrer. E o que é isso a que chamamos viver - ganhar dinheiro, ir ao escritório das nove às cinco? E com isso sofremos interminável conflito, temor, ansiedade, solidão, desesperança, depressão. Mas será que toda essa existência a que chamamos vida, viver (essa imensa vicissitude do homem com seu conflito sem fim, decepção, degradação) - será isso viver? Mas é a isso que chamamos viver; é isso que conhecemos, é como isso que estamos familiarizados, essa é a nossa existência diária. E a morte significa o fim de tudo, o findar de tudo que pensamos, acumulamos e gozamos. E vivemos apegados a tais coisas. Estamos apegados à família, ao dinheiro, aos conhecimentos, às crenças com as quais temos convivido, aos ideais. Estamos apegados a tudo isso. E a morte vem e diz: "Esse é o fim de tudo, meu velho". 

Tememos morrer, isto é, deixar tudo que conhecemos, tudo que experimentamos, reunimos - nossa encantadora mobília e a bela coleção de quadros de pintura. A morte chega e diz: "Nada mais lhe pertence." É por isso que nos apegamos ao conhecido e tememos o desconhecido. Podemos inventar a reencarnação, que devemos renascer numa próxima vida. Mas nunca indagamos o que nasce na vida seguinte. O que renasce é um feixe de memórias. 

A pergunta, portanto, é esta: por que o cérebro separou o viver (que é conflito e tudo o mais) do morrer? Por que essa divisão? Existe essa divisão quando há apego? Podemos viver no mundo moderno com a morte? Não estamos falando de suicídio, mas em acabar com o apego (e isso é a morte) enquanto vivemos. Estou apegado à casa em que vivo - comprei a casa por um bom dinheiro e apego-me ao mobiliário, aos quadros, à família, a todas essas memórias. Então chega a morte e acaba com tudo. Mas será que podemos conviver diariamente com a morte, dando um fim a tudo no fim de cada dia, eliminando todo nosso apego? Isso é o que significa morrer.

Como costumamos separar o viver do morrer, estamos sempre com medo. Quando levamos juntos, contudo, a vida e a morte, o viver e o morrer, então descobrimos que há um estado cerebral em que cessa todo conhecimento como memória. 

Precisamos do conhecimento para escrever uma carta, vir até aqui, falar inglês, fazer a contabilidade, ir para casa etc. Mas será que podemos usar o conhecimento sem sobrecarregar a mente? Poderá o cérebro usar o conhecimento quando necessário, mas estar livre de todo conhecimento? Nosso cérebro está sempre registrando; agora mesmo estão registrando o que se está dizendo. O registro torna-se memória e a memória, nesse registro, é necessária em certo domínio, no domínio da atividade física. Por conseguinte, pode o cérebro usar o conhecimento quando necessário mas estar livre do velho conhecimento? Pode o cérebro estar livre para funcionar perfeitamente noutra dimensão? Todos os dias, portanto, quando forem dormir, eliminem tudo que acumularam; morram no fim do dia.

E então ouvimos uma declaração como esta: viver é morrer; viver e morrer não são duas coisas diferentes. Se não ouvirem essa declaração com os ouvidos apenas, se estiverem escutando com muita atenção, perceberão a verdade do fato, perceberão a realidade. E, imediatamente, verão como isso é claro. Assim, será que, no fim do dia, podemos morrer para tudo que não for necessário? Morrer para a lembrança de nossas mágoas, nossas crenças, temores, ansiedades, infortúnios - será que podemos pôr fim a tudo isso diariamente? E aí descobrimos que estamos vivendo com a morte o tempo todo, pois a morte é o fim. 
Precisamos, de fato, investigar essa questão do findar. Nunca terminamos, definitivamente, coisa alguma; só quando conseguimos alguma vantagem com isso, alguma recompensa. Mas, será que podemos viver assim no mundo de hoje - liquidando tudo voluntariamente, sem pensar no futuro, sem esperar por algo "melhor", ter, portanto, uma maneira holística de viver, vivendo e morrendo a cada momento? Estamos tratando juntos de coisas que o homem se vem ocupando há um milhão de anos - o viver e o morrer. Temos, portanto, de examinarmos juntos o problema e não reagir a ele, dizendo: "É, mas eu creio na reencarnação" - pois, nesse caso, termina o diálogo entre nós. 

Estamos apegados a um mundo de coisas - ao nosso guru, ao conhecimento acumulado, ao dinheiro, às crenças com que temos vivido, aos ideais, à memória de nosso filho ou filha e por aí afora. Nós somos a memória. Nosso cérebro é todo memória - não somente a memória dos conhecimentos recentes mas também a dos remotos, a memória profunda que conserva o que foi o animal, o macaco. Fazemos parte dessa memória e estamos apegados a toda essa consciência. Certo? Isso é um fato. Aí chega a morte e diz: "Acabou o seu apego." E nós tememos tal coisa, tememos ficar completamente libertos disso tudo. A morte, no entanto, retira de nós tudo que adquirimos. Podemos inventar e dizer: "Sim, mas eu continuo na próxima vida." Mas o que é que continua? Compreendem a pergunta? Que significa o desejo de continuar? Haverá alguma espécie de continuidade a não ser a da sua conta bancária, ir diariamente ao escritório, a rotina do culto e a continuidade das crenças - tudo que o pensamento criou? 

O pensamento é limitado e, assim, cria conflito - já vimos isso. E o eu, o ego, a persona é um complicado feixe de memórias, antigas e recentes. Vivemos de memórias. Vivemos do conhecimento, adquirido ou herdado; somos o produto do conhecimento. O eu é o conhecimento resultante das experiências passadas, dos pensamentos etc. Isso é que é o eu. O eu pode inventar que há algo divino em nós; mas isso ainda é atividade do pensamento. E o pensamento é sempre limitado. Podem ver isso por si mesmos; não precisam ler livros nem estudar as filosofias; podem perceber claramente por si próprios que são um feixe de memórias. E a morte põe fim a toda memória. Eis porque ficamos atemorizados. A questão, portanto, é esta: podemos conviver com a morte no mundo moderno? 

Agora devemos também examinar juntos o que é o amor. Será que o amor é sensação? Será desejo? Será prazer? Será coisa criada pelo pensamento? Será que amam a esposa ou o marido ou os filhos? Será que o amor é ciúme? Não digam que não. Será que o amor é medo, ansiedade, sofrimento e tudo mais? O que é o amor? E sem esse quê, esse perfume, essa chama (ainda que sejam ricos, tenham poder, posição, importância) sem amor, serão apenas uma concha vazia. Precisamos, por conseguinte, aprofundar essa questão do amor. Se amassem seus filhos, haveria guerras? Se amassem seus filhos, permitiriam que eles matassem outros? Pode haver amor quando existe ambição? Por favor, enfrentem tudo isso. Mas não conseguimos porque estamos presos a uma rotina, à sensação repetida de sexo etc. 

O amor nada tem que ver com prazer, com sensação. O amor não provém do pensamento; não faz parte, por isso, da estrutura do cérebro. É algo que está completamente fora do cérebro, pois o cérebro, por sua própria natureza, é instrumento da sensação, das reações nervosas etc. Quando há sensação, não existe amor. O amor não é coisa da memória. 

E temos que discutir sobre a vida religiosa e a religião. Essa é uma questão muito complexa. Os seres humanos vêm buscando alguma coisa que esteja além do mundo físico, além da existência diária do sofrimento, dor ou prazer. Têm buscado algo transcendente, primeiro nas nuvens, sendo o trovão a voz de deus. Depois, cultuaram árvores, pedras - e os aldeões que vivem longe desta feia e detestável cidade ainda veneram pedras, árvores, pequenas imagens. O homem deseja saber se existe alguma coisa sagrada e, então, chega o sacerdote e diz: "Vou-lhe mostrar" - é exatamente o que faz o guru. Os sacerdotes do Ocidente possuem seus rituais, frases de repetição, roupas ornamentadas e o culto a imagens. E os daqui também têm suas próprias imagens. Há os que não acreditam em nada disso; são ateus e se dizem hamanitaristas. Mas os que ouvem a este que fala querem descobrir se há algo fora do tempo, além do pensamento. Vamos, portanto, investigar juntos, exercitar nosso cérebro, nossa razão, nossa lógica para averiguar o que é religião, o que é vida religiosa e se é possível viver uma vida religiosa neste mundo moderno. 

Investiguemos, por conseguinte, para descobrir o que, de fato e verdadeiramente, é a vida religiosa. E só podemos descobrir isso quando compreendemos o que são as religiões e as descartamos totalmente - não quando pertencemos a uma religião, a uma organização, um guru ou determinada autoridade que se diz espiritual. Não há autoridades espirituais; esse é um dos crimes que cometemos: inventar um mediador entre nós e a verdade. 

Quando indagamos o que é religião, nessa própria indagação já estamos vivendo religiosamente; não no fim dela. No processo mesmo de olhar, observar, discutir, duvidar, objetar, não ter crença nem fé, nessa própria investigação já estamos levando uma vida religiosa. Vamos fazer isso agora. 

Tratando-se de assunto religioso, parece que perdem a razão, a lógica, o bom senso. Precisamos, portanto, ser lógicos, racionais, descrentes, indagadores em relação a tudo que o homem criou - deuses, salvadores, gurus e toda sua autoridade; precisamos eliminar, completamente, tudo isso. Nada disso é religião; é apenas a autoridade que alguns poucos assumem. Nós é que lhes conferimos autoridade. 

Já notaram que, sempre que há desordem social e política nas relações humanas, aparece um déspota, um ditador? Temos recentes exemplos disso. Sempre que há desordem em nossa vida, criamos uma autoridade; somos responsáveis pela autoridade e existem pessoas prontas a aceitar essa autoridade. Sempre que há medo, inevitavelmente o homem procura um meio de se proteger, de se manter em segurança, uma vez que ele se sente atemorizado. E é por causa desse medo que inventamos deuses. Por causa desse medo é que inventamos os rituais e todo esse circo a que damos o nome de religião. Todos os templos neste país, todas as igrejas e mesquitas, tudo isso foi o pensamento que criou. Podem afirmar que há uma revelação sem jamais duvidarem de tal coisa. Mas ponham em dúvida essa revelação. Acontece que aceitam; se usarem, contudo, a lógica, a razão, o bom senso, perceberão como acumulam superstições - e nada disso, obviamente, é religião. Será que podem descartar tudo isso para descobrir a essência da religião, qual é a mente, o cérebro, capaz de viver religiosamente? Será que podem, como seres humanos cheios de temor, viver sem inventar nada, sem criar ilusões, e enfrentar o medo?

O medo psicológico pode desaparecer completamente quando ficamos com ele, sem fugir dele, dando a ele total atenção. É como lançar um jato de luz sobre o medo, um forte jorro de luz; o medo se extingue por completo. E, quando não há medo, já não há mais deuses, já não mais rituais, pois tudo isso se torna desnecessário, estúpido. As coisas que o pensamento inventa nada têm que ver com religião, pois o pensamento não passa de um processo material resultante da experiência, do conhecimento e da memória. É o pensamento que inventa todo o palavrório e estrutura das religiões organizadas, que já perderam totalmente a significação. Será que, voluntariamente, podem rejeitar tudo isso sem esperar por uma recompensa? Será que querem fazer isso? Se fizerem, então ninguém mais perguntará o que é religião. 

E haverá alguma coisa que ultrapasse o tempo e o pensamento? Podem fazer essa pergunta mas, se o pensamento inventar que existe algo transcendente, isso ainda constitui um processo material. O pensamento é um processo material que acumula o conhecimento nas células cerebrais. O orador não é cientista, mas podem ver isso em si mesmos, podem observar em seu próprio cérebro a atividade do pensamento. Desse modo, se puderem desfazer-se de tudo isso voluntariamente, sem oposição nem resistência, nesse caso, inevitavelmente, indagarão: existirá algo que esteja além do tempo e do espaço? Haverá algo jamais visto antes por qualquer outro homem? Haverá algo imensamente sagrado? Haverá algo jamais tocado pelo cérebro? E é isso que vamos descobrir, se é que já deram o primeiro passo, o de varrer completamente toda essa baboseira chamada religião. Quando usam o cérebro e a lógica, podem duvidar, indagar. 

Assim, o que significa a meditação que faz parte da religião? O que é meditação? Será fugir do tumulto, ter uma mente silenciosa, uma mente tranqüila e pacífica? E, para ficarem atentos, para manterem os pensamentos sob controle, praticam um sistema, um método, um processo. Sentam-se de pernas cruzadas e repetem um mantra qualquer. Disseram-me que essa palavra, etimologicamente, significa "ponderar", "não vir a ser", "absorver", "eliminar toda atividade egocêntrica". Mas nós repetimos, repetimos, repetimos e continuamos vivendo egocentricamente, egoisticamente, pois mantra perdeu o significado. 

O que é, pois, meditação? Será um esforço consciente? Costumamos meditar conscientemente, praticar a fim de conseguir alguma coisa - uma mente ou um cérebro tranqüilo, um estímulo para o cérebro. Mas qual é a diferença entre esse meditador e o homem que diz "Quero dinheiro e vou trabalhar para obtê-lo?" Qual é a diferença entre os dois? Ambos estão buscando alguma coisa. Só que a busca de um classificamos de espiritual e a do outro, de mundana. Não obstante, ambos estão buscando algo. Assim, para o orador, isso não é meditação; meditação nada tem que ver com qualquer desejo consciente e deliberado como produto da vontade. 

Precisamos indagar, portanto, se há alguma espécie de meditação que não seja produzida pelo pensamento. Haverá alguma espécie de meditação da qual não estejamos consciente? Compreendem isso? Nenhum processo deliberado de meditação é meditação. Isso é tão claro! Podem sentar-se de pernas cruzadas pelo resto da vida, meditar, respirar e praticar tudo mais sem que cheguem sequer perto da outra coisa, pois isso não passa de uma ação intencional para conseguir um resultado - causa e efeito. 

Mas o efeito torna-se a causa e, assim, acabam presos num círculo. Haverá uma espécie de meditação que não resulte do desejo, da vontade, do esforço? O orador afirma que há. Mas não precisam acreditar nisso; pelo contrário, devem duvidar, indagar, assim como o orador indagou, duvidou, rejeitou. Haverá uma espécie de meditação não planejada nem organizada? Para examinar isso, precisamos compreender o cérebro condicionado, o cérebro limitado, o cérebro que tenta alcançar o ilimitado, o imensurável, o atemporal, se é que existe esse atemporal. E, para isso, é necessário compreender o som. Som e silêncio são inseparáveis. 

Costumamos separar o som do silêncio. O som é o mundo; o som é a batida do coração; o universo está repleto de sons; os céus, as milhares de estrelas, todo o firmamento está cheio de som. E consideramos o som uma coisa intolerável. Mas, quando escutamos o som, o próprio ato de escutar é silêncio. O silêncio não se separa do som. A meditação, portanto, não é algo planejado, organizado. A meditação apenas é. Começa com o primeiro passo que é o estar livre de todos os ressentimentos, livre de tudo que já acumulamos - temores, ansiedades, solidão, desespero, sofrimento. Essa é a base, o primeiro passo e o primeiro passo é o último passo. Se derem o primeiro passo, termina tudo. Mas não estamos com vontade de dar esse primeiro passo porque não queremos ser livres. Queremos depender - do poder, de pessoas, do meio-ambiente, de nossa experiência, do conhecimento. Nunca nos libertamos da dependência, do medo. 

No findar do sofrimento está o amor. E nesse amor há compaixão. A compaixão tem sua própria inteligência. E quando age a inteligência, atua a própria verdade. Quando essa inteligência está presente, não há conflito. De tudo já ouviram falar - da cessação do medo, do findar do sofrimento, da beleza e do amor. Mas uma coisa é ouvir, e outra, agir. Ouvem tudo isso (que é verdadeiro, lógico, sensato, racional) mas não agem de acordo com isso. Vão para casa e começa tudo de novo - as preocupações, os conflitos, toda a miséria. Assim, perguntamos: qual é a finalidade de tudo isso? Que adianta ouvir este orador e não viver o que ele diz? Quando ouvimos e não agimos, desperdiçamos nossa vida; se ouvirem algo verdadeiro e não agirem, estarão desperdiçando a vida. E a vida é algo muitíssimo precioso - é a única coisa que temos. E acontece que perdemos também contato com a natureza, o que significa que perdemos contato com nós mesmos, parte que somos da natureza. Não amamos as árvores nem os pássaros nem as águas nem as montanhas. Estamos a nos destruir uns aos outros. E tudo isso é desperdício de vida. 

Quando percebemos toda essa coisa não apenas intelectualmente nem verbalmente, então vivemos uma vida religiosa. Botar uma tanga, tornar-se pedinte ou entrar para um mosteiro, nada disso é vida religiosa. A vida religiosa começa quando cessa o conflito, quando existe amor. Podemos amar uma pessoa (esposa ou marido), mas aquele amor é para todos os seres humanos, não se destina a uma só pessoa, não é restritivo. Portanto, se empenharem coração, mente e cérebro haverá algo que transcende o tempo. E aí estará a bênção - não nos templos, nas igrejas nem mesquitas. Essa bênção estará onde estivermos. 




Krishnamurti. Bombaim. 10/02/1985. K. F. Bulletin 54 (1988) - Carta de Notícias. Janeiro-Dezembro 1991. ICK.



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Você é a Presença consciente


Um dos visitantes que chegou antes da hora a uma sessão era um membro de certo grau da Sociedade Vedântica Européia. Maharaj foi diretamente ao ponto e lhe perguntou se ele tinha alguma pergunta a fazer ou qualquer assunto a ser esclarecido. Quando o visitante disse que gostaria de escutar por um tempo o que Maharaj tinha a dizer antes de perguntar, Maharaj sugeriu que, desde que ele era um representante de uma das Sociedades Vedânticas ativas com um grande número de sócios, ele poderia começar o diálogo contando-nos como elas explicam este tema um tanto ambíguo para um novo e interessado membro da sociedade.

Sri Nisargadatta Maharaj




Visitante: Bem, nós, em primeiro lugar, falamos para ele sobre os exercícios de Ioga física, pois um ocidental está interessado basicamente no bem-estar de seu corpo. A Ioga para ele significa ser capaz de realizar atos de resistência física e, também, de atingir um alto grau de concentração mental. Depois de um curso de Asanas Ióguicas, nós prosseguimos falando para ele que ‘ele’ não é o corpo, mas algo separado do corpo.


Maharaj: Isto levanta duas questões: A primeira, qual é o ponto de partida para conhecer inclusive o próprio corpo? Em outras palavras, existe algo dentro do corpo na ausência do qual você não seria capaz de conhecer seu corpo ou o de algum outro? A segunda: Teria o mestre uma idéia clara sobre sua própria ‘identidade’ na medida em que ele mesmo está implicado? Se ele não é o corpo, quem, ou o que, ele é?

V: Não estou certo sobre o que você quer dizer exatamente?

M: O corpo é apenas um instrumento, um aparato que seria totalmente inútil se não fosse pela energia interior, a alma, o sentido ‘eu sou’, o conhecimento de estar vivo, a consciência que concede o sentido de estar presente. De fato, esta presença consciente (não ABC ou XYZ estando presente, mas o sentido de presença consciente como tal) é o que se é, e não a aparência fenomênica que o corpo é. É quando esta consciência, sentindo a necessidade de algum apoio, identifica-se erroneamente com o corpo e abre mão de seu potencial ilimitado pela limitação de um simples corpo particular, que o indivíduo ‘nasce’. Este é o primeiro ponto sobre o qual o próprio mestre deve ter uma firme convicção intuitiva.

Outro ponto básico é que o mestre deve também ter uma compreensão muito clara de como a união entre o corpo e a consciência aconteceu. Em outras palavras, o mestre não deve ter dúvidas de forma alguma sobre sua própria natureza verdadeira. Por isto, deve entender a natureza do corpo e da consciência (ou da condição do ser, ou o estado de eu sou) e, também, a natureza do mundo fenomênico. De outro modo, tudo o que ele ensina será apenas conhecimento emprestado, obtido pela audição, conceitos de algum outro.

V: (Sorrindo) Esta é exatamente a razão pela qual estou aqui. Deverei permanecer por cerca de uma semana e assistirei às sessões da manhã e do anoitecer.

M: Você está seguro que está fazendo a coisa certa? Você veio aqui com uma certa quantidade de conhecimento. Se você persistir em escutar-me, você poderá chegar à conclusão de que todo conhecimento não é mais que um punhado de conceitos inúteis e, inclusive, que você mesmo é um conceito. Você será como uma pessoa que compreende repentinamente que suas riquezas acumuladas se transformaram em cinzas durante a noite. O que você pensará, então? Não seria melhor, mais seguro, retornar para casa com sua ‘riqueza’ intacta?


V: (Respondendo com humor) Eu me arriscarei. De certa forma, iria conhecer o valor real da riqueza que penso possuir. Tenho um sentimento, embora, que o tipo de riqueza que alcançarei depois que a riqueza inútil tiver sido jogada fora seria sem preço e além dos riscos de roubo ou perda.


M: Assim seja. Agora, diga-me, quem você pensa que é?


V: Duvido que eu possa realmente expressar meu pensamento em palavras. Parece-me que não sou o corpo, mas o sentido de presença consciente.


M: Permita-me explicar isto de maneira concisa: Seu corpo é o desenvolvimento da uma emissão resultante da união de seus pais, concebido no útero de sua mãe. Esta emissão era a essência do alimento consumido por seus pais. Seu corpo é, portanto, feito desta essência do alimento e também é sustentado pelo alimento em si. E o sentido de presença consciente que você mencionou é o sabor, ‘a natureza’ da essência do alimento que constitui o corpo, como a doçura é a natureza do açúcar, a qual é, ela mesma, a essência da cana-de-açúcar. Entenda que seu corpo pode existir apenas por um período limitado de tempo e, quando o material do qual ele é feito finalmente deteriorar-se a ponto de ‘morrer’, a força vital (respiração) e a consciência também desaparecerão dele. Assim, o que acontecerá para você?


V: Mas a consciência desapareceria? Devo dizer que estou um pouco assustado ao ouvir isto.


M: Na ausência do corpo, poderia a consciência ser consciente de si mesma? A consciência, na ausência do corpo, não se manifestará mais. Então, você está novamente de volta para o ponto de partida: Quem, ou que, você é?


V: Como disse antes, não posso realmente expressar o que penso.


M: Certamente, não pode ser expresso, mas você o conhece? Uma vez que o expresse, torna-se um conceito. Mas, embora criador de um conceito, não é você mesmo um conceito? Você realmente não nasceu do próprio útero da concepção? Quem você é realmente? Ou se você preferir, como eu, que você é?


V: Penso que sou a presença consciente.


M: Você disse que ‘pensa’! Quem é este que pensa isto? Não é sua própria consciência na qual os pensamentos aparecem? E, como você tem visto, a consciência, ou presença, está limitada pelo tempo da mesma forma que o corpo. Esta é a razão pela qual falei a você anteriormente que é necessário entender a natureza deste corpo dotado de força vital (Prana) e de consciência.
Você é ‘presença’ apenas enquanto o corpo, um fenômeno manifesto, existir. O que você era antes que o corpo e a consciência aparecessem espontaneamente para você? Digo ‘espontaneamente’, pois você não foi consultado sobre ser presenteado com um corpo nem seus pais esperavam ter você, especificamente, como filho. Não era você, então, relativamente, ‘ausência’ em vez de ‘presença’, antes que o estado de consciência-corpo surgisse sobre o que quer que fosse isto que era ‘você’?


V: Não estou certo de ter entendido isto.


M: Então, escute. Para que algo apareça, para existir, tem que haver uma base de ausência absoluta – ausência absoluta de presença assim como de ausência. Sei que não é fácil compreender. Mas tente. Qualquer presença pode ‘aparecer’ apenas como resultado da total ausência. Se houver presença inclusive da ausência, não poderá haver nem fenômeno nem conhecimento. Portanto, a ausência total, absoluta, implica total ausência de concepção. Este é seu estado original verdadeiro. Eu repito: O ‘você’ nasceu no útero da concepção. Sobre o estado original de total ausência, espontaneamente, surge uma semente de consciência – o pensamento ‘eu sou’ – e, através disto, sobre o estado original de unicidade e totalidade, surge a dualidade; a dualidade de sujeito e objeto, certo e errado, puro e impuro – raciocinando, julgando, comparando, etc. Pondere sobre isto. Temo que esta sessão deva terminar agora.


V: Isto foi, certamente, uma revelação para mim, embora tenha estudado Vedanta por bastante tempo.


M: Está claro para você que você é anterior a toda concepção? O que você parece ser como um fenômeno é apenas conceitual.O que você é realmente não pode ser compreendido pela simples razão de que, no estado de não-concepção, não pode existir alguém para compreender o que se é!


V: Mestre, eu desejo vir ao anoitecer em busca de mais iluminação, e sentar-me a seus pés todos os dias, enquanto estiver em Bombaim.


M: Você será bem-vindo."


De "Sinais do Absoluto" - Pointers from Nisargadatta Maharaj - o 1° livro de Ramesh Balsekar sobre os ensinamentos do grande jnani.

Futura publicação da Editora Advaita.


Fonte: Editora Advaita Blog

sábado, 5 de dezembro de 2009

As estranhas experiências de Robert Monroe (2)




SH e ele ...


(por Robert A. Monroe)


Com a publicação de Viagens Fora do Corpo, começamos a receber surpreendentes perguntas, informações e cooperação de muitas origens inesperadas. Um livro dedicado ao público geral estava atraindo o interesse de círculos científicos e acadêmicos. O nosso laboratório, a oeste de Charlottesville, Virgínia, foi inaugurado em uma base totalmente voluntária. Seu nome original era Laboratórios de Pesquisa Whistlefield, mas mudamos para Instituto Monroe de Ciências Aplicadas. O nome Monroe não significa uma expressão do meu ego, mas apenas uma maneira de tornar o título mais claro para o público. "Ciências Aplicadas" já era bastante específico. Sentimos que a compreensão das EFC poderia ser atingida em um nível compatível com as nossas ciências ocidentais, e que o melhor que poderíamos fazer seria pôr em prática quaisquer descobertas ou informações que encontrássemos.

O laboratório consistia de um prédio de um andar especialmente projetado, incluindo dois escritórios, uma sala de espera e uma ala destinada a pesquisas. Na ala havia uma sala de instrumentos ou controle, três cabines de isolamento e uma sala de instruções. Todas as três cabines eram ligadas separadamente à sala de controle para o controle fisiológico e o envio de vários tipos de sinais audíveis e eletromagnéticos para estimular alguma resposta de um voluntário dentro da cabine.

Cada cabine continha uma cama com colchão de água aquecida, proporcionando assim uma posição confortável em um ambiente totalmente escuro. Além disso, havia um controle do ar, temperatura e acústica da cabine. Uma pessoa que estivesse lá poderia ter fios colados nela e transmitir para a sala de controle um grande número de sinais fisiológicos. Isso incluía um EEG (eletroencefalograma) com oito canais, EMG (tônus muscular), pulsação e voltagem corporal. Aos poucos, fomos capazes de descobrir a maioria daquilo que queríamos saber apenas através da leitura das mudanças na voltagem corporal.

Com exceção dos participantes vindos de outras cidades, tínhamos um grupo de voluntários locais que consistia de vários médicos, um físico um engenheiro eletrônico, vários psiquiatras e assistentes sociais e ainda alguns amigos e familiares "convocados". A maioria das pesquisas e das experiências acontecia à noite ou nos finais de semana, já que todos nós tínhamos outras ocupações. Revendo o passado, a imensa contribuição que esse grupo deu espontaneamente foi um fator crucial para dar início ao processo sob essas novas circunstâncias, e eu lhes serei eternamente grato. Muita paciência e dedicação foi necessária para colar os elétrodos e depois passar horas e horas em uma cabine escura, anotando resultados subjetivos de vários testes - resultados esses que poderiam ser correlacionados com leituras feitas por aparelhos na sala de controle até o momento em que um consenso fosse alcançado.

Nossos primeiros estudos foram uma continuação da pesquisa sobre o sono iniciada em Nova York. A necessidade de uma solução para um problema trouxe um dos nossos primeiros resultados significativos. Uma vez que grande parte do que foi registrado dos estados extracorporais, incluindo muitas das minhas experiências pessoais, relacionava-se com estado de sono, ainda achávamos que algumas respostas seriam encontradas nessa área. Entretanto, a maioria dos nossos "pacientes" chegava após o jantar e, depois de longos e cansativos períodos em que eram ligados a elétrodos, ficavam cansados demais para permanecerem acordados na cabine, ou impacientes demais para conseguirem relaxar o suficiente para que registrássemos qualquer reação sutil ou subjetiva. Já que ia contra os nossos propósitos usar qualquer tipo de remédio ou droga para controlar esses estados, procuramos uma maneira que se adaptasse ao nosso sistema de coordenadas.

Há um ditado que diz: A necessidade é a mãe da invenção. Foi por causa dessa necessidade de ajudar nossos voluntários a ficarem acordados a entrarem em um estado de pré-sono, que começamos a tentar utilizar o som. Isso resultou na descoberta da FFR, que nos permitiu manter a pessoa em um determinado estado de consciência entre a vigília e o sono por longos períodos. Introduzindo certos tipos de sons no seu ouvido, descobrimos que havia uma resposta elétrica semelhante nas suas ondas cerebrais. Controlando essa freqüência de ondas cerebrais, conseguíamos ajudar a pessoa a relaxar, mantê-la acordada, ou fazê-la dormir. Um dos engenheiros do grupo sugenu que patenteássemos esse processo singular, e tiramos uma patente do método e da técnica em 1975.

Através de uma remissão recíproca das várias freqüências entre pacientes, começamos lentamente a desenvolver combinações de freqüências sonoras que criavam FFR que levariam a EFC e outros estágios de consciência fora do comum. Entre elas estava uma maneira bastante efetiva de passar para o estado comumente chamado de meditativo.

Tudo isso não aconteceu de um momento para outro. Apenas algumas palavras foram obtidas após centenas de horas de combinações de diferentes tipos de sons e testes para respostas, com os voluntários pacientemente deitados em uma cabine, ouvindo sons com lentas alterações na intensidade, enquanto o técnico ficava atento a mudanças nos monitores da sala de controle.

Durante essas sessões, nossos participantes voluntários aprenderam a relatar verbalmente quaisquer mudanças na sua condição física ou mental. Falar e perceber, quando o normal seria perder a consciência ou "dormir", tornou-se uma habilidade muito importante.




Um dos primeiros marcos de identificação foi um estado que começamos a chamar de Foco 10. Não havia nenhuma significação especial no n. 10, e nem sei bem de onde ele surgiu. Além disso, queríamos nos certificar de que ele não se confundiria com outras formas de consciência. Então, ficou simplesmente DEZ. Conseguimos identificar esse estado muito especificamente e voltar a ele várias vezes com os nossos voluntários. Em poucas palavras, o Foco 10 é um estado em que a mente está desperta e o corpo dormindo. Todas as reações fisiológicas são características do sono leve ou profundo. Entretanto, os modelos de ondas cerebrais são diferentes. Os EEGs mostram uma mistura de ondas comumente associadas ao sono, seja ele leve ou profundo, e que se sobrepõem aos sinais beta (vigília).

Pouco a pouco, foi-se formando um grupo muito especial, um total de uns oito voluntários completamente familiarizados com o estado Foco 10. A comunicação verbal no Foco 10 através do sistema de microfone/fone de ouvido se tornou tão normal que é como se estivéssemos sentados um de frente para o outro em uma sala de conferências. Poderíamos saber facilmente, com a ajuda da leitora, quando eles estavam e quando não estavam em Foco 10. Isso não podia ser imaginação ou algo simulado, mesmo que se quisesse. É lógico que muitas vez;es eles não conseguiram entrar no estado do Foco 10 por causa de pressões externas e da tensão do dia-a-dia que não lhes era fácil esqueçer. Nesses casos, eles simplesmente diziam que não poderiam "fazer" aquilo naquela noite, ou então cancelavam o encontro. Assim não se desperdiçava tempo nem esforços.

Com o fluxo constante de visitantes, começamos a estabelecer que outras pessoas, sem qualquer treinamento, poderiam ser assistidas no Foco 10 sem muito problema. O processo de aprendizagem de comunicação verbal levaria muito tempo. Para ver até onde isso iria, mandamos uma fita do sinal composto para um amigo psiquiatra em Kansas. Ele a testou, a título de experiência, em quatro voluntários completamente ingênuos e sem lhes dizer nada. Ele contou que uma das quatro pessoas abandonou o teste porque descobriu que estava indo de encontro ao teto da sala olhando para o seu próprio corpo.

Nossa etapa seguinte surgiu como uma proposta interessante. Com o corpo em estado de sono - ou seja, com os sentidos "desligados" ou reduzidos - por que não desenvolver freqüências que intensificariam a percepção por meio de outros sentidos diferentes dos cinco sentidos físicos? Com a inserção de sinais beta da mais alta freqüência, nossos voluntários começaram a descobrir muito mais do que a habitual escuridão. Primeiro vinham a luz e as cores vistas na cabine escura, com os olhos fechados ou abertos. Depois vinham sons; não os sons sintetizados, mas vozes, música, e às vezes grandes explosões que assustavam a pessoa a ponto de retirá-la do Foco 10 - algo que ainda tem de ser explicado.

Esses fenômenos foram gradativamente percebidos como formando um padrão, algo do tipo de uma faixa precedendo uma mudança na experiência extracorporal. Houve também noções fisiológicas preliminares - queda da pressão arterial e de pulsação, uma ligeira queda de temperatura (0,3°) e perda de tônus muscular. Foram relatados casos particulares de peso no corpo, às vezes catalepsia, e uma forte sensação de calor seguida de frio. À medida que analisávamos melhor a entrada ao estado EFC, um elemento principal se repetiu persistentemente. As pessoas começaram a localizar dentro da sua percepção não-física um ponto de luz. Quando elas aprenderam a "andar" na direção da luz até ela se expandir cada vez mais, e depois passar através dela, o estado EFC foi alcançado. Em câmara lenta, "era como se você estivesse passando por um túnel para chegar à luz", uma descrição clássica que tem sido feita por muitos que tiveram EFC sem querer ou em uma situação próxima da morte.

Uma nova descoberta foi a chave que abriu muitas coisas novas para nós. Agora o chamamos de processo SH.

Há muito tempo a ciência sabe de que o cérebro humano é dividido em duas metades, ou hemisférios. Mas só recentemente foi descoberto que essas duas metades são totalmente diferentes com relação às suas funções. Ainda há controvérsia sobre a teoria quando se tenta entrar em detalhes. Na maior parte das vezes, pensamos apenas com o nosso "cérebro esquerdo". Quando usamos o "cérebro direito" é para sustentar a ação do esquerdo. Do contrário, fazemos o possível para ignorá-la. Os sinais nervosos dessas metades cerebrais atuam em um cruzamento em forma de X. O cérebro esquerdo controla o lado direito do corpo, e o cérebro direito controla o lado esquerdo. Nós somos, a princípio, uma civilização destra dominada por nossos cérebros esquerdos. Apenas nos últimos cinqüenta anos os canhotos foram aceitos como "iguais" . Mas ainda discriminamos os canhotos de muitas maneiras. Voce sabia que uma tesoura é um instrumento de mão direita?

Usamos o cérebro esquerdo para falar e ler, fazer contas, raciocinar dedutivamente, lembrar de detalhes, medir o tempo, entre muitas outras coisas - e a fonte do pensamento lógico, racional. Ele não "sabe" de mais nada.

O nosso cérebro direito é o criador das idéias, do senso espacial, da intuição, da musica, da emoção, e provavelmente de muito mais do que pensamos. Ele é atemporal e possui aparentemente uma linguagem própria.

Uma das melhores descrições para ilustrar a diferença é a bobina de um filme. Para determmar o seu conteúdo, o cérebro esquerdo o colocara em um projetor, passará o filme na tela e então saberá do que se trata. O cérebro direito pegará o rolo do fiime, o segurará por instantes e então o deixará de lado dizendo: "Ah, já entendi."

Ridículo! Essa é a reação do seu cérebro esquerdo quando você o usa para ler essas palavras, isso simplesmente não faz sentido - pelos padrões do cérebro esquerdo.

Basicamente, somos uma sociedade de cérebro esquerdo. Praticamente tudo o que consideramos válido é operado ou controlado pelo lado esquerdo dominante do nosso cérebro. Mesmo que se origine do lado direito, como uma idéia ou música, o lado esquerdo toma conta e põe em pratica.
Como chegamos até esse ponto? Ninguém tem certeza absoluta mas uma das hipóteses mais plausíveis é que o domínio do cérebro esquerdo surgiu devido a uma necessidade básica de sobreviver em um mundo físico. Por milhares de anos, nossos antepassados se juntaram à teoria da dominância do cerebro esquerdo porque essa era a maneira de conseguir as coisas. O nosso sistema inteiro - livros, escolas faculdades e universidades, indústrias, estruturas políticas, igrejas - utiliza fundamentalmente o cérebro esquerdo na aprendizagem, aplicação e operação. Nós sempre encaramos o pensar de cérebro direito com uma tolerância gozadora, com suspeita, aversão, irritação, descrédito - e admiração.

Então para que tanta preocupação? Por que não continuar de cérebro esquerdo e ir em frente? Quem precisa do cérebro direito?

Nós precisamos.

Estudos recentes mostram que usamos o nosso cérebro direito nas nossas vidas diárias de muitas maneiras sutis. Por exemplo, o cérebro esquerdo se lembra do nome, mas o direito se lembra do rosto. (Quantas vezes você já reconheceu um rosto, mas não conseguiu lembrar o nome? Cérebro esquerdo, fique atento!) Estudos sobre líderes mundiais de toda a história indicam que eles pensavam com muito mais do que suas mentes intelectuais, analíticas. Todas as grandes decisões da humanidade têm sido tomadas pelo cérebro esquerdo mais alguma coisa. Mais o cérebro direito? Há provas de que sim, com base no que sabemos hoje, Além disso, é uma boa hipótese dizer que o cérebro direito puxa a alavanca da cabine de votação em eleições presidenciais. Uma teoria atual gira em torno da idéia de que trocamos a dominância do hemisfério cerebral várias vezes durante nossas atividades diárias. Essa troca ocorre instantaneamente, dependendo da necessidade física ou mental do momento. Isso parece limitar ainda mais o pouco uso que já fazemos do nosso potencial cerebral/mental. O fato de nos termos tornado inteligentes o suficiente pelo tempo necessário para descermos da árvore e sobrevivermos como uma espécie foi uma sorte incrível ou um milagre. Ou então algo mais.

Então como fazemos para usar mais do nosso poder mental? Já houve muitas tentativas no curso da evolução humana. Quase todas têm tido obstáculos ou limitações em uma forma ou outra. O processo SH oferece esperanças e potencial nessa área. Pode ser utilizado com relativa facilidade, não requer anos de treinamento intensivo, e não está limitado a uma estreita faixa de aplicação.

A SH (abreviação de sincronização hemisférica) usa padrões de sons para ajudar a criar simultaneamente uma onda cerebral idêntica em cada hemisfério. Isso significa que quando o seu ouvido capta um determinado tipo de sinal sonoro, o cérebro tende a responder ou "ressoar" com sinais elétricos semelhantes. Sabendo que várias ondas cerebrais elétricas são indicadoras de estados de consciência (como a vigília ou o sono), você pode então ouvir um tipo de som semelhante e isso o ajudará a ficar no esperado estado de consciência.

A SH leva o processo a uma nova etapa importante. Cada ouvido manda o seu sinal nervoso dominante para o hemisfério cerebral oposto, seguindo o modelo de cruzamento em X. Quando vibrações sonoras separadas são enviadas a cada ouvido (usando fones especiais, para separar um ouvido do outro), as metades do cerebro devem agir em uníssono para "ouvir" um terceiro sinal, que é a diferença entre os dois sinais de cada ouvido. Por exemplo, se você ouve um som medindo 100 em um ouvido e um sinal de 125 no outro, o sinal que o seu cérebro inteiro vai "produzir" será de 25. Nunca chega a ser um som de verdade, mas é um sinal elétrico que só pode ser criado pelos dois hemisférios agindo e trabalhando em conjunto. O sinal criado será então de faixa estreita de freqüência e terá quase sempre o dobro da amplitude ou força de uma típica onda cerebral de um EEG.

Se o sinal 25 produz certo tipo de consciência então o cérebro inteiro - os dois hemisférios - está voltado para 'um estado de consciência idêntico ao mosmo tempo. O que é mais importante: a condição pode ser voluntariamente trocada mudando-se o padrão de som. Também pode ser aprendida e recriada pela memória diante das necessidades.

Uma vez que o pesquisador ou clínico descobre algumas das potenclahdades do processo SH, o seu primeiro pensamento é aplicá-lo em áreas. do seu própno mteresse, como ilustra um exemplo no campo da psiquiatria. O uso de SH na análise aparentemente leva o paciente a níveis de memória que podem demorar anos para serem atingidos usando-se os métodos tradicionais de perguntas sobre o passado. Outro uso experimental está relacionado à redução da tensão emocional nos pacientes. Algumas vezes a mudança é tão sutil que o paciente nem chega a percebe-la. Um dos nossos psiquiatras associados estava tratando problemas relacionados à tensão de um coronel da Força Aérea. Depois de duas semanas de tratamento com SH e com o psiquiatra o paciente, zangado, quis desistir.

- Isso não está resolvendo droga nenhuma - disse ele. Está tudo na mesma. Não sinto nada de diferente, nada. Ele hesitou. - Bem, levei mmha mulher para jantar na outra noite pela primeira vez em seis meses. E ... ah, é, finalmente levei meu filho para pescar no fim de semana, como eu tinha prometido há muito tempo. Mas foi só isso. Mais nada.

O nosso amigo psiquiatra apenas balançou a cabeça positivamente.

Tem-se falado muito sobre o uso de SH em pacientes terminais No entanto, apesar do grande interesse e dos inúmeros pedidos, bem poucos tem utilizado realmente o sistema com pacientes específicos. Um exemplo ocorreu com outro psiquiatra associado, que estava com um caso que poderia ser chamado de terminal resistente. O seu paciente era um psicólogo que ficara doente por dois anos e se tornara viciado em drogas para tirar a dor que a doença lhe infligia. Assim, o prob!ema era duplo - o paciente provavelmente sabia de sua real condição e ira automaticamenente resistir a qualquer tratamento normal, agravado pela dependêncla às drogas. O nosso psiquiatra começou a trabalhar diariamente com ele, utilizando o processo SH. Na quarta-feira da segunda semana aconteceu algo simples, mas muito significativo. O paclente conseguiu dormir à noite pela primeira vez em dois anos sem sentir dor, e sem tomar qualquer remédio.

No final de duas semanas, o paciente voltou para casa. Ele morreu vários meses depois, e o último relatório veio de sua esposa. O paciente psicólogo passara de uma forma bastante tranqüila a última semana da sua vida, completamente livre da dor, sem qualquer remedio, e os últimos dias em família foram agradáveis e tranqüilos. O psiquiatra que tratou dele acredita que a sua exposição à SH durante o tratamento tornou isso possível.

Outro amigo psiquiatra, um pesquisador da esquizofrenia, descobriu que, colocado sob certos padrões SH, um paciente perdia muitos dos sintomas da doença. Ao ser privado do som SH, ele voltava a sua condição psicótica típica. Isso ocorreu com um paciente específico. Entretanto, é um fato que requer uma investigação mais cautelosa, para determinar se o paciente pode ser treinado para reproduzir as condições criadas por SH, além de alguma forma de codificação ou de início de processo que o levaria a lembrar-se e a fazer uso disso em sua vida cotidiana.

Certamente um dos mais bem-sucedidos usos do SH é uma serie de treinamentos que chamamos de Tratamento de Emergência. Ele se destina a ajudar um indivíduo no decorrer de uma doença seria, um ferimento causado por acidente ou uma cirurgia. Lembro-me agora de um caso.

Um psiquiatra de apoio visitou nosso laboratório, após ter ouvido falar de alguns dos nossos trabalhos. Durante a conversa que tivemos, descobrimos que ele era, na época, a segunda pessoa mais velha que vivia com um rim transplantado. Ele passara por umas quinze operações sucessivas através dos anos para corngir os efeitos dos medicamentos que teve de tomar para evitar rejeição do rim transplantado. Ele iria ser operado pela sexta vez na qumta-feira seguinte. Sugerimos que tentasse essa série de Tratamento de Emergência, no que ele concordou prontamente.

Seu caso foi importante porque, devido às inúmeras operações anteriores o médico tinha um histórico preciso do seu estado fisiológico durante uma cirurgia, quanto ele necessitava de anestesia, o que era necessário para controlar sua dor, e o seu grau de recuperação, entre outros itens. Sendo assim, o médico concordou que ele usasse a serie de fitas, que envolviam exercícios preliminares, e uma fita de SH para ser ouvida na sala de cirurgia durante a operação, ao sair dela, e ainda no pós-operatório.

No dia marcado, ele foi para a mesa de operações às onze horas.

Segundo o seu relato, o cirurgião quase cancelou a operação por causa da sua pressão baixa. Mas, como ela se mantinha estavel, ele decidiu que não chegava a representar um sério risco. As quatro da tarde, o paciente me telefonou do seu quarto do hospital. Estava sentado na cama.

- Achei que devia dizer a você como foi - sua voz parecia firme. - Eles me deraam uma injeção analgésica antes que eu pudesse evitar, mas não precisel de mais nada desde então. O único problema que tive é que tentei levantar para ir ao banheiro e desmaiei. O médico disse que a minha pressão ainda está muito baixa. Isso é normal?

- Tente contar de dez a um - respondi - e depois veja como está sua pressão. Parece que a fita do pós-operatório não o recuperou por completo. Telefone-me novamente depois que o médico tirar a sua pressão.

Ele fez o que sugeri, e disse que a sua pressão arterial voltara ao normal. O seu tempo de recuperação tinha sido reduzido à metade do das operações anteriores. E, o que é mais importante, ele foi capaz de controlar totalmente o problema de dor crônica, que o havia atormen¬tado nos meses e anos anteriores.

Depois que saiu do hospital, ele começou a desenvolver o uso de SH para controle da dor. Entrou para o Departamento Federal de Reabilitação, já que um dos maiores problemas em reabilitação é o controle da dor, que impede muitas pessoas de viver e trabalhar normalmente. Lá, ficaram tão interessados em nosso método que fomos convidados a fazer uma demonstração no Departamento Federal de Reabilitação em Hot Springs, Arkansas. Como resultado recebemos um pedido para que enviássemos o custo do treinamento de pessoal para nosso processo em centros de reabilitação de todos os estados. Nós o enviamos, mas não recebemos mais nenhum pedido. Evidentemente, ele estava muito em desacordo com as regras para se ajustar a um orçamento federal.

O uso do Tratamento de Emergência durante operações tem atingido graus variáveis de sucesso, mas nenhum fracasso, sempre que usado corretamente. Um cirurgião vascular o utilizou com mais de trinta pacientes e ainda tem dificuldades em enumerar a quantidade de colegas que o utilizam. O presidente de uma grande empresa o usou durante uma cirurgia, e não teve dores nem tomou qualquer remédio para dormir no pós-operatóno. Evidentemente, ficou tão aborrecido com os procedimentos do hospital que ele próprio se deu alta três dias após a operação. Uma jovem senhora sofreu uma cirurgia abdominal e uma semana depois, já estava saltando de pára-quedas. A história do tratamento de Emergência tem sido notável. O maior problema reside em se obter consentimento do cirurgião e dos funcionários do hospital para a sua utilização naquele ambiente altamente organizado.

Para uma boa noite de sono, SH é tão eficiente quanto fortes calmantes. Os executivos o utilizam em longas viagens aéreas para superar o mal-estar decorrente do vôo. Outros acham que ajuda a reduzir a tensão ou mesmo a jogar golfe melhor.

Utilizado como instrumento de aprendizagem, ele tem grande capacidade de atrair e prender a atençào. Em um determinado aviso de uma escola de treinamento do governo, ele aumentou as capacidades psicomotoras dos participantes em 75 por cento. Em outro teste, estudantes do código Morse aumentaram as suas habilidades em 30 por cento. No outro extremo da escala alunos primários em Tacoma aprenderam em quatro semanas o que normalmente levariam um semestre inteiro.

Estes e outros resultados nos conduziram ao início das definições de o que estávamos fazendo e por que o fazíamos. Parece ser algo muito diferente de achar maneiras para ativar estados de EFC.

Isso nos trouxe a seguinte premissa formal:

Em poucas palavras, o Instituto segue o conceito de que: 1) a consciência e o seu enfoque contêm todas e quaisquer soluções para os processos da vida que o homem procura ou acha; 2) podem-se alcançar uma grande compreensão e percepção dessa consciência apenas com coordenação e abordagens interdisciplinares; e 3) os resultados de esforços de pesquisas relativas ao assunto são significativos apenas se reduzidos à aplicação prática, a "algo de valor" dentro do contexto da cultura ou da era contemporânea.

Isso nos levou ao fundamento de que a consciência é uma forma de energia em funcionamento. O primeiro passo, então, deve ser o de captar a própria energia - não há nenhum truque quando você está se usando para uma auto-avaliação. Uma vez que percebe a sua forma "bruta", uma pessoa pode começar a compreender como ela é naturalmente usada. Tal percepção irá permitir um controle maior e mais deliberado de tais campos de energia. Partindo do controle, é uma etapa lógica aplicá-lo em formas novas e ampliadas. Essa é uma maneira bastante perifrástica de dizer que, se puder encontrar o material responsável por seus pensamentos e ações, você pode usá-lo de formas que desconhece atualmente.


(Extraído do livro "Viagens Além do Universo", de Robert Monroe)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Quem se importa ?


O desejo de iluminação tinha levado um buscador, extremamente serio e motivado, a passar varios anos na companhia de um mestre espiritual. Durante esse periodo ele mostrou ser um discipulo devotado, completamente dedicado á obtenção da realização espiritual.

Quando chegou o momento de voltar para sua terra natal, seu Guru o fez prometer que iria escrever a cada mês, contando-lhe sobre seu progresso espiritual.

O discípulo deu a sua promessa e recebeu a bênção do seu guru.

Despediram-se e se separaram.

Depois do primeiro mes chegou a carta. "Estou experimentando a Unidade com o Universo", escreveu ele. O mestre não disse nada, mas amassou a carta e jogou no lixo.

O mês seguinte veio outro relato: "A Divindade presente em todas as coisas tem se revelado para mim. Ela está presente numa flor, numa pedra, no ar e em toda parte." Novamente o mestre leu a carta, amassou-a e jogou-a na lixeira sem comentar nada.

Durante quatro meses as cartas chegaram regularmente.

Em sua terceira mensagem, o discípulo declarou: "O mistério do Uno e dos Muitos tem se revelado para mim. Somente agora eu compreendo que não há diferença entre mim e você ou qualquer outra coisa." Uma vez lida, a missiva também acabava com o lixo do guru na cesta de papel.

Na quarta carta, o discípulo dizia: "Ninguém nasce, vive ou morre, porque não há ninguém que existe." Esta carta também foi lida sem comentários e seguiu, como suas antecessoras, para a lixeira.

Após o quarto mês, porém, nenhuma carta chegou. Nenhuma carta no quinto mês, nenhuma carta no sexto mês, sem cartas durante um ano inteiro!

Como o tempo passava sem trazer novidades, o mestre acabou ficando realmente curioso em saber o que tinha acontecido com seu amado discípulo.

No fim foi o proprio mestre que escreveu uma carta perguntando ao discipulo sobre seu progresso espiritual, e lembrando-lhe de sua promessa de mantê-lo informado.

Algum tempo depois, o guru recebeu uma carta. Era do seu discípulo distante. O guru abriu-a e leu, e riu alto, evidentemente deliciado. Os discípulos ao redor dele ficaram intrigados com essa improvisa explosão de alegria.

Todo feliz, o guru entregou-lhes a carta.

Eles viram que ela continha apenas quatro palavras: "Iluminação? Quem se importa?!"



De: Ramesh Balsekar: "Who cares?!"

Fonte: http://editoraadvaita.blogspot.com/

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

As estranhas experiências de Robert Monroe



O Velho Tráfego Local


Se há um fato primordial e óbvio a ser mencionado é o de que ainda estou vivo após 25 anos de experiências pessoais com atividades fora do corpo. É certo que estou um pouco velho, porém ainda me sinto mais ou menos em forma.

Houve vários momentos em que não me senti tão seguro disso.

Entretanto, algumas das maiores autoridades em medicina me garantiram que os problemas de saúde que venho sofrendo têm sido simples conseqüências de viver no meio da civilização e da cultura americana da metade do século XX. Outros têm uma opinião diferente. É a de que o fato de eu ainda estar vivo é o resultado dessa atividade de experiências fora do corpo (EFC). Que explicação você prefere?

Assim, isso significaria que uma pessoa pode "sair do corpo" com certa freqüência, e sobreviver. Além disso, após ter sido periodicamente testado por especialistas, ainda posso afirmar que sou uma pessoa razoavelmente sã vivendo em um mundo nem tão razoavelmente são. Muitas pessoas fazem coisas estranhas e não são recriminadas. Há um século, poderia ter sido algo como descer as Cataratas do Niágara em um barril.

O que é a experiência fora do corpo? Para aqueles que ainda não conhecem o assunto, tal experiência é uma condição na qual você se encontra fora do seu corpo, totalmente consciente e capaz de sentir e agir como se estivesse funcionando fisicamente - com algumas exceções. Você pode se locomover no espaço (e tempo?) lentamente ou aparentemente, além da velocidade da luz. Você pode observar, participar de acontecimentos, tomar decisões baseadas no que percebe e faz. Você pode atravessar a matéria, como paredes, chapas de aço, concreto, terra, oceanos, ar e até radiação atômica sem qualquer esforço ou conseqüência.

Você pode entrar em uma sala adjacente sem precisar abrir a porta. Pode visitar um amigo que mora a cinco mil quilômetros de distância. Pode explorar a lua, o sistema solar e a galáxia, se lhe interessar. Ou pode penetrar outras realidades apenas obscuramente percebidas e teorizadas pela nossa consciência temporal/espacial.

Não se trata de um fenômeno novo. Pesquisas recentes indicam que 25 por cento da nossa população se lembram de ter tido ao menos uma experiência do gênero. A história do homem está cheia de relatos de tais acontecimentos. Na literatura mais antiga, isso era comumente chamado "projeção astral". De início recusei-me a usar esse termo, pois ele continha uma conotação oculta e certamente não era científico segundo os nossos padrões. Charles Tart, um amigo psicólogo, popularizou a expressão "fora do corpo" quando trabalhávamos juntos, por volta de 1960. Nos últimos vinte anos, tornou-se o termo genérico ocidental adotado para esse estado específico.

Sem qualquer motivo evidente, comecei a "sair" do meu corpo no outono de 1958: Sob a luz dos últimos acontecimentos históricos, é importante esclarecer que não tive qualquer contato com drogas ou álcool. Não fazia uso das primeiras e raramente bebia.

Há vários anos, assisti a uma conferência em um lugar não muito distante de nossa antiga residência em Westchester County, Nova York - o lugar de minhas primeiras experiências fora do corpo. Enquanto nos dirigíamos para casa, comentei que ainda considerava obscuro o porquê dessas experiências.

Um amigo psicólogo que viajava comigo deu uma olhada na casa, virou-se e sorriu.

- A resposta é simples: é a casa. Olhe bem para ela.

Nesse momento parei o carro. A casa parecia a mesma, de pedra e telhado verde. O novo proprietário a tinha bem conservada. Virei-me para o meu amigo e disse:

- Não vejo nada de diferente.

- O telhado - replicou ele, apontando para cima. - É uma pirâmide perfeita. Além do mais, é igual ao topo das pirâmides do Egito antes da chegada dos saqueadores.

Olhei estupefato.

- É o poder das pirâmides, Robert - continuou. - Você já leu sobre isso. Tudo aconteceu porque você morava em uma pirâmide, foi isso!

Poder das pirâmides? É, pode ser. Existem relatórios e livros que falam de estranhas energias nas pirâmides.

Dizer que a experiência fora do corpo me amedrontava na época é uma espécie de eufemismo. Cada vez que se repetia, eu tinha visões alucinantes de tumores cerebrais e de loucura próxima. Isso me levou a submeter-me a exames médicos completos, todos com resultado negativo, seguidos de recomendações de psicoterapia para uma "leve disfunção alucinatória".

Imediatamente descartei esse diagnóstico. Alguns dos meus melhores amigos na época eram psiquiatras e psicólogos com seus próprios problemas, embora fossem certamente mais ortodoxos.

Em vez disso, comecei, por instinto de autopreservação, a procurar e pesquisar teimosamente o fenômeno e, à medida que o medo e o pânico se acalmavam, por curiosidade cada vez maior. O caminho me levou para longe dos círculos científicos convencionais (rejeição total), das religiões ("É obra do demônio"), da parapsicologia ("Interessante. Desculpe, mas não há informações disponíveis"), e de disciplinas orientais ("venha estudar em nosso ashram, no norte da índia, por dez anos"). Isso tudo foi relatado no meu livro anterior, Viagens Fora do Corpo.

Uma coisa é certa. O objetivo do livro anterior foi plenamente atingido. Graças a ele recebi milhares de cartas de todas as partes do mundo e, entre elas, centenas de pessoas agradeciam por haver-lhes garantido que elas não eram mentalmente perturbadas, que, depois de tudo, não se achavam tão sozinhas com suas experiências secretas e "escondidas" que não podiam explicar e, o que é mais importante, que não eram necessariamente candidatas ao divã do analista ou ao hospital psiquiátrico. Esse foi o claro propósito do livro original: ajudar ao menos uma pessoa a evitar tal encarceramento desnecessário.

Estou perplexo com as mudanças ocorridas nesses 25 anos. Na maioria dos meios acadêmicos e intelectuais, já é bastante aceitável falar em experiências fora do corpo (EFC). No entanto, estou certo de que a maioria das pessoas em nossa cultura ainda não está consciente desse aspecto de suas vidas. Em 1959 ou 1960, eu certamente teria ridicularizado a idéia de dar uma possível palestra sobre EFC na Smithsonian Institution. Ou de que estudos sobre o assunto seriam apresentados à Associação Psiquiátrica Americana. Mas isso aconteceu.

Uma das perguntas mais freqüentes que ouço me faz lembrar da velha rotina de show-business, quando um apresentador entrevista um artista que procura emprego. O que ele está ouvindo não é novidade: que o artista estreou em The Great One em 1922, brilhou em Who Goes There em 1938, ganhou o Prêmio da Crítica pelo seu desempenho em Nose to Nose, onde foi o protagonista principal, e em 1949 fez o papel de Willie em What Makes WiIlie Weep.

O apresentador o interrompe e faz a simples pergunta: - Isso é ótimo, mas o que você fez ontem?
É assim mesmo. O que tenho feito (fora do corpo) desde a publi¬cação de Viagens Fora do Corpo? Minha resposta é geralmente esta:

lá pelos anos 70, comecei a experimentar uma frustração, uma limitação nas minhas experiências extracorporais. Acho que é difícil acreditar, mas tais viagens começaram a se tornar aborrecidas. O entusiasmo inicial já se acabara há muito. Fazia um esforço para participar de testes controlados, e por causa disso comecei a perceber que a forma específica do teste não fazia parte do meu modo de operar. Além do mais, quando me libertei das limitações dos testes, não percebia haver nada de excitante para fazer.



Minha introdução deliberada ao segundo estado tornou-se monótona porque encontrei maneira mais fácil de alcançá-lo. Eu acordava depois de dois ou talvez três ciclos de sono, ou aproximadamente após três ou quatro horas, e já me encontrava fisicamente relaxado, descansado, e completamente acordado. Naquele estado, eu achava ridiculamente fácil me "soltar" e voar livremente para fora do corpo. Isso é claro, me colocou diante do problema de o que fazer naquele mo mento. Todas as outras pessoas estavam dormindo às três ou quatro e meia da manhã. Não valia a pena sair e encontrar com pessoas enquanto elas estavam dormindo, e nem sequer havia uma simples perspectiva de validaçao por causa da hora. Assim, sem qualquer objetivo especlfico, eu geralmente vagueava um pouco, depois voltava acendia a luz, lia até ficar com sono novamente, e pronto.

Isso aumentava a frustração, já que ainda havia a compulsão. Todo o esforço para atuar extracorporalmentc tinha que ter algum significado ou importância além do que a minha mente consciente (ou a dos outros) considerava importante.

Na primavera de 1972, uma decisão trouxe a resposta. O fator limiltante era a mmha mente. Então, se as decisões de EFC fossem deixadas para aquela parte de mim, como acontecera, eu continuaria exatamente como era. Eu tinha completo controle de tudo - o "eu" do hemisfério cerebral esquerdo. O que aconteceria se eu deixasse esse processo de tomar decisões para o meu "eu" inteiro (a alma?), que estava supostamente familiarizado com tais atividades?

Acreditando nisso, pus logo em prática. Na noite seguinte, ao dormir, passei por dois ciclos de sono (mais ou menos três horas), acordei, e me lembrei da decisão. Separei-me do corpo e flutuei livremente. Disse à minha mente consciente que as decisões deveriam ser tomadas pelo meu eu inteiro. Depois de esperar o que me pareceu apenas alguns segundos, houve como que uma oscilação tremenda, um movimento, uma energia naquela total escuridão espacial, e então começou para mim. uma nova era nas minhas atividades extracorporais. Desde aquela noite, as minhas experiências fora do corpo têm sido quase todas através desse procedimento.

Os resultados têm sido de uma natureza tão diferente de qualquer coisa que minha mente pudesse conceber que isso provocou um novo prolema. Embora a minha consciência do concreto "aqui e agora" esteja sempre participando, mais de noventa por cento de tais acontecimentos não poderiam ser traduzidos na perspectiva de espaço e tempo. É como se alguém tentasse descrever música como uma orquestra sinfônica com coro, fazendo-o através de palavras sem usar descrições tecmcas como notas, instrumentos, intervalos, tonalidades etc. Uma pessoa pode usar palavras como "lindo", "poderoso" "assustador" "atemorizante", "cálido", "adorável", "belo" - e ficar muito lon ge da verdadeira descrição.

Faz-se o melhor que se pode. O que, suponho, é o que vai acontecer à medida que se tenta. Tenho certeza de que seria mais fácil relatar a viagem de barril pelas Cataratas de Niágara.

Minhas atividades "aqui e agora" trouxeram outro problema. Nenhum dos exercícios e técnicas que eu planejara e preparara para os outros funcionava para mim. Alguns amigos psicólogos levantaram várias razões por que eles não eram eficazes no meu caso. A mais simples é a de que não consigo livrar-me do meu cérebro esquerdo. Tenho estado tão envolvido no processo de produção que a minha capacidade crítica e analítica simplesmente não abandonará o material que prende a atenção ao "aqui e agora". Além disso, para produzir esses exercícios em áudio, tive de ouvir com intensa concentração a gravação e mixagem dos vários sons que usamos. Evidentemente, precisei cortar o efeito. Mesmo um simples tom de uma freqüência me faz analisá-la e tentar determinar se é estável.

Talvez exista um efeito do qual não tenho consciência. Mas é estranho ficar olhando sobre a cerca de um jardim que você plantou e fertilizou, vendo as outras pessoas se divertirem.

As partes "aqui e agora" dos acontecimentos recentes são relativamente precisas. Por exemplo, eu me tornara dolorosamente consciente de que meu corpo começou a rejeitar substâncias químicas, inclusive álcool, remédios fortes, cafeína e, evidentemente, qualquer outra coisa que meu corpo rejeita como antinatural. A rejeição ou reação alérgica toma a forma de suor intenso, vômitos e/ou fortes cólicas abdominais. Por um lado isso pode ser bom, mas também tem as suas desvantagens. Nunca fui de beber muito, mas até mesmo um copo de vmho desencadeia o processo de rejeição.

Durante uma cirurgia é uma situação difícil. Começo a rejeitar a anestesia e acordo na mesa de operação, sentindo o cirurgião me costurar (para surpresa do anestesista). No pós-operatório, ao sentir dor intensa, uma injeção de Demerol me causa apenas muitos vômitos. Você pode imaginar minha frustração quando outros estão usando um sistema que desenvolvemos e que permite um excelente controle da dor sem o uso de drogas no período pós-operatório. Nas minhas visitas a hospitais, durante os últimos dez anos, o sistema só funcionou comigo uma vez. Fiquei extremamente desapontado quando não fez efeito algum na última vez. Foi um fato quase insuportável. Mas não sabia que, se saísse conscientemente do meu corpo, não teria coragem de voltar para aquele mar de dor escaldante.

Um amigo psicólogo mostrou-se a princípio cético com relação a essa alergia aos remédios. Além disso, estava interessado em saber que efeitos as chamadas drogas de divertimento teriam sobre o meu tipo de constituição pessoal e física. Tentamos mescalina de laboratório e LSD no meu organismo. Nada aconteceu.

Outro fato: perguntei a um amigo não-físico se eu existira não¬fisicamente em passado recente.

Foi uma das poucas respostas verbais claras que recebi:

- Você passou a sua última vida em um mosteiro em Coshocton, Pensilvânia.

Procurei no mapa da Pensilvânia e não achei esse Coshocton. Sabia que existia um lugar com esse nome em Ohio, porque eu já morara nesse estado. Então, perguntei novamente, para me certificar de que o estado estava certo. Era realmente Pensilvânia. Não dei muita atenção a isso porque não estou tão interessado em saber quem eu era, se é que era. Mencionei o fato a um monsenhor católico amigo meu, e ele se ofereceu para procurar nos seus registros. Algumas semanas mais tarde, ele me telefonou para dizer que havia realmente um mosteiro em um lugar chamado Coshocton, Pensilvânia. Ele achou que seria interessante ir até lá num final de semana e ver se eu reagia a quaisquer recordações. Talvez, um dia.

Fato 3: O bolso da calça de dinheiro. Durante anos, mantive isso em segredo porque ninguém acredita. Mostrei à minha esposa, Nancy, e ela ainda se mantém cética. Parece que quando deixo uma certa calça pendurada no guarda-roupa do quarto, ela cria dinheiro. Dinheiro verdadeiro, nem novo nem amassado, geralmente um pouco usado. Nunca é uma grande quantia; o máximo que já achei até hoje no bolso foram onze dólares. Geralmente só encontro dois, três ou quatro dólares. O tempo não parece influenciar. Posso esquecer isso por uma semana, e lá estarão talvez três dólares. Posso não chegar perto por três meses, e pode haver apenas seis dólares. Não parece haver qualquer padrão específico para o surgimento do dinheiro. Posso levar minha calça para a lavanderia e trazê-la de volta dentro do saco plástico. Não faz qualquer diferença. Pensamos na possibilidade de eu ter andado durante o sono e colocado dinheiro dentro do bolso da calça, mas o fato de o saco plástico ficar fechado descartou tal idéia. Uma razão lógica é que isso é um resultado decorrente de uma necessidade urgente de alguns dólares em minha adolescência (aconteceu uma coisa estranha naquela época que pode ter relação com isso).

Alguma parte de mim ainda recorda aquela extrema necessidade e tenta supri-la. É uma pena que quando você atinge outra etapa da sua vida, cinco, seis ou onze dólares não representam muita coisa. Muito poucas pessoas acreditam nisso, e elas têm razão. Eu também não acreditaria se não tivesse acontecido comigo.

Fato 4: Em nossa casa em Whistlefield Farm, havia uma varanda coberta dando para a sala de estar. Para chegar à varanda, uma pessoa tinha de passar por duas portas e descer uma série de degraus de pedra que levavam à varanda em um nível inferior. Esses degraus eram muito altos, sendo a diferença de altura aproximadamente de um metro e vinte.

Certa manhã, carregando nos braços livros e papéis, andei até a entrada para a varanda e tropecei. Meu pé esquerdo cruzou o direito e mergulhei de cabeça na direção do chão de pedra. Durante a queda, não consegui por os braços na frente para me apoiar. Lembro-me de haver pensado: "Bem, certamente vou terminar com a cabeça e o pescoço quebrados."

Mais ou menos a quinze centímetros do chão, minha queda foi repentinamente interrompida e caí suavemente sobre a cabeça e os ombros. O resto do meu corpo dobrou-se gradualmente, deslizando tão leve como uma pena. Fiquei quieto por um momento, tentando imaginar o que teria acontecido. Senti a cabeça e os ombros, e não havia dor, marca, contusão, nada. Levantei-me, apanhei os livros e os papéis, olhei para o lugar de onde eu caíra e tentei achar uma explicação para o fato. Alguma coisa amortecera minha queda, mas eu não tinha absoluta consciência de quê.

Alguns meses mais tarde, no meio do inverno, aconteceu uma coisa parecida. Eu estava descendo os degraus da frente, que haviam sido aparentemente limpos depois da neve, quando escorreguei e comecei a cair. Dessa vez não fiquei tão surpreso quando, de novo, caí muito levemente. Isso só aconteceu duas vezes, e não pretendo tentar cair deliberadamente para experimentar mais uma vez. Esse é apenas mais um dos momentos "até agora" inexplicados.

Fato 5: Um dos acontecimentos mais inexplicáveis ocorreu como resultado de uma comunicação direta. Em uma madrugada nos meados dos anos 70, para ser preciso por volta de três horas, na minha habitual maneira preguiçosa fui me desvencilhando do meu corpo. Quase instantaneamente, fui abordado por um indivíduo de forma indistinta, que me deu essa instrução bem específica:

- Sr. Monroe, esteja em Eaglehill às sete da manhã do dia 4 de julho. - Surpreso, pedi que repetisse a instrução, e ele o fez de maneira idêntica:

- Sr. Monroe, esteja em Eaglehill às sete da manhã do dia 4 de julho.

Antes de ter uma chance para perguntar por que e do que se tratava, a imagem foi diminuindo e desapareceu. Então, voltei para o meu corpo, me levantei e escrevi a mensagem cuidadosamente.

Na noite seguinte, quando repeti o ato, a imagem voltou quase imediatamente com a mesma mensagem. Ela era bem definida - quase uma ordem - e novamente a figura desapareceu antes de eu ter a chance de perguntar mais alguma coisa. Na terceira noite, tentei ver se ela se repetia mais uma vez, mas não houve qualquer manifestação. O mais impressionante é que a ordem era bem clara. E repetiu-se de maneira idêntica na segunda noite. E mais importante: "eles" realmente me chamavam pelo nome.

Aquela ordem despertou grande curiosidade em mim e nas pessoas da família e amigos a quem contei a experiência. Especulamos sobre isso de várias formas, mas a questão era: "Onde fica Eaglehill?" A ordem fora dada lá pelo mês de abril, e parecia haver tempo suficiente para descobrir o que significava a mensagem. Porém, por mais que tentássemos, não conseguimos encontrar nenhum lugar chamado Eaglehill. Passadas algumas semanas, eu quase nem me lembrava mais daquilo.

Um fato mudou tudo. Visitando uns amigos a centenas de quilômetros de casa, jantávamos no quintal da casa deles. Meu anfitrião tinha um radiorreceptor que captava automaticamente várias freqüências, como polícia, bombeiros etc. Estávamos sentados conversando, quando repentinamente alguém no rádio falou "Eaglehill".

Imediatamente, aquilo despertou a minha atenção. Excitado, perguntei ao meu amigo em que estação o rádio estava ligado, e ele me respondeu que era a freqüência da F AA * para instruções entre uma aeronave e outra. Esperei ansioso que o rádio transmitisse algo mais. Curioso, meu amigo perguntou o que era tão importante. É desnecessário dizer que achei que não podia contar-lhe. Após alguns minutos o rádio disse claramente e alto: "Aqui é a Unidade 351 sobre Eaglehill a doze mil pés."

No dia seguinte, após exaustiva viagem para casa, fui à seção da F AA em nosso aeroporto local e perguntei ao funcionário onde era EaglehilI. Ele respondeu logo que ficava em um estado vizinho, e que era um radiofarol. Mostrou-me o lugar no mapa regional de radiocomunicação e lá estava Eaglehill. Evidentemente, havia algum tipo de vilarejo com esse nome, embora não aparecesse em nenhum dos mapas rodoviários que possuímos.

Isso deu uma perspectiva totalmente nova à mensagem. Assim, na tarde do dia 3 de julho, sai de casa para a longa viagem até EaglehilI. Fui até a cidadezinha mais próxima do suposto local, procurei um hotel, jantei e fui para a cama cedo.

Exatamente às sete horas da manhã seguinte, encaminhei-me para um cruzamento que se chamava Eaglehill. Consistia de duas ou três casas, uma garagem e um armazém, todos situados perto de um cruzamento de estradas rurais. Não era um lugar muito impressionante, para não dizer o contrário. Parecia que não mudara nos últimos trinta ou quarenta anos. Parei o carro no acostamento. Vários habitantes sentados do lado de fora da garagem me olhavam curiosamente enquanto, sentado, eu esperava.

Esperei mais de uma hora e nada aconteceu. Ninguém se aproximou de mim. Não senti nada além da ansiedade inicial e do desapontamento que se seguiu a ela. Finalmente, pouco depois das oito horas, sob olhares curiosos, liguei o carro e atravessei Eaglehill. Continuei ainda uns três quilômetros pela região, nada encontrando além das fazendas. Voltei para o cruzamento e percorri vários quilômetros na direção oeste. Outra vez, nada havia de diferente, ninguém me fez sinal, nada vi além de campo e fazendas. Tentei o leste. Era tudo a mesma coisa. Voltei para o lugar onde havia parado o carro e esperei. Por volta do meio-dia, decidi que tudo fora ilusão, voltei para o hotel, paguei a conta e almocei. Ou eu estava no Eaglehill errado, ou entendi mal, ou foi tudo uma brincadeira ou um sonho.

Depois de muita reflexão, finalmente encontrei o meu erro. O convite, ou o pedido, não era de que eu fosse a Eaglehill fisicamente, e sim extracorporalmente. O que o convite não levou em consideração foi a minha dificuldade em ir diretamente para um lugar, em vez de ir ao encontro de uma pessoa.

Pondo lenha na fogueira: anos mais tarde, ao encontrar-me com um funcionário do governo, perguntei-lhe sobre aquele lugar específico, sem explicar o motivo do meu interesse. Ele me contou que ali era o local de um projeto especial de pesquisas do governo. Estava sendo construído na época em que estive lá. Evidentemente, isso ainda não é de conhecimento geral, ou pelo menos não quero me arriscar a falar a respeito. Assim, o lugar mencionado no meu relato não corresponde à verdade. Ainda gosto de especular sobre o que poderia ter acontecido se eu tivesse mantido o meu compromisso - no estado não-corporal.



Fato 5: A minha companhia recebera o direito de instalar um sistema de televisão por cabo em Charlottesville, Virgínia, e precisávamos de um lugar para uma antena receptora no alto de um morro bem na saída da cidade. O dono do morro era Roy, um homenzinho vigoroso, baixo, quase careca, de olhos azuis brilhantes, e com um senso de humor seco e sutil. O seu rosto era enrugado e bronzeado, devido a muitos anos supervisionando o trabalho no cultivo de vinte mil macieiras no topo do morro. Sendo ele um escocês típico, a negociação foi planejadamente casual, mas chegou a um fim bastante razoável e justo. E ficamos amigos.

Uma sexta-feira depois do almoço, ele olhou para mim, piscou e disse:

- Você gosta de jogar cartas?

Tive uma daquelas velhas motivações repentinas. - Que tipo de jogo?

- Bem - disse ele - algumas pessoas não gostam de chamar de pôquer porque jogamos muitos jogos malucos; mas você pode se divertir muito com ele. São partidas valendo apenas dez e vinte centavos, por isso você não pode esperar ganhar muito dinheiro. Nós jogamos cada sexta-feira à noite na casa de um amigo diferente, e a única coisa é que nós não bebemos nada. É o jogo de pôquer mais antigo em Charlottesville. Deve ter começado há uns setenta anos, e continua firme desde então ... e olha que é bastante tempo. Se quiser aparecer esta noite, vou apanhá-lo onde você estiver, por volta das sete e meia. Você vai gostar da prática grupal.

Olhei para ele, perplexo. - Prática grupal?

Ele sorriu:

- É assim que chamamos isso aqui na Virgínia. Alguns colegas dizem que não têm certeza se é legal ou não, e já ouvimos falar de outros jogos que foram proibidos por causa de apostas. Lógico que nós não estam os fazendo nada desse tipo.

Sorri.

- Não, é claro que não. Costumamos nos encontrar às sete e meia para a prática grupal.

Tornei-me um freqüentador regular da prática grupal. Eu não ia toda sexta-feira, mas aparecia pelo menos duas vezes por mês. Era uma mudança bem-vinda na minha rotina de trabalho com televisão por cabo, e os participantes eram comerciantes locais que, em sua maioria, passaram toda a vida em Charlottesville.

Eles também desconheciam completamente qualquer pesquisa estranha ou outras atividades em que eu pudesse estar envolvido. Mesmo quando o meu primeiro livro foi publicado, eles não tomaram conhecimento e eu também nem toquei no assunto. Hoje em dia, talvez um ou dois saibam mais ou menos o que eu faço.

A primeira indicação de que havia fatores estranhos envolvidos na prática grupal do jogo de cartas surgiu uns dois anos mais tarde, quando seis de nós disputávamos um jogo de pôquer a sete cartas com carta aberta. As cartas começaram a ser dadas normalmente. As minhas duas cartas fechadas eram um três e um quatro de paus. Entre as cartas viradas para cima que recebi estavam um cinco e um sete de paus. A banca era muito forte; havia pares espalhados pela mesa, incluindo um par de ases nas cartas abertas de Roy.

Depois de ter ficado na banca, o que eu não tinha direito algum de fazer, tentando comprar uma seqüência ou um flush , a sétima e última carta foi dada a cada um de nós virada para baixo. Não olhei para a minha. De repente, sem qualquer dúvida, eu soube que a minha carta era um seis de paus. Era estranho, eu simplesmente "sabia".

- Roy - disse eu, mostrando a carta em que nem havia tocado - é um seis de paus, e isso irá me fazer um straight flush. E ele vai bater o seu full de ases.

Roy olhou para a carta e depois me encarou com um sorriso malicioso. Ele já olhara para sua última carta e sabia que tinha um full de ases.

- Aposto cinco como você não tem. Não é o seis de paus. Alcancei a pilha de fichas e disse:

- É sim, Roy.

Ele sorriu e colocou sua pilha junto da minha. - Tá bem, então me mostre.

Virei a carta e era o seis de paus.

Roy sorriu.

- Isso aí não bate meu full house. - Ele virou o seu full de ases, que batia as outras mãos da mesa. - Eu tenho o outro cinco, que prova que você não tem o três e o quatro de paus fechados.

Sorri.

- Não quero o seu dinheiro, Roy.

- Um straight flush vai bater o meu full de ases. - Ele empurrou outra pilha de fichas. - Não acho que você o tenha. De alguma forma, você sabia que aí tinha um seis de paus, e você tem que soltá-lo enquanto está ganhando.

Sorri novamente e disse:

- Eu não quero o outro cinco, Roy. - Então, virei o três e o quatro fechados, fazendo o straight flush de paus.

Ele simplesmente olhou para a carta e disse: - E o que é isso?

Na jogada seguinte, com Roy dando as cartas, aquela sensação que tive ainda estava lá, era forte; mais uma vez, eu "sabia". Nem olhei para as minhas cartas fechadas. Nas quatro cartas que recebi, viradas para cima, havia um cinco e um sete de copas. Eu sabia. É só o que posso dizer; eu sabia.

Roy - falei - está vendo o cinco e o sete de copas? - Roy fez que sim com a cabeça. Dessa vez ele não tinha os ases. - Bem, essa última carta que você vai dar é um seis de copas, e ele vai me fazer um straight flush de copas. Tá vendo? Eu ainda não vi as minhas cartas de baixo. - Ele concordou, fazendo um gesto positivo com a cabeça e observando. Roy tinha dado as cartas. Os outros jogadores olhavam atentamente, esperando que eu perdesse. Roy era um jogador excepcional.

Recebi a última carta virada para baixo e, antes que pudesse levantá-la, Roy disse:

- Aposto mais cinco como não é o seis de copas. Não, pensando bem, passo para dez. - Ele empurrou um monte de fichas.

- Não quero o seu dinheiro, Roy - disse eu, sorrindo.

- Você não vai tirá-lo de mim, nem vou dá-lo a você - disse ele

- Ponha a carta na mesa. Fiz como Roy pediu.

- Agora vire a carta - disse ele. Obedeci e era o seis de copas.

Roy me encarou com total espanto. Ele estava dando as cartas. Não podia haver trapaça diante das circunstâncias.

- E além disso - falei - essas duas cartas fechadas que ainda não vi são o três e o quatro de copas.

Roy olhou para mim.

- Aposto vinte como não são. Com extrema naturalidade, eu disse:

- Não quero o seu dinheiro, Roy. - E virei as duas cartas fechadas. Eram o três e o quatro de copas.

Roy olhou para o straight flush, o mesmo de antes, só que dessa vez era de copas.

- Às vezes você é o cara mais sortudo que já conheci. Os outros concordaram.

Aquele período específico de "sorte" foi comentado durante vários meses. As probabilidades de acontecerem dois straight flush sucessivos do mesmo tipo e com a mesma pessoa em um jogo com seis participantes são por volta de 5.780.000 por uma. Como isso aconteceu? Não sei. Como eu sabia das cartas? Muito simples, era apenas uma certeza. Acho que inúmeros grandes apostadores têm feito muito dinheiro nesse negócio. E também têm perdido, porque a "certeza" estava errada.



(Trecho extraído do livro " Viagens Além do Universo, de Robert Monroe)