quinta-feira, 20 de maio de 2010

Contra o neo-darwinismo


''Darwin errou, e a seleção natural não explica tudo''


Professor, mas como é possível intitular um livro de "Gli errori di Darwin" [Os erros de Darwin], nos Estados Unidos de hoje, em plena polêmica criacionista? E imagine o que vai acontecer na Itália. O senhor diz que é uma leitura laica e científica. Mas não teme que acabe sendo instrumentalizado?

Olhe, chega dessa história de que dizendo a verdade se faz o jogo da oposição...

Não damos a mínima ao politicamente correto: pode-se dizer isso?

Talvez de um modo um pouquinho mais gentil.

Gentilmente, Massimo Piattelli-Palmarini, físico e biólogo, um dos maiores cognitivistas do mundo, professor da Universidade do Arizona, e Jerry Fodor, o filósofo e estudioso da linguagem, estraçalharam a seleção natural nas 264 páginas de "What Darwin Got Wrong" [Onde Darwin errou], o livro que, da Boston Review ao The Guardian, já é um sucesso mundial. Porque, se a seleção natural desaba, desabam também as traduções culturais do darwinismo.

"Foi justamente isso que nos levou a escrever esse livro. O enorme cansaço sentido durante anos com relação aos neodarwinianos na psicologia, na sociologia, na filosofia da linguagem, da mente: em todos os setores das ciências humanas".

A reportagem é do jornal La Repubblica, 29-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Dê alguns nomes.

A tríade sagrada. Daniel Dennett, filósofo norte-americano, Richard Dawkins, biólogo inglês, Steven Pinker, canadense, psicólogo em Harward. Os três corifeus do neodarwinismo.

O que não está certo na evolução?

Por favor: a evolução é um fato. Não é mais uma hipótese, mas é um dado adquirido. O problema são os neodarwinianos que, com a seleção natural, pensam que podem explicar tudo.

Tentemos de novo: o que não está certo na seleção natural?

Primeiro, os chamados vínculos internos. Como ocorre a evolução biológica? A evo-devo [evolução do desenvolvimento] descobriu que os genes são substancialmente quase sempre os mesmos, há centenas de milhões de anos. Além dos babuínos, dividimos tudo com as moscas e os ratos. Naturalmente, quanto maiores são os vínculos internos, maior é a estrutura genética que condiciona o desenvolvimento. Menor é, portanto, a importância da seleção natural.

Ponto dois.

Física e química nos dizem que os princípios de auto-organização comuns a tantas espécies não têm nada a ver com a seleção natural. A lei da gravidade, por exemplo: é uma lei da física. Existe uma historinha que explica bem a atitude dos neodarwinianos que não se rendem. A criança pergunta ao pai: "Como é possível que, quando soltamos os objetos, eles caiam no chão?". E o pai neodarwiniano: "Porque aqueles que tendiam a voar se perderam na seleção natural".

Ponto três.

Dois grandes evolucionistas como Jay Gould e Richard Lewontin esclareceram há muito templo: traços muito diferentes entre si muitas vezes se desenvolvem juntos. É impossível dizer qual foi selecionado e qual só foi acompanhado.

Então essa seleção natural não explica nada?

Atenção: todos os anos, devemos nos vacinar novamente, porque os vírus mudam, e mudam em sua vantagem, e não em nossa. A seleção natural é uma realidade: mas não é o motor das espécies novas.

Resumindo: a evolução é um dado de fato, a seleção natural existe, mas não é o motor da evolução.

Não é o motor da especiação: da criação de novas espécies. Do aperfeiçoamento das espécies, sim. Da criação de subespécies, sim. Os únicos experimentos de evolução por seleção natural levaram à criação de subespécies. De um tipo de mosca da fruta foi criada a subespécie de mosca da fruta. De um tipo de sapo, um subtipo. Mas sempre se tratam de sapos e de moscas.

Portanto, a seleção natural não explica o princípio último?

Não explica a evolução biológica. Não explica a criação das espécies. Nós usamos uma metáfora: a seleção natural é o afinador do piano, não o compositor de sinfonias.

Então quem seria o compositor?

Muitos. Pela seleção natural, não é que haja só um outro princípio que o substitua: os mecanismos são múltiplos.

E, ao invés, os neodarwinianos continuam aplicando esse conceito onicompreensivo ao resto da ciência.

Tomemos a semântica. Daniel Dennett explica a linguagem com a adaptação, as necessidades essenciais, a reprodução, o alimento. Uma lorota enorme.

Richard Dawkins?

"Deus, um delírio" é um livro infausto. Eu sou ateu, integralmente ateu. Mas zombar da religião em nome de Darwin é algo infame.

E Steven Pinker?

O defensor da psicologia neodarwiniana. Explica tudo com os genes: do homicídio ao ciúme.

Professor, o senhor vive nos EUA e sabe bem que os jornais estão cheios desse tipo de interpretações científicas. Assim, tudo se desmonta.

Mas se eu lhe oferecer uma teoria neodarwiniana, digamos, da homossexualidade, é claro que no dia seguinte eu vou estar na primeira página do New York Times. Se, ao invés, eu lhe disser sabe-se lá o que, fatores múltiplos etc., não vou estar nem na primeira, nem na segunda, nem na 30ª página.

Que pena.

Outro caso famoso: a violência dentro casal, dentro das famílias. A violência dos pais com os filhos adotivos. A história darwiniana explica tudo. Gene contra gene...

E o que muda quando tiramos a seleção natural do pedestal?

As ciências sociais são reintroduzidas: a filosofia, a filosofia do direito, da estética. São reintroduzidos aqueles grandes temas que, por sorte, nunca morreram.

Nunca lhe perdoarão por isso.

Dou-lhe já um nome: Giorgio Bertorelle é o presidente da Sociedade Italiana de Biologia Evolucionista. Há alguns anos, ele tentou fazer com que os cientistas do mundo inteiro assinassem um manifesto. Contra mim. Isso chegou ao meu amigo Richard Lewontin. E ele: "Mas vocês são completamente loucos?".

Imaginemos então se o senhor se deparasse diretamente com Darwin.

Um gênio, por favor, e talvez é um pouquinho desonesto criticá-lo assim depois de 150 anos. Mas, no fundo, ele mesmo dizia que existem muitas coisas que a sua teoria não chegava a explicar.

Está dizendo que Darwin teria gostado do seu livro?

Bem, seguramente ele o entenderia.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Com um Mestre vivo

Papaji


Prólogo

No dia 1º de Janeiro de 1990, deixei a minha vida para trás e parti em busca da iluminação. Minha mulher e meus amigos pensaram que eu estava louco. Como estava com quase quarenta e três anos de idade, eles atribuíram a coisa toda a uma crise da meia-idade.Quando parti, não tinha a mínima idéia de aonde iria ou do que iria encontrar. Nem tampouco tinha qualquer poder de decisão quanto a isso. Estava sendo atraído como um fragmento de limalha de ferro é atraído por um imã. Não sendo um principiante no caminho espiritual, eu dispunha de certos critérios para a minha busca. Eu queria decepar definitivamente a mente egóica.

Disse à minha esposa: "Eu quero despertar para a realidade não-dual."Eu pertencia a uma geração que tinha descoberto os psicodélicos vinte e cinco anos antes. Eu tinha experimentado livremente com LSD e outros alucinógenos na minha busca da liberdade. Como resultado destas experiências, considerava-me relativamente desperto, uma alma iluminada. O LSD havia me mostrado que esta "realidade da vigília" é um sonho, e eu tinha vivenciado a mim mesmo como imortalidade auto- consciente. Contudo, isto não era suficiente. O sofrimento egóico continuava. Na realidade, o ego reivindicava estas realizações como suas. Nos anos 60, participando dos movimentos pelos direitos civis e contra a guerra, eu tinha tido amplas oportunidades de entregar a minha vida à Vida. Colocando à prova a coragem das minhas convicções e estando disposto a morrer para deter o sofrimento do mundo, descobrira-me um servo da Mãe Terra.

Por isso, achei que "eu" tinha que fazer alguma coisa. E essa alguma coisa sempre acabava levando ao sofrimento.Na esteira da genuína abertura que muitos membros da minha geração vivenciaram com psicotrópicos, vieram os gurus. Quando a primeira onda de gurus veio à América, fiquei muito interessado. Em 1974 e 1975, sentei-me com Swami Mukhtananda e li com prazer Rajneesh e Da Free John. Acompanhei as aventuras de Ram Dass com Neem Karoli Baba e seus outros mestres.Enquanto estive com Muktananda, deleitei-me com o bhakti e o shakti. Não acreditava que meios não psicodélicos pudessem ser tão poderosos quanto o LSD para induzir certos estados. Mudei de idéia.


Contudo, não me sentia particularmente atraído pela vida em um ashram. Sabia tudo acerca dos gurus hindus públicos, de Sai Baba a Maharaji, porém quando considerava os seus seguidores e os seus ashrams, concluía que em vez de seres iluminados, eles criavam meros devotos. Eu procurava a iluminação e alguém que a pudesse transmitir diretamente. Por grandes e deleitosos que fossem, os estados de shakti não conduziam à plena auto-realização, pelo menos para mim ou qualquer outra pessoa minha conhecida.Nos primeiros anos do LSD, lendo os trabalhos de Carlos Castañeda, Gurdjieff e o Livro Tibetano dos Mortos, vi-me atraído pelo Budismo Tibetano. Em 1976, partilhei os livros de Evans-Wentz acerca do Budismo Tibetano com a minha futura esposa e exprimi o desejo de encontrar os verdadeiros detentores dessa linhagem.


Em 1978, foram eles que nos encontraram. Naquele ano, Kalu Rimpoche, mestre de meditação da linhagem Kagyu, veio à nossa cidadezinha na Califórnia e designou-me chefe do seu Dharma Center. Nós fizemos pujas e prostrações e aprendemos a entoar cânticos em tibetano. Ajudamos a organizar a visita do Karmapa a São Francisco e a sua Cerimônia do Chapéu Preto. Finalmente, os resultados não foram satisfatórios. Não vi ninguém se tornar iluminado.No começo de 1980, fui ao Japão. Encontrei-me com o mestre Zen mais idoso da época; chamei-o O'ji isan. Através da nossa relação de coração, ele me presenteou com um leque de ensino Zen. Também pratiquei combate dharma no Mosteiro Saikoji. Vivenciei um kensho, ou profundo despertar espontâneo, na presença do superior do mosteiro.

Isto foi comemorado em todo o mosteiro. Após o anúncio do meu kensho, passamos a noite bebendo cerveja e cantando. Até nos permitiram dormir até as 6:00 da manhã seguinte. Mesmo assim, na manhã seguinte, a mesma mente estava presente. Eu não estava satisfeito.
Pesquisei então a meditação vipassana. A interminável observação mental de objetos pareceu útil como estágio inicial, mas eu ansiava por aquilo que está para além do observador e do objeto observado.Também conheci e trabalhei com meu tio Henry, pajé dos Arapahoe (o Povo do Céu Azul). O tio é pura essência, com um coração do tamanho do céu. Eu amo o Tio e tudo que ele representa, e amo o trabalho que ele realiza neste mundo. Mas eu desejava algo mais.
Vários anos mais tarde, fui iniciado e adotado por um clã sufi Gnauer. Foi uma experiência profunda e mística. Fui posto à prova e tive que defender o nosso círculo em circunstâncias perigosas na costa do Marrocos. Layeshay, chefe do clã e descendente de escravos do palácio, abriu-me o seu coração e adotou-me como seu filho. Eu o amo e lembro com carinho o tempo que passamos juntos.

No inverno de 1989, eu era considerado "um sucesso". Estava casado há 13 anos com a minha melhor amiga e amante e estava feliz. Era um autor publicado e conduzia workshops, ensinando psicologia espiritual. Tinha um consultório particular bem-sucedido em São Francisco, um lar maravilhoso em Marin Country, e viajava pelo mundo afora conduzindo workshops. Trabalhando com o Eneagrama da Fixação de Caráter, eu tinha desenvolvido um novo mapa da psique que integrava o modelo budista tibetano, o trabalho Sufi sobre a essência e a psicologia ocidental.
Quando esse modelo ficou completo, examinei a mim mesmo e vi o que faltava em meu próprio desenvolvimento. Eu ainda não estava completamente desperto. Continuava sutilmente a gerar sofrimento na minha vida e na vida dos outros. Eu ainda agia baseado na fixação do ego, pelo menos durante parte do tempo.

Quando me senti atraído pela Índia e estava me preparando para a viagem, examinei a totalidade da minha vida. Estava disposto a abandonar tudo, exceto o meu amor por minha mulher. Passei vários dias de agonia, chorando e soluçando ao pensar em deixá-la. Mais tarde descobri, aos pés do meu Mestre, que tudo o que eu tinha que abandonar era o sofrimento! O amor nunca precisa ser abandonado.

Quando parti para a Índia, não tinha a mínima idéia de aonde deveria ir. O meu critério consistia em encontrar alguém plenamente iluminado que me pudesse transmitir a iluminação. Se não conseguisse achar ninguém com esse nível de realização, queria pelo menos encontrar alguns Sufis que conhecessem o eneagrama.Aterrissei em Delhi no dia 5 de janeiro de 1990. O meu plano era encontrar sufis iluminados, talvez na região fronteiriça com o Paquistão, ou viajar a Sikkim para encontrar um Lama tibetano de quem havia recebido uma transmissão não-verbal alguns anos antes.

Na minha primeira noite em Delhi, dirigi-me a Nizamuddhin, antigo bairro muçulmano, acerca da qual fui informado pelo meu hoteleiro. Visitei o santuário de Nizamuddhin, um santo sufi do século XV, e rezei pedindo orientação e pleno despertar. Fui então jantar no Karim's, um restaurante muçulmano local. Enquanto esperava para fazer meu pedido, observei outro homem entrar e sentar-se de costas para mim a uma mesa vizinha. Em lugar de vir tomar o meu pedido primeiro, o garçom aproximou-se do outro freguês. Fiquei irritado com essa desconsideração. Quando o garçom se aproximou para anotar o meu pedido, o outro freguês virou-se e disse: "Pagarei por qualquer coisa que ele quiser".

Perguntou então se podia juntar-se a mim.
Ele era um ministro do governo que se encontrava na cidade apenas por um dia. Sua irmã escrevia livros sobre os sufis e ele acreditava conhecer os notáveis dentre eles. Ele ia pegar um avião no dia seguinte, porém me daria uma lista dos mesmos. Após retornar à sua casa em Lucknow, ele me mandaria mais nomes. Conseguiu-me uma apresentação ao chefe dos sufis Naqsbandi na parte velha da cidade e mandou-me levar de volta para o meu hotel no seu carro oficial com chofer.

Passei as duas semanas seguintes visitando os santos Sufi Naqsbandi e de outras seitas. Aonde quer que fosse, ficava desapontado. Neste período, recebi o meu visto para o Paquistão e o Sikkim e fiz preparativos para voar para Lahore.

Antes de ir para o Paquistão, decidi visitar o meu novo amigo, o ministro do governo, em seu lar em Lucknow, onde ele havia prometido dar-me mais nomes. Eu sabia também que havia outro mestre em Lucknow. Eu conhecera um dos seus alunos na Califórnia, e havia-lhe pedido o endereço do seu mestre antes de partir, porém o meu pedido fora negado. A esta altura, eu não tinha nem o nome nem o endereço do mestre. Quando cheguei a Lucknow, liguei para a minha mulher, para ver se ela poderia obter o nome e o endereço deste outro mestre. Ela só pode dar-me o seu nome: Poonja. Senti um forte impulso para encontrá-lo, mas não tinha idéia de onde começar.

Subi ao telhado do meu hotel (o Carlton, que era um antigo palácio) e uma vez mais pedi ajuda. Olhei para o céu e vi um sinal. Nunca tinha visto nada semelhante. Um quadrado vermelho e um quadrado preto dançando juntos. Soube então que era lá que Poonja vivia. Uma semana depois, Papaji mostrou-me pipas indianas e eu reconheci as que havia visto.

Desci do teto e encontrei uma lista telefônica. A página dos "p" tinha sido arrancada. Encontrei outra lista e lá estava o endereço de um Poonja. Informando-me, descobri que ficava exatamente no lugar que as pipas tinham indicado.No dia 19 de janeiro de 1990, dia do meu quadragésimo-terceiro aniversário, caminhei pelas ruelas do mercado Narhi, um antigo bairro de Lucknow. Após ser guiado por vários vizinhos prestativos, alguém me mostrou uma pequena porta numa fileira de casas geminadas. Bati à porta. Um homem abriu a porta e, com um grande sorriso, disse: "Sim, ele está no andar de cima. Está á sua espera."

Subi as escadas de um minúsculo pátio até um quartinho. Ele estava sentado na cama. "Entre, entre", disse. O quarto tinha apenas espaço suficiente para a cama e uma cadeira. Convidou-me a sentar na cama ao seu lado.

"Por que você veio?", perguntou-me.

"Estou realmente pronto para despertar", eu disse. Ele riu muito e nos abraçamos. Naquele momento, não havia mais perguntas. Eu tinha encontrado o meu Mestre. Soube, sem sombra de dúvida, que estava olhando para o meu próprio si.

"Você sabe", ele disse, "um rapaz veio aqui recentemente, vindo da Austrália. Ele tinha um pergunta urgente. A pergunta tomou conta dele e ele pegou um avião para cá, trazendo apenas a roupa do corpo. Era inverno e ele tinha apenas uma camiseta e as suas calças. Emprestei-lhe o meu suéter e outras roupas de frio. Mas ele tinha que ter uma resposta à sua pergunta." Fez uma pausa e olhou para mim. "Ele queria saber 'É a minha vontade quem manifesta o Universo?'" Ao contar-me isso, Sri Poonjaji não deu nenhuma pista da resposta. Somente olhou para mim.

Pela primeira vez na vida, tinham-me feito uma pergunta de ordem espiritual para a qual eu não tinha qualquer resposta pronta. Eu sabia que "sabia" teoricamente, mas não diretamente. Enquanto ele olhava para mim, não consegui dizer nada. Naquele momento, a minha mente parou e todo o meu "conhecimento" desapareceu temporariamente.

Eu tinha encontrado alguém à minha altura.Dentro de alguns dias, comecei a escrever este livro. O título original era Com um Mestre Zen vivo. Passei os quatro ou cinco dias seguintes sozinho com Sri Poonjaji. Perguntei-lhe se podia chamá-lo Baba. Ele riu e disse que não se importava. Então percebi que os seus netos chamavam-no Papaji e logo comecei a fazê-lo também. Cada dia era uma eternidade atemporal de bem-aventurança. Dois dias depois, dei-lhe o meu passaporte, as minhas passagens e o meu dinheiro. Disse-lhe que já não me preocupava com a iluminação. Queria apenas dormir em frente à sua porta e cuidar dele. Ele riu e deu-me um tapa de brincadeira.

Saíamos diariamente para passear juntos. Ele me mostrava vistas do lugar e levava-me para saborear a comida local. Cada vez que parávamos para comprar algo, seja de um vendedor ambulante ou em alguma lojinha, era sempre ele quem pagava. À noitinha, comíamos juntos o jantar preparado por seus netos, e então subíamos para o seu quarto onde ele lia a sua correspondência e respondia às suas cartas. Nesses momentos, o Mestre, seu filho Surendra e eu discutíamos o satsang do dia. Eu lia as primeiras passagens deste livro para Papaji, o que ele apreciava e encorajava.

Certa noite, dei-me conta daquilo de que estava prestes a abrir mão. Não apenas esta vida ou este mundo, porém o universo inteiro!"Nada disso jamais existiu", disse ele com um sorriso.
"Papaji", disse eu, "embora soubesse que esta vida é um sonho, fiz votos de Bodhisattva. Eu prometi voltar".


"Oh, meu Deus!", disse ele, com um ar trocista de horror no seu rosto. "Ainda bem que eu o encontrei, ou você me teria trazido de volta com você!"Finalmente, disse que outras pessoas estavam esperando para vê-lo. Em tom de súplica, pedi a ele: "Não, não os deixe entrar. Tenho ciúmes."


Novamente, ele riu e deu-me um tapinha no rosto. "Sente-se e observe", disse.
O que eu vi foi um milagre. Vi pessoas entrarem e, no espaço de semanas, tornarem-se iluminadas e ir embora. Eu tinha pensado que ele era um mestre Zen. Contudo, quando um bhakta de Anandamaya Ma veio, ele falou como um hindu. Falou sobre os ensinamentos de Buda com praticantes de vipassana. Conversou com cristãos sobre o significado interior dos ensinamentos de Jesus. Quando alguém mencionou os sufis, ele contou estórias de Kabir.
O seu falar não diferia da profundidade do silêncio que irradiava dele. Quando lhe perguntei acerca da supressão da mente, ele me disse que ficasse apenas quieto. Eu o fiz, e a mente parou. Que milagre! Eu nunca estivera com um instrutor espiritual que houvesse simplesmente admitido a possibilidade da mente parar. Aqui estava um Mestre por cuja graça as mentes de dúzias de pessoas, sem esforço, paravam.


Lao Tzu (no clássico taoísta Tao Te Ching) e os mestres Chan Hui Neng e Huang Po, todos eles falam e escrevem a partir da "não-mente". A possibilidade da não-mente ser transmitida diretamente a todos os que a desejem estava muito além dos meus sonhos mais loucos. O que o meu Mestre me mostrou diretamente foi que a experiência de viver sem fazer referência à mente é o portal da bem-aventurança do reconhecimento de si.Observei um fluxo constante de gente do mundo inteiro passar pela sala de estar de Papaji. Agora os satsangs eram grandes demais para o seu quarto e seis a dez pessoas se espremiam na pequena sala de estar. Observei pessoas aprendendo sem esforço a abandonar a mente e a idéia de um ego pessoal, e assim, descobrindo o que sempre fora verdadeiro e presente. Uma após a outra, as pessoas identificavam-se a si próprias como "Vazio", "Silêncio", "Amor".Notei também uma incrível grosseria. A maioria não tinha a mínima idéia daquilo em que estavam se metendo. Alguns paravam a caminho do Rajastão, onde iram montar elefantes, outros vinham por alguns dias porque estavam nas vizinhanças. Papaji acolhia a todos em seu lar e tratava a todos como hóspedes. Servia chá com biscoitos e frutas, levava gente para passear e comprava comida para todos. Muitos desperdiçavam completamente esta extraordinária oportunidade. Viam um velho bondoso que parecia ser cheio de amor. Alguns chamavam-no Poonja, sem sequer a cortesia de acrescentar um ji. Era como dizer para alguém em sua própria casa: "Ei, Silva!". Alguns se sentavam na sua sala de visitas sem nem mesmo se apresentar. E outros, sem se dar conta daquilo em que se metiam, caíam na sua graça e despertavam.


Papaji dava um passeio diário e o satsang acontecia enquanto flanávamos pelas ruas ou quando nos sentávamos sob uma árvore. Ele nos levava até o centro do mercado para descobrirmos que o silêncio interior e o darshan não necessitam de nada exterior. Ele levava todo mundo para comprar doces no mercado ou para comer nas barracas de seus vendedores ambulantes favoritos.***Poonjaji diz que um verdadeiro mestre não pede absolutamente nada a seus discípulos. Ele é um verdadeiro mestre. Como ele não pedia nada, muitos não davam nada, nem sequer gentileza. Isso nunca o impediu de dar tudo. Para quem tinha olhos para ver, ali estava o evento mais raro do mundo: a oportunidade de privar com um santo vivo, um verdadeiro Buda, que enunciava a verdade pura e transmitia a chama da iluminação e da liberdade a todos quantos passavam pela sua porta.

Eu ficava estupefato ao ver pessoas, no decorrer dos nossos passeios, afastarem-se em grupos, tagarelando acerca de coisas inconseqüentes. Elas agiam como se este evento raro entre todos não fosse lá grande coisa. Estavam na presença de um verdadeiro Mestre vivo e consideravam-no como algo que lhes correspondia de direito. Outros eram de tal forma atraídos pelo amor vivo, que não podiam tirar os olhos dele. Absorviam profundamente e tudo lhes era dado! Nada era jamais pedido em troca.Papaji não me permitiu que ficasse com ele, ou que mudasse o que quer que fosse na minha vida. Em fins de fevereiro, tive que ir embora.

Disse-lhe que retornaria com minha esposa para vê-lo, e isso o deixou muito contente. Disse-lhe que minha esposa era uma deusa e que, embora tivesse começado como minha aluna, há vários anos era a minha mestra.Antes que eu deixasse a Índia, ele quis me mostrar o Ganga. Ele amava o Ganga e, muitos anos antes, durante o Kumbha Mela, ele tinha recebido darshan do espírito do Ganga. Após aposentar-se e depois que todos os seus filhos estavam casados, tendo portanto cumprido as suas obrigações, ele passara a viver numa caverna às margens do Ganga.Pegamos um trem noturno de Lucknow a Hardwar, na segunda classe. Dormimos com estranhos roncando num mesmo compartimento separado por cortinas. O trem chegou a Hardwar às 5:00 da manhã. Papaji levantou-se às 4:00 para assegurar-se de que tudo estava pronto. (Já mencionei que nessa época ele tinha oitenta anos de idade?) Ficamos sentados na estação das 5:00 às 7:00, para não incomodar ninguém no lugar onde ele alugava o seu quarto.Muita gente ofereceu-lhe casas e ashrams pelo mundo afora, contudo ele sempre recusou. "Repugna-me possuir um pedaço da Mãe Terra", diz ele.

"Uma vez eu visitei uma plantação de chá no sul. Depois de o administrador ter-me mostrado a propriedade, encontrei uma maravilhosa tangerineira. Eu disse à árvore: 'Ah, que maravilhosa mãe és para com todos os teus bebês'. Eu nunca colhi um fruto ou flor em toda a minha vida. Fiquei apenas admirando a árvore e, naquele momento, ela deixou cair uma dúzia de tangerinas aos meus pés. A Mãe Terra cuida muito bem de mim."

Sentados na estação, aguardando o amanhecer, ele me disse: "Uma vez cheguei a Delhi às 2:00 da madrugada. Dormi na soleira da porta de um amigo até que a família acordou às 6:00. Se eu tivesse um ashram, não me dariam esta liberdade."
Perguntei-lhe se era possível viver numa comunidade de pessoas iluminadas. Ele respondeu: "Que os ladrões vivam juntos, e que os poucos iluminados se espalhem pelo mundo."



Eli Jaxon-Bear
15 de Dezembro de 1991
Copyrights Eli Jaxon-Bear
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Extraído de: Blog Holosgaia

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O conhecimento “eu sou” deve retornar à sua própria fonte



(08/11/1980)


Pergunta: Por que é que nós naturalmente parecemos pensar em nós mesmos como indivíduos separados?

Maharaj: Seus pensamentos sobre individualidade não são realmente seus próprios pensamentos; são todos pensamentos coletivos. Você pensa que você é a pessoa que tem os pensamentos; mas de fato os pensamentos surgem dentro da consciência. Conforme nosso conhecimento espiritual cresce, nossa identificação com um corpo-mente individual diminui, e nossa consciência expande-se na consciência universal. A força da vida continua a atuar, mas seus pensamentos e ações já não são limitados à um indivíduo. Transformam-se na manifestação total. É como a ação do vento - o vento não sopra para nenhum indivíduo em particular, mas para a manifestação total.

Q: Como um indivíduo é possível retornar à fonte?

M: Não como um indivíduo; o conhecimento “eu sou” deve retornar à sua própria fonte. Agora, a consciência identificou-se com uma forma. Mais tarde, ela compreende que não é essa forma e segue adiante. Em alguns casos pode alcançar o espaço, e muito frequentemente, pára ali. Em muito poucos casos alcança sua fonte real, além de todo condicionamento.
É difícil abandonar essa inclinação de identificar o corpo como sendo o 'Ser' (Self). Eu não estou falando com um indivíduo, estou falando para a consciência. É a consciência que deve procurar sua fonte. Desse estado de não-ser surge o sentido de existência. Vem tão quietamente quanto o crepúsculo, com apenas uma sensação de “eu sou” e então de repente o espaço está lá. No espaço, o movimento começa com o ar, o fogo, a água, e a terra. Todos estes cinco elementos são justamente você. De sua consciência tudo isto aconteceu. Não há nenhum indivíduo. Há somente você, o funcionamento total é você, a consciência é você. Você é a consciência, todos os títulos dos deuses são os seus nomes, mas identificando ao corpo você se entrega ao tempo e a morte -você está impondo isso a você mesmo. Eu sou o universo total. Quando eu sou o universo total não tenho necessidade de nada porque eu sou todas as coisas. Mas abarrotei eu mesmo em uma coisa pequena, um corpo; fiz de mim um fragmento e tornei-me carente de coisas. Eu preciso de tantas coisas sendo um corpo. Na ausência de um corpo, você existe, quando não tinha um corpo você existia? Você estava lá ou não? Alcance esse estado que é e era anterior ao corpo. Sua natureza verdadeira está aberta e livre, mas você a encobre, você dá-lhe vários desenhos.



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