quarta-feira, 6 de outubro de 2010

SRI RANJIT MAHARAJ


SRI RANJIT MAHARAJ
1913-2000



Sri Ranjit Maharaj nasceu a 6 de janeiro de 1913 em Bombaim, Índia. Na sua tenra infância foi um devoto fervoroso de Krishna, mas, aos 12 anos de idade, conheceu Shri Sadguru Siddharameshwar Maharaj, que se tornou seu mestre. Depois, Shri Siddharameshwar também se tornou mestre do venerado sábio indiano Nisargadatta Maharaj.

Siddharameshwar Maharaj constatou o Ser através da meditação, um caminho árduo e longo, que, nas suas próprias palavras, na filosofia indiana se chama Pipilika Marg e significa o "caminho da formiga".

Shri Sadguru Siddharameshwar Maharaj



Siddharameswar ensinava o "caminho do pássaro", Vihangam Marg. Esse é o caminho da compreensão, o caminho direto para a Auto-Constatação (Auto-Realização). O Caminho do Pássaro também é o ensinamento de Sri Ranjit Maharaj. É bastante interessante que exatamente na mesma época em que o jovem Ranjit se encontrava pela primeira vez com seu mestre, também visitava Siddharameshwar, e era um dos primeiros americanos a fazê-lo, um jovem viajante americano em sua quase disfarçada busca espiritual da iluminação, que ganhou fama anonimamente alguns anos depois no romance intitulado O Fio da Navalha, do famoso autor e dramaturgo britânico W. Somerset Maugham. Narra-se que por ter morado na Índia ele alcançou paz de espírito.

O jovem americano, Larry Darrell, como no romance o denomina Maugham, viajava para Bijapur para encontrar-se com Siddharameshwar e aprender o Vihangam Marg, o caminho do pássaro. O santo contou a Darrell o que Ranjit Maharaj por fim também viria a aprender: "que só por escutar e praticar os ensinamentos do Mestre e refletir a respeito, tal como o pássaro, que voa de uma árvore a outra, é que se pode alcançar rapidamente o Despertar".


PERGUNTAS & RESPOSTAS

PERGUNTA: Quando considero minha verdadeira natureza, fico no "EU SOU", invade-me um sentimento de amor sem causa. Esse sentimento é correto ou ainda é uma ilusão?

Sri Ranjit MAHARAJ: É o êxtase do Ser. Você sente a presença do "EU SOU". Você se esquece de tudo, dos conceitos e da ilusão. É um estado não-condicional. Essa felicidade aparece quando você se esquece do objeto, mas na felicidade ainda há um pequeno toque do eu. Afinal, é ainda um conceito. Quando você se cansa do mundo externo, você quer ficar só, para estar consigo mesmo. É a vivência de um estado mais elevado, mas ainda faz parte da mente. O Ser não sente prazer nem desprazer. Sem o eu, sem o "EU SOU". O completo esquecimento da ilusão significa que nada é, nada existe. Ela ainda está aí, mas para você ela não tem realidade. É a isso que se chama de Constatação (Realização), ou Auto-Conhecimento. É a constatação do Ser sem o eu.
Se alguém o chama, você diz "Estou aqui", mas antes de dizer "Estou aqui", você estava. A ilusão não pode colar mais alguma coisa na Realidade. Não pode colar algo extraordinário na Realidade, porque a Realidade está na própria base de tudo que existe. Tudo que existe, tudo que você vê, os objetos da sua percepção, tudo se deve à Realidade. A ignorância e o conhecimento não existem. Não existem. Então, como é que você poderá expressá-los?

Quando você objetifica algo, significa que está sentindo alguma coisa. Tão logo sinta alguma coisa, você se afasta de Si, do Ser. Você sente amor, que é melhor que estar na ignorância, mas, afinal de contas, isso ainda é um estado, e um estado é sempre condicionado. O não-condicionado não tem estados. É a experiência da inexistência da ilusão. Tão logo você sinta a mínima existência, isso é ignorância. Isso é muito sutil. Ignorância e conhecimento ambos são sutis. É difícil entender, mas, se você realmente averiguar, chegará a esse estado. Isso é, e sempre foi, mas você não sabe; essa é a dificuldade. Não há um único ponto em que a Realidade não esteja. Você vivencia a existência através dos objetos, mas tudo isso não é nada. É onipresente, mas você não pode vê-lo. Por quê? Porque você é a própria Realidade. Então como pode você se ver? Para ver seu rosto, você precisa de um espelho.

A verdadeira felicidade está dentro de você e não fora. No sono profundo, você é feliz. Esquece-se do mundo. Portanto, a felicidade jaz no esquecimento do mundo. Deixe o mundo ser como é; não o destrua, mas saiba que ele não é. Faça tudo quanto tenha que fazer, mas fique desapegado com a compreensão de que seja lá o que for que você sinta, perceba e alcance é ilusão; não existe, e a sua mente precisa aceitar isso.

Os santos dizem: "Já que tudo é nada, como poderá você ser afetado por este nada, como o nada poderá atingi-lo?" Então, o que fazer? A mente não passa de conhecimento. As pessoas diferenciam a mente do conhecimento, mas isso não é correto. Não há nada no mundo. É ilusão. Só a Realidade existe, e, quando você entender que a ilusão é realmente ilusão, como poderá ela afetá-lo? Como poderá você sequer sentir que ela o afeta? A pétala de lótus origina-se da água; fica em cima d’água, mas não é tocada pela água. Se você verte água sobre ela, a água escorre; a flor não se molha.

Quando você compreende que nada permanece, já não se trata mais do amor. A felicidade do Ser que você sente é ainda o prazer do conhecimento. Primeiro você precisa se conscientizar e depois se tornar a própria Realidade, porque você é Ela. Portanto, não faz mal algum viver na ilusão, no mundo, mas ele não existe, você não é atingido. O lótus permanece na água, mas nem liga para ela.

É assim que você deve vivenciar sua verdadeira natureza. Digo "vivenciar", mas aí essa palavra já não existe, porque ela está além do espaço, além do zero. E as palavras não podem entrar aí; param aí. No Bhagavad Gita, o Senhor Krishna diz: "Para onde as palavras retornam está o meu estado". Ainda assim, ele era rei e reinava, mas sabia que nada existe. Você não sabe que nada pode atingi-lo. Quando sentir que nada o atinge, você estará fora da ilusão. Esse é o ponto culminante da filosofia e você pode chegar lá. Lá, lá não há Mestre nem discípulo, pois ambos são um só. Não existe dualidade. Existe somente a Unidade e nada fica fora dela. Portanto, fique na ilusão, mas por compreensão.

Dois amigos queriam pregar uma peça num outro amigo. Um começou a insultar o outro, mas o outro ria do insulto. O terceiro ficou perturbado e disse: "Como podes rir quando ele está te insultando?" Ele ria porque tinha a chave do jogo, mas o terceiro rapaz não entendia. Do mesmo modo, uma pessoa Realizada, embora viva no mundo, compreende que tudo isto é nada e o que quer que esteja acontecendo, nada está acontecendo. Portanto, ela não é atingida. As pessoas andam sempre com medo do que acontece ou vai acontecer. Temem o que as pessoas vão dizer. Pensam: "O que é que vou fazer? O que vai acontecer comigo?" Lutam ou desfrutam. Todos esses cativeiros se devem à mente.

Aquele que está fora do círculo entende que tudo é nada. Não existe; é apenas ignorância. Diz-se que só quem mergulha fundo no oceano é que pode encontrar a pérola. Quem fica na superfície é levado pela corrente do prazer e do sofrimento. Você deve mergulhar fundo até as profundezas do ilimitado, porque é lá que você está. Nunca pare no limitado. O ouro não liga para as formas que ele assume nos ornamentos; pode ser a forma de um cachorro ou de um deus, ele não se preocupa com a forma. Da mesma maneira, seja indiferente com as coisas, porque elas não existem.

Nada pode atingi-lo. Você é intocado. A mente deve chegar ao ponto de uma compreensão completa da ilusão. Ali jaz o seu estado. Nada permanece para quem compreendeu. Não há mais perda ou ganho. Não pergunte se você pode atingir a Realidade, porque você é a Realidade, então por que dizer: "Será que eu posso?" Primeiro saia do círculo. Largue tudo, uma coisa após outra, e entre fundo em seu Ser. Depois volte e esteja em tudo.

O que você descreveu é um bom estado, não há dúvidas, mas vá um pouco mais adiante. Quando a mente aceita que tudo é ilusão, somente ilusão, então você está no seu Ser. O corpo e a mente são ilusões; você devia ficar contente de saber isso. Desvencilhe-se da identificação com eles. A única coisa que o Mestre faz é dar o seu verdadeiro valor ao Poder que está em você, ao qual você nem presta atenção. Ele não faz nada mais. Era uma pedra, e o Mestre revela a própria natureza dela, que é diamante. Ele faz de você a pedra mais preciosa.

Eu sou onipresente, todo-poderoso, sou o Criador de tudo que existe. Quando você está na base de tudo, você está em tudo. É por isso que nem um assassino pode ser considerado mau. O que quer que esteja acontecendo, é "ordem minha". Seja o senhor, não o escravo! Você é o senhor.

PERGUNTA: Eu gostaria de saber por que algumas pessoas Realizadas reencarnam a fim de ajudar os outros a acordar?


SRI RANJIT MAHARAJ


Sri Ranjit MAHARAJ: Ninguém vem, ninguém vai. Quem lhe contou isso? Você leu livros e repete. Diz-se que o maior homem é aquele que morre desconhecido. Rama e Krishna foram heróis secundários. O homem realizado vive em silêncio e morre em silêncio. Depois, o pensamento dele funciona numa outra pessoa; mas que eles voltam é bobagem. Veja "A Doutrina do Renascimento".

Ninguém vem, ninguém vai. É tudo um sonho. Num sonho você pode se tornar um grande Mestre, mas, quando acorda, você volta ao seu estado normal. Quem foi lá e quem voltou? Não aconteceu nada. O conceito de um grande Mestre passou por você e você virou aquele "grande Mestre", mas, quando acorda, você percebe: "Nossa, tudo isso é absurdo! Como posso eu ser um grande Mestre? Não sei nada!" Mesmo assim, no sonho você dava palestras e falava com facilidade sobre todas essas coisas, mas, quando chega o despertar, todo conhecimento se esvai. Era um sonho.

De onde ele veio e aonde desapareceu? Quando nada existe, tudo são apenas crenças e conceitos da mente. O suposto sábio que diz "Eu sou a reencarnação de Deus" não o conhece, não conhece a Realidade. Ao contrário, é escravo do seu ego, da ilusão. Quando o próprio conhecimento não tem entidade, não vêm à baila todas essas coisas.

Aquele que compreende, livra-se de tudo. Uma pessoa assim parece comum, mas seu coração é bem diferente. Se ficar do lado de fora, como você poderá entender? Para se tornar o dono da casa, você precisar entrar nela. Da mesma maneira, você precisa penetrar o seu próprio Ser para tornar-se o dono. Mas aí o "eu" não permanece "eu". Não mais se trata de Mestre ou discípulo. O pensamento em um Mestre pode inspirar quem quer que assuma um corpo porque ele e o Sábio são unos. Penetre o coração do Realizado e você não permanecerá como "Você", porque só ele é. É por isso que se diz que aqueles que ensinam são reencarnações de Deus. O Mestre passa o ensinamento a todos, mas não o valoriza, porque sabe que o conhecimento é a maior ignorância. Portanto não se deixe tocar por nada.

PERGUNTA: Se tudo é ilusão, você mesmo é uma ilusão?

MAHARAJ: Ah, sim! Eu sou a maior ilusão! Tudo que digo de todo o coração e com tanta franqueza é tudo falso! Mas o falso ‘eu’ pode fazer você alcançar esse ponto. O endereço da pessoa não é o objetivo. Quando você chega à casa, é graças ao endereço que lhe deram, o endereço é verdadeiro somente até o momento em que você entra na casa. Assim que você entra, desaparece o endereço. As palavras não passam de indicações; não têm nenhuma realidade em si mesmas. Se o ‘eu’ permanece, eu também sou ilusão. Não permaneça como ‘eu’. Essa é a mais alta compreensão da filosofia. O santo Tukaram dizia: "Vi a minha própria morte, e o que vi lá, a alegria que se revelou, isso eu conheço". Antes de tudo, você precisa morrer. "Você" significa ilusão.

Por isso, o que digo é falso, todavia verdadeiro, porque eu falo daquilo. O endereço é falso, mas, quando você atinge o objetivo, é a Realidade. Da mesma maneira, todas as escrituras e os livros filosóficos destinam-se apenas a indicar esse ponto, e, quando você o atinge, eles se tornam inexistentes, vazios. As palavras são falsas; só o sentido que elas comunicam é que é verdadeiro. Portanto, tudo é ilusão, mas, para compreender a ilusão, é preciso ilusão. Por exemplo, para tirar um espinho do dedo, você utiliza outro espinho; depois joga fora os dois. Mas, se você guardar o segundo espinho que utilizou para remover o primeiro, certamente você estará de novo preso. Para remover a ignorância, é preciso conhecimento, mas por fim ambos devem dissolver-se na Realidade. O seu Ser é sem ignorância nem conhecimento.

Portanto, o Mestre e o buscador são ilusões, porque ambos são um só. Se você guardar o segundo espinho, que significa conhecimento, nem que seja um espinho de ouro, você estará preso (pelo segundo espinho). O ego é a única ilusão, e ego é conhecimento. Conta-se que para apanhar um ladrão é preciso tornar-se um ladrão. Então você poderá dizer-lhe: "Cuidado, eu estou aqui e sei que você é ladrão; portanto, não poderá me roubar". Mas você não pode apanhar o ladrão porque ele tem quatros olhos e você só tem dois. Num relance, o ladrão percebe os objetos de valor e, se você não estiver atento, ele lhos rouba. A ilusão é como o ladrão, de modo que você precisa ser mais forte do que o ladrão. A sua mente precisa aceitar que tudo é ilusão, somente ilusão. Então você será o "maior dos maiorais".

O conhecimento é uma grande coisa, mas deve ser apenas um remédio. Quando a febre baixa graças ao remédio que você tomou, você deve parar de tomá-lo. Não prolongue o tratamento, senão você criará mais problemas. O conhecimento só é necessário para remover o mal da ignorância. O médico sempre prescreve uma dosagem limitada! Antes de tudo, compreenda que o ‘eu’ é uma ilusão e o que ‘eu’ diz é ilusão. O Mestre e o que ele diz também são ilusão, porque na Realidade, ‘eu’ e ‘Ele’ não existem mais. Vá fundo para dentro de si, tão fundo até você desaparecer. Caso contrário, veja o que acontece. Entra um bode em sua casa, e, para fazê-lo sair, você abre a porta. O bode sai, mas entra um camelo. O camelo é apenas como a ilusão. Portanto, fique fora da ilusão.

SRI RANJIT MAHARAJ


Fonte: Blog da Editora Advaita


sábado, 2 de outubro de 2010

Ele veio zombar...





Quando se participa nos diálogos entre Maharaj e seus visitantes por algum tempo, fica-se surpreso com a diversidade de perguntas que são feitas – muitas delas terrivelmente ingênuas – e com a espontaneidade e facilidade com as quais as respostas vêm do Mestre. Perguntas e respostas são traduzidas tão acuradamente quanto possível. As respostas de Maharaj em Marathi, que é a única língua que domina, seriam naturalmente baseadas nas palavras do Marathi usadas na tradução da pergunta. Em suas respostas, contudo, Maharaj faz um uso muito hábil das palavras do Marathi empregadas na tradução da pergunta, ou por meio de trocadilhos, ou leves mudanças nas próprias palavras, produzindo interpretações algumas vezes totalmente diferentes de seus significados usuais. A exata significação de tais palavras nunca poderia ser obtida em qualquer tradução.

Maharaj francamente admite que, geralmente, faz uso claro e direto do Marathi com o fim de tornar manifestos o nível mental do interlocutor, sua intenção, e o condicionamento por trás da pergunta. Se o interlocutor toma a sessão como um entretenimento, embora de um tipo superior, Maharaj está pronto para juntar-se à diversão, na ausência de melhor assunto e melhor companhia!

Entre os visitantes, há ocasionalmente um tipo pouco comum de pessoa que tem um intelecto muito penetrante, mas é dotado de um ceticismo devastador. Ele presume que tem uma mente aberta e uma curiosidade intelectual penetrante. Ele quer ser convencido e não meramente enganado por palavras vagas e incertas que os mestres religiosos freqüentemente distribuem em seus discursos.

Maharaj, com certeza, rapidamente reconhece este tipo e, então, a conversa imediatamente assume um tom de mordacidade que o deixa abalado. A percepção intuitiva subjacente às palavras de Maharaj simplesmente varre a crítica metafísica proposta por semelhante intelectual. É de maravilhar-se ver como um homem, o qual não tem nem mesmo o benefício de uma educação adequada, possa mostrar mais talento que vários eruditos pedantes e cépticos agnósticos que se acreditam invulneráveis. As palavras de Maharaj são sempre eletrizantes e brilhantes. Ele nunca cita autoridades das escrituras em Sânscrito ou em qualquer outra língua. Se um dos visitantes citasse um verso do Gita, Maharaj tinha que pedir sua tradução para o Marathi. Sua intuição perceptiva não precisa do apoio das palavras de qualquer outra autoridade. Seus próprios recursos internos são, sem dúvida, ilimitados. O que quer que eu diga, disse Maharaj, sustenta-se por si mesmo, não necessitando nenhum outro apoio.
Um dos visitantes habituais às sessões trouxe com ele um amigo e o apresentou a Maharaj como um homem com um intelecto muito aguçado que não aceitaria nada como verdade absoluta e que questionaria tudo antes de aceitar. Maharaj disse que estava feliz por encontrar tal pessoa. O novo visitante era um professor de Matemática.
Maharaj sugeriu que seria talvez melhor para ambos conversar sem hipóteses de qualquer tipo, diretamente do nível básico. Ele gostaria disto? O visitante deve ter ficado muito surpreendido com esta oferta. Ele disse que estava encantado com a sugestão.

Maharaj: Agora, diga-me, você está sentado diante de mim aqui e agora. O que exatamente pensa que ‘você’ é?

Visitante: Sou um ser humano do sexo masculino, quarenta e nove anos, com certas medidas físicas e certas esperanças e aspirações.

M: Qual sua imagem de si mesmo dez anos atrás? A mesma de agora? E quando você tinha dez anos de idade? E quando você era uma criança? E mesmo antes disto? Sua imagem de si mesmo não mudou o tempo todo?

V: Sim, o que considero como minha identidade mudou todo o tempo.

M: E, no entanto, não há alguma coisa, quando pensa sobre si mesmo – no fundo do coração –, que não mudou?

V: Sim, há, embora eu não possa especificar o que é exatamente.

M: Não seria o simples sentido de ser, o sentido de existir, o sentido de presença? Se você não estivesse consciente, seu corpo existiria para você? Haveria qualquer mundo para você? Teria, então, qualquer pergunta sobre Deus ou o Criador?

V: Isto, certamente, é algo a ponderar. Mas, diga-me, por favor, como você vê a si mesmo?

M: Eu sou este eu sou ou, se preferir, eu sou esse eu sou.

V: Desculpe-me, mas eu não entendi.

M: Quando você diz “eu penso que entendi”, está tudo errado. Quando você diz “eu não entendi”, isto é absolutamente verdadeiro. Deixe-me simplificar: eu sou a presença consciente – não esta pessoa ou aquela, mas Presença Consciente, como tal.

V: Agora, novamente, estou para dizer que penso que entendi! Mas você disse que isto é errado. Você não está tentando confundir-me deliberadamente, está?

M: Ao contrário, estou dizendo para você qual é a posição exata. Objetivamente, eu sou tudo que aparece no espelho da consciência. Absolutamente, eu sou aquilo. Eu sou a consciência na qual o mundo aparece.

V: Infelizmente, não vejo isto. Tudo o que posso ver é o que aparece diante de mim.

M: Você seria capaz de ver o que aparece diante de você se não estivesse consciente? Não. Não é toda existência, portanto, puramente objetiva na medida em que você existe apenas em minha consciência e eu na sua? Não é claro que nossa experiência um do outro está limitada a um ato de cognição na consciência? Em outras palavras, o que nós chamamos nossa existência está meramente na mente de algum outro e, portanto, é apenas conceitual? Pondere sobre isto também.

V: Você está tentando me dizer que todos nós somos meros fenômenos na consciência, fantasmas no mundo? E o que diríamos sobre o próprio mundo? E sobre todos os eventos que acontecem?

M: Pondere sobre o que eu disse. Você pode descobrir alguma falha? O corpo físico, o qual geralmente alguém identifica como a si mesmo, é apenas uma estrutura física para o Prana (a força vital) e para a consciência. Sem o Prana e a consciência, o que seria o corpo físico? Apenas um cadáver! É apenas porque a consciência identificou-se erradamente como sua cobertura física – o aparato psicossomático – que o indivíduo aparece.

V: Agora, você e eu somos indivíduos separados que têm de viver e trabalhar neste mundo junto com milhões de outros, certamente. Como você me vê?

M: Vejo você neste mundo exatamente como você vê a si mesmo em seu sonho. Isto satisfaz você? Em um sonho, enquanto seu corpo está descansando em sua cama, você criou todo um mundo – paralelo ao que você chama mundo “real” – no qual existem pessoas, incluindo você mesmo. Como você se vê no seu sonho? No estado de vigília, o mundo emerge e você é levado para o que eu chamaria um estado de sonho acordado. Enquanto você está sonhando, seu mundo de sonho aparece para você como muito real, sem dúvida, não é assim? Como você sabe que este mundo que você chama ‘real’ não é também um sonho? É um sonho do qual você deve acordar pela visão do falso como falso, do irreal como irreal, do transitório como transitório; ele pode ‘existir’ apenas no espaço e no tempo conceituais. E, então, depois de tal ‘despertar’, você estará na Realidade. Então você verá o mundo como ‘vivente’, como um sonho fenomênico dentro da periferia da percepção sensorial no espaço e tempo, com um aparente livre-arbítrio.
Agora, a respeito do que você chama um indivíduo: Por que você não examina analiticamente este fenômeno com a mente aberta, depois de abandonar todo condicionamento mental existente e todas as idéias preconcebidas? Se você fizer assim, o que você encontrará? O corpo é meramente uma estrutura física para a força vital (Prana) e para a consciência, o qual constitui um tipo de aparato psicossomático; e este ‘individuo’ nada faz a não ser responder ao estimulo externo e produzir imagens e interpretações ilusórias. E, além disto, este ser sensível individual pode ‘existir’ apenas como um objeto na consciência que o reconhece! É apenas uma alucinação.

V: Você quer dizer com isto que você não vê diferença entre um sonho sonhado por mim e minha vida neste mundo?

M: Você já tem bastante para cogitar e meditar. Está certo que deseja prosseguir?

V: Estou acostumado a grandes doses de estudo sério e não tenho dúvidas que você também. De fato, seria mais gratificante para mim se pudéssemos prosseguir e levar isto à sua conclusão lógica.

M: Muito bem. Quando você está em sono profundo, o mundo fenomênico existe para você? Você não poderia, intuitiva e naturalmente, visualizar seu estado primitivo – seu ser original – antes que esta condição corpo-consciência irrompesse sobre você sem ser solicitada, por si mesma? Neste estado, você estaria consciente de sua “existência”? Não, certamente.
A manifestação universal está apenas na consciência, mas o ‘desperto’ tem seu centro de visão no Absoluto. No estado original de puro ser, não consciente de sua qualidade de ser, a consciência surge como uma onda sobre a extensão das águas, e o mundo aparece e desaparece na consciência. As ondas se levantam e caem, mas a expansão das águas permanece. Antes de todos os princípios, de todos os fins, eu sou. O que quer que aconteça, devo estar presente para testemunhar.
Não é que o mundo não ‘exista’. Ele existe, mas meramente como uma aparência na consciência – a totalidade do manifesto conhecido na infinidade do desconhecido, o não manifestado. O que começa deve terminar. O que aparece deve desaparecer. A duração da aparição é um assunto relativo, mas o princípio é que o que quer que seja sujeito ao tempo e à duração deve terminar e é, portanto, não real.
Você não pode perceber imediatamente que neste sonho da vida você ainda está dormindo, que tudo que seja reconhecível está contido nesta fantasia da vida? E que aquele que, enquanto conhecer este mundo objetificado, considerar-se uma ‘entidade’ separada da totalidade que conhece é, em realidade, parte integral deste mesmo mundo hipotético?
Considere também: Nós parecemos estar convencidos de que vivemos uma vida própria, de acordo com nossos próprios desejos, esperanças e ambições, de acordo com nosso próprio plano e objetivo, através de nossos próprios esforços individuais. Mas é realmente assim? Ou estamos sendo sonhados e vividos sem vontade, totalmente como fantoches, exatamente como em um sonho pessoal? Pense! Nunca esqueça que, assim como o mundo existe, embora como uma aparência, as figuras sonhadas também, neste ou naquele sonho, devem ter um conteúdo – elas são o que o sujeito do sonho é. É por isto que digo: Relativamente ‘Eu’ não sou, mas eu mesmo sou o universo manifesto.

V: Penso que começo a entender toda a idéia.

M: Não é o pensamento de si mesmo uma noção na mente? O pensamento está ausente quando se vê as coisas intuitivamente. Quando você pensar que entendeu, você não entendeu. Quando perceber diretamente, não há nenhum pensamento. Você sabe que está vivo; você não ‘pensa’ que você está vivo.

V: Céus! Isto parece ser uma nova dimensão que você está apresentando.

M: Bem, nada sei sobre uma nova dimensão, mas você se expressou bem. De fato, poderia ser dito que tal dimensão adquire uma nova direção de medida – um centro novo de visão – na medida em que, evitando os pensamentos e percebendo diretamente as coisas, evita-se a concepção. Em outras palavras, vendo com a mente total, intuitivamente, o observador aparente desaparece, e a visão torna-se o visto.

O visitante então se levantou e prestou seus respeitos a Maharaj com muito maior devoção e submissão do que a que havia mostrado na chegada. Ele olhou para dentro dos olhos de Maharaj e sorriu. Quando Maharaj perguntou por que sorria, disse que havia lembrado de um provérbio Inglês: “Eles vieram para zombar e permaneceram para orar”.


Do livro: Sinais do Absoluto


Fonte: Blog da Editora Advaita