terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O planeta não está em perigo. Nós é que estamos

Vaclav Havel
Em Praga

Nos últimos anos pergunta-se de forma cada vez mais enérgica se as mudanças climáticas globais ocorrem ou não segundo ciclos naturais; até que ponto nós, humanos, contribuímos para tais mudanças; que perigos são provocados por estas e o que pode ser feito para preveni-las.


Estudos científicos demonstram que quaisquer alterações na temperatura e nos ciclos de energia em escala global poderiam significar uma ameaça generalizada para todas as pessoas em todos os continentes.


Também é óbvio, com base nas pesquisas publicadas, que a atividade humana é uma causa de mudança; só que não sabemos qual o tamanho da contribuição específica desta atividade. Mas, é realmente necessário conhecer o tamanho desta relação de causa e efeito com uma precisão que chegue ao último ponto percentual? Ao aguardar por uma precisão incontestável, não estaríamos apenas perdendo tempo, quando poderíamos estar tomando medidas que são relativamente indolores quando comparadas àquelas que teríamos que adotar após mais postergações?


Talvez devêssemos começar a enxergar a nossa estada temporária na Terra como um empréstimo. Não pode haver dúvida de que nas últimas centenas de anos, pelo menos, o mundo euro-americano tem acumulado uma dívida, e que agora outras partes do planeta estão seguindo esse exemplo.


Agora a natureza está fazendo advertências e exigindo que nós não só contenhamos o crescimento da dívida, mas também comecemos a pagá-la. Não há muito sentido em questionar se contraímos um empréstimo excessivo, ou perguntar o que aconteceria se adiássemos o pagamento. Qualquer pessoa que tenha uma hipoteca ou uma dívida bancária pode facilmente imaginar a resposta.


Os efeitos das possíveis alterações climáticas são difíceis de se estimar. O nosso planeta nunca esteve em um patamar de equilíbrio do qual pudesse se afastar devido a determinada influência, humana ou não, para depois, no momento apropriado, retornar ao seu estado original.


O clima não é como uma espécie de pêndulo que retornará à sua posição original após um certo período. Ele evoluiu de maneira turbulenta no decorrer de bilhões de anos rumo a um complexo gigantesco de redes, e de redes no interior de outras redes, nas quais tudo está interligado de diversas formas.


As suas estruturas jamais retornarão precisamente ao estado em que se encontravam há 50 ou 5.000 anos. Elas só sofrerão alteração para um novo estado, que, contanto que a mudança seja reduzida, não implicará necessariamente em qualquer ameaça à vida.


Porém, mudanças de grande magnitude poderiam ter efeitos imprevisíveis no interior do ecossistema global. Em tal caso, teríamos que nos perguntar se a vida humana seria possível. Como ainda prevalece tanta incerteza, é necessária uma grande dose de humildade e circunspecção.


Não podemos iludir a nós mesmos indefinidamente, afirmando que nada está errado e que podemos manter alegremente os nossos estilos de vida consumistas, ignorando as ameaças climáticas e adiando uma solução. Talvez não haja nenhum perigo relativo a qualquer grande catástrofe nos próximos anos ou décadas. Quem sabe? Mas isso não nos desobriga da responsabilidade com relação às gerações futuras.


Não concordo com aqueles cuja reação às possíveis ameaças é alertar contra as restrições às liberdades civis. Caso as previsões de alguns climatologistas se confirmem, as nossas liberdades serão equivalentes àquelas de alguém dependurado no parapeito no vigésimo andar de um edifício.


Vivemos em um mundo conectado em uma única civilização global que abrange diversas áreas civilizacionais. Nos dias de hoje a maioria delas tem uma coisa em comum: a tecnocracia. Prioriza-se tudo que seja calculável, quantificável ou avaliável. Entretanto, este é um conceito bastante materialista, que nos está empurrando em direção a encruzilhadas importantes para a nossa civilização.


Toda vez que reflito sobre os problemas do mundo de hoje, quer estes digam respeito à economia, à sociedade, à cultura, à segurança, à ecologia ou à civilização em geral, sempre acabo me confrontando com a questão moral: que ação é responsável ou aceitável? A ordem moral, a nossa consciência e os direitos humanos - essas são as questões mais importantes no início do terceiro milênio.


Precisamos retornar repetidas vezes às raízes da existência humana e refletir sobre as nossas perspectivas nos séculos vindouros. Temos que analisar tudo com a mente aberta, moderadamente, de uma forma que não seja ideológica e obsessiva, e traduzir o nosso conhecimento em políticas práticas.


Talvez não se trate mais de uma questão de simplesmente implementar tecnologias para economizar energia, mas preponderantemente de introduzir tecnologias ecologicamente limpas, de diversificar os recursos e de não depender de uma única invenção como panacéia.


Também sou cético quanto à possibilidade de que um problema tão complexo quanto a mudança climática possa ser resolvido por um único ramo da ciência. Medidas e regulamentações tecnológicas são importantes, mas igualmente importante é o apoio à educação, ao treinamento ecológico e à ética - uma consciência da semelhança de todos os seres vivos e uma ênfase no compartilhamento de responsabilidades.


Ou atingiremos uma consciência em relação ao nosso lugar no organismo vivo e provedor de vida do nosso planeta, ou correremos o risco de ver a nossa jornada evolucionária retroceder milhares ou até mesmo milhões de anos. É por isso que entendemos essas questão como muito importante, e como um desafio para que nos comportemos responsavelmente e não como arautos do fim do mundo.


O fim do mundo foi antecipado diversas vezes no curso da história e, é claro, nunca chegou. E também não chegará desta vez. Não devemos temer pelo nosso planeta. Ele estava aqui antes de nós, e muito provavelmente continuará aqui depois dos seres humanos. Mas isso não significa que a raça humana não esteja correndo sério risco.


Como resultado dos nossos esforços empreendedores e da nossa irresponsabilidade, o nosso sistema climático pode não deixar um espaço para nós. Se adiarmos as ações, a margem para a tomada de decisões - e, conseqüentemente, para a nossa liberdade individual - poderá ficar bastante reduzida.

* Vaclav Havel é ex-presidente da República Tcheca. Traduzido do tcheco por Gerald Turner.

Nenhum comentário: