sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Michel Onfray, o filósofo francês que desafia os círculos acadêmicos





Desconforme com o modelo educativo tradicional, Onfray criou uma Universidade onde não se fazem exames nem se conferem títulos. Seus textos combinam a filosofia com gastronomia, religião, anarquismo e a busca do prazer.


Segue artigo de Héctor Pavón publicado no jornal argentino Clarín, 11-02-2008.


A tradução é do Cepat.

Há uma Universidade na cidade de Caen, França, onde um filósofo chamado Michel Onfray dá aulas para auditórios lotados de ouvintes. Não são alunos tradicionais, são pessoas que vão à universidade para aprender sem buscar títulos, mas saberes finamente selecionados. É esse o espírito que rege a escritura deste pensador que se mantém afastado dos círculos acadêmicos que costuma defenestrar. Produz textos livres que combinam filosofia com gastronomia, religião, anarquismo, história e a busca do prazer, entre outras disciplinas e ocorrências.

Muitos desses livros (escreveu mais de quarenta) foram editados aqui [Argentina] ou importados e são lidos apaixonadamente. Somente em 2007 foram editados quatro: La filosofía feroz (Libros del Zorzal); La potencia de existir. Manifiesto hedonista (De la Flor); El cristianismo hedonista. Contrahistoria de la filosofía II e Las sabidurías de la antigüedad (Anagrama). Há um crescente interesse por seu pensamento e por sua atitude antiintelectual que seduz e multiplica leitores argentinos.

Alguns de seus livros começaram a circular nos anos 90: A razão gulosa e O ventre dos filósofos [No Brasil, ambos são editados pela Rocco], por exemplo. Esse modo de analisar a partir da filosofia os hábitos culinários chamou a atenção, e seu nome começou a circular nas livrarias, faculdades e círculos de discussão filosófica fora das universidades. Depois se conheceu um livro bem divertido sobre a vida dos filósofos cínicos e de Diógenes em particular, Cinismos. O ateísmo e o hedonismo são os temas que ocupam seu pensamento desde sempre.

O livro Tratado de Ateologia [Martins Fontes, 2007] vendeu 200 mil exemplares só na França e também provocou reações ásperas por parte de grupos religiosos. Foram publicados três livros que tentaram rebater seus postulados e também foi aberto um blog intitulado “Contra Michel Onfray”. Ali fazem fila intelectuais e crentes em geral para “pegar” Onfray. No blog se pode ler: “Michel Onfray, nascido em 1959 (depois de JC) pretende desencaixar tudo. Inspirado nas correntes de idéias marxistas e nietzscheanas, prega a descristianização. Suas propostas são virulentas, cultiva o desprezo, propaga idéias caluniosas e blasfemas”. Também se poderia dizer que se encarregou de historiar o prazer ou sua carência. O seu caminho também fustiga o cristianismo e ao mesmo tempo resgata, em El cristianismo hedonista, santos heréticos e sábios licenciosos cristãos que participaram de banquetes sexuais.

Onfray teve uma infância muito dura, sem família. Graças à filosofia se refez de um duro começo: “A filosofia me permitiu sobreviver à tragédia que foi para mim ser enviado a um orfanato por meus próprios pais quando eu tinha dez anos. Os livros, a leitura me salvaram nesse momento e depois me garantiram a salvação novamente na minha adolescência, quando a filosofia funcionou em mim como o sentido, a verdade, a certeza, a razão que ninguém me havia transmitido: creio que a filosofia é uma terapia, o que séculos de filosofia mostraram, sempre que não foram cristãos...”, diz desde Argentan, sua cidade natal.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

MAHAMUDRA IV



Kalu Rinpoche*



A prática do Mahamudra em si é extremamente simples e fácil. Não há visualizações ou exercícios complicados. Não há nada a fazer. Basta deixar a mente em seu estado natural, como ele é, como ele vier, sem fabricação. É extremamente simples. Na tradição do relicário do Mahamudra, é dito que o Mahamudra é:

Muito próximo para ser reconhecido,
Muito profundo para ser agarrado,
Muito fácil para se acreditar,
Muito maravilhoso para ser entendido intelectualmente.

Esses são os quatro obstáculos que impedem o seu reconhecimento. Gampopa disse:

A água calma é clara;
A mente livre de tensão é feliz.

Assim como este verso mostra, deixamos a mente livre e relaxada, completamente solta, sem forçá-la de nenhum modo. Então, surgirá um estado de bem-estar; quando a mente não é forçada, ela fica naturalmente pacífica e clara. Neste estado, a mente não se fixa sobre qualquer ponto de referência externo ou interno; ao invés disso, ela permanece livre de toda fixação, mas não controlada. Também não há qualquer determinação da mente como vazia, lúcida ou qualquer outra coisa, nem mesmo qualquer observação, porque considerá-la como qualquer coisa — até mesmo como vazia — seria mais uma outra percepção que tomariam a mente, a vacuidade ou a lucidez como pontos de referência.

Mas o objetivo não é o de parar a visão porque a atenção vigilante e a claridade não devem ser interrompidos. É necessário manter a visão clara. A visão não requer esforço especial quando há luz; do mesmo modo, a mente clara não se dispersa nem afunda na escuridão ou nebulosidade. A mente permanece translúcida, transparente, lúcida, desapegada. Do mesmo modo que o céu é claro e aberto, assim é a mente deixada em seu estado natural. Medite deixando a mente em um estado de presença total, sem olhar para o passado ou projetar para o futuro, sem pensar "Eu fiz isto ou aquilo, eu farei isto ou aquilo"; deixe a mente apenas ser vigilante, bem simples, sem forçá-la, sem mudar qualquer coisa, dentro da "agoridade" espontânea ou mente do imediato. Se a mente realmente permanecer "como ela vier de si, como ela é em si", isto é o que chamamos de mente natural, rangbab em tibetano. Isto também é o que chamamos de mente ordinária — thamel gyi shepa em tibetano, ou "mente do imediato", datarwe shepa. Quando realizada, esta é mente do Mahamudra.

Os Três Pontos Chave

A prática do Mahamudra pode ser dividida em três pontos essenciais: ausência de fabricação, ausência de distração e ausência de meditação. Primeiro, a ausência de fabricação ou constrangimento. Deixamos a mente como ela é, sem alterá-la através de qualquer intervenção ou qualquer fabricação. Não tentamos produzir qualquer coisa ou melhorar nosso estado de mente presente.

Em seguida, a ausência de distrações. O primeiro tipo de distração ocorre quando a mente é distraída da mente ordinária natural (rangbab, thamel gyi shepa), começando a agarrar uma forma, um som, um pensamento ou qualquer outra coisa. Ausência de distração significa ausência de fixação. Um segundo tipo de distração surge quando a mente perde sua vigilância, sua claridade lúcida. O terceiro é a ausência de meditação, que significa que não há mais qualquer meditação a se fazer. Apenas deixamos a mente em seu estado natural, sem tensão, deixando-a ser a mente ordinária.

Os Três Corpos da Mente

A mente natural, rangbab, tem uma qualidade de transparência natural na qual seus três aspectos naturais existem espontaneamente: vacuidade, claridade e não-impedimento. A transparência da mente é a sua vacuidade essencial; seu conhecimento e sua natureza luminosa são sua claridade; e os aspectos de sua experiência iluminada são o seu não-impedimento. Quando a mente está neste estado de transparência límpida, aberta e lúcida, ela está completamente desperta em um estado de consciência nua — rigtong em tibetano. É o estado desperto prístino — rigpa em tibetano; desimpedida, experiencianda em si mesma suas manifestações ilimitadas em todos os seus aspetos. Este estado desperto vazio, claro e ilimitado não está muito distante de nós. É a nossa face natural; mas assim como a nossa própria face, ela não pode perceber a si mesma. Isto é o que chamamos de ignorância, ou marigpa em tibetano, que é simplesmente a ausência do estado desperto nu ou rigpa. A fim de ir além da ignorância, precisamos ver sua natureza vazia sem conceitualizar; então, devemos acostumar a mente a esta experiência e estabilizá-la gradualmente a fim de que permaneça livre da distração sob todas as circunstâncias. É assim que a prática progride. Mas lembre-se que estas qualidades essenciais da mente não são uma coisa que precisemos tentar reproduzir; elas são a própria natureza da mente e temos apensar de reconhecê-las.

A mente, sendo naturalmente vazia, é para sempre o dharmakaya, o corpo de vacuidade ou corpo absoluto do Buddha. Sendo naturalmente lúcida, é sempre o sambhogakaya, o corpo da alegria completa do Buddha. E já que é um conhecimento naturalmente ilimitado, ela é para sempre o nirmanakaya, o corpo de manifestação do Buddha. Então, a mente é sempre, por natureza, os três corpos do Buddha, natural e espontaneamente livres. Nada poderia ser feito para melhorar sua perfeição. A realização do Mahamudra é chamada de estado desperto primordial inato porque os três aspectos da natureza essencial da mente — vacuidade, claridade e não-obstrução ou não-impedimento — sempre existem nela; são inatos.

Kalu Rinpoche


Integração e Transmutação dos Pensamentos e Emoções

Quando estamos apenas começando a praticar, nossa mente borbulha e efervesce como uma panela de água fervente sobre o fogo. A prática do rangbab nos ensina a parar de interferir com pensamentos e emoções, o que é como cessar de alimentar o fogo; então o borbulhamento parará por si próprio. Como iniciantes, não podemos permanecer por muito tempo em um estado de meditação correta — somos distraídos por pensamentos e emoções aos quais nos fixamos e nos apegamos. Aprendemos, porém, a não segui-los — simplesmente notando a presença de um pensamento, não o seguimos, mas ao invés disso permanecemos em alerta, em um estado de "observação desapegada" de tudo o que apareça na mente. Deixamos a mente como ela é, para reconhecer o que está acontecendo dentro dela, e não interferimos.

"Simplesmente ver", conforme descrevemos, é o estado do observador desapegado. Quando permanecemos neste estado de vigilância não-investida, como uma testemunha imparcial, os pensamentos e paixões surgem e desaparecem na vacuidade assim como as ondas surgindo e caindo de volta no mar, ou como um arco-íris que ilumina e que se estica através do espaço. Neste estado de mente, todos os pensamentos e emoções que surgem não são mais benéficos ou prejudiciais. Se pudermos praticar deste modo, o que quer que surja em nossa mente não será um problema e seremos capazes de viver em um estado de meditação contínua em todas as circunstâncias. Permanecer em meditação durante tudo o que fizermos — seja rezando, recitando mantras ou se movendo por aí, trabalhando ou dormindo — é o que chamamos de prática contínua. Todos os mestres realizados do passado seguiram este mesmo caminho. Na verdadeira realização do Mahamudra, as aflições adornam a mente ao invés de perturbá-la ou contaminá-la. As tendências negativas não são mais uma coisa a rejeitar; elas se transmutam em estado desperto primordial.

Tome como exemplo o desejo entre homens e mulheres; é uma tendência passional, mas sua natureza é o êxtase. Sem fugir ou seguir o impulso do desejo, é possível experienciar sua natureza extática que é definitivamente "êxtase-vazio". O mesmo é verdadeiro para a raiva. Aqui novamente, sem expressar ou reprimir a raiva, é possível experienciar sua essência — a claridade dinâmica da mente — e desenvolver a realização da "claridade-vazio". O que é verdadeiro para o desejo e para a raiva também é verdadeiro para o orgulho, para a inveja e para as outras aflições mentais, que se tornam transformadas através da mesma meditação. O desejo reconhecido como êxtase-vazio é transmutado no estado desperto ou sabedoria do discernimento; a raiva experienciada em sua essência é transmutada na sabedoria que é como um espelho; a ignorância na sabedoria primordial do dharmadhatu; o orgulho na sabedoria da equanimidade; e a inveja na sabedoria primordial que tudo realiza.

Já que ainda não realizamos estas sabedorias primordiais, podemos duvidar da possibilidade dessa transformação. Mas através da prática efetiva, um conhecimento profundo da natureza da mente de fato despertará. Então, entenderemos que isto realmente é assim. Quando a transformação das emoções for totalmente completada, as paixões não serão mais um obstáculo. Elas até mesmo se tornarão uma ajuda. Uma imagem tradicional é a de que elas se tornam como lenha para a fogueira da sabedoria; quanto mais você adiciona, mais brilhante é a chama.

*Kalu Rinpoche. Luminous mind: the way of the Buddha. Compilado por Denis Töndrup,
traduzido por Maria Montenegro, prefácio de S.S. o Dalai Lama.

Boston: Wisdom, 1997. Pág. 233-237.




terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Milarepa


Reconheça a natureza inata da mente;
Não busque satisfação no samsara.
Obtenho todo meu conhecimento da observação da mente --
Assim, todos meus pensamentos se tornam ensinamentos do Dharma,
e os fenômenos que surgem são todos os livros de que se precisa
Reconhecer a face inata da mente é o supremo,
Como poderia se comparar à meditação comum?
Aquele que realiza a natureza de sua própria mente sabe
Que a mente é ela mesma sabedoria,
E não comete mais o erro de buscar o Buda em outro lugar.
De fato, o Buda não pode ser encontrado pela busca,
assim, contemple sua própria mente.
Este é o ensinamento mais elevado que se pode praticar;
Esta mente aí é o Tathagatagarbha, a natureza de
Buda, o ventre dos Budas.



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Turner, Benjamin e Antropologia da Performance: O lugar olhado (e ouvido) das coisas (1)




John C. Dawsey
USP


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RESUMO



Um exercício aqui se propõe: repensar o lugar olhado das coisas na antropologia da performance. Isso, a partir de uma audição dos ruídos. O texto se desenvolve tal como um rito de passagem, em três momentos. Iniciamos com um rito de separação, saindo de um lugar (supostamente) familiar: os estudos de Victor Turner sobre ritos e dramas sociais. O movimento nos leva em direção a um lugar menos conhecido, onde nos deparamos, tal como num rito de transição, com os textos de Turner sobre a antropologia da performance e da experiência. Num terceiro momento, ao invés de fazermos um regresso, tal como num rito de reagregação, vamos às margens das margens. No límen da escritura de Turner, com as atenções voltadas aos ruídos, nos vemos em companhia (estranhamente familiar) de Walter Benjamin. Uma premissa se apresenta: os lugares onde um texto se desmancha podem ser os mais fecundos.



PALAVRAS-CHAVE: antropologia da performance, antropologia da experiência, teatro, ritual, ruído.



Turner, Benjamin and the Anthropology of Performance: the place from where things are seen (and heard)



ABSTRACT



In the following exercise an attempt is made to rethink the place from which things are seen in the anthropology of performance. This involves ability for hearing noise. The paper unfolds as a sort of rite of passage. One begins with a separation rite, in a supposedly familiar place: Victor Turner’s studies of rites and dramas. Then one journeys into possibly less familiar places, such as in a rite of transition, so as to discuss Turner’s studies in the anthropology of experience and performance. Finally, instead of enacting a rite of incorporation, movement is made towards the margins, or, better, margins of margins. In liminal areas of Turner’s writings, attuned to noises, we find ourselves in the (strangely familiar) company of Walter Benjamin. Perhaps some of the places where texts seem to be coming apart may be the most fertile.


KEY WORDS: anthropology of performance, anthropology of experience, theater, ritual, noise.

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Um dos momentos mais expressivos para se pensar o surgimento da antropologia da performance ocorre nos anos de 1960 e 1970, quando Richard Schechner, um diretor de teatro virando antropólogo, faz a sua aprendizagem antropológica com Victor Turner, um antropólogo que, na sua relação com Schechner, torna-se aprendiz do teatro. Creio que esse encontro seja particularmente propício para se discutir o tema que se enuncia em subtítulo desta mesa: “abordagens teóricas num campo emergente no Brasil”2. Evocando-se a etimologia da palavra teoria, que, assim como a de teatro, nos remete ao “ato de ver” (do grego thea), o empreendimento teórico sugere algo que poderíamos chamar, tal como Roland Barthes (1990:85) chamou o teatro, de um “cálculo do lugar olhado das coisas”. Daí, o exercício que aqui se propõe: repensar o lugar olhado das coisas na antropologia da performance. Isso, a partir de uma audição dos ruídos.
À primeira vista, ao passo que se detecta na obra de Turner um percurso que vai do ritual ao teatro, na de Schechner emerge um movimento contrário, do teatro ao ritual. Na configuração de movimentos contrários e complementares irrompe um dos momentos originários da antropologia da performance. A seguir, pretendo me deter no percurso de Turner.

Victor Turner


Convido os leitores (ou ouvintes) a se imaginar, tal como me imagino, em meio a uma espécie de rito de passagem. Iniciamos com um rito de separação, saindo de um lugar (supostamente) familiar: os estudos de Turner sobre ritos e dramas sociais. O movimento nos leva em direção a um lugar menos conhecido, onde nos deparamos, tal como num rito de transição, com um conjunto de escritos ainda não traduzidos de Turner. Nessa experiência de tomb and womb3, de natureza exploratória e não-resolvida – no límen de sua obra –, entra-se em contato com alguns dos textos uterinos da antropologia da performance e da experiência. Um detalhe: a noção de drama social reaparece nesse límen sugerindo a possibilidade do terceiro momento de um rito de passagem, o regresso – num rito de reagregação – ao lugar (estranhamente) familiar. Porém, ao invés de fazermos esse regresso talvez seja mais interessante explorar o límen da escritura de Turner. Aproveitando o impulso de um movimento que nos leva às margens, vamos, então, às margens das margens. Ali, alguns dos ruídos suscitados por textos de Victor Turner podem evocar o pensamento de Walter Benjamin.
Uma premissa se apresenta: campos emergentes freqüentemente surgem como manuscritos desbotados. A metáfora de Clifford Geertz é sugestiva. O campo da antropologia da performance pode ser lido como “um manuscrito estranho e desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos” (Geertz 1978:20). Mas, uma das intuições de Turner também pode sugerir uma premissa complementar: os lugares onde um texto se desmancha podem ser os mais fecundos.


PRIMEIRO MOMENTO: DO TEATRO AO RITUAL



Nesse primeiro momento do nosso rito de passagem saímos de um lugar supostamente familiar. Deixamos o “velho” – na verdade, jovem – Turner. Nesse lugar, que se configura no redemoinho dos anos cinqüenta, encontramos algumas de suas idéias originárias. O percurso de Turner pode sugerir um esquema evolucionista, do ritual ao teatro. Mas, nos anos de formação de Turner também evidencia-se um movimento contrário, do teatro ao ritual. No princípio, o teatro. Victor Turner, filho de Violet Witter – uma das fundadoras do Teatro Nacional Escocês – toma interesse pelo estudo de rituais. Além disso, inspirando-se numa estética da tragédia grega, ele elabora um conceito de drama social. O modelo de ritos de passagem de Arnold Van Gennep, pressupondo três momentos, desdobra-se no conhecido modelo de drama social de Turner em quatro: ruptura, crise e intensificação da crise, ação reparadora e desfecho.
Victor Turner produz um desvio metodológico no campo da antropologia social britânica. A sua sacada foi ver como as próprias sociedades sacaneiam-se a si mesmas, brincando com o perigo, e suscitando efeitos de paralisia em relação ao fluxo da vida cotidiana. Às margens, no límen, se produzem efeitos de estranhamento. Desloca-se o lugar olhado das coisas. Gera-se conhecimento. O antropólogo procura acompanhar os movimentos surpreendentes da vida social. Turner se interessa por momentos de suspensão de papéis, ou interrupção do teatro da vida cotidiana. Em instantes como esses – de communitas – as pessoas podem ver-se frente a frente como membros de um mesmo tecido social. Daí, a importância dos dramas sociais, e dos rituais que os suscitam (através de rupturas socialmente instituídas) ou deles emergem (como expressões de uma ação reparadora). No espelho mágico dos rituais, onde elementos do cotidiano se reconfiguram, recriam-se universos sociais e simbólicos.4



SEGUNDO MOMENTO: DO RITUAL AO TEATRO



A seguir, o segundo momento de nosso rito de passagem. Aqui nos deparamos com um conjunto de textos exploratórios, pouco traduzidos, onde se encontram esboços de uma antropologia da performance e da experiência. São esses possivelmente os escritos menos conhecidos de Turner. Duas possíveis leituras desse momento na obra do autor se sugerem, ambas características de um rito de transição. Por um lado, a diminuição de vitalidade do pesquisador (a experiência de tomb): o distanciamento em relação ao trabalho etnográfico. Por outro, um renascimento (womb): Turner se permite correr novos riscos. Questiona-se. Interesses que se alojam em substratos de sua experiência afloram. Ganham força. Daí, a passagem do ritual ao teatro. E o encontro de Turner com Richard Schechner. Há indícios dessa inflexão na antropologia de Turner no prefácio de Dramas, Fields and Metaphors (Dramas, Campos e Metáforas), publicado em 1974, onde se discute a noção do “liminóide”. Mas, os seus desdobramentos mais expressivos, onde se configuram a antropologia da performance e da experiência, aparecem nos anos de 1980, com a publicação de From Ritual do Theatre: the human seriousness of play (Do Ritual ao Teatro: a seriedade humana da brincadeira), em 1982, e de dois textos póstumos: The Anthropology of Performance (A Antropologia da Performance), em 1987, e “Dewey, Dilthey and Drama: an essay in the anthropology of experience” (“Dewey, Dilthey e Drama: um ensaio em antropologia da experiência”), em 1986. Evidencia-se nesses trabalhos uma premissa de fundo: a antropologia da performance é uma parte essencial da antropologia da experiência (Turner 1982:13). Através do processo de performance, o contido ou suprimido revela-se – Wilhelm Dilthey usa o termo Ausdruck, de ausdrucken, “espremer”. Citando Dilthey, Turner descreve cinco “momentos” que constituem a estrutura processual de cada Erlebnis, ou experiência vivida: 1) algo acontece ao nível da percepção (sendo que a dor ou o prazer podem ser sentidos de forma mais intensa do que comportamentos repetitivos ou de rotina); 2) imagens de experiências do passado são evocadas e delineadas – de forma aguda; 3) emoções associadas aos eventos do passado são revividas; 4) o passado articula-se ao presente numa “relação musical” (conforme a analogia de Dilthey), tornando possível a descoberta e construção de significado; e 5) a experiência se completa através de uma forma de “expressão”. Performance – termo que deriva do francês antigo parfournir, “completar” ou “realizar inteiramente” – refere-se, justamente, ao momento da expressão. A performance completa uma experiência (Turner 1982:13-14).

Wilhelm Dilthey


A figura de Dilthey aqui lampeja como uma espécie de espírito ancestral. Tal como num rito de cura, Turner nela encontra formas de lidar com a crise de nossa época: a dificuldade de significar o mundo. A seguir, alguns comentários pontuais a respeito das três publicações acima citadas.
From Ritual do Theatre: the human seriousness of play (1982).

No primeiro capítulo, intitulado “Liminal to liminoid, in play, flow, ritual: an essay in comparative symbology” (“Liminar ao liminóide, em brincadeira, fluxo, ritual: um ensaio em simbologia comparada”), delineiam-se as idéias de Turner a respeito do impacto da Revolução Industrial sobre os gêneros de ação simbólica. Sociedades industrializadas produzem em relação aos processos de significar o mundo uma espécie de revolução copernicana. Provoca-se o descentramento e a fragmentação da atividade de recriação de universos simbólicos. Esferas do trabalho ganham autonomia. Como instância complementar ao trabalho, surge a esfera do lazer – que não deixa de se constituir como um setor do mercado. Processos liminares de produção simbólica perdem poder na medida em que, simultaneamente, geram e cedem espaço a múltiplos gêneros de entretenimento. As formas de expressão simbólica se dispersam, num movimento de diáspora, acompanhando a fragmentação das relações sociais. Trata-se de um sparagmos, ou desmembramento. O espelho mágico dos rituais se parte. Em lugar de um espelhão mágico, poderíamos dizer, surge uma multiplicidade de fragmentos e estilhaços de espelhos, com efeitos caleidoscópicos, produzindo uma imensa variedade de cambiantes, irrequietas e luminosas imagens.
Nos substratos das novas formas de ação simbólica Turner descobre fontes do poder liminar. Em relação às formas liminares, as liminóides evidenciam duas características: 1) elas ocorrem às margens dos processos centrais de produção social (nesse sentido elas são menos “sérias”); e 2) elas podem ser mais criativas (e, até mesmo, subversivas).


“Dewey, Dilthey and Drama: an essay in the anthropology of experience” (1986).

Intriga-me ver como a metanarrativa desse ensaio de Turner ilumina uma forma dramática. O período histórico que se inicia com a revolução industrial aparece, nos substratos do texto, como drama social. Algumas das idéias encontradas em From Ritual to Theatre retornam. A Revolução Industrial sinaliza um momento de “ruptura”. A dificuldade liminóide de significar o mundo evidencia a “crise e intensificação da crise”. Uma “ação reparadora” se enuncia no próprio título do texto: “Dewey” e “Dilthey” – autores que iluminam a categoria da experiência – e “drama social”, conceito elaborado por Turner nos anos de 1950, e que aqui serve para evocar as fontes de poder liminar. Nesse contexto, onde se discute a categoria de experiência vivida (Erlebnis) de Dewey e Dilthey, essa ênfase no drama social chama atenção. Haveria em Turner a nostalgia por uma experiência que se expressa melhor na noção de Erfahrung do que na de Erlebnis? Ou seja, haveria nesse autor uma nostalgia por uma experiência coletiva, vivida em comum, passada de geração em geração, e capaz de recriar um universo social e simbólico pleno de significado? O “desfecho” do artigo vem ao estilo do “velho” (jovem) Turner: o teatro e outros gêneros liminóides de performance podem suscitar experiências de communitas. O autor escreve: “Um senso de harmonia com o universo se evidencia e o planeta inteiro é sentido como uma communitas” (Turner 1986:43).
Mas, talvez o que chame mais atenção seja um ruído que ocorre pouco antes desse desfecho. Turner comenta que o ritual e as artes performativas derivam do cerne (“coração”) liminar do drama social – até mesmo, como acontece freqüentemente em “culturas declinantes”, onde “o significado é de que não há significado” (Ibid: 43). No âmbito de uma experiência capaz de recriar universos sociais plenos de significado, lampeja uma visão de terra arrasada. As culturas do período posterior à Revolução Industrial se apresentam como “declinantes”. O significado anula-se a si mesmo, sinalizando a sua própria ausência. A contrapelo de um desfecho otimista, e do entusiasmo do autor, se produz um ruído com efeitos de interrupção no fluxo da narrativa. Não seria esse ruído uma expressão da cautela de Turner em relação às experiências de communitas em “culturas declinantes”?


The Anthropology of Performance (1987).

Em um capítulo que leva o mesmo título da coletânea, Turner evoca uma distinção feita por Chomsky entre “competência” e “performance” (Turner 1987a:76). “Competência”, nesse contexto, se refere ao domínio sobre as regras subjacentes a uma língua: a sua gramática. A citação – que aqui surge possivelmente como uma des-leitura (criativa) em meio a uma polêmica com o estruturalismo – serve para ressaltar uma característica que Turner associa aos estudos de performance: a atenção aos elementos estruturalmente arredios. Tais estudos se interessam por agramaticalidades, atos falhos, elipses, hesitações, incoerências, erros e ruídos. Uma questão se coloca: o que dizer do ruído do próprio Turner que encontramos em “Dewey, Dilthey and Drama...”?




TERCEIRO MOMENTO: ÀS MARGENS DAS MARGENS (COM BENJAMIN)



Chegamos ao terceiro momento de nosso rito de passagem. Seria o momento do rito de reagregação, ou retorno a um lugar (estranhamente) familiar. Nos escritos de Turner esse movimento parece se sugerir através de um retorno constante da noção de drama social nas discussões. Aqui, porém, para fins de dizer algo sobre o ruído de Turner tomamos outro rumo. Isso, tendo em mente uma característica do mesmo autor: a sua atenção, como vimos, aos elementos estruturalmente arredios. E o olhar que vem das margens. Vamos, então, às margens das margens.
Ao se fazer esse deslocamento, talvez nos vejamos em companhia estranha (ou, de novo, estranhamente familiar). Chama atenção, nesse límen do límen, um conjunto de afinidades entre a antropologia de Victor Turner e o pensamento de Walter Benjamin.5 Menciono três. 1) Ambos os autores fazem uma espécie de arqueologia da experiência. Ao explorar os substratos de culturas contemporâneas, Turner encontra a experiência liminar. Benjamin se depara com a grande tradição narrativa, onde se forma uma experiência coletiva – Erfahrung (“do radical fahr – usado ainda no antigo alemão no seu sentido literal de percorrer, de atravessar uma região durante uma viagem”) (cf. Gagnebin 1994:66). 2) Turner discute o enfraquecimento da experiência liminar, ou, como se pode inferir, o estilhaçamento do “espelho mágico” do ritual. Benjamin discute o declínio da grande tradição narrativa e, no estilhaçamento da tradição, o empobrecimento da experiência. 3) Nos novos gêneros de ação simbólica Turner descobre fontes do poder liminar. Nas novas formas narrativas Benjamin encontra indícios da grande tradição narrativa: o seu não-acabamento essencial e abertura às múltiplas possibilidades. Uma experiência com o passado, de onde irrompem esperanças ainda não realizadas, abre-se a partir da atenção aos ruídos.
O pensamento benjaminiano emerge possivelmente como um bom guia para explorar os ruídos de Turner. Isso, pelo modo como nele se reforçam algumas das desconfianças do próprio Turner em relação aos desfechos harmonizantes, e às manifestações efusivas de communitas na experiência contemporânea. Tais desfechos, com seus efeitos de esquecimento, não correriam o risco de suprimir os ruídos?
Uma audição dos ruídos não deixa de sugerir alguns desdobramentos. Uma “descrição densa” possivelmente adquire as qualidades de uma descrição tensa.6 Nas histórias que balineses e outros narradores contam para si sobre eles mesmos, ouvem-se os ruídos de elementos suprimidos. Lampejam imagens de uma memória involuntária (Benjamin 1995:106). E, depara-se, talvez, com um dos “segredos do bricoleur: os restos e as sobras de estruturas simbólicas que lhe são mais preciosas permanecem às margens de sua obra, escondidos nas dobras da cultura, em testemunho do inacabamento de suas ‘soluções’, configurando um acervo de coisas boas para fazer pensar”.7


REPENSANDO O LUGAR OLHADO (E OUVIDO) DAS COISAS NA ANTROPOLOGIA DA PERFORMANCE



A partir dos ruídos de um campo emergente, alguns deslocamentos do lugar olhado (e ouvido) das coisas podem se sugerir. Isso, tendo-se em vista a intuição auditiva de Victor Turner: as esperanças de uma formação cultural podem se encontrar nos ruídos. Algumas questões se apresentam:



1. Um duplo deslocamento: às margens das margens. Considerando-se que a experiência de communitas tende a irromper às margens, o ruído produzido por Turner não seria proveniente de um duplo deslocamento, às margens das margens?



2. Um duplo efeito de estranhamento: em relação ao cotidiano e ao extraordinário também. Considerando-se que a experiência de communitas surge de um efeito de estranhamento que se produz em relação ao cotidiano, o ruído poderia suscitar um efeito inverso ao mesmo tempo – o estranhamento em relação ao extraordinário?



3. Um extraordinário cotidiano e cotidiano extraordinário. A questão talvez seja essa: o cotidiano não poderia ser tão ou mais espantoso quanto o extraordinário? Nesse caso, talvez seja preciso articular as abordagens de Erving Goffman, que se interessa pelo teatro da vida cotidiana, e de Victor Turner, que procura captar os momentos de interrupção, ou meta-teatro, para se falar de um meta-teatro cotidiano. Walter Benjamin escreve: “A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ é a regra” (1985b:226).



Aqui também emerge uma pergunta de rodapé (virando texto): seriam determinadas manifestações liminóides – com destaque aos ruídos que ocorrem às “margens das margens” dos processos centrais – mais fiéis, “em sua dimensão mais profunda”, ao legado da experiência liminar do que certas tentativas de reviver uma experiência de communitas em meio ao esfacelamento das relações?8



PARFOURNIR?



De acordo com Victor Turner, como vimos, a experiência se completa através de uma forma de “expressão”. Performance – termo que deriva do francês antigo parfournir, “completar” ou “realizar inteiramente” – refere-se, justamente, ao momento da expressão. A performance completa uma experiência. Porém, o que se entende por completar? Essencial à performance – e, aqui, também recorremos a Turner – é a sua abertura. Ou, em outros termos, o seu não-acabamento essencial. Daí, a sua atenção aos ruídos.





John Cowart Dawsey é professor associado (livre-docente) do Departamento de
Antropologia da Universidade de São Paulo e coordenador do Núcleo de Antropologia
da Performance e do Drama (Napedra) na mesma instituição.



NOTAS



1 Uma versão deste artigo foi apresentada na mesa-redonda “Do Ritual à Performance: Abordagens teóricas num campo emergente no Brasil”, coordenada por Esther Jean Langdon na 25ª Reunião Brasileira de Antropologia (Goiânia, 13/06/2006). Mariza Peirano e Maria Laura Cavalcanti foram as outras participantes do evento. A ementa da mesa sublinhava que, “na reconfiguração do pensamento social contemporâneo, o campo da performance se apresenta como espaço interdisciplinar importante para a compreensão de gêneros de ação simbólica. A antropologia da performance, que surge nas interfaces de estudos do ritual e do teatro, amplia questões clássicas do ritual para tratar um conjunto de gêneros performativos encontrados em todas as sociedades do mundo globalizado, incluindo ritual, teatro, música, dança, festas, narrativas, cultos, manifestações étnicas, movimentos sociais, e encenações da vida cotidiana. No encontro com questões de performance e performatividade, os próprios estudos de ritual se renovam. O objetivo desta proposta de mesa-redonda é propiciar uma oportunidade para reflexão sobre diferentes abordagens e recortes conceituais no campo da antropologia da performance, com destaque às relações entre performance e ritual. Assim, propõe-se um diálogo entre pesquisadores que se inspiram nos trabalhos de Victor Turner, Richard Schechner, Stanley Tambiah, e Richard Bauman, entre outros, para fins de explorar possíveis desdobramentos analíticos do campo, e situar um universo de problemas pertinentes na literatura”. Algumas das formulações deste trabalho se inspiram em texto publicado na Cadernos de Campo (Dawsey 2005a).



2 N.E.: Ver nota 1 acima.



3 “Túmulo e útero”, um jogo de palavras recorrente nos textos de Turner.



4 Trata-se de uma metáfora recorrente nos escritos de Turner. Ver, por exemplo, Turner 1987b:22. Em outro texto escrevi: “Experiências de liminaridade podem suscitar efeitos de estranhamento em relação ao cotidiano. Enquanto expressões de experiências desse tipo, performances rituais e estéticas provocam mais do que um simples espelhamento do real. Instaura-se, nesses momentos, um modo subjuntivo (‘como se’) de situar-se em relação ao mundo, provocando fissuras, iluminando as dimensões de ficção do real – f(r)iccionando-o, poder-se-ia dizer – revelando a sua inacababilidade e subvertendo os efeitos de realidade de um mundo visto no modo indicativo, não como paisagem movente, carregada de possibilidades, mas simplesmente como é. Performance não produz um mero espelhamento. A subjuntividade, que caracteriza um estado performático, surge como efeito de um ‘espelho mágico’” (Dawsey 2006: 136).



5 As aberturas para uma antropologia benjaminiana tornam-se expressivas nos estudos de Michael Taussig. Cf. Taussig (1980, 1986, 1993).



6 A idéia de uma descrição tensa é desenvolvida a partir do conceito de Walter Benjamin de imagem dialética. O ato etnográfico poderia então ser definido como a busca por uma “‘descrição tensa’, carregada de tensões, capaz de produzir nos próprios leitores um fechar e abrir de olhos, uma espécie de assombro diante de um cotidiano agora estranhado, um despertar” (Cf. Dawsey 1999:64).



7 A elaboração inicial dessa idéia se encontra em Dawsey (2005b:31).



8 Estou parafraseando a frase de Jeanne Marie Gagnebin, que, numa análise do ensaio benjaminiano sobre “a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica”, escreve: “Essas tendências ‘progressistas’ da arte moderna, que reconstroem um universo incerto a partir de uma tradição esfacelada, são, em sua dimensão mais profunda, mais fiéis ao legado da grande tradição narrativa que as tentativas previamente condenadas de recriar o calor de uma experiência coletiva (‘Erfahrung’) a partir das experiências vividas isoladas (‘Erlebnisse’)”. Ela completa: “Essa dimensão, que me parece fundamental na obra de Benjamin, é a da abertura”. Cf. Gagnebin 1985:12; Benjamin 1985a:165-196.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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Recebido em 05/07/2006
Aprovado em 07/07/2006






sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Individualidade e liminaridade: considerações sobre os ritos de passagem e a modernidade



Por: Roberto DaMatta

Fonte: Revista Mana vol.6 n.1 Rio de Janeiro Apr. 2000

Resumo



Este artigo explora um elo crítico entre dois conceitos centrais das ciências sociais: a idéia de liminaridade engendrada pela tradição antropológica dos estudos monográficos, autocontidos e auto-referidos, e a idéia de individualidade, noção central da tradição clássica dos estudos sociohistóricos das grandes civilizações (além de categoria crucial e familiar do nosso universo cívico e político). O autor procura indicar como uma passagem pode ser descoberta entre essas duas áreas conceituais aparentemente tão distantes, focalizando certos aspectos ainda não discutidos dos ritos de passagem. Argumenta-se que a liminaridade dos ritos de passagem está ligada à ambigüidade gerada pelo isolamento e pela individualização dos noviços, e que, portanto, a experiência de estar fora-do-mundo é que engendra e marca os estados liminares, e não o oposto - é a individualidade que engendra a liminaridade. Os ritos de passagem transformam essa experiência em complementaridade, em imersão na rede de relações que os ordálios, pelo contraste, estabelecem como um modelo de plenitude para a vida social.



Abstract

This article explores a critical link between two concepts which are central to the social sciences: the idea of liminarity, engendered by the anthropological tradition of self-centred and self-referred monographic studies; and the idea of individuality, a key concept within the classical tradition of the socio-historical studies of great civilizations (as well as being the crucial and familiar category of our civil and political universe). The author seeks to show how a bridge can be established between these two concepts, which may at first appear distant, by focusing on certain under-discussed aspects of rites of passage. It is argued that the "liminal" stage of rites of passage is tied to the ambiguity brought about through the isolation and individualization of the initiate. It is therefore the experience of being "outside-the-world" which brings about and characterises liminal states, and not the other way around — in short, it is individuality which engenders liminarity. Rites of passage transform this experience into complimentarity, into an immersion into a network of social relationships, which the ordeals, in contrast, establish as a model for the plenitude of social life.


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Roberto DaMatta



Deixe-me começar com uma história contada por Karl Popper que - acredito - revela muito das minhas relações com o Museu Nacional, com o seu Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, com o seu atual coordenador, meu querido amigo Otávio Velho, com muitos de vocês, com os novos alunos neste momento de abertura de um novo ano letivo e, em especial, com o professor Luís de Castro Faria, cujo nome é hoje honrado nesta conferência que tenho a satisfação de pronunciar. Diz Popper que um divulgador científico, tendo que falar em um presídio, começou sua preleção com as seguintes palavras: "Hoje vou apresentar aqui a mesma conferência que fiz há seis anos. Por conseguinte, se alguém já a tiver ouvido é porque bem o merece!".

Que minhas palavras iniciais sejam, portanto, para falar de minha felicidade por ter recebido esse convite que homenageia, pela forma nobre de uma aula, um colega mais velho que foi meu primeiro professor de antropologia.

Ao lembrar a prisão e o fato tão simbolicamente real de que todos aqui presentes são prisioneiros desse Museu e desses ideais de saber, de pesquisar e de compreender os nossos semelhantes através da antropologia social ou cultural, quis me referir àquele destino comum e àquela solidariedade compartilhada pelos presidiários. No nosso caso, a cumplicidade de remar contra a corrente do poder e do dinheiro, o acordo tácito que faz com que todos se sintam, apesar das diferenças e até mesmo de eventuais antipatias, parte de um mesmo ideal. Pois na vida acadêmica, como nos grandes amores, somos todos aprisionados pelas formas mais densas de reciprocidade, aquelas que nos obrigam a reconhecer e a louvar, de tempos em tempos, as nossas dívidas e dúvidas para pessoas, idéias e métodos.

É, pois, importante reconhecer esse meu aprisionamento ao Museu Nacional e a esse grupo de antropólogos que, permitam-me a falsa modéstia, ajudei a formar e a constituir, e que durante anos tem sido o sustentáculo de um diálogo intelectual importante para mim. A prova disso é que vocês irão ouvir um alinhavado de pensamentos que tenho externado ao longo desses últimos vinte anos, pois duas décadas se passaram desde que tratei deles, embrionariamente, é verdade, no meu livro Carnavais, Malandros e Heróis, e em dois ensaios publicados, ambos, em 1979.



I

Nesta conferência, falarei sobre um elo, que me parece crítico, entre dois conceitos fundamentais (e formidáveis) das ciências sociais. Discorrerei sobre a idéia de liminaridade (ou de soleira), um conceito engendrado pela tradição antropológica dos estudos detalhados, em geral romanticamente autocontidos e referidos1; e sobre a idéia de individualidade, que é uma noção central da tradição clássica dos estudos sociohistóricos das grandes civilizações, bem como uma categoria crucial e familiar do nosso universo cívico e político.

A noção de liminaridade leva-nos ao reino dos ritos de passagem e aos costumes exóticos dos grupos tribais; a idéia de individualidade, ao domínio da filosofia política, ao universo do mercado e do capitalismo, enfim, ao nosso próprio cotidiano, ao nosso universalismo implícito e inconsciente ¾ aos nossos hábitos do coração. O primeiro termo liga-se ao nome de Arnold Van Gennep e, naturalmente, à obra de Victor Turner que ¾ ao lado de Mary Douglas, Max Gluckman e Edmund Leach ¾ é o principal responsável por seu resgate, caracterização e popularização nos estudos antropológicos modernos. O segundo termo remete à obra de Maine, Morgan, Sabine, Tocqueville (que, como se sabe, inventou, em 1842, a expressão individualismo) e, naturalmente, às idéias críticas de Max Weber e de Louis Dumont. Isso para não mencionar os pais fundadores do pensamento crítico e dos valores modernos: Maquiavel, Adam Smith, Hobbes, Locke e Rousseau.

É minha intenção, nesta palestra, indicar como uma passagem pode ser descoberta entre essas duas áreas conceituais aparentemente tão distantes, quando focalizamos certos aspectos ainda não discutidos dos ritos de passagem.



II

Quero iniciar com uma breve caracterização da noção de individualidade, explicitando o modo pelo qual leio seus elos ideológicos e conceituais e a tradição de estudos da qual esta categoria faz parte. Será apenas óbvio reafirmar que individualidade se associa fortemente à tradição clássica da filosofia política, uma tradição que moldou o pensamento social moderno. Um modo de pensar a sociedade historicamente fundado e, em conseqüência, sumamente preocupado com as conexões entre instituições, práticas sociais e esferas percebidas como críticas (e universais) ¾ como o "religioso", o "político" e o "econômico. Nessa tradição, não se deixou de lado a discussão entre valores religiosos e as predisposições políticas e econômicas, e como essas esferas se influenciavam mutuamente. A obra de Weber é o melhor exemplo dessa abordagem.

Max Weber



A questão central aqui, como Dumont tornou claro e repetidamente acentuou, indo além do ensaio clássico de Marcel Mauss (1974) sobre a idéia do "eu", é a diferenciação crítica entre o indivíduo como realidade empírica e o estabelecimento deste como uma entidade social autônoma ou um valor social ¾ um fenômeno sociopolítico importantíssimo, original e primordialmente associado à ideologia construída na Europa Ocidental, agigantada nos Estados Unidos e contemporaneamente massificada por meio de um processo mundial de aculturação. A pergunta básica para a pesquisa dentro dessa tradição tem sido: como podemos caracterizar o desenvolvimento da Europa Ocidental em relação ao de outras áreas do mundo? Ou, mais concretamente, como entender a presença do capitalismo, da igualdade política e de suas éticas concomitantes, a "liberação" do indivíduo daquilo que é percebido como um conjunto de velhas repressões, tabus ou constrangimentos morais, somente no "Ocidente"? E, por contraste, a sua relativa ausência das chamadas "grandes civilizações" como as que surgiram no Oriente Médio, na Ásia e, permitam que eu mencione, porque é disso que tenho tratado no meu trabalho, nas sociedades tribais e no Brasil?

Meu ponto de vista é que esse problema diz respeito a uma passagem da individualização (e da individualidade), que ¾ permitam-me a grande narrativa ¾ são experiências da condição humana, para o individualismo, que é uma ideologia (um valor ou uma determinação social coercitiva e consciente) central apenas na chamada civilização ocidental. Assim, se a individualização é uma experiência universal, destinada a ser culturalmente reconhecida, marcada, enfrentada ou levada em consideração por todas as sociedades humanas, o individualismo é uma sofisticada elaboração ideológica particular ao Ocidente, mas que, não obstante, é projetada em outras sociedades e culturas como um dado universal da experiência humana.

É precisamente esse deslocamento sociológico, em suas múltiplas oscilações, combinações e variações que caracteriza o mundo moderno. De fato, a modernidade não fala apenas daquilo que é novo ou atual (como pensam alguns jornalistas e muitos cientistas políticos), mas diz respeito à institucionalização do indivíduo como valor englobante, um valor postulado como sendo maior (e mais inclusivo) do que a sociedade da qual ele é parte.

Se muitas das sociedades e culturas do mundo reconhecem e são capazes de institucionalizar a experiência da individualidade (a experiência fundamental de estar fora-do-mundo e, portanto, livre de obrigações sociais imperativas e rotineiras) nos papéis históricos do profeta, do líder messiânico, do mistagogo, do místico, do curador, do xamã, do feiticeiro, do bandido social, dos santos, dos caudilhos, dos peregrinos, dos mártires e, em parte, dos malandros, foi somente na civilização ocidental que a experiência do indivíduo isolado do grupo passou a ser uma instituição central e normativa. Entre nós, portanto, o indivíduo não é somente uma parte essencial do mundo, mas é também um ser dotado de uma independência e de uma autonomia que não tem paralelo em nenhuma outra sociedade2.

A essa altura, vale a pena salientar que se essa problemática é marcante nas obras dos sociólogos clássicos, ela está, mesmo hoje em dia, conspicuamente ausente do trabalho dos antropólogos sociais.



III



A idéia de liminaridade liga-se ao livro de Arnold Van Gennep, Les Rites de Passage, publicado em 1909. Haveria muito o que falar sobre essa obra magistral, repleta de idéias novas e marcada por uma enorme erudição, na qual, pela primeira vez, os ritos são analisados sociologicamente, sendo tomados como expressões da dinâmica social.



Arnold Van Gennep



Nele, Van Gennep rompe pioneiramente com a universalidade da fisiologia como característica dos chamados "ritos de puberdade", resgata os ritos de passagem do seu plano de estudo individual e descobre, um tanto surpreso, que "dentro de uma multiplicidade de formas conscientemente expressas ou meramente implícitas, há um padrão típico sempre recorrente: o padrão dos ritos de passagem" (cf. Van Gennep 1978:191). Um padrão que implicava três fases nitidamente distintas: separação, incorporação e, entre estas, uma fase liminar, fronteiriça, marginal, paradoxal e ambígua ¾ um limem ou soleira ¾ que, embora se produzisse em todas as outras fases, era destacada, focalizada e valorizada.


Os ritos de passagem foram recorrentemente interpretados a partir dos anos 60, sobretudo por Victor Turner. Pode-se discernir duas tendências interpretativas típicas dessa fase. A primeira, discute os ritos de passagem como uma resposta adaptativa obrigatória, quando os indivíduos são obrigados a mudar de posição dentro de um sistema. Deste ângulo, os ritos seriam elaborações sociais secundárias, com a função de aparar os conflitos gerados pela transição da adolescência à maturidade, uma passagem postulada inevitável, difícil, problemática e conflituosa em qualquer sociedade humana. Nessa perspectiva, o foco é sempre nos jovens e naquilo que é percebido como uma arriscada e conflituosa transição dentro da sociedade.

Típica dessa postura é, por exemplo, a interpretação da fase de reclusão nos ritos de passagem da sociedade Yawalapiti do Xingu, realizada por Thomas Gregor, na qual, como aponta criticamente Eduardo Viveiros de Castro (1987:36-37), se fala de um momento em que os imperativos sociais são relaxados e há, conseqüentemente, um saudável e bem-vindo retorno à velha privacidade, naquilo que seria o grato contato do indivíduo consigo mesmo. Uma privacidade, aliás, que surge claramente nas anedotas e relatos de campo dos antropólogos ingleses e americanos que insistem em ressaltar como os nativos deixavam pouco espaço para o gozo de sua "privacidade" (um amálgama de isolamento voluntário e individualidade). Como se o drama fundamental do trabalho de campo como um rito de passagem fosse justamente essa suspensão forçada da vida individual e a participação intensa e compulsória em um modo de existência coletivo3. Não é preciso acentuar que tal reação trai o peso do individualismo como um "hábito do coração", tal como essa ideologia se traduz e manifesta na cultura americana, um sistema em que o período dos 13 aos 19 anos ¾ os anos teens, o momento das "iniciações" à vida adulta ¾ é sublinhado como uma fase de exacerbação da subjetividade.

Nesse contexto, vale lembrar que o impacto do livro de Margaret Mead, Coming Age in Samoa (publicado em 1928 nos Estados Unidos), se deve justamente à demonstração de que em Samoa não havia conflitos na passagem da meninice para a vida adulta. Não havia uma "teen-age culture" em Samoa, o que, por contraste, levava os americanos a descobrir em casa o conceito boasiano de cultura, bem como as idéias concomitantes de arbitrariedade simbólica e de relativismo cultural.

A segunda tendência interpretativa revela uma mudança de foco do plano individual para o coletivo. A par de uma impressionante e detalhada etnografia, sua novidade consiste, precisamente, em tomar o simbolismo dos ritos de passagem como uma dramatização de valores, axiomas, conflitos e contradições sociais. Trata-se de mostrar que o ponto de vista deslocado, salientado na liminaridade, não configurava situações, processos ou papéis meramente pecaminosos, patológicos e criminosos, mas que era inerente à própria sociedade humana. Como sempre, a descoberta da positividade dos estados liminares e a discussão de sua importância como elemento essencial da constituição da própria sociabilidade, colocavam em crise os modos tradicionais de se discutir a marginalidade como um estado potencialmente criminoso, bem como o desvio como pré-patologia ou perversão. Ademais, elas abriam a possibilidade de enfatizar a "licença ritual", esses momentos especiais opostos às prescrições político-legais, nos quais a sociedade se permitia ler-se a si própria de ponta-cabeça. Algo, sem dúvida, difícil de discutir em um sistema que institucionalizou a mediocridade e desenvolveu uma verdadeira alergia em relação a tudo que escapava de suas agendas e rotinas explícitas, como é o caso dos Estados Unidos.



IV

Descobri a possibilidade de relacionar liminaridade e individualidade quando me dediquei ao estudo do Brasil não só como nação (como os economistas, historiadores e cientistas políticos sempre fazem) mas também como um sistema social, ou sociedade (o que é uma outra coisa). No meu caso, mais especificamente, tratava-se de discutir práticas e valores sociais que coexistem e, às vezes, se opõem à nação, engendrando coletividades características, marcadas pela dissonância, pelo hibridismo e pelo diálogo nem sempre cordial entre o seu código nacional (cívico, burguês e capitalista ¾ a sua "realidade oficial") e o seu quadro de valores lido como não-moderno e, até mesmo ¾ como é o caso de muitos Estados nacionais ¾ "antimoderno" (tanto que seus valores cotidianos têm sido associados, com inspiração em Alberto Torres, a um "Brasil real" ¾ um Brasil mais "concreto" do que aquele formalmente desenhado pelas leis e pelas instituições oficiais que seria um "Brasil legal", porém ideal e falsificado)4.

Foi, pois, sob a luz dessa distinção que comecei a realizar uma crítica da literatura antropológica padrão sobre o conceito de liminaridade. Minha questão apresenta-se em dois blocos críticos.

O primeiro nasce de uma releitura crítica das interpretações da liminaridade apresentadas nos ensaios seminais de Victor Turner, Mary Douglas, Edmund Leach, para ficar com a trindade dos estudos simbólicos.


Victor Turner



O que mais chama a minha atenção na obra desses mestres é a sua leitura da liminaridade como algo invariavelmente paradoxal, ambíguo e, no limite, perigoso e negativo; isto é, como um estado ou processo que desafia um sistema de classificação legalisticamente concebido como fixo, indiscutível e construído por categorias isoladas. Enfim, algo que ¾ tal como ocorre com a concepção de sociedade puritana e com os esquemas burgueses dos quais esses autores são parte ¾ não admite o mais-ou-menos, a indecisão, o adiamento e, acima de tudo, o hibridismo, ou seja, a ausência de compartimentalização e de indivisibilidade. Para esses antropólogos, o ambíguo é todo objeto, ser ou instituição situado simultaneamente em dois campos semânticos mutuamente excludentes. É tudo aquilo que tem propriedades multivocais e contraditórias como o pangolim de Mary Douglas (1966), o animal doméstico de Leach (1964) e os neófitos de Turner (1964): aqueles noviços que contradizem o dilema hamletiano e "são e não são ao mesmo tempo". Como este último exprimiu em um ensaio memorável, repetindo o poeta vitoriano Robert Browning5, os iniciandos são esses seres que estão "betwixt and between".

Meu estranhamento com esse modo de tratar a liminaridade ocorreu quando, usando os instrumentos fornecidos por essa antropologia, estudei o Carnaval brasileiro para ali descobrir o lado positivo da liminaridade. Algo que, aliás, acentuei no meu livro, Universo do Carnaval: Imagens e Reflexões (1981), quando notei a alegria obrigatória dos estados carnavalescos caracterizada justamente por se estar betwixt and between, um momento especial demarcado por uma festa que, simultaneamente, salientava o coletivo e o individual, um ritual situado dentro e fora do mundo. E não, como queria Victor Turner (1974), em alguma manifestação de uma "antiestrutura" ou de algum sentimento destinado a negar a sociedade lida, conforme ele a concebia, como um conjunto de posições fixas ¾ dentro daquele "legalismo" antropológico que tanto caracterizou a antropologia social de Radcliffe-Brown, de Meyer Fortes e de Max Gluckman ¾ ou como uma casa, à Van Gennep.

O Carnaval é uma festa que, entre outras coisas, estimula a disputa, mas domestica, aristocratiza e hierarquiza a competitividade, fazendo com que ganhadores e perdedores se liguem entre si como grupos e entidades especiais. Festa, ademais, na qual se adotam tecnologias burguesas de criação identitária, mas se produz um sistema ideológico antiburguês e antipuritano, como a glorificação do feminino, do hedonismo, da sensualidade, do erotismo aberto e público, do sexo sem reprodução (na exaltação da analidade e do homossexualismo). Festa, enfim, que abre, em uma sociedade obcecada em tomar o chamado trem da modernidade e do capitalismo, uma brecha que rejeita agendas e controles, pois o Carnaval, como revelou Mikhail Bakhtin (1989), constrói-se pela suspensão temporária do senso burguês, sendo afim da loucura, do descontrole, do exagero, da caricatura, do grotesco, do desequilíbrio e da gastança. Festa, finalmente, que faculta "entrar" em um bloco, escola ou cordão para relativizar velhas e rotineiras relações e viver novas identidades que possibilitam leituras inovadoras do mundo. O que permite adquirir ¾ tal como acontece com os sábios, anacoretas, xamãs, feiticeiros e renunciadores tradicionais ¾ um conhecimento novo e diferenciado da sociedade e de si próprio.

Como, então, tomar o limem e o paradoxal como negativos em sistemas relacionais, como o Brasil, uma sociedade feita de espaços múltiplos, na qual uma verdadeira institucionalização do intermediário como um modo fundamental e ainda incompreendido de sociabilidade é um fato social corriqueiro? Como ter horror ao intermediário e ao misturado, se pontos críticos de nossa sociabilidade são constituídos por tipos liminares como o mulato, o cafuzo e o mameluco (no nosso sistema de classificação racial); o despachante (no sistema burocrático); a(o) amante (no sistema amoroso); o(a) santo(a), o orixá, o "espírito" e o purgatório (no sistema religioso); a reza, o pedido, a cantada, a música popular, a serenata (no sistema de mediação que permeia o cotidiano); a varanda, o quintal, a praça, o adro e a praia (no sistema espacial); o "jeitinho", o "sabe com quem está falando?" e o "pistolão" (nos modos de lidar com o conflito engendrado pelo encontro de leis impessoais com o prestígio e o poder pessoal); a feijoada, a peixada e o cozido, comidas rigorosamente intermediárias (entre o sólido e o líquido) no sistema culinário; a bolina e a "sacanagem" (no sistema sexual). Isso para não falar das celebridades inter, trans, homo ou pansexuais, que, entre nós, não são objeto de horror ou abominação (como ocorre nos Estados Unidos), mas de desejo, curiosidade, fascinação e admiração. Tudo isto me levou a repensar o ambíguo como um estado axiomaticamente negativo.

O segundo bloco crítico relaciona-se ao modo pelo qual a liminaridade é caracterizada, sobretudo na obra de Victor Turner, o estudioso que mais se preocupou com esse fenômeno, fazendo dele um instrumento de entendimento de muitas situações sociais por meio do conceito de communitas e de variantes como "liminóide". Por que, deve-se inicialmente questionar, o "liminar" é fruto de tanto mistério, ambigüidade e perigo nas sociedades tribais? Por que a fase de transição é a mais intrigante e a que apresenta um simbolismo mais rico nos ritos de passagem?

Para Turner, Leach e Douglas, a liminaridade é especial porque engendra uma ambigüidade classificatória. Ampliando essa idéia, Turner, no seu ensaio clássico publicado em 1964, adiciona outras dimensões sociais e simbólicas que salientam uma inelidível visão tipológica e relativamente estática do assunto.

Sendo assim, os estados liminares caracterizam-se pelos seguintes fatores:

1) pela evasão da estrutura jurídico-política cotidiana, das classificações cognitivas fundadas na lógica do isso ou aquilo, uma coisa ou outra ¾ no princípio aristotélico do terceiro excluído (Douglas, Turner, Leach);

2) pela associação com a morte para o mundo (entre os Ndembu, o lugar da circuncisão é chamado de "lugar onde se morre") (Turner);

3) pela impureza, pois os noviços transgridem (e transcendem) as fronteiras classificatórias (Douglas, Turner);

4) pela identificação com objetos e processos anti-sociais (fezes) ou "naturais" (lactação, parto, desmame e gestação), com a conseqüente associação dos noviços aos embriões e crianças de peito (Turner);

5) pelo uso de línguas secretas, estranhas e/ou especiais (Van Gennep, Turner);

6) pela invisibilidade social plena, com a perda de nomes, insígnias, roupas (Turner);

7) pela associação com seres bi ou transexuais, como os andróginos, ou com animais que estão na interseção de duas classes e sinalizam estados negativos ou abomináveis (Turner, Leach, Douglas); e, finalmente,

8) pelos ordálios como a circuncisão, a subincisão, a supressão do clitóris, a exposição prolongada ao frio ou testes físicos impossíveis nos quais o fracasso é ridicularizado, bem como pela resposta a enigmas, adivinhações e resistência à punição física (Turner).

Para Turner e para os outros mestres dessa verdadeira "antropologia da ambigüidade"6, a lista sugere, entre outras coisas, um estado de "regressão" coletiva no qual os indivíduos perdem sua consciência de compartimentalização, autonomia e interioridade, para se transformarem em matéria-prima a ser moldada de acordo com certos valores sociais. Para ele, esse processo, que no livro O Processo Ritual (1974) desemboca no conceito de communitas, é, essencialmente, uma forte e singular (para não dizer, anômala) coletivização, marcada pelo contato com o que ele, usando uma expressão de Martin Buber, chama de "nós essencial", uma das dimensões mais importantes na constituição de um estado "antiestrutural", um estado destituído de individualidade e compartimentalização.

Lendo a liminaridade de modo substantivista, Turner não se dá conta de que esse processo pode variar de sistema para sistema, assumindo distintas conotações e adquirindo sentidos diferentes. No caso do Brasil, por exemplo, uma sociedade na qual valores hierárquicos são importantes no cotidiano, a produção da liminaridade carnavalesca abre um espaço dentro do qual as pessoas podem sair de um universo marcado pela gradação e pela hierarquia, para experimentar a individualização, por meio de um conjunto de escolhas pessoais, bem como pela competição. Nesse sentido, a liminaridade carnavalesca brasileira promoveria uma experiência com um "eu essencial" e não com um "nós essencial", como Turner gostava de acentuar, sem atinar que com isso estava idealizando relações, uma ausência mais do que sentida no universo liberal e individualista do qual era parte. Um processo semelhante, mas inverso, tinha lugar no Mardi Gras de Nova Orleans e em ritos de iniciação americanos, nos quais o que se apresentava como foco vivencial era a coletivização dos noviços, simultaneamente iniciados na renúncia de um ego individualisticamente marcado e, em seguida, na obediência aos seus superiores e mestres de iniciação, quando são forçados a viver o coletivo de modo hierárquico e relacional. As iniciações americanas seriam marcadas pela ênfase na dimensão relacional e coletiva da vida social, ao passo que as brasileiras fariam justo o oposto. A formulação é incipiente e talvez sofra de demasiada simetria, mas tem a virtude de mostrar como a comparação por contraste permite escapar de um funcionalismo ingênuo, no qual o sentido é atribuído a essências, e não ao contexto.

Foi essa visada tipológica, na qual a liminaridade era essencializada, que, a meu ver, barrou uma outra percepção fundamental por parte de Turner. Refiro-me ao discernimento das dimensões individualizantes (mas sem individualismo) contidas nos processos liminais. Ou, em outras palavras, nas semelhanças cruciais, vigentes nas sociedades tribais, entre liminaridade e individualidade, pois, o fato mais característico da transição dos noviços, de Van Gennep a Turner, é o fato de eles serem separados da sociedade e colocados fora do mundo. De um ponto de vista funcional, sua posição não seria muito diferente da dos renunciadores indianos de Dumont, dos profetas de Israel de Weber, dos feiticeiros e bruxos de Evans-Pritchard, do Antônio Conselheiro de Euclides da Cunha (cf. DaMatta, 1979b: caps. V e VI) e dos heróis civilizadores das mitologias tribais.



V

Deixem-me, pois, terminar elaborando esse ponto, que permitirá juntar, de um lado, processos interpretados como estáticos e anti-históricos, máquinas de reter e deter o tempo, como diria Lévi-Strauss dos ritos de passagem, e, de outro, instituições historicamente dinâmicas ¾ aceleradores do tempo como o nosso viés ocidental gosta de imaginá-las ¾, tais como a renúncia do mundo, as peregrinações, as profecias e os profetas que, em um processo dialético com a sociedade, movimentam suas estruturas, partejando visões de mundo paralelas e conflitantes, desafiadoras dos valores, e nela introduzem uma consciência diferenciada da moralidade e do tempo, essas dimensões que são o pano de fundo da consciência de mudança social.

Meu argumento central é o seguinte: o que caracteriza a fase liminar dos ritos de passagem é a experiência da individualidade vivida não como privacidade ou relaxamento de certas regras (pois o neófito está sempre sujeito a inúmeras regras), mas como um período intenso de isolamento e de autonomia do grupo. Mas, o que temos aqui é a experiência com a individualização como um estado, não como uma condição central da condição humana. Ou seja, a individualização dos noviços nos ritos de passagem não envereda pelo estabelecimento de uma ruptura, por meio da ênfase extremada e radical em um espaço interno ou em uma subjetividade paralela ou independente da coletividade; antes, pelo contrário, essa individualização é inteiramente complementar ao grupo. Trata-se de uma autonomia que não é definida como separação radical, mas como solidão, ausência, sofrimento e isolamento que, por isso mesmo, acaba promovendo um renovado encontro com a sociedade na forma de uma triunfante interdependência quando, na fase final e mais básica do processo ritual, os noviços retornam à aldeia para assumir novos papéis e responsabilidades sociais. Tudo se passa como se nos ritos de passagem, a reclusão, a individualização e a invisibilidade dos noviços fossem classificadas como estados negativos, como situações perigosas e anti-sociais que o estar fora-do-mundo (com sua pletora de mortificações) caracteriza, e que aproxima os neófitos dos feiticeiros, dos xamãs, dos heróis civilizadores, dos profetas e de outras figuras associadas a esse estado de distanciamento da sociedade.

No caso dos índios de língua jê, por exemplo, mitos envolvendo a aquisição de elementos civilizadores importantes como o fogo, a agricultura e a arte de curar, são obtidos por personagens que voluntária ou involuntariamente se isolaram, tiveram experiências críticas e, retornando ao grupo, integraram-se a ele como heróis em uma posição social diferenciada. O mesmo ocorre com os feiticeiros que geralmente aprendem sua magia fora do grupo, mas são socialmente descritos em toda parte como egoístas, desejosos de riqueza e motivados por agendas próprias. Seja entre os Navajos de Clyde Kluckholn, entre os Apinayé (por mim estudados) e nas mais diversas sociedades africanas, como revelam os casos reunidos por John Middleton e Edward Winter (1963), os feiticeiros são sempre caracterizados como pessoas bem-sucedidas economicamente, como não-conformistas, ou rebeldes, como cosmopolitas, que, voltando à aldeia, se marginalizam, ou como movidas pela acumulação de bens materiais, um claro sintoma de desdém pelas obrigações da reciprocidade. Feiticeiros são seres que preferem viver individualística e egoisticamente, recusando cumprir as obrigações devidas ao parentesco, ao clã e à aldeia. Realmente, a descrição da personalidade dos feiticeiros tribais corresponde, de perto, ao modelo de um indivíduo ou cidadão moderno, uma pessoa motivada pela riqueza, pela consciência de seu valor, pela independência de sua ação e, acima de tudo, centrada em si mesma, imersa na sua subjetividade7.

É curioso, sem dúvida, constatar que os pesquisadores ingleses e americanos do assunto tipifiquem a feitiçaria como um "crime" ou um "ill-feeling", reveladores de "sociedades com uma estrutura rígida" quando, de fato, estão lidando com uma manifestação da ideologia individualista em sistemas relacionais e holísticos. Isso é patente quando, por exemplo, Laura Bohanan (1966) acentua que "a tradução mais correta para 'estudioso' [ou sábio, scholar] (um homem que sabe das coisas) entre os Tiv, é feiticeiro". Confirma isso a observação pertinente de Evans-Pritchard, segundo a qual, entre os Azande, a feitiçaria é "geralmente considerada um traço individual apesar de suas ligações com o parentesco (cf. Evans-Pritchard 1965:25, ênfase minha), o que revela a associação dos feiticeiros com um individualismo que, aqui, surge não como um valor, mas como uma escolha negativa e marginal. Como uma força capaz de engendrar seres humanos invertidos e anticomplementares, que fazem tudo ao contrário, que desdenham dos seus parentes, comem seus companheiros de aldeia e abominam a regra de ouro da reciprocidade. Porém, diferente do caso dos renunciadores e dos profetas, essa experiência dos heróis míticos e dos feiticeiros das sociedades tribais não leva a uma diferenciação ou a uma renovação filosófica ou religiosa radical ou alternativa. Tal seria o caso, de acordo com Dumont (1985) e Weber (1971: cap. XIII), do renunciante indiano, dos anacoretas cristãos, dos andarilhos gregos do período pré-socrático, até os reformadores protestantes que põem Deus e religião em todas as esferas deste mundo8. Muito pelo contrário, esse estado fora-do-mundo (e, para usar expressão de Weber, de "rejeição do mundo"), típico dos ritos de passagem e da feitiçaria, conduz a uma complementaridade e a uma interdependência, inclusive corporal, que se manifestam explicitamente em vários grupos. Aqui, o que está em jogo não é construir um ser psicológica e existencialmente autônomo, mas moldar subjetividades cuja consciência não pode prescindir dos seus companheiros e mestres de iniciação, aqueles que o mortificaram e marcaram o seu corpo, deixando nele o testemunho de seu elo com o grupo na forma de um buraco, um corte e uma cicatriz. A rejeição do mundo, como acentuou Weber, legitima um certo "domínio do mundo em virtude dos poderes mágicos obtidos pela renúncia" (1971:375). O que se explicita nas iniciações não é o triunfo da autonomia, do espaço interno e do isolamento, mas a glória do elo e a exaltação do retorno à aldeia como alguém que renovou sua consciência de complementaridade e o seu débito para com a sua sociedade. Como os heróis míticos que retornam à aldeia com um novo item civilizador, roubado ou descoberto em uma experiência fora-do-mundo e em contato com animais ou espíritos, os iniciandos também retornam às suas comunidades com o aprendizado de que os elos igualitários com os companheiros de iniciação, a intensidade das emoções e mortificações desnudadas pela experiência de isolamento, são complementares à condição de pertencer a uma rede imperativa de parentesco que, em um sentido preciso, responde a todas as indagações intelectuais e tem como alvo curar a doença, manter o bem-estar e aliviar o sofrimento. Nos ritos de iniciação, os neófitos dramaticamente conjugam individualidade e coletividade, pois neles se reafirma que coletivo e individual constroem-se simultaneamente, sem fendas, descontinuidades ou separações. Se não fosse falar demais, dir-se-ia que ali eles entendem que o eu não existe sem o outro, e que no centro dos ritos de iniciação está a descoberta (ou melhor, o desvendamento) do mistério segundo o qual tanto a dimensão individual quanto a coletiva são construídas por um mesmo conjunto de valores.

Se há um denominador comum entre noviços, renunciantes, mágicos, profetas e feiticeiros, este não seria a privacidade ou a criação de uma subjetividade paralela e homogênea à sociedade, livre de peias sociais, mas seria, com certeza, a experiência individualizante que passa por uma visão relativizadora ou carnavalizada da sociedade, na qual o de dentro e o de fora, o parente e o afim, o forte e o fraco, o pobre e o nobre, o homem e a mulher, o jovem e o velho, os vivos e os mortos, confundem-se e trocam de lugar, criando uma perspectiva em que as práticas e os valores cotidianos são invertidos, inibidos ou temporariamente substituídos, para logo se reencontrarem no alívio de uma complementaridade rotineira, mas agora renovada e triunfante. Desse modo, a família (hierarquizada por obrigações fundadas em substância comum) transforma-se em grupo de idade, cujo componente básico é a camaradagem e a simpatia; as obrigações de casta, segmento ou classe dão lugar a uma liberdade desconhecida e à capacidade de romper barreiras morais normalmente intransponíveis.

O resultado da experiência, entretanto, não é produzir, como sempre ocorre entre nós, modernos, escolhas entre perspectivas, mas de entender a sua polaridade essencial. É inegável, porém, que tanto para os iniciandos quanto para os renunciantes, profetas e feiticeiros, a vida extramundana relativiza muitos axiomas da vida social: os genitores e a sexualidade são dessacralizados, o prazer e o bem-estar pessoal são sacrificados em nome de um estoicismo fulgurante, o axioma da amizade é substituído por agendas individuais muito fortes como o uso de emblemas individuais, a escolha de companheiros de ordálio, comidas singulares e um comportamento distinto, freqüentemente caracterizado como motivado por uma ambição avassaladora. A reclusão engendra um nicho no qual todos os elos diários perdem a força, deixando vir à tona a vivência do isolamento e da solidão que, no caso das sociedades tribais, recebe um sinal sempre perigoso e negativo.

É, sem dúvida, esse contato com a individualidade que faz com que, em toda parte, os noviços sejam perigosos e, por isso mesmo, recebam ¾ como os espíritos, alguns animais e os feiticeiros ¾ um tratamento especial. Assim sendo, quero sugerir que o traço distintivo da liminaridade é a segregação de uma pessoa (ou de uma categoria de pessoas, tratadas como corporação social ou mística) dos seus laços sociais imperativos, liberando-a temporariamente das suas obrigações de família, linhagem, clã ou aldeia, o que a transforma temporariamente em indivíduo fora-do-mundo. Em gente sem laços sociais que permitam sua classificação social cabal e definam, assim, suas obrigações para com a sociedade. É precisamente essa "desclassificação" constituída pela rejeição do mundo que possibilita a constituição de uma sociabilidade inusitada e distinta, criando novas experiências fundadas em uma "liberdade" que se nutre da experiência da individualização.

Tal como ocorre com os profetas e renunciadores, essa experiência de se situar temporariamente fora-do-mundo tem ¾ e esta é uma das principais características dos ritos de passagem ¾ um sem-número de traços negativos. Se, no caso dos renunciadores e profetas, porém, o peso da experiência pode ser sublimado e legitimado como "missão" ou "nova mensagem", criando outras perspectivas dentro de uma mesma tradição religiosa, nas sociedades tribais a intenção parece ser a de marcar o potencial criador, mas negativo e, no limite, destruidor da experiência de estar isolado. Por isso, em muitos sistemas relacionais, ficar só é estar disponível para dialogar com fantasmas e monstros. Isolar-se é obrigatório e legítimo somente para buscar o contato com seres poderosos e letais ¾ como acontece na vision quest dos índios das planícies, estudados por Robert Lowie (1954) ¾, ou passar por ordálios, sofrer dor física, ter as orelhas ou lábios furados, ser circuncidado, jejuar, ficar acordado, decorar textos etc., situações nas quais a sociedade penetra o corpo dos noviços, marcando e como que dissolvendo suas pessoas9, seus órgãos genitais, cabeça, cabelos, braços, lábios e orelhas. Esses lábios e orelhas que, como Anthony Seeger (1980) revelou, são ¾ no caso das sociedades jê ¾ os instrumentos da boa sociabilidade e repositório de valores coletivos.

Tudo isso revela uma boa distância da concepção moderna de subjetividade, pois o que os ritos de passagem acentuam vai na direção de uma subjetividade interdependente, ao passo que a nossa subjetividade é construída salientando uma interioridade marcante ¾ aquela "interioridade" (inwardness) que é a fonte central do "eu" para Taylor. Entre nós, modernos, trata-se de uma subjetividade que, como Greta Garbo, pede para ficar só, entende que o inferno são os outros e, como mostra o caso de Robinson Crusoe, jamais deixa de calcular os recursos disponíveis, não se intimidando ou desesperando pela solidão extremada. Nestes casos, o isolamento e a solidão abrem e acentuam um intenso diálogo interior, típico do individualismo moderno. Um diálogo glorificador da autonomia, da privacidade, do autodesenvolvimento, sociocentricamente confundido, como ilustra Steven Lukes (1973), com a dignidade do homem, no qual a capacidade de permanecer indiviso é um sinal de integridade e de força de caráter10.

Pode-se ampliar o argumento para acentuar uma oposição bem marcada entre a individualidade, que vivencia e conceitualiza o coletivo como complementar, e o individualismo, que vivencia o afastamento do grupo como um movimento marcado por interioridade e subjetividade. Em um caso a solidão serve para pensar melhor a sociedade; no outro, ela é a única maneira de pensar. Como resultado, o primeiro caso conduz à interdependência; já o segundo, abre caminho para o englobamento da sociedade pelo indivíduo compartimentalizado que tem necessidade de "liberty" e "freedom". Liberdade que é o sentimento de não ser subjugado, de fazer como bem entende, mas transformada em valor, que no mundo moderno se transforma em "freedom": a motivação inalienável de ser determinado de dentro para fora que constitui o centro do conceito de "autonomia" e conduz a uma oposição dupla entre indivíduo e sociedade. Primeiro, no conflito trivial do indivíduo contra a sociedade quando ele (ou ela) luta por seus direitos ou pela libertação dos costumes. Segundo, quando o indivíduo, integrado por sua auto-suficiência (self-reliance), ousadia (boldness), ambição (ambitiousness) e espírito aventureiro (venturesomeness), produz bem-estar social por meio de sua capacidade empreendedora, ou entrepreneurship11.

Do interior dessa ideologia, faz sentido afirmar com veemência:

"Eu desejo que minha vida e decisões dependam de mim e não de alguma força externa de qualquer tipo. Eu desejo ser o instrumento de mim mesmo, e não dos atos de vontade de outros homens. Desejo ser o sujeito, não um objeto; ser movido por razões, por propósitos conscientes que são meus, e não por causas acidentais que possam me afetar de fora. Eu desejo ser alguém, não ninguém; [ser] um fazedor ¾ decidindo e não sendo decidido; ser autodirigido e não ser moldado por uma natureza externa ou por outros homens como se eu fosse uma coisa, um animal ou um escravo incapaz de desempenhar um papel humano, isto é, de conceber objetivos e rumos próprios e realizá-los. Isto é o mínimo que significa quando eu digo que sou racional e que é a minha razão que me distingue como um ser humano do restante do mundo" (Berlin 1969).

Lida para qualquer membro das sociedades que alguns de nós estudamos, essa glorificação do isolamento e da autonomia individual poderia ser tomada como um "manifesto da feitiçaria" ¾ ou como uma declaração de supremo egoísmo. No entanto, trata-se de uma passagem escrita por Isaiah Berlin em um de seus célebres ensaios sobre um dos atributos mais básicos do indivíduo como valor: a liberdade que, para ele, pode ser vista por meio de dois conceitos e perspectivas. Em um plano efetivamente relativizador e antropológico, entretanto, as idéias de Berlin podem ser lidas como um insuspeito sumário de uma atitude na qual os indivíduos nada devem à coletividade. Muito pelo contrário, devem englobá-la, pois são moralmente superiores a ela.

Já nas sociedade tribais, o ponto dos ordálios não seria criar equivalências ou abrir novos caminhos, mas usar o isolamento como método para estabelecer interdependências dos iniciandos com o grupo. No fundo, e ao reverso, o dado mais crítico dos rituais de iniciação (e talvez a razão pela qual eles sejam levados a efeito) tem a ver com essa experiência radical, e ao mesmo tempo controlada, da individualidade e do afastamento da sociedade, pois por meio deles se engendra uma disciplina baseada em uma estranha dialética de independência e dependência quando se mostra aos neófitos as potencialidades do isolamento, da individualização e, ao mesmo tempo, incute-se neles uma lição profunda de complementaridade. Complementaridade esta que contrasta fortemente com a individualidade e que nós, brasileiros, conhecemos bem como dependência, lealdade, consideração e saudade. Esses valores que nos obrigam a passar por cima das leis para favorecer os amigos12.

Meu ponto central, então, é que a liminaridade dos ritos de passagem está ligada à ambigüidade gerada pelo isolamento e pela individualização dos noviços. É, portanto, a experiência de estar fora-do-mundo que engendra e marca os estados liminares, não o oposto. Em outras palavras, a liminaridade e as propriedades nela descobertas por Turner não têm poder em si mesmas. Mas é a sua aproximação de estados individuais que faz com que os noviços se tornem marginais. É, em uma palavra, a individualidade que engendra a liminaridade. No fundo, os ritos de passagem tratam de transformar individualidade em complementaridade, isolamento em interdependência, e autonomia em imersão na rede de relações que os ordálios, pelo contraste, estabelecem como um modelo de plenitude para a vida social.

Uma palavra final deve ser aduzida a esse exercício que muitos podem achar ingênuo, ou até mesmo despropositado. Afinal, sabemos todos, cada sociedade esconde dentro de si infinitos significados que sempre escapam desses exercícios gerais e ambiciosos de entendimento. Sou o primeiro a concordar com tal apreciação. Minha defesa, se defesa tenho, é a lembrança da anedota do estruturalista francês contada por Marshall Sahlins. Conta ele que, estudando estátuas eqüestres de vultos históricos, um estruturalista empedernido descobriu que quanto mais importante o vulto, mais patas do cavalo, como que a confirmar em um outro código a importância social do ator, estavam no ar. Finda a preleção, um pós-moderno questionou desdenhosamente: "mas, ninguém mais anda a cavalo...". No que o estruturalista respondeu: "de fato, mas ainda erigimos estátuas".



Recebido em 14 de fevereiro de 2000





Roberto DaMatta ocupa a cátedra Rev. Edmund P. Joyce de Antropologia na University of Notre Dame, Indiana, Estados Unidos. É professor titular licenciado da Universidade Federal Fluminense. Escreveu, entre outros, Um Mundo Dividido: A Estrutura Social dos Índios Apinayé, Carnavais, Malandros e Heróis, A Casa e a Rua, O que Faz o Brasil, Brasil? e Conta de Mentiroso. Seu último livro, escrito com Elena Soárez, intitula-se Águias, Burros e Borboletas: Um Estudo Antropológico do Jogo do Bicho.





Notas

* "Conferência Castro Faria", proferida no Museu Nacional/UFRJ em 9 de agosto de 1999. No preparo para a publicação desta conferência, contei com sugestões valiosas do prof. Carlos Fausto. A profa Lívia Barbosa, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense, fez importantes comentários sobre as idéias centrais do trabalho. A ambos sou grato pelas opiniões que, naturalmente, não me eximem dos exageros e dos erros cometidos.

1 O chamado estudo mono-gráfico (etnografias são freqüentemente monografias escritas a partir da perspectiva de um único observador) de pequenas tribos, em geral relativamente isoladas. Estudos que, conforme sabemos, têm servido de caução contra as pretensões universais da visão Iluminista, pois seus achados formam o deleite antropológico quando permitem dizer: "isso pode ser 'verdade' no Ocidente, mas entre os 'Brasa-Bela' não é assim" (ver DaMatta 1987).

2 Max Weber nos fez ver como a ética protestante foi essencial para colocar a religião em todos os lugares e para ajudar a transformar o "indivíduo-fora-do-mundo" em uma entidade deste mundo. Vale consultar O Individualismo (1985) de Louis Dumont para uma visão elaborada dessa transição, à qual, inspirada em Weber, ele atribui a autonomização seriada dos domínios político e econômico do que chamamos de esfera da "religião" que, conforme já havia ensinado Durkheim, englobava tudo. Charles Taylor chega, sabendo ou não, por vias filosóficas e neo-evolucionistas, próximo de Dumont quando diz que no self moderno, "pensamento e sentimento ¾ o psicológico ¾ estão agora confinados a mentes. Isto é coerente [continua ele] com o nosso desengajamento do mundo" (cf. Taylor 1989:186).

3 Apreciei essa reação anglo-saxônica ou "ocidental" ao que seria uma avassaladora e deplorável coletivização nas observações marginais e introdutórias de Evans-Pritchard no seu livro sobre Os Nuer (1978), de Lévi-Strauss em Tristes Trópicos (1956), de Chagnon entre os Yanomamo (1968) e de Maybury-Lewis entre os Xavante (1967) (DaMatta 1981:169). Viveiros de Castro observa o mesmo ponto no trabalho de Thomas Gregor no Xingu, todo ele marcado por um individualismo implícito e inconsciente (ver Seeger, DaMatta e Viveiros de Castro 1979).

4 Essa perspectiva relativiza criticamente uma situação recorrente nos estudos brasileiros, ultrapassando as análises baseadas em tipos institucionais acabados e essencializados ¾ "democracia", "feudalismo", "subdesenvolvimento", "mercado" etc. ¾ bem como em um evolucionismo um tanto infantil, pronto a afirmar que o "Brasil é um país ainda na infância", daí as suas dificuldades com o quadro institucional burguês e moderno, constituído em países "mais velhos", "mais adiantados" e "mais maduros", ou "experientes".

5 O qual desenha no poema Bishop Blougram's Apology publicado no livro Man and Woman, em 1855, a ambigüidade como o elemento mais fascinante da condição humana, afirmando:

Nosso interesse está na margem perigosa das coisas.
O ladrão honesto,
O homicida compassivo,
O ateu supersticioso,
A mulher de reputação duvidosa, que ama e salva sua alma
em novos livros franceses.
Nós ficamos observando, enquanto eles se mantêm em equilíbrio,
Acompanhando a vertiginosa linha intermediária.

6 "Teoria da ambigüidade" que ¾ hoje tenho consciência disso ¾, talvez, tenha sido o momento em que a antropologia mais se aproximou de uma teoria geral da sociedade, análoga à teoria geral dos preços e do mercado na economia e do ego e do inconsciente na psicologia.

7 Uma das formas de amor mais populares nos Estados Unidos é o "self-love" ¾ o amor de e para si mesmo. Amor que é a semente da autoconfiança e da auto-estima, esses pilares da construção da subjetividade no chamado individualismo moderno.

8 Sobre os gregos, já Van Gennep (1978) acentuava que uma fase importante da iniciação dos jovens, quando eram levados à beira do mar, se denominava elasis, isto é, remoção ou banimento.

9 Duas monografias sobre a noção de "eu" e de "pessoa" na Índia ressaltam bem esse ponto, pois tanto entre os tamil, quanto na tradição do budismo teravada, temos, respectivamente, seres marcados por substâncias fluidas e, do ponto de vista ocidental e moderno, uma contradição em termos: "selfless persons" (pessoas sem eu) (cf. Daniel 1984 e Collins 1982).

10 Tudo, como se observa, que tem a ver com traço exclusivo, com marca distintiva única e com integração sólida, sinal de que a entidade assim constituída tem fronteiras bem delimitadas. Ora, isso é o oposto da idéia de personalidade vigente nas sociedades tribais, onde o "eu" é sempre dividido em muitas partes e/ou almas. Veja-se a reação de Taylor perante o fato de os Buriats da Sibéria terem três almas (Taylor 1989:113). Veja-se também a admoestação "dumontiana" de Geertz, que aqui segue em uma tradução livre: "A concepção Ocidental de pessoa como um universo compartimentalizado, único e motivacionalmente mais ou menos integrado, um centro dinâmico de consciência, emoção, julgamento e ação, organizado em uma totalidade distinta e em um conjunto contrastivo em relação a outras totalidades semelhantes e contra o seu cenário social e natural é, ainda que isso possa ser um fato incorrigível para nós, uma idéia um tanto peculiar dentro do contexto das culturas do mundo" (cf. Geertz 1983:59).

11 Devo parte dessas observações a Lívia Barbosa que acentua, com sua perspicácia habitual, que o "entrepreneurship" não é um valor no Brasil. Pelo contrário, muitas dessas conotações positivas da idéia de liberdade e de "freedom" são tomadas como negativas em muitas sociedades. No Brasil são geralmente lidas como "egoísmo".

12 Não resisto à tentação de citar um trecho provocador do ensaísta mexicano Gabriel Zaid, que traduzo livremente: "Uma vez pensei em escrever uma tragicomédia sobre a corrupção no México, através de um personagem incorruptível que, por sua honestidade, provoca uma desgraça atrás da outra. Seu desejo de fazer o bem causa o mal: arruína sua família, estorva desastrosamente aqueles que queria ajudar, faz com que percam o emprego, hostiliza os vizinhos e dá origem a mortes, ódios, fome, ruína. Acaba renegado por seus filhos, abandonado por sua mulher, sem amigos e expulso de sua cidade. No México a honestidade é tragicômica" (Zaid 1989).



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