Weber procura estudar uma da
infinitas causas que, segundo ele, suscitaram o advento do Capitalismo, posto
que, para o autor, o número e a natureza das causas que determinam qualquer acontecimento
individual são sempre infinitos. Isto posto, passa a perquirir “se” e “de que
modo” a Reforma e a ética por ela fundada influenciaram a ocorrência do sistema
econômico e social denominado capitalismo.
Podemos discriminar duas ordens
de influência entre a ética protestante e o espírito do capitalismo, distintas,
mas intimamente relacionadas:
1. De
ordem “espiritual” ou moral, que daria origem ao modo racional de conduta,
dominante no sistema capitalista;
2. De
ordem “material” ou econômica, relacionada com a acumulação de capital e
realizada, sobretudo, por aqueles impregnados da “ética protestante”,
principalmente a calvinista.
(I)
Foi o Calvinismo a fé em torno da
qual se estabeleceram as lutas políticas e culturais na Inglaterra, Países
Baixos e França nos séculos XVI e XVII e, por isso, ocupa ele o papel central
na análise de Weber. O dogma que o caracterizava era a doutrina da
predestinação segundo o qual, por decreto de Deus e desde sempre, alguns homens
são predestinados à vida eterna e outros são predestinados à morte eterna. A
graça de Deus dessa forma, obtida por alguns, apenas, não podia ser, quer por
meios mágicos, quer por qualquer outro meio, obtida pelos demais. Ela (a graça
de Deus), uma vez que Seus desígnios não podiam mudar, é tão impossível de ser
perdida por aqueles a que Ele a concedeu, como é inatingível para aqueles aos
quais Ele a negou. Ante à interrogação de como o indivíduo podia assegurar-se
de sua própria eleição, Calvino tinha apenas a resposta de que devíamos nos
contentar com o conhecimento de que Deus escolhera e dependermos mais da
confiança em Cristo, que é o resultado da verdadeira fé. Calvino rejeita, a
princípio, a suposição de que alguém possa deduzir, pela conduta dos outros,
serem eles escolhidos ou condenados. “Os eleitos, assim, são e permanecem a
Igreja invisível de Deus”. Contudo, tal atitude foi impossível para seus
adeptos. Por isso , onde quer que a doutrina da predestinação tenha sido
mantida, não se pôde suprimir a questão referente à existência de algum
critério infalível pelo qual a eleição pudesse ser reconhecida. Disso resultou
2 tipos principais de recomendações pastorais: por um lado, manteve-se como um
dever absoluto o cada um considerar-se escolhido e de combater as dúvidas e
tentações do demônio, já que a falta de autoconfiança era o resultado da falta
de fé, portanto, de graça imperfeita. Por outro lado, a fim de alcançar aquela
autoconfiança, uma intensa atividade profissional era recomendada, como o meio
mais adequado. Ela, e apenas ela, afugenta as dúvidas religiosas e dá a certeza
da graça. A comunidade dos eleitos apenas podia concretizar-se , e a eles ser
perceptível, naquilo que Deus se realiza através dele e daquilo que se lhes
tornasse consciente. Isto é, sua atividade originava-se da fé causada pela
graça de Deus e esta, por sua vez, justificava-se pela qualidade daquela
atividade tornada legítima por Deus. O Calvinismo julgava capaz de identificar
a verdadeira fé por um tipo de conduta cristã que servisse para aumentar a
glória de Deus. O mundo existe para a glorificação de Deus e somente para este
fim. O cristão eleito está no mundo apenas para aumentar esta glória, cumprindo
seus mandamentos ao máximo de suas possibilidades. Somente o eleito, devido ao
seu renascimento e de sua consequente santificação de toda sua vida, é capaz de
aumentar a glória de Deus através das boas obras verdadeiras, e não apenas
aparentes. Assim, apesar da inutilidade das boas obras como meio de obtenção da
salvação, elas eram indispensáveis como sinal de escolha. “Eram os meios
técnicos não da compra da salvação, mas de libertação do medo da condenação.”
Percebemos que também no
Catolicismo o fiel “criava” sua própria salvação, ou melhor, a convicção disto.
Mas, diferentemente do que ocorria nessa religião, no Calvinismo, tal não podia
constituir-se do acúmulo gradual de boas obras isoladas, mas sim de um
sistemático autocontrole. As boas obras do católico não formam, necessariamente,
um sistema de vida integrado, ou ao menos racionalizado, mas constituem, no mais
das vezes, uma sucessão de atos isolados. O Deus do calvinista, por outro lado,
requeria de seus fiéis não apenas “boas obras” isoladas, mas uma santificação
pelas obras, coordenada em um sistema unificado. A conduta moral do homem médio
foi, assim, despojada de seu caráter não planejado e assistemático e sujeita,
como um todo, a um método consistente. “A vida do santo”, diz Weber “era
dirigida unicamente para um fim transcendental: a salvação, Precisamente por
essa razão, entretanto, ela era completamente racionalizada do ponto de vista deste
mundo e dominada inteiramente pela finalidade de aumentar a glória de Deus
sobre a Terra.” Assim, depois da Reforma, todo cristão tinha que ser um monge por toda a sua vida: aqueles dotados de
uma natureza eminentemente espiritual, que até então formavam o monasticismo da
Idade Média, sob a Religião Católica, foram forçados, daí por diante a
perseguir seus ideais ascéticos através de ocupações seculares. Baseando sua
ética na doutrina da predestinação, o Calvinismo substituiu a aristocracia
espiritual dos monges, alheia e superior ao mundo, pela aristocracia espiritual
dos predestinados, integrados no mundo. Tanto o Calvinismo, como o monasticismo
católico, entretanto, caracterizaram-se por um método sistemático de conduta
racional a fim de libertar o homem dos impulsos irracionais. Diz Weber : “ o
ascetismo puritano (...) tentava habilitar o homem a afirmar e a fazer valer os
seus ´motivos constantes´ especialmente aqueles que foram por eles adquiridos
em contraposição aos sentimentos. Sua finalidade (...) era habilitar para a
vida alerta e inteligente, enquanto a tarefa imediata de anulação do gozo
espontâneo e impulsivo da vida era o meio mais importante da ascese na
ordenação da conduta de seus adeptos”.
Assim, à medida que a ética
puritana e a sua concepção de vida foi se propagando, favoreceu-se o
desenvolvimento de uma vida econômica racional e burguesa.
(II)
Em segundo lugar e intimamente
relacionado ao que já foi dito, mencionamos acima que o puritanismo favoreceu o
advento do capitalismo também naquilo que poderíamos considerar estritamente
econômico. Com efeito, Weber mostra de que modo os fiéis, na tentativa de
“aumentar a glória de Deus” através de uma vocação eficientemente exercida,
conjugada com a repressão aos impulsos de caráter “hedonísticos” , acabaram por
acumular riquezas que constantemente eram reinvestidas. Na doutrina e no dogma
calvinista, a riqueza constitui sério perigo, mas tal objeção moral refere-se
ao descanso sobre ela, ao seu gozo e a o ócio por ela proporcionado o que
poderia levar à desistência da procura de uma vida santificada. O homem deve
trabalhar e dar o máximo de si no trabalho para estar seguro de seu estado de
graça. Ele é a própria finalidade da vida, sendo a falta de vontade de trabalhar
um sintoma da ausência do estado de graça. Outrossim, no próprio fenômeno da
divisão de trabalho era atribuída um caráter providencial, em virtude de seus
resultados: a especialização das ocupações leva, à medida que possibilita o
desenvolvimento das habilidades do trabalhador, a progressos quantitativos e
qualitativos na produção, servindo assim também ao bem comum, que é idêntico ao
bem do maior número.
Portanto, a riqueza é condenável
eticamente só na medida que constituir uma tentação para a vadiagem e para o
aproveitamento pecaminoso da vida. Sua aquisição é má somente quando é feita
com o propósito de uma vida posterior mais feliz e sem preocupações. Mas, como
o empreendimento de um dever vocacional, ela não é apenas moralmente
permissível, como diretamente recomendada.
Diz Weber: “Esse ascetismo
secular do protestantismo opunha-se , assim, poderosamente, ao espontâneo
usufruir das riquezas, e restringia o consumo, especialmente o consumo de luxo.
Em compensação, libertava psicologicamente a aquisição de bens das inibições da
ética tradicional, repondo os grilhões da ânsia de lucro, com o que não apenas
a legalizou, como também a considerou como diretamente desejada por Deus”. E
prossegue : “combinando essa restrição ao consumo com essa liberação da
riqueza, é óbvio o resultado que daí decorre: a acumulação capitalista através
da compulsão ascética à poupança. As restrições impostas ao uso da riqueza
adquirida só poderiam levar a seu uso produtivo como investimento de capital.”
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