sexta-feira, 10 de março de 2017

Maslow, Sheldrake e a Experiência de pico

Por: Colin Wilson







Colin Wilson




Outro dia, no pub local, um estranho me perguntou quantos livros eu tinha escrito. Quando respondi 55, ele pareceu surpreso, e me perguntou se havia algum tema constante que aparecia em todos eles.

Deitado de olhos abertos no meio da noite, eu decidi considerar aquilo como um desafio, e tentar resumir o tema básico de toda a minha obra.

O resultado - a seguir - é o mais perto que eu consigo fazer em duas mil palavras.

Há cerca de 25 anos, recebi uma carta de um professor americano de psicologia chamado Abraham Maslow. O que ele tinha para dizer me surpreendeu com algo totalmente original. Maslow disse que, como psicólogo, ele estava cansado de estudar pessoas doentes, porque elas nunca falavam de outra coisa que não fosse sua doença. Então ele perguntou para os amigos: “Quem é a pessoa mais saudável que você conhece?” E reuniu essas pessoas saudáveis e começou a fazer perguntas. Ele descobriu imediatamente algo que ninguém tinha percebido antes: que essas pessoas extremamente saudáveis tinham, com freqüência razoável, o que Maslow chamou de “experiências de pico”, momentos de felicidade borbulhante e arrebatadora.

Um exemplo típico. Uma jovem mãe estava observando o marido e os filhos tomando o café da manhã. De repente, um raio de sol entrou pela janela. Ela pensou: “Meu Deus, eu tenho muita sorte!” - e entrou na experiência de pico.

 Quando Maslow falou sobre as experiências de pico com seus alunos, ele fez outra descoberta importante. Eles começaram a se lembrar de suas próprias experiências de pico no passado, que já estavam quase esquecidas. Ele percebeu que esse era o problema: todos temos experiências de pico, mas nós as desconsideramos e logo as esquecemos. Mas, no momento em que seus alunos começaram a se lembrar das experiências de pico, eles começaram a ter novas experiências de pico.

Falar e pensar a respeito delas parecia colocá-los na disposição certa para viver novas experiências de pico. Esse relato me entusiasmou muito. Porque era óbvio que, se a ciência conseguisse descobrir como induzir as experiências de pico, a maior parte de nossos piores problemas sociais simplesmente desapareceria.

Mesmo naquela época, no começo dos anos 1960, era óbvio que a maior parte dos nossos problemas era causada pelo tédio e pela frustração, e que o alcoolismo, o abuso de drogas, a violência no futebol, o vandalismo e os crimes sexuais não passavam de uma busca desajeitada por essas experiências de pico.

Se pudéssemos aprender o segredo da experiência de pico, estaríamos muito mais próximos da “Utopia moderna” de H.G. Wells. Mas quando eu coloquei a questão para Maslow, sua resposta me desapontou. Ele disse que não achava possível ter experiências de pico “à vontade”. Elas surgiam quando queriam, e não havia muito o que fazer a respeito. O comentário me pareceu oposto ao otimismo de suas idéias. Eu fiquei determinado a experimentar e tentar descobrir como induzir experiências de pico.

A primeira pista foi o fato de os alunos de Maslow vivenciarem mais experiências de pico logo que começaram a lembrar e falar sobre experiências passadas. O motivo era óbvio. Pensar e falar sobre a felicidade cria um estado de espírito otimista. Você tem a sensação de que o homem foi feito para ser feliz. O filósofo Epicteto fez uma observação interessante: “O homem não se preocupa tanto com os problemas reais quanto se preocupa com a ansiedade imaginária a respeito de problemas reais”. Quer dizer, temos a tendência de encalhar em um estado mental negativo. É por isso que as pessoas felizes têm mais experiências de pico: elas não passam o tempo todo se preocupando com coisas que nunca vão acontecer.

Nos últimos 25 anos, eu aprendi muito sobre vários truques que podem ser usados para induzir a experiência de pico, e comprovei que, para minha grande satisfação, Maslow estava enganado. (Infelizmente, ele morreu antes que eu pudesse relatar isso a ele.) Existem várias técnicas mentais simples para induzir a experiência de pico, e o método básico é sempre o mesmo: deliberadamente criar um estado de “tensão interna”, seguido imediatamente de um relaxamento.

Graham Greene descobriu esse método básico quando era adolescente e resolveu jogar roleta russa com o revólver do irmão. Quando a agulha estalou em seco, ele sentiu uma sensação de prazer extraordinário. Esse método não é recomendável, mas qualquer um que pensar bem a respeito vai entender que a técnica contém todos os elementos fundamentais.

Algumas semanas atrás, eu passei quatro dias em Amsterdã tentando ensinar uma sala cheia de “estudantes maduros” a induzir experiências de pico. O experimento foi mais bem sucedido do que eu esperava. Na sessão final, dois estudantes acreditavam estar vendo uma luz dourada, e outra disse que se sentiu flutuar acima do chão. Mas isso nos aproximaria de uma “Utopia moderna”?

Há cinco anos, eu teria dito que não. Mas nesse meio tempo, houve um fascinante desdobramento.

Esse desenvolvimento se deve em boa parte a um único homem, o biólogo Rupert Sheldrake. Em um livro chamado A New Science of Life, Sheldrake apresentou uma teoria da evolução que chocou boa parte de seus colegas mais velhos.

De acordo com a biologia moderna, a evolução se dá através de mudanças nos genes. Segundo Sheldrake, existe um método mais simples e mais rápido, que ele chama de “ressonância mórfica”. A melhor maneira de explicar isso é citar a famosa história sobre os macacos na Ilha de Koshima, na costa do Japão. Os cientistas deram batatas-doces sujas para os macacos, e uma macaca extremamente esperta chamada Imo descobriu que, quando ela lavava as batatas na água do mar, o gosto ficava bem melhor. Rapidamente, todos os macacos em Koshima aprenderam o truque. Mas outros macacos no Japão também aprenderam - macacos que não tiveram contato algum com aqueles em Koshima. Seria algum tipo de telepatia? Aparentemente não, porque o fenômeno não ocorria apenas com animais, mas com cristais.

Algumas substâncias são extremamente difíceis de se cristalizar em laboratório. Mas assim que um laboratório tem sucesso na cristalização, a substância passa a se cristalizar muito mais facilmente ao redor do mundo. Inicialmente, suspeitou-se que cientistas visitantes levavam pequenos fragmentos dos cristais em suas roupas e barbas. Mas essa possibilidade foi eliminada posteriormente. Aparentemente, os cristais estavam “aprendendo” uns com os outros, de algum modo…

Sheldrake submeteu sua teoria a uma série de testes. Em um deles, ele enviou milhares de cartões com uma imagem-truque, em que uma face se esconde sob uma massa de linhas. Ele raciocinou que, no momento em que um certo número de pessoas aprendesse a “ver” o rosto oculto, um número cada vez maior passaria a ver a face imediatamente. E foi exatamente o que o aconteceu.

Se Sheldrake estiver certo - e os biólogos estão brigando com ele a cada passo do caminho -, as conseqüências serão óbvias e extraordinárias. Inicialmente, teríamos que reconhecer que nossos escritores e artistas têm grande parte da culpa pelo estado caótico da sociedade.

A maior característica de um vencedor do Prêmio Nobel parece ser acreditar que a vida é fútil e sem sentido, e dizer isso em livros e peças que terminam com a derrota do herói. Nós empurramos esse lixo para nossas crianças na escola e na universidade e acreditamos estar preparando-os para encarar a vida.

Se existir mesmo uma verdade na teoria da ressonância mórfica, isso é o equivalente a despejar germes no reservatório de água da cidade. Por outro lado, se um grupo suficientemente grande de seres humanos aprender a ter experiências de pico quando quiser - ou simplesmente aprender a se colocar em um estado de espírito favorável às experiências de pico então, de acordo com Sheldrake, o efeito continuará se espalhando naturalmente por um número cada vez maior de pessoas. E talvez um século depois - ou talvez bem menos - todos nasçam com a capacidade de induzir as experiências de pico. 

 E a face de nossa civilização mudaria completamente. 


Colin Wilson

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