segunda-feira, 10 de agosto de 2020

O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NOS EUA (2)

PARTE 2 - ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS E OUTROS DADOS CONCRETOS



  1. CASO Citzens United (2010): no qual a Suprema Corte anulou os efeitos da lei McCain-Feingold, permitindo doações ilimitadas de empresas para campanhas. Para 2 avaliações fortes das contribuições de campanha na politica americana ,ver Heather K. Gerken: The Real Problem with Citzen United : Campaign Finance, Dark Money and Shadow Parties" . E Jane Mayer: Dark Money: The Hidden History of the Billionaires behind the Rise of The Radical Right. Ver tb o livro de Zephyr Teachout - Corrupção na América;
  2. Reagan relaxou a lei federal do pós-guerra sobre equilíbrio e diversidade de pontos de vista na mídia, a Fairness Doctrine, um ato que facilitou o avanço da Fox Broadcasting Company, a rede aberta recém-fundada por Murdoch. Vale lembrar que o chamado jornalismo objetivo foi uma exceção e não uma norma na história da imprensa americana. Entre a Segunda Guerra e o final de década de 1980, o negócio do jornalismo, sustentado por anunciantes, dependia de atingir audiências maiores, portanto, não sectárias. O acirramento da polarização política nos EUA, sob o governo Clinton, e a emergência da mídia digital coincidiram com a ascensão da Fox News no cabo. Mas a rede começou conservadora, não lunática. Hoje, a programação do horário nobre do canal, assistida por uma média de 2.5 milhões de espectadores, é um loop contínuo de propaganda, conspirações e desinformação. Medo e raiva são o modelo editorial. 
  3. Em 2013, a Suprema Corte descobriu que racismo não era problema nos EUA e tomou uma decisão cujas consequências demonstraram a falsidade dessa premissa. A Lei de Direito ao Voto de 1965 exigia que estados com histórico de supressão do voto de afro-americanos submetessem mudanças em suas leis eleitorais para aprovação dos tribunais. Quando a Suprema Corte entendeu que isso não era mais necessário,  certos estados imediatamente passaram a dificultar o acesso ao voto de afro-americanos (e de outros cidadãos). Em todo o Sul dos EUA, locais de votação  desapareceram, em geral sem aviso, em cima da hora da eleição.  Em 22 estados foram aprovadas leis destinadas a reduzir o peso de afro- americanos e hispânicos nas urnas - leis que materialmente afetaram a eleição presidencial de 2016. Na eleição de 2016, no estado de Ohio, 144 mil pessoas a menos votaram em condados que incluíam grandes cidades em relação a quatro anos antes. Nesse mesmo ano, na Flórida, cerca de 23% dos afro-americanos tiveram negado o direito ao voto por serem criminosos condenados. Os crimes na Flórida incluem soltar balão de gás hélio ou pescar lagostas de cauda curta. Ainda em 2016, no Wisconsin, foram contabilizados 60 mil votos a menos em comparação com a eleição presidencial anterior. A maior parte dessa redução ocorreu na cidade de Milwaukee, que concentra a maioria dos afro-americanos do estado. Barack Obama tinha ganhado na Flórida, em Ohio e no Wisconsin em 2012. Trump venceu nos três estados por pequena margem em 2016, sendo que no Wisconsin obteve apenas 23 mil votos a mais. (from "Na contramão da liberdade: A guinada autoritária nas democracias contemporâneas" by Timothy Snyder, tradução Berilo Vargas)
  4. Caso do encarceramento em massa : a partir da administração Nixon, promoveu-se o endurecimento das leis anti crime e diminui os programas sociais. (Ver o livro q fala mais detalhadamente sobre a perda de primariedade após um delito com subsequente punição mais dura no caso de cometimento de infração leve). Nos Estados Unidos, desde a “guerra contra o crime” dos anos 1990, quem reincidia duas vezes, tendo cometido ao menos um crime que valesse dez anos de cadeia, ia preso para sempre —sem condicional. No papel, parece uma boa lei: vamos tirar de circulação os contumazes. Por essa lei, Alvin Kennard cumpriu 36 anos de cadeia por assaltar uma padaria de faca na mão e roubar US$ 50 e uns quebrados. Isso por ser reincidente, embora seus crimes anteriores não fossem violentos. Quem soltou Alvin foi um juiz, opondo-se à lei.  Os resultados que se destacam da aplicação dessas práticas penais nos Unidos foram o hiper encarceramento, o aumento massivo de demandas judiciárias (sendo que, estatisticamente, na década de 1990, mais da metade delas não chegava a ser julgada, ou pelo fim de prazos, ou por não possuírem qualquer fundamento), a desconfiança da população mais pobre em relação ao aparelho policial (com um aumento de queixas) e a discriminação racial, com a confirmação de prisões apenas baseadas na aparência do sujeito, infundadas, principalmente de latinos e negros. 
  5. A chamada Lei Do Direito ao Trabalho, pelo qual dispensou a contribuição sindical obrigatória ao mesmo tempo que confere àquele que não contribui os mesmos direitos de representatividade sindical (Do livro : Como Funciona o Fascismo, de Jason Stanley). Nos anos 1980, o governo federal enfraqueceu a posição das organizações sindicais. A percentagem de norte-americanos em empregos sindicalizados  caiu de cerca de um quarto para menos de 10%. A sindicalização no setor privado  despencou ainda mais, de 34% para 8% entre os homens  e de 16% para 6% entre as mulheres. A estimativa de Bruce Western e Jake Rosenfeld é de que a dessindicalização explica de um quinto a um terço do aumento da desigualdade.
  6. Os EUA tinham recursos p oferecer politicas básicas que estabilizariam as classes medias (aposentadoria, transporte coletivo, assistência medica, ferias remuneradas e licença maternidade e paternidade), mas uma tendência regressiva na politica tributaria tornava isso mais difícil. Enquanto os trabalhadores pagavam uma carga tributaria cada vez maior, através  de impostos na folha de pagamentos, as empresas e as famílias ricas viam a sua cair pela metade, ou mais.
  7. Dos anos 1980 para cá,  as alíquotas tributarias pagas pelos norte-americanos de maior renda, que formam o topo de 0,1%, caíram de 65% para 35% e pelos que formam o topo do topo de 0,01%, de 75% para menos de 25%. 
  8. Em 1981 , Reagan baixou a alíquota máxima de imposto de renda p a população de alta renda de 70% para 50%; em 1986 baixou novamente, para 38,5%. George Bush reduziu p 35%; e a alíquota sobre ganhos de capital, de 20% para 15% em 2003.
  9. Desde 1986, o PIB per capta dos EUA cresceu 59%; o patrimônio liquido do país cresceu 90%; o lucro empresarial aumentou 283%. Porem só 1% do crescimento total de 1986 a 2012 foi para as famílias que compõem 90% da base da pirâmide social. Em contrapartida 42% foi para o 0,1% do topo.
  10. Reagan cortou pela metade o financiamento de subsídios a alugueis e habitações sociais e tirou 1 milhão de pessoas do auxilio-alimentação. Bill Clinton substituiu o Auxilio a Famílias com Filhos Dependentes , um programa sem limite de duração, pela Assistência Temporária para Famílias Carentes, um programa administrado pelos estados e que tem limite de 2 anos consecutivos ou 5 ao todo. Os estados por sua vez corroeram o sistema de amparo social usando os recursos para preencherem seus orçamentos. Por isso se ha 2 décadas , 68% das famílias pobres com filhos recebiam auxilio financeiro , atualmente somente 26% recebem.

Obs: As últimas três notas retiradas de O Povo Contra A Democracia e Na Contramão da Liberdade.

11.A aliquota de imposto de renda nos EUA em 2012 para empresas foi quase um recorde mundial: 39,1% . Porem o percentual efetivamente pago foi o mais baixo em 4 décadas: 12,1%.

12.Em 1978, uma família no topo do topo, de 0,01%, era 222 vezes mais rica do que a família norte-americana media. Em 2012, essa família era 1120 vezes mais rica. Dos anos 1980 em diante, 90% da população norte-americana não ganhou  na pratica coisa nenhuma, fosse em riqueza ou renda. Nos anos 2010, os EUA  se aproximaram do padrão russo de desigualdade. Nesse, período ocorreu a emergência dos clãs oligárquicos  Koch, Mercer, Trump,  Murdoch na política. ( de Na Contramão da Liberdade);

OBS: Com base em vários relatórios sobre pobreza das Nações Unidas,  um estudo de 2006 nos mostra que por volta de 1980, para cada US$ 100 de crescimento mundial, os 20% das pessoas de menor renda receberam US$ 2,20. Duas décadas depois, um crescimento mundial adicional de US$ 100 traduziu-se em míseros US$ 0,60 extras para os 20% mais pobres. O que é  agravado pelas políticas impostas pelo FMI aos países de terceiro mundo na esteira da crise da divida e que se traduz em cortes de serviços públicos e austeridade.( de O Minotauro Global - Yanis Varoufakis)

OBS : em 2003, para cada US$ 1 de renda mundial, circulavam US$ 1,80 em derivativos. Quatro anos depois , em 2007, essa proporção  havia aumentado 640% : cada US$ 1 de renda mundial correspondia US$ 12 em derivativos. (IDEM) 
  
13- O Institute on Taxation and Economic Policy informa que os 9 maiores bancos norte-americanos pagaram apenas 18,6% de impostos entre 2008 e 2015 . Os 6 maiores administram 2.342 sucursais em paraísos fiscais. (From Ladislau Dowbor , A Era do Capital Improdutivo)

14 -  O retrocesso nos Estados Unidos é particularmente preocupante e explica, sem dúvida, transformações políticas recentes. Um texto curto e de excepcional qualidade traz dados que chocam: “Os nossos dados mostram que a metade na base inferior de distribuição de renda nos Estados Unidos foi completamente excluída do crescimento econômico desde os anos 1970. De 1980 a 2014 a renda média nacional por adulto cresceu 61% nos Estados Unidos. No entanto, a renda média antes da tributação dos 50% com menor renda individual (individual income earners) estagnou em cerca de 16 mil dólares por adulto, ajustados à inflação. Em contraste, a renda explodiu (skyrocketed) no topo da distribuição de renda, subindo 121% para os 10% no topo, 205% para o 1% no topo, e 636% para o 0,001% no topo”. Particularmente importante, a pesquisa mostra que o aumento da riqueza no topo se deve essencialmente ao rendimento de aplicações financeiras, capital improdutivo. As implicações políticas não escapam aos autores: “Uma economia que deixa de assegurar crescimento para a metade da sua população no período de uma geração inteira gerará necessariamente descontentamento com o status quo e uma rejeição das políticas do establishment.” (from "A era do capital improdutivo: Nova arquitetura do poder - dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta" by Ladislau Dowbor)

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