PARTE 1 - ORIGEM DO PROBLEMA E CONTEXTUALIZAÇÃO
Ao final
da Guerra de Secessão, as lideranças escravocratas reunidas em torno do Partido
Democrata do Sul dos EUA estavam derrotadas. O Partido Republicano, nortista
abolicionista e vitorioso na Guerra impôs uma agenda integracionista em relação
aos antigos escravos. Essa agenda ficou conhecida como Reconstrução.
A Reconstrução dos Estados
Unidos foi um período da história dos
Estados Unidos que se iniciou após o término da Guerra de Secessão, em 1865, e se estendeu até o ano de 1877. O período é marcado pelo retorno
gradual dos estados que haviam se separado do país e formado os Estados
Confederados da América, do status dos
líderes da antiga Confederação, e pelo início do processo de integração
dos ex-escravos afro-americanos.
O governo dos Estados Unidos à época era
dominado pelo Partido
Republicano. Líderes republicanos concordavam que remanescentes do poder político
dos antigos senhores de escravos, bem como o nacionalismo confederado, teriam
que ser suprimidos. Republicanos moderados, liderados pelos Presidentes Abraham Lincoln e Andrew Johnson, sugeriram a
unificação do país o mais rapidamente possível. Porém, republicanos extremistas
queriam ações severas contra os Estados que compunham a antiga Confederação.
Em 1866, Johnson rompeu com os republicanos,
e aliou-se com o Partido
Democrata, que se opunham à igualdade entre brancos e afro-americanos e à abolição
do trabalho escravo. Nas eleições de 1866 da Câmara
dos Representantes, os republicanos radicais obtiveram posições
suficientes para anular vetos do Presidente Jonhson, e até mesmo para iniciar
um processo de impeachment. O processo foi aprovado na Câmara
dos Representantes mediante votação, mas Johnson permaneceu no cargo após
votação no Senado, por apenas um
único voto, embora possuísse pouco poder político em assuntos ligados à Reconstrução.[1]
Durante a Reconstrução, os estados
que haviam formado os Estados Confederados da América foram ocupados por tropas
militares dos Estados Unidos. Enquanto isto, os republicanos radicais
instituíram diversas medidas que desagradaram a elite de tais estados, como:
- permitindo que afro-americano
votassem em eleições;
- colocando negros em posições de
poder e
- removendo o poder de voto de
cerca de 15 mil brancos, antigos
soldados ou oficiais confederados.
Gradualmente, os radicais foram
substituídos por republicanos mais moderados, que se esforçaram para modernizar
os estados ocupados.
Em 1876, o republicano Rutherford B. Hayes venceu as eleições
presidenciais americanas, em uma eleição controversa. Enquanto isto, os
democratas haviam assumido o poder de todos os estados que formavam a antiga
Confederação. Tais democratas concordaram em aceitar os resultados da eleição,
caso as tropas federais que ocupavam tais estados fossem removidas da região.
Como muitos já consideravam o nacionalismo confederado e o trabalho escravo
como destruídos no país, Hayes concordou, e removeu as tropas em 1877, dando fim à Reconstrução.
A Reconstrução deixou profundas
feridas nas relações entre o antigo Sul e Norte americano, que
durariam aproximadamente um século. No cenário político do país, os democratas
teriam amplo domínio político do Sul, enquanto o Norte seria dominado pelos
republicanos. Este cenário permaneceu praticamente intacto até a Grande Depressão
da década de 1930, e mudaria
profundamente somente a partir da década de 1960.
CONSENSO SOBRE EXCLUSÃO RACIAL (1877-1965)
Segundo Steven Levitsky e Daniel
Ziblatt , em “Como As Democracias Morrem”:
As normas que sustentam o sistema
politico norte-americano repousavam até os anos 1960/70 , num grau considerável,
em exclusão racial. A estabilidade do período entre o final da Reconstrução e
os anos de 1980 estava enraizada num pecado original: o Compromisso de 1877 e
suas consequências, que permitiram a “desdemocratização” do Sul e a
consolidação das leis Jim Crow. A exclusão racial contribuiu diretamente para a
civilidade e a cooperação partidárias que passaram a caracterizar a política
norte-americana no sec. XX.
Ou seja, para os autores, o consenso
politico só foi possível graças à segregação de boa parte da população.
Ainda segundo os autores: a
tolerância mútua só se estabeleceu depois que a questão da igualdade racial foi
retirada da agenda politica. Dois acontecimentos foram decisivos.
- O primeiro foi o infame
Compromisso de 1877. O pacto acabou efetivamente com a Reconstrução, pois
ao retirar as proteções federais para os afro-americanos , permitiu aos
democratas sulistas anular direitos democráticos e consolidar o domínio de
um partido único.
- O segundo acontecimento foi o
fracasso do Projeto de lei de Eleições Federais de Henry Cabot Lodge, em
1890, o qual teria permitido a supervisão federal de eleições legislativas
a fim de garantir a implementação do sufrágio negro. O fracasso do projeto
deu fim aos esforços federais para proteger o direito ao voto dos
afro-americanos no sul, ocasionando, consequentemente, a sua extinção.
Paradoxalmente,
portanto , as normas que mais tarde serviriam como fundação para a democracia
norte-americana emergiram de um arranjo profundamente antidemocrático: a exclusão
racial e a consolidação da predominância de um partido único no Sul.
Depois que
democratas e republicanos se aceitaram como rivais legítimos, a polarização
declinou gradativamente, dando origem ao tipo de politica que caracterizaria a
democracia americana nas décadas seguintes. A cooperação bipartidária
viabilizou uma serie de reformas importantes, inclusive a 16 Emenda (1913), que
legalizou o IR Federal, a 17 Emenda que estabeleceu a eleição direta para
senadores, a 19 Emenda (1919) que concedeu às mulheres o direito de voto.
"Visto que ambos os partidos
tinham uma composição interna bastante heterogênea, a polarização entre eles
era muito mais baixa do que é hoje. Congressistas republicanos e democratas se
dividiam em torno de questões como impostos e despesas, regulação governamental
e sindicatos, mas os partidos se sobrepunham na potencialmente explosiva
questão de raça. Embora ambos os partidos tivessem facções que apoiavam os
direitos civis, a oposição dos democratas do Sul e o controle estratégico do
sistema de comitês do Congresso mantiveram a questão fora da agenda. Essa heterogeneidade
interna neutralizava os conflitos. Em vez de ver um ao outro como inimigos,
republicanos e democratas muitas vezes encontravam bases comuns. Enquanto
republicanos e democratas liberais frequentemente votavam juntos no Congresso
para pressionar em prol dos direitos civis, democratas do Sul e republicanos de
direita do Norte sustentavam uma “coalizão conservadora” no Congresso para se
opor." (from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky,
Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)
O
MOVIMENTO PELOS DIREITOS CIVIS E O FIM DO CONSENSO RACIAL
O movimento pelos direitos civis, que
culminou com a Lei dos Direitos Civis em 1964 e a Lei do Direito de Voto em
1965, deu fim a esse arranjo partidário. Não só ele finalmente democratizou o
Sul, emancipando os negros e acabando com o domínio de um único partido, mas
acelerou um realinhamento em longo prazo do sistema partidário cujas
consequências estão se desdobrando ainda hoje.
Seria a Lei dos Direitos Civis – que o
presidente democrata Lyndon Johnson abraçou e o candidato republicano de 1964,
Barry Goldwater, combateu – que definiria os democratas como o partido dos
direitos civis e os republicanos como o partido do status quo racial.
Nas décadas que se seguiram, a migração
sulista branca para o Partido Republicano se acelerou. Os apelos raciais da
“Estratégia Sulista” de Nixon e, subsequentemente, as mensagens codificadas
sobre raça de Ronald Reagan comunicaram aos eleitores que o GOP era a casa dos
conservadores raciais brancos. No final do século, aquela que por muito tempo
fora uma região solidamente democrata tinha se tornado firmemente republicana.
Ao mesmo tempo, os negros sulistas – aptos a votar pela primeira vez em quase
um século – afluíram em bando para os democratas, assim como vários
republicanos liberais que apoiavam os direitos civis. Quando o Sul se tornou
republicano, o Nordeste se tornou autenticamente azul, a cor dos
democratas." (from "Como as democracias morrem" by Steven
Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)
A NOVA FRONTEIRA DE KENNEDY E A GRANDE
SOCIEDADE DE TRUMAN
De 1955 a 1960, o crescimento econômico
se enfraqueceu nos EUA. Depois de 8 anos de governo republicano (1952-1960)
, Kennedy foi eleito com uma plataforma que fazia alusão ao New Deal. Seu
manifesto Nova Fronteira prometeu gastos com educação, saúde,
renovação urbana, transportes, artes, proteção ambiental, radiodifusão pública,
pesquisa na área das humanidades etc.. Truman lança um programa ainda mais
ambicioso, a Grande Sociedade, tendo como objetivo central a meta de
eliminar não só a pobreza para a classe trabalhadora branca, mas também o
racismo. Em seus primeiros 3 anos 1 bilhão de dólares foi gasto
anualmente em diversos programas para aumentar as oportunidades
educacionais e introduzir cobertura de saúde para idosos e vários grupos vulneráveis.
Quando
começou, mais de 22% dos norte-americanos viviam abaixo da linha de
pobreza oficial. No final do programa , essa percentagem tinha caído para 13%.
Entre os negros , foi de 55% (em 1960) para 27% ( em 1968).(extraído de O
Minotauro Global - Yanis Varoufakis)
SEPARAÇÃO IDEOLÓGICA DOS ELEITORES
"O realinhamento pós-1965 também
deu início a um processo de separação ideológica dos eleitores. Pela primeira
vez em quase um século, filiação partidária e ideologia convergiam, com o GOP
se tornando sobretudo conservador e os democratas se tornando predominantemente
liberais.
Nos anos 2000, os partidos Republicano
e Democrata já não eram mais “grandes tendas” ideológicas. Com o
desaparecimento dos democratas conservadores e dos republicanos liberais, as
áreas de sobreposição entre os dois partidos aos poucos desapareceram. E, como
a maioria dos senadores e deputados acabou passando a ter mais em comum com
seus aliados partidários do que com membros do partido de oposição, eles
começaram a cooperar com menos frequência e a votar consistentemente com seu
próprio partido. À medida que tanto eleitores como seus representantes eleitos
iam se agrupando em “campos” cada vez mais homogêneos, as diferenças
ideológicas entre os partidos iam se tornando cada vez mais marcadas. "
(from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)
O EFEITO
DA IMIGRAÇÃO
Juntamente com a emancipação negra, a
imigração transformou os partidos políticos norte-americanos. Esses novos
eleitores apoiaram desproporcionalmente o Partido Democrata. A fração dos votos
democratas não brancos subiu de 7% nos anos 1950 para 44% em 2012. Os eleitores
republicanos, em contraste, ainda eram quase 90% brancos anos 2000 adentro.
Assim, enquanto os democratas se tornaram cada vez mais um partido de minorias
étnicas, o Partido Republicano permaneceu quase inteiramente um partido de
brancos.
A DIREITA CRISTÃ
O Partido Republicano também se tornou
o partido dos cristãos evangélicos. Os evangélicos entraram em massa na
política no final dos anos 1970, motivados, em grande parte, pela decisão Roe
contra Wade da Suprema Corte, que legalizava o aborto.
A partir de Ronald Reagan em 1980, o
GOP abraçou a direita cristã e adotou posições crescentemente pró-evangélicas,
incluindo :
- oposição ao aborto,
- apoio ao direito de oração nas
escolas públicas e, mais tarde,
- oposição ao casamento gay.
Evangélicos brancos – que se inclinaram
para os democratas nos anos 1960 – começaram a votar no Partido Republicano. Em
2016, 76% dos evangélicos brancos se identificavam como republicanos. Eleitores
democratas, por sua vez, se tornaram cada vez mais seculares. A porcentagem de
democratas brancos que frequenta igrejas regularmente caiu de 50% nos anos 1960
para abaixo de 30% nos anos 2000. Trata-se de uma mudança extraordinária. Como
destaca o cientista político Alan Abramowitz, nos anos 1950 os cristãos brancos
casados eram a maioria esmagadora – quase 80% – do eleitorado norte-americano,
divididos mais ou menos igualmente entre os dois partidos. Nos anos 2000,
cristãos brancos casados mal chegavam a 40% do eleitorado, estando então
concentrados no Partido Republicano.
Em outras palavras, os dois partidos
encontram-se agora divididos sobre raça e religião– duas questões profundamente
polarizadoras, que tendem a gerar maior intolerância e hostilidade do que
questões políticas tradicionais como impostos e despesas governamentais."
(from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel
Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)
AFROUXAMENTO
DAS REGRAS DE FINANCIAMENTO
Graças, em parte, ao afrouxamento das
leis de financiamento de campanha em 2010, grupos de fora como o Americans for
Prosperity e a American Energy Alliance – muitos deles parte da rede bilionária
da família Koch – adquiriram uma influência extraordinária no Partido
Republicano durante os anos Obama. Só em 2012, a família Koch foi responsável
por mais de 400 milhões de dólares em despesas eleitorais. Junto com o Tea
Party, a rede Koch e outras organizações similares ajudaram a eleger uma nova
geração de republicanos para a qual fazer concessões era um palavrão. Um
partido cujo núcleo foi ativamente esvaziado por doadores e grupos de pressão
também ficou mais vulnerável a forças extremistas." (from "Como as
democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)
TEA PARTY
A partir
sobretudo da eleição de 2008 (Obama), o Partido Republicano deu una guinada à
direita. Foi quando o Tea Party começou a ter proeminência na indicação de
candidatos do partido. Organizações bem financiadas como Freedom Works,
Americans for Prosperity, Tea Party Express e Tea Party Patriots patrocinaram
dezenas de candidatos. Em 2010, mais de 100 foram candidatos, sendo 40 eleitos.
Em 2011, o Tea Party tinha 60 membros na Câmara de Representantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário