Cryos: o supermercado do filho perfeito
São altos, loiros e cultos. Chamam-se Peter, Hans, Lars, ou ainda 221, 343, 997. Alguns já participaram da concepção de mais de mil crianças, nascidas em Brasília, Dubai ou Singapura, que, porém, nunca chegarão a conhecer. Esses genitores da tecnociência sem fronteiras são os benfeitores dos casais estéreis. São os "semen donor" da Cryos, os doadores do primeiro banco de esperma do planeta, que tem sua em sede Aahrus, segunda cidade da Dinamarca, famosa pela sua universidade. "É por isso que são quase todos estudantes, aos quais, em troca do seu precioso líquido, oferecemos uma fonte de renda", diz Ole Schou, 55 anos, fundador e diretor-geral da sociedade dinamarquesa.
A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 19-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na entrada da Cryos, você se encontra em um oceano tempestuoso, no qual nadam espermatozoides ciclopes laranjas: é o tema de uma grande pintura que destoaria em qualquer lugar, mas não aqui. À direita, eis as salas em que tudo se consuma, com fundo musical de aeroporto e uma tela que transmite filme pornô. Ao lado, estão os laboratórios onde o esperma é rapidamente analisado, limpo e congelado. "Veja, aqui dentro há o suficiente para fazer nascer cerca de quatro mil crianças", diz Schou, levantando a tampa de um grande recipiente de alumínio do qual sai uma nuvem branca mais pesada do que o ar. Ali, quatro mil potenciais bebês ainda afogados no nitrogênio líquido. Antes de ser vendido, o esperma permanece congelado por seis meses, em quarentena, para se certificarem de que não veiculam doenças infecciosas.
A cada ano, a Cryos participa do nascimento de cerca de dois mil nenês e envia o seu "produto" a 64 países, procurando driblar, em cada um deles, os obstáculos que as leis sobre a fecundação artificial mais ou menos restritivas colocam. Há nações como a Itália, onde a Cryos não tem cidadania, já que a lei 40 sobre a procriação assistida veta expressamente a fecundação heteróloga.
Desde o início de sua história, ou seja, desde 1991, o banco de esperma dinamarquês já realizou 14 mil concepções, em todos os continentes. Um número recorde. Mas também um dado que causa temores. "How danish sperm is conquering the world", preocupava-se um jornal britânico há algum tempo. Os vikings estão verdadeiramente reconquistando o mundo?, perguntamos a Schou. "Claro que não. É só o achado jornalístico de um grande titulador", se exalta o fundador da Cryos. "Para diversificar os nossos doadores e, assim, a nossa oferta, há pouco tempo abrimos uma sucursal em Nova Iorque e uma em Nova Deli, porque justamente não acredito que um casal africano ou asiático deseje ter um filho com os cabelos claros e os olhos azuis".
Com cerca de 20 empregados e um faturamento de três milhões de euros por ano, a Cryos é uma sociedade em plena expansão. O negócio do esperma funciona a todo vapor. Há outras coisas, porém. Pelo menos é isso que Schou defende, ao interpretar o seu papel em uma chave humanitária. "Fornecemos ajuda a quem não quer recorrer nem ao turismo procriativo nem ao chamado 'mercado negro', ou seja, a um parceiro qualquer, ao primeiro que aparecer, para remediar a esterilidade do homem". Até há alguns anos, os clientes do banco de esperma eram 80% de casais heterossexuais, 10% de casais de lésbicas e 10% de mulheres solteiras. Hoje, porém, esses percentuais se reverteram a um novo modelo de sociedade, onde as solteiras alcançam 40% dos pedidos.
Na Europa, há pouca oferta de esperma, porque nos países que eliminaram o anonimato dos doadores, entre os quais a Suécia e a Grã-Bretanha, os homens que aceitam dar seu próprio sêmen se tornam mais raros. O mesmo vale para a Alemanha, onde conhecer as próprias origens é um direito constitucional. Como ocorre com os filhos adotados, muitos nascidos pela modalidade heteróloga querem sem mais frequentemente conhecer seu próprio pai genético. Imaginem as consequências para um desses exemplos da doação, um dos quais já procriou centenas de bebês.
Bombardeada por pedidos, a Cryos não pode mais se permitir selecionar os doadores. No momento, são cerca de 300. Trabalham por uma década, durante a qual se fecham na salinha em média 500 vezes. "São eles que nos permitem oferecer um amplo catálogo de produtos", explica Ole Schou, que sorri quando é acusado de eugenismo. "A concepção de uma criança é uma questão tão delicada e tão pessoal que não vejo nenhum problema ao poder fazê-la como melhor se acredita, mesmo decidindo a cor da pele ou o cabelo do nascituro".
Na realidade, os critérios de escolha são muitos mais numerosos, já que existem dezenas de tipos de esperma. Pode-se até escolher entre os perfis "de base" e os "estendidos". Os primeiros são aqueles que tem só um número: anônimos, portanto. Os outros têm um nome e provêm de doadores que possuem muitas vezes um título universitário, dos quais pode-se ver a foto quando criança e conhecer, se se quiser, a árvore genealógica. Tudo se baseia na promessa – na ilusão, defendem os cientistas – de que a qualidade, também intelectual, sejam transmissíveis pelo DNA.
A Cryos oferece ainda algo mais: a possibilidade de encontrar um doador que se assemelhe ao pai estéril. Para isso, basta enviar a Aarhus uma foto e pagar 25 euros. Nada comparável a um grande banco de sêmen californiano, que apresenta em seu site uma lista de chamados "doadores semelhantes". Semelhantes a personagens como Clark Gable ou John Kennedy, Antonio Banderas ou Barack Obama.
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=25880
São altos, loiros e cultos. Chamam-se Peter, Hans, Lars, ou ainda 221, 343, 997. Alguns já participaram da concepção de mais de mil crianças, nascidas em Brasília, Dubai ou Singapura, que, porém, nunca chegarão a conhecer. Esses genitores da tecnociência sem fronteiras são os benfeitores dos casais estéreis. São os "semen donor" da Cryos, os doadores do primeiro banco de esperma do planeta, que tem sua em sede Aahrus, segunda cidade da Dinamarca, famosa pela sua universidade. "É por isso que são quase todos estudantes, aos quais, em troca do seu precioso líquido, oferecemos uma fonte de renda", diz Ole Schou, 55 anos, fundador e diretor-geral da sociedade dinamarquesa.
A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 19-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na entrada da Cryos, você se encontra em um oceano tempestuoso, no qual nadam espermatozoides ciclopes laranjas: é o tema de uma grande pintura que destoaria em qualquer lugar, mas não aqui. À direita, eis as salas em que tudo se consuma, com fundo musical de aeroporto e uma tela que transmite filme pornô. Ao lado, estão os laboratórios onde o esperma é rapidamente analisado, limpo e congelado. "Veja, aqui dentro há o suficiente para fazer nascer cerca de quatro mil crianças", diz Schou, levantando a tampa de um grande recipiente de alumínio do qual sai uma nuvem branca mais pesada do que o ar. Ali, quatro mil potenciais bebês ainda afogados no nitrogênio líquido. Antes de ser vendido, o esperma permanece congelado por seis meses, em quarentena, para se certificarem de que não veiculam doenças infecciosas.
A cada ano, a Cryos participa do nascimento de cerca de dois mil nenês e envia o seu "produto" a 64 países, procurando driblar, em cada um deles, os obstáculos que as leis sobre a fecundação artificial mais ou menos restritivas colocam. Há nações como a Itália, onde a Cryos não tem cidadania, já que a lei 40 sobre a procriação assistida veta expressamente a fecundação heteróloga.
Desde o início de sua história, ou seja, desde 1991, o banco de esperma dinamarquês já realizou 14 mil concepções, em todos os continentes. Um número recorde. Mas também um dado que causa temores. "How danish sperm is conquering the world", preocupava-se um jornal britânico há algum tempo. Os vikings estão verdadeiramente reconquistando o mundo?, perguntamos a Schou. "Claro que não. É só o achado jornalístico de um grande titulador", se exalta o fundador da Cryos. "Para diversificar os nossos doadores e, assim, a nossa oferta, há pouco tempo abrimos uma sucursal em Nova Iorque e uma em Nova Deli, porque justamente não acredito que um casal africano ou asiático deseje ter um filho com os cabelos claros e os olhos azuis".
Com cerca de 20 empregados e um faturamento de três milhões de euros por ano, a Cryos é uma sociedade em plena expansão. O negócio do esperma funciona a todo vapor. Há outras coisas, porém. Pelo menos é isso que Schou defende, ao interpretar o seu papel em uma chave humanitária. "Fornecemos ajuda a quem não quer recorrer nem ao turismo procriativo nem ao chamado 'mercado negro', ou seja, a um parceiro qualquer, ao primeiro que aparecer, para remediar a esterilidade do homem". Até há alguns anos, os clientes do banco de esperma eram 80% de casais heterossexuais, 10% de casais de lésbicas e 10% de mulheres solteiras. Hoje, porém, esses percentuais se reverteram a um novo modelo de sociedade, onde as solteiras alcançam 40% dos pedidos.
Na Europa, há pouca oferta de esperma, porque nos países que eliminaram o anonimato dos doadores, entre os quais a Suécia e a Grã-Bretanha, os homens que aceitam dar seu próprio sêmen se tornam mais raros. O mesmo vale para a Alemanha, onde conhecer as próprias origens é um direito constitucional. Como ocorre com os filhos adotados, muitos nascidos pela modalidade heteróloga querem sem mais frequentemente conhecer seu próprio pai genético. Imaginem as consequências para um desses exemplos da doação, um dos quais já procriou centenas de bebês.
Bombardeada por pedidos, a Cryos não pode mais se permitir selecionar os doadores. No momento, são cerca de 300. Trabalham por uma década, durante a qual se fecham na salinha em média 500 vezes. "São eles que nos permitem oferecer um amplo catálogo de produtos", explica Ole Schou, que sorri quando é acusado de eugenismo. "A concepção de uma criança é uma questão tão delicada e tão pessoal que não vejo nenhum problema ao poder fazê-la como melhor se acredita, mesmo decidindo a cor da pele ou o cabelo do nascituro".
Na realidade, os critérios de escolha são muitos mais numerosos, já que existem dezenas de tipos de esperma. Pode-se até escolher entre os perfis "de base" e os "estendidos". Os primeiros são aqueles que tem só um número: anônimos, portanto. Os outros têm um nome e provêm de doadores que possuem muitas vezes um título universitário, dos quais pode-se ver a foto quando criança e conhecer, se se quiser, a árvore genealógica. Tudo se baseia na promessa – na ilusão, defendem os cientistas – de que a qualidade, também intelectual, sejam transmissíveis pelo DNA.
A Cryos oferece ainda algo mais: a possibilidade de encontrar um doador que se assemelhe ao pai estéril. Para isso, basta enviar a Aarhus uma foto e pagar 25 euros. Nada comparável a um grande banco de sêmen californiano, que apresenta em seu site uma lista de chamados "doadores semelhantes". Semelhantes a personagens como Clark Gable ou John Kennedy, Antonio Banderas ou Barack Obama.
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=25880
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