quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Frugalidade elegante


Entrevista com Paolo Soleri

Com o projeto da comunidade de Arcosanti, no Arizona, o arquiteto italiano, há muitos anos transplantado aos EUA, foi um dos primeiros a experimentar a realização de um centro habitado respeitador dos equilíbrios ambientais. Livros e convenções prestam homenagem a este mestre do pensamento ecológico.

Ética e ambiente são os dois termos em torno dos quais Paolo Soleri construiu sua militância arquitetônica, uma militância que superou agora o meio século e que fez do projetista italiano, transplantado estavelmente aos Estados Unidos dos anos 50, um artesão do pensamento ecológico. Se neste espaço de tempo de fato muitíssimas coisas mudaram no mundo, dentro e fora da América, as linhas mestras do pensamento de Soleri permaneceram substancialmente inalteradas e se revelam, hoje mais ainda do que ontem, atualíssimas pela extraordinária capacidade demonstrada pelo criador de Arcosanti de antecipar a deriva, à qual a sociedade de consumo nos conduziu.

A reportagem é de Emanuele Piccardo, publicada no jornal Il Manifesto, 10-10-2009. A tradução é de Benno Dischinger.

Nascido em Turim em 1919, Soleri se transferiu nos primeiros anos do pós-guerra, logo após a láurea no Politécnico de Turim, à corte de Frank Lloyd Wright em Taliesin West, no Arizona, um lugar mágico onde se aprendia arquitetura em estreito contato com o deserto. Mas, o jovem projetista entrou bem cedo em contraste com o mestre americano e após dezoito meses abandonou Taliesin para refugiar-se na natureza, dormir a descoberto, impregnar-se de terra e sol. Teve assim início um percurso autônomo de experimentações que primeiro o reconduziriam à Itália – onde entre outras coisas firmou, nos primeiros anos de cinquenta, o projeto da fábrica de cerâmicas Solimene em Vietri sul Mare, no qual se percebe o influxo de Wright – e depois novamente aos Estados Unidos, e de novo no Arizona (desta vez em Scottsdale), e novamente no deserto.

Em 1955 Soleri iniciou a realização de seu primeiro experimento. Cosanti, um pequeno “burgo” às margens de Phoenix, no qual o arquiteto começou a explorar o uso do cimento armado, edificando, com a técnica do silt cast (cimento jogado sobre uma montanha de terra, que é sucessivamente eliminada), absides e cúpulas cuja forma, reproduzindo a abóboda celeste, criam uma forte relação com o cosmo – caracterizando a linguagem arquitetônica de Soleri, que no final dos anos sessenta tomará em mãos o seu projeto mais ambicioso: a comunidade de Arcosanti. O conceito sobre o qual se baseia esta cidade-municipal é a concentração (miniaturização) num espaço limitado de todas as funções – econômicas, residenciais, lúdicas – de modo que os acres deixados livres possam ser dedicados ao cultivo da terra.

Cosanti


Embora tenha sido realizada somente em parte, Arcosanti é hoje considerada como o emblema da experimentação arquitetônica e do pensamento de Soleri, que tem seu fundamento na vida frugal, priva dos excessos do consumismo. Autor de um recente “manifesto”, no qual reafirmou os elementos essenciais de sua visão do mundo, o ancião projetista assumiu nos últimos anos, na América e fora, o papel de um mestre, capaz de opor-se ao modelo imposto pela cultura estadunidense.

Encontramo-lo em Roma, onde em fim de setembro foi iniciada, no Auditorium, a Festa da Arquitetura com uma aula magistral sobre a frugalidade elegante, antes de uma série de encontros dedicados à sua obra que culminarão aos três de dezembro com uma jornada organizada em Turim - a cidade onde Soleri nasceu, - pela Ordem dos Arquitetos, por ocasião da saída de um volume sobre a fase inicial de sua obra.

Paolo Soleri



Eis a entrevista.

Com o projeto da “cidade linear”, Lean Linear City, concebido em 2006 para um novo assentamento na China, não longe de Macau, pretendeu oferecer uma via de saída para as derivas das metrópoles contemporâneas?

Na realidade, o projeto nasceu logo após a tragédia do tsunami, a partir da observação de quanto permanecera da costa atingida. Precisamente as ruínas sugeriam quão importante teria sido realizar uma habitação capaz de resistir à catástrofe – um objetivo que as tecnologias e os instrumentos de que hoje dispomos tornam realizável. Desastres como o tsunami são previsíveis e a Lean Linear City se situa como um lugar onde as populações, segundo as necessidades, podem retirar-se por períodos breves ou longos, visto que os recursos presentes em cada módulo habitável o tornam autossuficiente em termos não só energéticos, mas também vitais, graças às Green Houses, as “casas estufa”. Aos meus olhos a Lean Linear City, ao mesmo tempo subtil e resistente, se inspira na muralha chinesa, porém uma muralha que une e não separa!




Há alguns dias, dirigindo-se à assembléia das Nações Unidas, o presidente dos Estados Unidos colocou o acento sobre a questão do ambiente. Considera que seja um sinal de real mudança para a política ambiental americana?

A sinceridade do presidente dos Estados Unidos referente ao problema do ambiente é evidente e também é muito forte. Mas, Obama deve antes fazer as contas com certa classe política americana que o contradiz ferozmente, apelando para elementos fanáticos e racistas, que inquinam o confronto e tornam difícil qualquer previsão.




Em que termos projetistas imagina uma sociedade diversa daquela proposta pelo materialismo americano?

Como também escrevi no meu manifesto, embora eu tenha nascido na Itália, vivo no continente norte-americano faz agora sessenta anos e quanto mais os meus trabalhos dão corpo à evolução do meu pensamento, mais me sinto crítico ante o “milagre” americano. Sintetizando, penso que o isolacionismo fundamental dos Estados Unidos – cuja causa-efeito é com muita frequência uma terrível xenofobia – tenha dado vida a um império que deve a própria existência a um oportunismo exasperado, fundado sobre a industriosidade e sobre a determinação. Em tal processo nós americanos ou, caso se prefira, nós ocidentais permanecemos interpolados na jaula do materialismo, uma invenção irresistível que nos oferece conforto, auto-legitimação e orgulho. O materialismo, assim como ele se declina nos Estados Unidos e em geral nos países do Ocidente, é a busca da riqueza em detrimento do conhecimento. Uma cultura na qual desde crianças se aprende que a base do sucesso se mede pelo automóvel, o qual se torna parte integrante da família, assim como a pistola – dois elementos bem presentes na mesa suntuosa do americano crente. No que me diz respeito, considero que a única alternativa possível, aquela que defini como Lean Alternative [Alternativa modesta], esteja delineada numa frugalidade elegante e difusa. Penso, de fato, que uma situação como aquela que andou se determinando nas últimas décadas não seja enfrentada com timidez, com pequenas reformas, mas requeria uma forte denúncia e uma radical reformulação das nossas prioridades e da nossa concepção do ambiente natural.

De que modo considera que a crise econômica tenha modificado a percepção e a própria essência do american dream [do sonho americano]?

Embora seja claro que esta crise representou um duro golpe nos Estados Unidos e em todo o Ocidente, não creio que tenha realmente desarticulado o american dream. Em termos esquemáticos poderíamos dizer que cada americano tem um “deus pessoal” seu e que por isso tenhamos nos Estados Unidos trezentos milhões de deuses pessoais! E tem sido este egocentrismo, esta convicção de estar no centro do mundo.que determinou o atual desmoronamento econômico. O ponto é, todavia, que em sua profundeza aquela mentalidade não se reduziu e está pronta a re-emergir, com todas as consequências nefastas que dela derivam.

Em seu “manifesto” você fala de império e de tecnocracia. Pode explicar-nos melhor o que entende com estes termos?

A potência da tecnologia é hoje tão forte que gera uma verdadeira e própria idolatria, a qual se traduz na tecnocracia dominante na qual estamos imersos. Desafortunadamente, o condicionamento começa muitíssimo cedo, a ponto de constituir nos jovens uma espécie de imprinting [sigilo], e por isso é muito difícil combatê-lo. Estou, todavia, convencido que na criatividade, ou, para dizê-lo melhor, na estética nós podemos encontrar os recursos necessários para subtrair-nos ao obtuso poder deste “império tecnocrata”. A imensa reserva de boa vontade e excelência imaginada nas pessoas não deve ser jogada fora numa amortecida trivialidade.



2 comentários:

Helena Erthal disse...

Parabéns pela publicação dessa entrevista com uma personalidade tão fantástica como a de Paolo Soreli.

obrigada!

jholland disse...

Obrigado pelos seus comentários !
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