Thomas Merton, o santo dos paradoxos
Há 40 anos, Thomas Merton, um monge trapista e talvez o escritor católico norte-americano mais popular da história, pisou fora de um box onde tomava banho durante uma visita a Bangkok. Escorregando no chão molhado, ele se agarrou a um ventilador miseravelmente encapado para se equilibrar e foi eletrocutado.
Durante muitos anos, Merton insatisfatoriamente buscou permissão de seus superiores para viajar para fora de seu monastério em Bardstown, Kentucky, nos Estados Unidos. Alguns meses depois que um novo abade havia sido eleito no começo de 1968, ele consentiu com o pedido de Merton para participar de uma conferência inter-religiosa naquele dezembro, na Tailândia. No caminho, ele se encontrou com o Dalai Lama, que o chamou de “geshe católico”, ou mestre espiritual.
A reportagem é de James Martin, SJ, publicada no sítio Busted Halo, 10-12-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Merton gostava de paradoxos e falou que ele mesmo, como Jonas na baleia, estava vivendo na “barriga de um paradoxo”. O autor de “A montanha dos sete patamares” (Editora Vozes, 2005), uma autobiografia que se tornou um best-seller instantâneo após sua publicação em 1948, foi um homem humilde que gostava da fama, um padre católico fascinado pelo zen budismo, um místico solitário que desejava companhia e um monge enclausurado que morreu longe de casa.
Paradoxos também caracterizam o legado de Merton. Por que esse escritor católico devoto, cuja autobiografia proclama uma visão triunfal do catolicismo e zomba vagamente de outras religiões, é tão querido por aqueles que buscam, aqueles que têm dúvida e aqueles que não crêem? Ao contrário, por que esse padre católico é rejeitado em tantas zonas católicas contemporâneas?
O primeiro paradoxo é explicado pelos seus escritos. Os trabalhos mais populares de Merton não são os pesados tomos teológicos, mas seus diários e escritos autobiográficos. Às vezes vivamente, loquaz e profundo, Merton luta com a oração, murmura contra a recusa de seu abade de deixá-lo viajar e se irrita por ser silenciado pelos trapistas quando ele escreve sobre paz durante a Guerra Fria. Próximo do fim de sua vida, ele se apaixona por uma enfermeira que ele conhece durante a estadia em um hospital. Em todas essas experiências, ele busca ver sinais de Deus.
Merton atrai os que buscam e os que têm dúvida por causa de sua inabalável honestidade em sua busca do “eu verdadeiro” e de Deus. Independentemente de quanto tempo ele foi um monge, Merton se considera a caminho para Deus. (Sua oração mais famosa começa assim: “Meu Senhor Deus, eu não tenho nem idéia para onde eu estou indo”). E ele não tem medo de mudar seu pensamento, rejeitando depois as passagens mais solipsísticas na sua autobiografia. “O homem que terminou ‘A montanha dos sete patamares' [...] está morto”, ele escreveu em 1951. Ele é aberto, transparente, curioso, multiforme e, por fim, humano.
Sua atração entre católicos, entretanto, não é tão sólida. Em 2005, os editores do Catecismo Católico dos Estados Unidos para Adultos planejaram retratar histórias de expoentes católicos norte-americanos. Inicialmente, Merton estava incluso entre outros notáveis, até que algum católico de alto escalão se opôs à iniciativa. Cedendo à pressão, os editores o riscaram da lista. Um bispo explicou que Merton não fala mais aos leitores contemporâneos, o que é uma surpresa, já que os números do autor na Amazon [livraria online], 40 anos após sua morte, causam inveja à grande maioria dos autores vivos.
O caso de Merton com a enfermeira conhecida como “M” também escandaliza aqueles que pensam que monges nunca se apaixonam. (Depois que ambos terminaram a relação, um Merton censurado e castigado retornou à sua castidade). Mesmo a forma de sua morte levanta suspeitas. Suas últimas palavras na conferência de Bangkok foram: “Então eu irei desaparecer de vista e todos poderemos tomar uma Coca-Cola ou algo parecido”. Seus amigos rejeitam os boatos de suicídio, atribuindo sua morte a uma inaptidão vitalícia.
Mas o que levanta mais suspeitas é a sua afinidade durante toda a sua vida pelas tradições espirituais orientais. A viagem de Merton ao subcontinente asiático e ao sudoeste da Ásia, durante a qual ele descreveu uma experiência mística em frente a uma estátua de Buda no Ceilão (agora Sri Lanka), deixa alguns católicos tradicionais com náusea e ajuda a aumentar o rumor agora já espalhado de que ele planejava deixar o monastério ou a igreja. Isso não é verdade. Em uma carta, poucas semanas antes de sua morte em 1968, ele escreveu a um amigo próximo: “Continue contando a todos que eu sou um monge em Gethsemani e pretendo permanecer assim todos os meus dias”.
O corpo do grande autor que se correspondeu com Boris Pasternak, Abraham Heschel e o Papa João XXIII, retornou ao seu monastério com o seus bens terrenos: um terço (quebrado), óculos, um pequeno ícone, um livro de orações, um relógio Timex de 10 dólares. Um paradoxo final: o homem que pregou contra a guerra voltou aos Estados Unidos na barriga de um bombardeiro das Forças Armadas norte-americanos, que trazia de volta corpos dos soldados mortos do Vietnã. Seu túmulo no cemitério da abadia fica ao lado do abade que lhe negou a permissão para viajar, uma ironia que deve ter encantado esse santo dos paradoxos.
2 comentários:
Pesquisando sobre narcisismo para um Projeto de Produção de Moda parei nesta página por acaso, surpresa por encontrar um artigo sobre Thomas Merton, uma figura que marcou profundamente minha vida com seu pensamento e experiência de vida, tão humano e tão sobrenatural, Thomas é um paradoxo fascinante. Obrigada por falar sobre ele. Liza Morais
Olá,
Obrigado por sua participação e seus comentários. Acredito que vc poderá encontrar muito material interessante sobre cultura do narcisismo no Blog. Qualquer coisa, me escreva !
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