segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A Sobrevivência Depois da Morte: Observações a Partir de Modernas Pesquisas sobre a Consciência


Por: STANISLAV GROF


Stnnislav Grof, M.D., é um psiquiatra de renome mundial, especializado em estados alterados de consciência e em emergência de estados espirituais. É autor de Realms of the Human Unconscious: Observations from LSD Research, Beyond the Brain: Birth, Death, and Transcendente in Psychotherapy, e The Adventure of Sélf-Discovery.


Este ensaio baseia-se em observações colhidas ao longo de mais de três décadas de exploração sistemática do potencial heurístico e terapêutico de estados não-habituais de consciência induzidos por substâncias psicodélicas e por várias técnicas não-farmacológicas.(1) Os primeiros vinte anos envolveram trabalhos clínicos com drogas psicodélicas em pesquisas patrocinadas pelo governo. Os quatorze anos seguintes envolveram experimentações com várias e poderosas técnicas alternativas às substâncias psicodélicas, mas sem o uso de drogas, particularmente com uma técnica psicoterapêutica desenvolvida por minha mulher, Christina, e por mim, e que denominamos terapia holotrópica.
A terapia holotrópica associa respiração controlada, música evocativa e outras formas de tecnologia sonora, o trabalho focalizado no corpo e o desenho de mandalas. Utilizando essa abordagem sem drogas, pudemos induzir todo o espectro de experiências características das sessões psicodélicas e das clássicas viagens xamânicas (2).
As experiências assim induzidas não podem ser explicadas no âmbito do modelo tradicional de psique utilizado em psicanálise; foi, por conseguinte, necessário criar um novo modelo, mais extensivo e abrangente, das regiões da consciência a humana. Além do tradicional nível biográfico das lembranças e do inconsciente individual freudiano, a cartografia desse novo modelo inclui aquilo a que dei o nome de regiões perinatal e transpessoal da psique. As experiências características dos domínios perinatal e transpessoal apresentam particular interesse para a questão: "A consciência sobrevive à morte ?", pois essas experiências incluem os importantes fenômenos visionários presentes mitologias escatológicas, nos antigos "livros dos mortos", e em outros contextos nos quais a experiência da morte (e do renascimento) desempenha um papel significativo.
A crença de que a consciência, ou a existência, sob alguma forma, continua depois da morte é encontrada em todas as antigas culturas não-ocidentais, em seus sistemas religiosos e filosóficos, em suas cosmologias e práticas rituais, e em vários elementos de suas organizações sociais. Embora diferindo em seus conceitos específicos a respeito de um após-vida, todas essas culturas estão unidas numa crença de que a morte é tão-somente uma transição ou transfiguração, e não uma aniquilação final do indivíduo. Algumas tradições espiritualistas ensinam que a consciência do indivíduo é submetida a uma complexa jornada depois da morte, passando por estágios, provações e estadias específicas; outras ensinam que, depois da morte de um corpo, a consciência reencarna, sobre a terra, num outro corpo. Em algumas tradições, a morte é encarada como uma oportunidade para a libertação final e a fusão com o Absoluto.
Em contraposição a isso, as culturas ocidentais adotam uma visão radicalmente diferente da morte e do morrer. Em maior ou menor grau, a maioria dos ocidentais instruídos está sob a influência da ciência mecanicista e da sua suposição de que a consciência é um produto do funcionamento fisiológico do cérebro. Evidentemente, a implicação lógica dessa suposição é a de que a consciência deve deixar de existir quando o cérebro morrer. De acordo com a visão de mundo mecanicista, a crença numa forma qualquer de vida depois da morte e o conceito de "jornadas póstumas da alma" são manifestações de medos primitivos, de pensamento mágico e de superstição. Dessa maneira, a sociedade moderna isola as pessoas idosas, doentes e moribundas em casas de saúde e hospitais, cuidam dos que estão à morte distanciando-os de todo apoio humano significativo, limitando-se a prolongar suas vidas com recursos tecnológicos. De maneira semelhante, a psicologia e a psiquiatria modernas exibiam, até recentemente, a mesma atitude negativa generalizada com relação à morte, característica da civilização ocidental em geral, mostrando pouco interesse pela experiência da morte e não proporcionando nenhum apoio psicológico aos moribundos.
As modernas pesquisas sobre a consciência lançam uma luz inteiramente nova sobre a questão da sobrevivência da consciência depois da morte. Se quisermos aumentar nossa compreensão do universo e da natureza humana, será necessário levarmos a sério os dados fornecidos por esse novo campo de pesquisas e rever a atitude atual da maioria dos cientistas, que não estão familiarizados com essas evidências, ou então, que preferem ignorá-las. As sessões psicodélicas, a psicoterapia experimental, as diversas formas de meditação, e os estados de consciência não-habituais espontâneos fornecem uma experiência direta de muitos dos fenômenos descritos em visões de mundo místico-religiosas (filosofia perene) e em mitologias escatológicas — fenômenos que dão apoio a uma visão de mundo que reconhece a realidade da sobrevivência post-mortem da consciência.
Neste capítulo, focalizarei observações colhidas em minha própria pesquisa, particularmente em experiências transpessoais que aparecem no decorrer da terapia holotrópica. Depois de tê-las discutido, examinarei os tipos diretamente relacionados com a questão da sobrevivência da consciência à morte, sobretudo as experiências de comunicação ostensiva com entidades desencarnadas, experiências fora-do-corpo, visões de domínios astrais e lembranças de encarnações passadas.

O Domínio Transpessoal

Num certo sentido, a consciência caracteriza-se por seus limites: em nosso estado normal de vigília, experimentamos a nós mesmos como existindo dentro de certas fronteiras físicas, circunscritas pela imagem de nosso corpo; nossa percepção do ambiente externo está restrita ao âmbito do alcance de nossos órgãos sensoriais; e nossas ações estão subordinadas às habituais limitações espaciais e temporais. Em situações comuns, só conseguimos vivenciar os acontecimentos no momento presente e em nosso ambiente imediato. Podemos nos lembrar do passado, e podemos antecipar ou fantasiar a respeito de acontecimentos futuros; mas o passado e o futuro não estão ao alcance de nossa experiência direta.
Em contraposição, nas experiências transpessoais, quer ocorram em sessões psicodélicas, na terapia holotrópica, ou espontaneamente, transcende-se, ao que parece, uma ou mais de uma das habituais limitações da consciência. Essas experiências distribuem-se em três categorias gerais. A primeira envolve experiências nas quais há evidências de que o tempo linear é transcendido — tais experiências são interpretadas por aqueles que passaram por elas como sendo uma regressão histórica e uma exploração de seu passado biológico, cultural e espiritual, ou então como uma progressão histórica para dentro do futuro. A segunda categoria envolve experiências caracterizadas sobretudo por uma aparente transcendência dos limites espaciais ordinários. A terceira categoria caracteriza-se pela exploração vivencial de domínios que, na cultura ocidental, não são considerados como fazendo parte da realidade objetiva.
Para muitas pessoas, os estados não-habituais de consciência caracterizam-se por episódios muito concretos e realistas, que elas identificam como memórias fetais ou embrionárias. Sob tais circunstâncias, não é raro vivenciar-se, no nível da consciência celular, uma identificação total com o esperma e o óvulo no momento da concepção. Por vezes, a regressão histórica pode ir ainda mais longe, tendo a pessoa a impressão de reviver lembranças das vidas de seus antepassados, ou até mesmo de coletar lembranças nos bancos de memória do inconsciente racial ou coletivo. Há, ocasionalmente, até mesmo pessoas que relatam ter-se identificado com vários antepassados animais de sua linhagem evolutiva, ou uma nítida impressão de estar revivendo episódios dramáticos de uma encarnação anterior.
As experiências transpessoais envolvendo a transcendência de barreiras espaciais sugerem que os limites entre o indivíduo e o restante do universo não são fixos nem absolutos. Em circunstâncias especiais, uma pessoa pode identifícar-se vivencialmente com qualquer coisa no universo, inclusive com a própria totalidade do cosmos. A este grupo pertencem as experiências de fusão com outra pessoa num estado de unidade dual, de apropriação da identidade de uma outra pessoa, de sintonização com a consciência de um grupo específico de pessoas, ou de expansão da consciência pessoal em tal medida que ela pareça abrangertoda a humanidade. De maneira semelhante, há indivíduos que relatam, por vezes, haver transcendido os limites de nossa experiência especificamente humana, identificando-se com a consciência de animais, de plantas, ou de objetos ou processos inorgânicos. É até mesmo possível vivenciar a consciência de toda a biosfera, do planeta como um todo, ou da totalidade do universo material.
Muitas experiências transpessoais envolvem uma aparente extensão da consciência para além do mundo fenomênico e do continuum do espaço-tempo como normalmente o percebemos. Nesta categoria, encontramos numerosas visões de temas e de personagens arquetípicos, de divindades e de demônios de várias culturas, de complexas seqüências mitológicas e de espíritos de pessoas mortas, de entidades sobre-humanas e de habitantes de outros universos.
Exemplos adicionais desta última categoria de fenômenos incluem visões de padrões arquetípicos abstratos, compreensão intuitiva de símbolos universais (cruz, cruz ansada, yin-yang, suástica, pentáculo, estrela de seis pontas), experiências envolvendo os meridianos e o fluxo da energia ch'i, tais como são descritas na filosofia e na medicina chinesas, e o despertar da "energia da serpente" (kundalini), bem como a ativação de diversos centros de energia psíquica, ou chakras, tais como os descreve a ioga tântrica. Em alguns casos, a consciência individual pode identificar-se com a consciência cósmica, ou Mente Universal, ou ainda — em suas mais remotas extensões — com o Vazio Supracósmico e Metacósmico, a misteriosa vacuidade, ou nada, primordial, consciente de si mesma e que contém toda a existência numa forma germinal e potencial.
Como as experiências transpessoais podem transmitir informações intuitivas e imediatas a respeito de qualquer aspecto do universo no presente, no passado e no futuro, elas parecem violar algumas das suposições mais fundamentais da ciência mecanicista, pressupondo que, de uma maneira ainda inexplicada, cada ser humano contém informações sobre todo o universo, possui, potencialmente falando, acesso vivencial a todas as partes do universo e, num certo sentido, é ele mesmo a totalidade da rede cósmica.

Experiências Fora-do-Corpo

De acordo com a visão de mundo ocidental mecanicista, uma vez que a consciência é um produto do corpo (isto é, do cérebro), é absurdo pensar que ela poderia desligar-se dele e existir independentemente. Não obstante, é precisamente isto o que parece ocorrer em muitos casos bem documentados das assim chamadas experiências fora-do-corpo (EFCs). Essas experiências podem se apresentar sob diversas formas e em diversos graus. EFCs podem ser episódios isolados, ou podem ocorrer repetidas vezes como parte de uma abertura psíquica ou de algum outro tipo de crise transpessoal.
Circunstâncias particularmente propícias à emergência de EFCs são as situações vitais críticas, as situações de quase-morte, as experiências de morte clínica, as sessões de psicoterapia experimental profunda e a ingestão de substâncias psicodélicas, particularmente o anestésico dissociativo cloridrato de cetamina (Ketalar). Descrições clássicas de EFCs podem ser encontradas na literatura espiritualista e em textos filosóficos de todas as épocas, em particular no Livro Tibetano dos Mortos e em outros textos semelhantes.
As pesquisas de Raymond. Moody,(3) de Kenneth Ring,(4) de Michael Sabom (5) e de Elisabeth Kübler-Ross,(6) assim como meus próprios estudos e o trabalho de muitos outros têm, reiteradamente, confirmado que pessoas consideradas clinicamente mortas podem vivenciar EFCs durante as quais testernunham com precisão os procedimentos feitos para ressuscitá-las a partir de uma posição nas proximidades do teto, ou então observam fatos que estão ocorrendo em lugares distantes. A moderna pesquisa tanatológica confirma, desse modo, as descrições contidas no Livro T1betano dos Mortos, segundo as quais depois da morte a pessoa assume um "corpo de bardo" que transcende as limitações de tempo e de espaço e que pode viajar livremente por todos os lugares da terra.
As pesquisas psicodélicas, a terapia holotrópica e outros tipos de psicoterapia experiencial fornecem, igualmente, observações que confirmam a possibilidade de autênticas EFCs no decorrer de estados visionários dos tipos relatados em diversas fontes místicas e na literatura antropológica. A autenticidade das EFCs foi demonstrada em experimentos clínicos controlados, realizados pelo reputado psicólogo e parapsicólogo Charles Tart, na Universidade da Califórnia, em Davis.(8)
Um exemplo notável e ilustrativo de experiência fora-do-corpo, incluindo a percepção detalhada e precisa de um lugar remoto, foi relatada por Kimberly Clark, uma assistente social em Seattle, que considerou tão extraordinárias e convincentes as circunstâncias envolvidas nesse caso que passou a desenvolver um interesse permanente pelas EFCs:

"Meu primeiro contato com uma pessoa que passara por uma experiência de quase-morte foi com uma paciente chamada Maria, uma operária emigrante que estava visitando amigos em Seattle e teve um grave ataque cardíaco. Foi levada à noite ao hospital pela equipe de atendimento de emergência e internada numa unidade cardiológica. Meu envolvimento no caso se deu em conseqüência de seus problemas sociais e financeiros. Alguns dias depois da internação, ela teve uma parada cardíaca. Como estava sendo rigorosamente monitorada e, sob outros aspectos, gozava de boa saúde, foi rapidamente trazida de volta à vida, ficou entubada durante algumas horas para ter garantida uma oxigenação adequada, sendo, em seguida, extubada.
"Mais tarde, naquele mesmo dia, fui visitá-la julgando que pudesse estar aflita pelo fato de seu coração ter parado. Estava realmente aflita, porém não por esse motivo. Seu estado de relativa agitação contrastava com sua calma habitual. Queria conversar comigo sobre alguma coisa. E contou: 'Aconteceu algo muito estranho quando os médicos e as enfermeiras estavam lidando comigo: eu estava olhando para baixo, lá do teto, e os via trabalhar sobre meu corpo.'
"A princípio, isso não me impressionou. Julguei que ela poderia saber o que estava se passando na sala, as roupas que as pessoas estavam usando, e os médicos e enfermeiras que estavam ali, pois tinha visto a todos eles antes da parada cardíaca. Naqueles instantes, ela já estava com toda a certeza familiarizada com o equipamento. E como a audição é o último sentido que desaparece, raciocinei que ela poderia ouvir tudo o que se passava, e, embora eu não pensasse que ela estava, conscientemente, inventando tudo aquilo, imaginei que poderia ter ocorrido algum tipo de confabulação.
"Então ela me contou que sua atenção fora atraída por alguma coisa que estava acontecendo na via de acesso à sala de pronto-socorro, e que, tão logo voltou para lá sua atenção, ela se viu lá fora, como se, ao 'pensar em si mesma' pairando sobre aquela via de acesso, no mesmo instante ela de fato lá estivesse. Nessa altura, eu fiquei um pouco mais impressionada, pois como ela chegara à noite, dentro de uma ambulância, não lhe seria possível saber que aspecto tinha a área onde ficava o pronto-socorro. Raciocinei, entretanto, que em algum momento sua maca poderia ter ficado junto à janela, e que ela poderia ter olhado para fora, e que isso teria se incorporado à confabulação.
"Mas então Maria passou a relatar que sua atenção havia sido novamente atraída, desta vez por um objeto colocado sobre a sacada do terceiro andar na extremidade norte do edifício. Ela 'imaginara a si mesma indo' até lá. Percebeu, então, que 'seus olhos fixavam um cordão de tênis' junto a um tênis. Pediu-me que tentasse encontrá-lo. Ela queria que alguém mais soubesse que aquele tênis estava realmente lá, para confirmar sua experiência fora-do-corpo.
"Tomada de emoções confusas, saí do prédio e olhei para cima, examinando as sacadas, mas de qualquer maneira não poderia ver grande coisa. Então, subi até o terceiro andar e comecei a entrar e sair dos quartos dos pacientes, e a olhar pelas suas janelas, que eram tão estreitas que eu tinha de colar o rosto na vidraça para conseguir ver a sacada. Finalmente, encontrei um quarto onde, ao comprimir o rosto contra a vidraça e olhar para baixo, vi o tênis!
"Meu ângulo de visão era muito diferente daquele sob o qual Maria devia estar olhando para conseguir perceber que o dedinho havia desgastado o lugar onde ficava em contato com o tênis, e que o laço fora dado por trás do calcanhar, assim como outros detalhes a respeito do lado do calçado que não estava visível para mim. Ela só conseguiria observar todos esses detalhes do tênis se estivesse flutuando do lado de fora do prédio e muito perto do tênis. Eu o peguei e o levei para Maria. Foi, para mim, uma evidência muito concreta."




Fenômenos Espiritas ou "Astrais"

Nesta categoria de àperiências, encontramos fenômenos que têm constituído o principal foco do interesse de participantes em sessões espíritas, de parapsicólogos que investigam possíveis casos de sobrevivência após a morte, e de escritores da literatura ocultista. Essas experiências envolvem encontros e comunicação telepática com pessoas mortas, geralmente parentes e amigos,contatos com entidades desencarnadas em geral e experiências de um campo a que a literatura ocultista se refere como sendo o domínio astral.
As experiências desse tipo apresentam, às vezes, certos aspectos extraordinários que não são facilmente explicáveis, como indicam os dois exemplos seguintes. O primeiro ocorreu durante o tratamento psicodélico de um jovem paciente homossexual deprimido, a quem chamarei de Richard. (9)
Numa de suas sessões com LSD, Richard passou por uma experiência extraordinária envolvendo um domínio astral de natureza estranha e fantástica. Havia uma luminescência misteriosa envolvendo-o, cheia de seres desencarnados que tentavam comunicar-se com ele de uma maneira muito premente e suplicante. Ele não podia vê-los nem ouvi-los: sentia, entretanto, sua presença de maneira quase tangível e estava recebendo mensagens telepáticas enviarias por eles. Escrevi uma dessas mensagens, que era muito específica e poderia ser submetida a uma verificação subseqüente.
Era uma solicitação para que Richard entrasse em contato com um casal numa cidade da Morávia, Kromeriz, na Checoslováquia, e lhes comunicasse que seu filho Ladislav passava bem e estava sendo bem cuidado. A mensagem incluía o nome do casal, seu endereço e número do telefone. Tanto eu como meu paciente ignorávamos por completo esses dados. Foi uma experiência extremamente embaraçosa; parecia um enclave de algo alheio à experiência de Richard, sem nenhuma relação com seus problemas nem com o restante de seu tratamento.
Depois de alguma hesitação e cheio de sentimentos confusos, acabei decidindo fazer o que certamente me transformaria em alvo das zombarias de meus colegas, se viessem a saber da história. Dirigi-me ao telefone, disquei o número em Kromeriz e pedi para falar com Ladislav. Atônito, ouvia mulher que me atendeu começar a chorar. Quando se acalmou, ela me disse com uma voz entrecortada: "Nosso filho não está mais conosco; ele morreu, nós o perdemos há três semanas."
O segundo exemplo envolve meu grande amigo e ex-colega Walter N. Pahnke, que fazia parte de nossa equipe de pesquisas psicodélicas no Maryland Psychiatrie Research Center (Centro de Pesquisas Psiquiátricas de Maryland), em Baltimore. Seu profundo interesse pela parapsicologia, sobretudo pela questão da vida depois da morte, o levou a trabalhar com muitos médiuns e sensitivos famosos, inclusive com sua amiga Eileen Garrett, presidente da American Parapsychological Association (Associação Norte-americana de Pa¬rapsicologia). Foi ele também quem iniciou uma programação de uso de LSD em casos de pacientes terminais de câncer.
Durante o verão de 1971, Walter foi passar férias com sua mulher, Eva, e os filhos numa cabana no Maine, situada junto ao mar. Certo dia, munido de equipamento adequado, foi mergulhar sozinho e não voltou. Uma busca extensa e bem-organizada não foi capaz de encontrar seu corpo ou uma parte qualquer de seu equipamento de mergulho. Nessas circunstâncias, Eva teve muita dificuldade para admitir e aceitar sua morte. Sua última lembrança de Walter o mostrava saindo da cabana cheio de energia e em perfeita saúde. Era-lhe difícil acreditar que ele não fazia mais parte de sua vida, como também o era iniciar um novo capítulo de sua existência com a sensação de não ter ainda encerrado o anterior.
Sendo também psicóloga, ela se preparou para uma sessão de treinamento com LSD para profissionais de saúde mental, proporcionado por um programa especial em nosso instituto. Resolveu submeter-se a uma experiência psicodélica com a esperança de obter uma compreensão mais profunda, e solicitou minha presença ao seu lado, como assistente. Durante a segunda metade da sessão, ela teve uma visão muito intensa de Walter, e manteve com ele um longo e significativo diálogo. Ele lhe deu instruções específicas com relação aos três filhos do casal, e liberou-a para que desse início a uma nova vida, sem nenhum constrangimento ou limitação decorrente de um sentimento de compromisso para com sua memória. Foi uma experiência muito profunda e libertadora.
Enquanto Eva estava perguntando a si mesma se o episódio todo não seria apenas uma criação surgida de um desejo de sua própria mente, Walter apareceu, de súbito, mais uma vez, fazendo o seguinte pedido: "Ah! sim, eu me esqueci de uma coisa. Quer me fazer o favor de devolver para um amigo um livro que ele me emprestou? Está em meu escritório, no sótão." Forneceu a seguir o nome do amigo, o título do livro, a prateleira e a ordem seqüencial do livro nessa prateleira. Obedecendo às instruções, Eva pôde de fato encontrar e devolver o livro, a respeito do qual não tinha nenhum conhecimento anterior.
Enquanto vivo, Walter fizera um acordo com Eilceri Garrett: depois que ela morresse, tentaria dar a ele uma prova inquestionável da existência do além. Desse modo, acrescentar, à sua interação post-mortem com Eva, um elemento comprobatório concreto e susceptível de ser testado de maneira a desfazer suas dúvidas é algo que, com certeza, estaria perfeitamente de acordo com a busca de uma prova científica para os fenômenos paranormais a que Walter consagrara sua vida.

Lembranças de Encarnações Passadas

Esta categoria de experiências transpessoais é provavelmente a mais fascinante e controvertida de todas. Lembranças ostensivas de encarnações passadas assemelham-se, em muitos aspectos, a experiências ancestrais, raciais e coletivas. No entanto, são em geral muito dramáticas e estão associadas a uma intensa carga emocional. Sua característica vivencial essencial é uma convincente sensação de se lembrar de algo que aconteceu tempos atrás. Os sujeitos submetidos a essas dramáticas experiências mantêm uma sensação de individualidade e de identidade pessoal; percebem-se, porém, sob uma outra forma, em outro lugar e em outra época, e num outro contexto.
Há duas categorias distintas de experiências ostensivas de vida passada, caracterizando-se cada uma delas pela qualidade das emoções envolvidas. A primeira categoria reflete conexões altamente positivas com outras pessoas — amizade profunda, amor apaixonado, companheirismo espiritual, tual, relação entre mestre e discípulo, laços sanguíneos, compromisso de vida e morte, extraordinária compreensão mútua, ou intercâmbio de apoio espiritual e emocional. A segunda categoria, a mais freqüente, envolve dramáticas emoções negativas. A experiências pertencentes a essa categoria projetam os indivíduos em diversa situações destrutivas de uma vida passada, caracterizadas por angustiante sofrimento físico, agressão assassina, terror inumano, angústia prolongada, amargura e ódio, ciúme insano, sede insaciável de vingança, lascívia incontrolável ou mórbida avidez.
Alguns aspectos específicos das experiências de vida passada são extremamente interessantes e merecem a séria atenção de pesquisadores da consciência e da psique humana. As pessoas que experimentam fenômenos cármicos adquirem com freqüência espantosos insights a respeito do tempo e da cultura envolvidos, e chegam ocasionalmente até mesmo a tomar conhecimento de acontecimentos históricos específicos. Em alguns casos, é absolutamente indiscutível que elas não poderiam ter adquirido essa informação de uma maneira convencional, através dos canais sensórios habituais. Neste sentido, as lembran¬ças de uma vida passada são experiências transpessoais que compartilham com outros fenômenos transpessoais a capacidade de proporcionar um acesso extra-sensorial imediato e direto a informações sobre o mundo.
Em casos pouco freqüentes, as experiências transpessoais que parecem dar apoio à realidade da reencarnação podem ser muito específicas. Uma pequena fração das lembranças transpessoais de uma vida passada envolvem informações destituídas de qualquer ambigüidade e referentes à personalidade e à vida do indivíduo com o qual o sujeito se sente carmicamente ligado. Essas informações podem consistir em nomes de pessoas e de lugares, datas, descrições de objetos com formas pouco usuais, e em muitos outros fatos. Ocasionalmente, a natureza desse material permite uma comprovação independente. Nesses casos, a investigação histórica proporciona, com freqüência, surpresas extraordinárias em termos da verificação dessas experiências até mesmo ne nível dos detalhes muito pequenos.
Ilustrarei, a seguir, alguns aspectos importantes das experiências de vida passada narrando um caso interessante. Karl, o protagonista desta história começou sua auto-exploração num grupo de terapia primal. Participou, mais tarde, durante um mês, de um de nossos seminários no Esalen Instituto [Instituto Esalen], em Big Sur, Califórnia, onde aplicávamos a técnica da respiração holotrópica.
Enquanto estava se submetendo à terapia primal, e revivia diversos aspectos do seu trauma de nascimento, Karl começou a vivenciar fragmentos de cenas dramáticas que pareciam estar ocorrendo num outro século e num país estrangeiro. Envolviam intensas emoções e sentimentos físicos, e davam a impressão de ter alguma conexão profunda e íntima com sua vida; nenhuma delas, no entanto, tinha o menor sentido em termos de sua biografia atual.
Tinha visões de túneis, de espaços subterrâneos de armazenamento, de barracas militares, de espessas muralhas e fortificações que pareciam fazer parte de uma fortaleza situada no alto de um rochedo e dominando a orla marítima. Entre essas imagens, intercalavam-se as de soldados em situações diversas.
Sentiu-se perplexo, pois os soldados pareciam espanhóis ao passo que o cenário lembrava a Escócia ou a Irlanda.
À medida que o processo visionário prosseguia, as cenas iam se tornando mais dramáticas e emaranhadas, representando muitas delas ferozes combates e sangrentas matanças. Embora cercado de soldados, Karl sentia-se como se fosse um sacerdote e, a certa altura, teve uma comovente visão que envolvia uma Bíblia e uma cruz. Foi então que ele viu um anel sinete em sua mão e reconheceu com nitidez as iniciais nele gravadas. Enquanto ia assim reconstituindo a sua história pedaço por pedaço, Karl ia também encontrando ligações cada vez mais significativas com sua vida presente. Estava descobrindo que muitas sensações emocionais e psicossomáticas, assim como problemas com que se defrontava nos relacionamentos interpessoais em sua vida cotidiana naquela época estavam claramente associados ao seu processo interior, que envolvia aquele misterioso acontecimento do passado.
O momento crítico surgiu de repente, quando Karl, num gesto impulsivo, decidiu passar um feriado na Irlanda. Quando voltou, mostrava pela primeira vez as fotografias que tirara na costa ocidental da Irlanda. Percebeu então que o lugar que atraíra sua atencão era a ruína de uma antiga fortaleza denominada Dunanoir, ou Forte de Oro [Fortaleza de Ouro].
Suspeitando que houvesse nisso uma conexão com suas experiências de terapia primal, Karl decidiu estudar a história de Dunanoir. Com enorme surpresa, descobriu que na época de Walter Raleigh a fortaleza fora tomada pelos espanhóis e depois sitiada pelos ingleses. Raleigh negociou com os espanhóis e prometeu que os deixaria sair livremente da fortaleza se abrissem o portão e se rendessem aos ingleses. Os espanhóis aceitaram essas condições, mas os ingleses não cumpriram sua promessa. Ao penetrarem na fortaleza, massacraram impiedosamente todos os espanhóis, e os atiraram do alto das muralhas para que morressem na praia.
A despeito dessa confirmação absolutamente espantosa da história que, laboriosamente, ele reconstruíra em sua exploração interior, Karl não estava satisfeito. Continuou a pesquisar em bibliotecas até descobrir um documento que se referia especialmente à batalha de Dunanoir. Nele, verificou que um padre havia acompanhado os soldados espanhóis e fora assassinado com eles. As iniciais do nome desse sacerdote eram idênticas às que Karl reconheceu quando teve a visão do anel sinete e reproduzido em um de seus desenhos.

As observações aqui examinadas, provenientes da terapia holotrópica, merecem uma investigação sistemática e cuidadosa com evidências que se relacionam coma questão da sobrevivência post-mortem da consciência. Embora não possam ser interpretadas como prova inequívoca da continuidade da consciência individual após a morte, dificilmente um cientista imparcial e bem-informado poderia descartar essa possibilidade fundamentando-se numa adesão metafísica a uma visão de mundo mecanicista. Embora a suposição da sobrevivência post-mortem não seja a única interpretação imaginável para os dados em questão, é certamente importante reexaminar criteriosamente esses dados, em benefício da objetividade, da honestidade e do progresso científicos.
Além do mais, esse empreendimento poderia ter importantes implicacões sociais e políticas. O status da consciência na visão de mundo científica e a questão de sua sobrevivência depois da morte física estão incluídos entre os temas mais cruciais que influenciam a hierarquia dos valores, padrões éticos, códigos morais e comportamento dos seres humanos. Tendo em vista a presente crise global e o iminente perigo de um suicídio coletivo, este fator não deveria ser subestimado.


(Extraído do livro: "Explorações Contemporâneas da Vida Depois da Morte" - Organizado por Gary Doore, PhD. - Ed. Cultrix - S.Paulo.)

2 comentários:

Enfant Terrible disse...

Você pode postar o livro inteiro para download?

jholland disse...

Não. Mas vc encontra facil em sebos. Veja no site da estante virtual. Abraços.