Primeiro ministro do Meio Ambiente do Brasil, durante o governo Itamar Franco, o economista e diplomata Rubens Ricupero está acostumado a lidar com os impasses entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. O dilema também fazia parte de sua rotina na Unctad, a agência de pesquisa e planejamento ligada à ONU que ele presidiu de 1995 a 2004.
De olho no debate atual e na pressão sobre a legislação ambiental, Ricupero considera que o País corre o risco de perder uma parcela do prestígio político que o habilita a ser protagonista em foros internacionais. “Esses projetos de lei, se aprovados, significarão um escândalo mundial, pois vão ocorrer no pior timing possível, em um momento em que os EUA estão dispostos a mudar de orientação.”
O ex-ministro concedeu uma entrevista à revista Carta Capital, edição 10-06-2009. A íntegra da entrevista encontra-se na revista impressa.
Eis alguns trechos da entrevista.
O Brasil lida bem com as questões ambientais?
Houve um avanço expressivo na conscientização da sociedade e no nível de institucionalização do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente. Contudo, esse avanço não correspondeu a uma eficácia na solução dos grandes problemas ambientais. Com altos e baixos, o desmatamento da Amazônia infelizmente prossegue. Os meios para evitar que isso aconteça, para prevenir, para chegar ao local do desmate, continuam muito precários. As multas são aplicadas mas não pagas. O mais grave é que no momento a gente vê no Congresso iniciativas que, se vitoriosas, seriam um retrocesso muito sério.
O senhor poderia dar exemplos?
O licenciamento ambiental é um exemplo. Querem tirar o licenciamento da esfera federal e passar aos estados e municípios. Outro ponto é o índice de preservação da floresta nativa, que a bancada ruralista quer diminuir de 80% para 50%, no caso da Amazônia. Como explicar que essa maior consciência não tenha uma repercussão no sistema político? Refiro-me ao Executivo, aos ministros dos Transportes, Energia, Agricultura, mas também ao Congresso e à Justiça. A exceção aí é o Ministério Público, o único a atuar com consciência ambiental.
A que se deve esse descompasso?
É mais uma prova de que o sistema político brasileiro é irresponsável, no sentido de que ele não responde à opinião pública. Como o mecanismo de eleição no Brasil depende muito mais de dinheiro e de apoio de grupos do que de programas, existe essa situação, por sinal, muito constante na história do Brasil. Da minha experiência como ministro, concluí que dar aos estados e municípios a atribuição do licenciamento ambiental seria uma loucura. Ao contrário do que ocorre na Europa, onde vigora o princípio de que se deve dar mais poder à autoridade local, já que quanto mais próxima do problema supostamente é mais capaz de resolvê-lo. Acontece que, no Brasil, na Amazônia, não há distinção entre os devastadores e os políticos, sobretudo os prefeitos, com algumas poucas exceções, convém mencionar.
Há quem reclame da demora em obter um licenciamento para projetos de infraestrutura. O senhor concorda com essas críticas?
O licenciamento pode ser aprimorado, com mais recursos e mais meios técnicos. Mas o que está por trás desse discurso não é exatamente boa intenção. Falei em Amazônia, mas o panorama não é diferente na Mata Atlântica e no Cerrado, onde a situação também é crítica. Ao falar em desenvolvimento, em geral não se pode evitar o que seria um dilema entre o desenvolvimento ou o meio ambiente. Mas no Brasil esse dilema não se coloca dessa forma, mesmo porque, hoje em dia é indiscutível a verdade da mudança climática. Daqui a alguns meses será publicado o primeiro livro que representa a adaptação ao Brasil do estudo coordenado pelo economista Nicholas Stern, sobre o impacto do meio ambiente na economia. Mostrará todo o impacto da mudança climática na economia brasileira. Posso afirmar que as revelações são terríveis. Daqui a algumas décadas, metade do Nordeste terá de ser esvaziado de população devido à escassez de chuvas. É completamente irracional sustentar a ideia de que pode haver desenvolvimento contra o meio ambiente. Alguns países realmente não têm alternativa, como a China e a Índia, onde a eletricidade vem do carvão.
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