Por: Vladimir Cunha
Injustamente esquecido, relegado a um canto escuro do quarto de despejos da contracultura, Arco Íris da Gravidade, do escritor norte-americano Thomas Pynchon, permanece como a obra mais obscura e controversa da literatura mundial. Sua história tem início na Inglaterra durante o final Segunda Guerra Mundial. É lá que ficamos conhecendo Tyrone Slothrop, um tenente do exército norte-americano com a estranha compulsão de fazer sexo nos lugares onde irão cair as bombas V2 lançadas pelos alemães. Sem razão aparente, Slothrop consegue prever quais locais serão bombardeados. E sua busca pela explicação para esta suposta mediunidade é o fio condutor da história.
Mas a força do romance de Thomas Pynchon reside mesmo em sua complexidade temática e estrutural. Ao longo de quase 900 páginas, ele discorre, entre outras coisas, sobre o militarismo excessivo e o perigo nuclear (é preciso lembrar que o livro foi escrito nos anos 60, no auge da Guerra Fria), a excessiva presença da tecnologia na mediação das relações humanas, a possibilidade de manipulação dos sistemas de percepção sensorial, o sexo enquanto forma de dominação na sociedade moderna, a expansão da mente através das drogas, a Entropia e a morte do Universo, o colonialismo europeu e a existência de um Estado mundial invisível controlando nossas vidas. Tudo isso costurado por peripécias tão engraçadas quanto improváveis e imensos tratados sobre física, psiquiatria, química e História.
Propositalmente, Pynchon criou um narrador de voz pouco confiável, que se perde em devaneios e digressões à medida que o romance avança para o final. Em Arco Íris da Gravidade é impossível afirmar o que é alucinação, o que é mentira e o que é, de fato, realidade. Personagens mudam de nome sem que o leitor seja avisado, situações são descritas nos mínimos detalhes apenas para descobrirmos depois que elas nunca aconteceram e o caminho que parece mais óbvio nunca é aquele que conduz a um perfeito entendimento da trama. É um jogo onde o autor abusa de mensagens cifradas, significações ocultas e trajetórias labirínticas, que levam o leitor a se perder no emaranhado de situações que surgem ao longo da história.
Adepto da teoria do caos e do conceito de Entropia, Pynchon optou por deixar o livro aparentemente sem final. Gotfried aprisionado no Foguete 00000 e sua relação carnal e subserviente com o Tenente Blicero são o sexo como forma de opressão, abrigado sob a sombra da Tecnologia e da indústria cultural, o prazer que nasce do corpo subjugado, destruído simbolicamente em nome do entretenimento. Os eventos finais encenados por ele são como uma cadeia de fractais, na qual os acontecimentos prolongam-se de um determinado ponto até o infinito.
Arco Íris da Gravidade guarda ainda semelhanças com as Zonas Autônomas Temporárias criadas pelo anarquista Hakim Bey. Enquanto reconstitui seu passado, Slothrop mergulha na Zona, um imenso inconsciente coletivo físico e metafórico encravado no coração da Europa. A Zona guarda a resposta para o enigma de Slothrop ao mesmo tempo em que lhe confronta com simbolismos arcanos, perversões sexuais e ultraviolência. Ocorre então uma breve suspensão das Leis e dos costumes, a quebra momentânea das barreiras do Ego. Slothrop - confinado à Zona, entorpecido por toda sorte de drogas, incapaz de reagrupar os mecanismos constituintes de sua identidade (uma espécie de largura de banda psicológica) e atraído pelo misterioso Foguete 00000 -cede ante a fragmentação sensorial. Ele agora é apenas uma aparição, um impulso psíquico que se desfaz em meio ao caos da Zona. Ao contrário de Gotfried – e de certo modo, de todos os personagens do livro – a opção de Slothrop em excluir-se da Matrix resulta num lento, mas progressivo, processo de esquecimento. Ou, numa interpretação mais otimista, na liberdade total a partir de uma vida longe das regras sociais.
Há quem goste de Arco Íris da Gravidade por seu humor picaresco, há quem veja na obra um tratado sociológico sobre o século XX, há quem admire a erudição de Pynchon há quem enxergue mensagens ocultas no estilo hermético do autor e há quem aprecie o livro por todos esses fatores. Ao subverter classificações e misturar estilos literários diversos com informações acadêmicas e um senso de humor meio bizarro, Thomas Pynchon ultrapassou as fronteiras da literatura pós-moderna e estabeleceu um novo parâmetro estético, várias vezes copiado mas jamais igualado. Talvez seu livro tenha sido a última obra-prima da literatura mundial e o último Grande Romance Americano. Você já deve ter ouvido isso antes, mas nada que se compare a esta vez.
Fonte: http://kfl.blogspot.com/
Injustamente esquecido, relegado a um canto escuro do quarto de despejos da contracultura, Arco Íris da Gravidade, do escritor norte-americano Thomas Pynchon, permanece como a obra mais obscura e controversa da literatura mundial. Sua história tem início na Inglaterra durante o final Segunda Guerra Mundial. É lá que ficamos conhecendo Tyrone Slothrop, um tenente do exército norte-americano com a estranha compulsão de fazer sexo nos lugares onde irão cair as bombas V2 lançadas pelos alemães. Sem razão aparente, Slothrop consegue prever quais locais serão bombardeados. E sua busca pela explicação para esta suposta mediunidade é o fio condutor da história.
Mas a força do romance de Thomas Pynchon reside mesmo em sua complexidade temática e estrutural. Ao longo de quase 900 páginas, ele discorre, entre outras coisas, sobre o militarismo excessivo e o perigo nuclear (é preciso lembrar que o livro foi escrito nos anos 60, no auge da Guerra Fria), a excessiva presença da tecnologia na mediação das relações humanas, a possibilidade de manipulação dos sistemas de percepção sensorial, o sexo enquanto forma de dominação na sociedade moderna, a expansão da mente através das drogas, a Entropia e a morte do Universo, o colonialismo europeu e a existência de um Estado mundial invisível controlando nossas vidas. Tudo isso costurado por peripécias tão engraçadas quanto improváveis e imensos tratados sobre física, psiquiatria, química e História.
Propositalmente, Pynchon criou um narrador de voz pouco confiável, que se perde em devaneios e digressões à medida que o romance avança para o final. Em Arco Íris da Gravidade é impossível afirmar o que é alucinação, o que é mentira e o que é, de fato, realidade. Personagens mudam de nome sem que o leitor seja avisado, situações são descritas nos mínimos detalhes apenas para descobrirmos depois que elas nunca aconteceram e o caminho que parece mais óbvio nunca é aquele que conduz a um perfeito entendimento da trama. É um jogo onde o autor abusa de mensagens cifradas, significações ocultas e trajetórias labirínticas, que levam o leitor a se perder no emaranhado de situações que surgem ao longo da história.
Adepto da teoria do caos e do conceito de Entropia, Pynchon optou por deixar o livro aparentemente sem final. Gotfried aprisionado no Foguete 00000 e sua relação carnal e subserviente com o Tenente Blicero são o sexo como forma de opressão, abrigado sob a sombra da Tecnologia e da indústria cultural, o prazer que nasce do corpo subjugado, destruído simbolicamente em nome do entretenimento. Os eventos finais encenados por ele são como uma cadeia de fractais, na qual os acontecimentos prolongam-se de um determinado ponto até o infinito.
Arco Íris da Gravidade guarda ainda semelhanças com as Zonas Autônomas Temporárias criadas pelo anarquista Hakim Bey. Enquanto reconstitui seu passado, Slothrop mergulha na Zona, um imenso inconsciente coletivo físico e metafórico encravado no coração da Europa. A Zona guarda a resposta para o enigma de Slothrop ao mesmo tempo em que lhe confronta com simbolismos arcanos, perversões sexuais e ultraviolência. Ocorre então uma breve suspensão das Leis e dos costumes, a quebra momentânea das barreiras do Ego. Slothrop - confinado à Zona, entorpecido por toda sorte de drogas, incapaz de reagrupar os mecanismos constituintes de sua identidade (uma espécie de largura de banda psicológica) e atraído pelo misterioso Foguete 00000 -cede ante a fragmentação sensorial. Ele agora é apenas uma aparição, um impulso psíquico que se desfaz em meio ao caos da Zona. Ao contrário de Gotfried – e de certo modo, de todos os personagens do livro – a opção de Slothrop em excluir-se da Matrix resulta num lento, mas progressivo, processo de esquecimento. Ou, numa interpretação mais otimista, na liberdade total a partir de uma vida longe das regras sociais.
Há quem goste de Arco Íris da Gravidade por seu humor picaresco, há quem veja na obra um tratado sociológico sobre o século XX, há quem admire a erudição de Pynchon há quem enxergue mensagens ocultas no estilo hermético do autor e há quem aprecie o livro por todos esses fatores. Ao subverter classificações e misturar estilos literários diversos com informações acadêmicas e um senso de humor meio bizarro, Thomas Pynchon ultrapassou as fronteiras da literatura pós-moderna e estabeleceu um novo parâmetro estético, várias vezes copiado mas jamais igualado. Talvez seu livro tenha sido a última obra-prima da literatura mundial e o último Grande Romance Americano. Você já deve ter ouvido isso antes, mas nada que se compare a esta vez.
Fonte: http://kfl.blogspot.com/
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