Leia abaixo alguns trechos de entrevista concedida por Marilena Lazzarini ao jornal O Estado de S.Paulo:
Uma das criadoras do Procon em 1976 e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) dez anos depois, Marilena Lazzarini sugere que o mundo se localize, antes de fazer a roda girar intensamente no padrão atual.
“Esse modelo de consumo desregulado falhou, e estimulá-lo parece uma loucura.” Seria acelerar um automóvel com defeito, tendo no banco do passageiro um cidadão mal informado pelas empresas, mal amparado pela legislação e com tendência ao superendividamento. Como para toda crise há uma contrapartida, ela ressalta, nesta entrevista, o ensejo de investir no ambiente. “A crise ambiental é muito mais grave do que a financeira.” Seria oportuno correr, diz ela, antes de a natureza cobrar a conta.
Eis um trecho dessa entrevista.
Qual é nosso modelo de consumo?
É muito uma cópia do modelo americano, mas nos EUA é exacerbado. O brasileiro vai gastar o que não pode para comprar um tênis de marca, uma calça, que basicamente são todos iguais, exceto pela etiqueta. Esses jovens vão se matar ou matar alguém para ter aquele artigo. Os modelos não são mais difundidos pela vizinhança. Antigamente, havia uma similitude na comunidade. Hoje, não. Os padrões entram nas casas pela televisão. Só que esse modelo de consumo desregulado falhou, e estimulá-lo parece loucura. Imagine que você está dirigindo um automóvel com um defeito. Em vez de parar o carro, põe o pé no acelerador. Estimular a população a consumir tem correlação com essa situação. Pedem que a população acelere e vá em frente. Ela vai acabar num abismo, vai se arrebentar.
O que poderia ser feito então?
Rever o modelo. É necessária uma regulamentação nacional e internacional. Esses mercados financeiros são vaso-comunicantes. Isso está sendo discutido pelo G-20, mas há uma resistência a assumir a necessidade de regular o mundo financeiro. Também acho que o governo brasileiro deveria direcionar políticas públicas que favorecessem o mercado interno. Ele muitas vezes é desprezado como potencial de desenvolvimento. Por que não uma produção de alimentos sustentável? O transporte de alimentos cruzando o país é um gasto de combustível absurdo. A produção ficaria perto do consumidor.
Que outras oportunidades a crise oferece?
Para mim, a postura que mais teria sentido no momento seria enfrentar a crise financeira com a ambiental. Acho que a crise ambiental é muito mais grave do que a financeira, só que não afeta o bolso de imediato. Vivemos um modelo que valoriza muito a economia. Isso ficou desconectado da sociedade. O pacote para ajudar a indústria automobilística, por exemplo, poderia ter sido em parte direcionado ao transporte público. Você não estaria tirando dinheiro do mercado, mas movimentando a economia em outro segmento. Geraria emprego, manteria o mercado aquecido, mas com direção estratégica, voltado para a questão climática. Hoje, com essa enorme parcela de pessoas marginalizadas, o modelo de consumo voraz não se sustenta. Com mais países subindo de padrão, como está ocorrendo, aí é que não cabe mesmo. Os habitantes da Índia e da China vão querer imitar o padrão consumista, algo absolutamente inviável, ainda mais porque a engenharia genética ainda não conseguiu clonar a Terra. Somente assim para ter tanto recurso natural. O tempo para conseguir mitigar esse desgaste ambiental está diminuindo. Talvez a crise até ajude nesse sentido. Se diminuir o consumo mundial, podemos espaçar esse intervalo e ganhar fôlego.
O que passa a ser produto essencial num momento de recessão?
Os produtos ou serviços mais sustentáveis, mais confiáveis, mais duráveis. Correr só com a visão de curto prazo pode ser um caminho sem perenidade. Acho que o conceito da qualidade é dos mais importantes. Trabalhamos muito a substituição. Quebrou a geladeira, a gente compra outra. Cada vez mais os eletrodomésticos estão sendo criados para durar menos tempo. É necessário reconceituar.
Será a ressurreição dos sapateiros?
Adoro este sapato que estou usando, por exemplo. Às vezes o que pago para consertar o salto é quase o preço para comprar um novo. Tem que reconceituar em cima da qualidade, ter um custo de manutenção adequado, ofertar peças de reposição num período considerável. Sem peças, o que vai acontecer? Vai tudo para um lixão. O governo tem de rever o estímulo a certos segmentos da indústria visando à durabilidade. Seria um novo modo de produção que repercutiria no consumo. O mundo todo vai demandar isso.
A senhora mencionou a educação para o consumo como responsabilidade importante do governo nesta crise. Como ela pode ser feita?
No Brasil, apesar de o currículo do MEC prever desde 1998 que a educação para o consumo seja tema transversal, ela não tem sido implementada. Até desenvolvemos um material em 2005, feito para professores, que trabalha o consumo sustentável, o ambiente, a publicidade, a segurança de produtos e a ética. Mas as escolas já estão numa situação tão precária... Algumas talvez pensem: “Vou introduzir mais isso no currículo?” Agora, nos projetos em que tivemos experiência concreta, os professores se motivaram. Em matemática, trataram do crédito, do financiamento, dos juros. Também poderiam trabalhar direitos e deveres do consumidor. Penso nesses saques em Santa Catarina. Chamou atenção uma pessoa que se aproveitou da tragédia e encheu o carrinho com R$ 3 mil em mercadorias. “Todo mundo está pegando, também vou aproveitar”, como se não tivesse problema. São padrões que se reproduzem. Se o banco saqueou a poupança no Plano Verão, por que não fazer o mesmo? É certo que, em Santa Catarina, era uma situação-limite. Uma crise também aproxima as pessoas de situações-limite. Aí elas vão se mostrar.
A entrevista completa pode ser lida em:
http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18592
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