quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O saber noturno


Há sujeitos que levam no peito um coração fatigado pela infelicidade, pela dor mais suprema, mas que ainda assim pulsa vigorosamente, pronto para o rejuvenescimento e para a voluptuosa alegria. Esses corpos que buscam simultaneamente os extremos da dor e da alegria engendram um tipo de conhecimento, que podemos nomear de SABER NOTURNO.
O saber noturno é característico de um corpo que sofre porque quer se expandir, tal como o corpo de uma parturiente. Trata-se de um conhecimento que tem a tarefa de parir uma nova vida, livre, intensa, repleta de possibilidades e de venturas. A criação dessas novas possibilidades de existência, desembaraçada dos limites e dos constrangimentos da atualidade, é a grande missão dos poetas, dos pensadores-artistas que desejam livrar o devir das amarras da continuidade, do passado, dos ideais metafísicos e das superstições teleológicas que contaminam e ensombrecem o futuro.
O saber noturno é o corpo da parturiente, as sábias e firmes mãos da parteira, mas é também a criança que cria o seu mundo, seus valores e usufrui do tempo de acordo com os desejos. O "momento da criança" ilustra o tempo da criação, a capacidade lúdica e artística do homem livre do fardo da história, e, portanto, plenamente ligado ao presente.
" O lúdico artista – explica o filósofo Miguel Barrenechea – não olha para trás, nada o prende ao que foi, é 'inocência e esquecimento'. O criador está alheio ao dever e à culpa; nenhum ressentimento, nenhuma vingança o ocupa. Ele vive plenamente o aqui e agora, sem dívidas sobre o que já foi nem preocupações com o que virá."
Com a mesma intensidade e curiosidade da criança, os pensadores-artistas brincam "inocentemente" no lado escuro e terrível da vida. Pois se trata de um corpo que quer se expandir, isto é, que não se limita ao já conhecido, ao já pensado e criado à luz do dia que tudo revela e desencanta. Como afirma Nietzsche, todo " crescer e devir no reino da arte tem que acontecer numa noite profunda."


Os pensadores-artistas sabem que todo ser vivo precisa não só de luz para ver, como também da escuridão para sonhar.


(Fragmento de tese escrita por Tony Hara)