domingo, 17 de agosto de 2008

TUDO EM QUE ACREDITAMOS NOS APRISIONA




Por Robert Anton Wilson

Deve ser óbvio para todos os leitores inteligentes (mas curiosamente não é óbvio para todos) que o meu ponto de viste neste livro é de agnosticismo. A palavra "agnóstico" aparece explicitamente no "Prólogo” e a atitude agnóstica é repetidamente mencionada no texto, mas muitas pessoas ainda pensam que eu “acredito” em algumas das metáforas e modelos aqui mencionados. Portanto quero esclarecer , como nunca antes o fiz, que:

Eu não acredito em nada.

Essa afirmação foi feita explicitamente por John Gribbin, editor de física da revista New Scientist, em um debate da BBC com Malcolm Muggeridge, e provocou incredulidade por parte da maioria dos espectadores. Parece ser uma ressaca da era medieval católica que leva a maioria das pessoas, até aquelas considerada,, "educadas”, a pensar que todos devem “acreditar" em alguma coisa ou outra: que se uma pessoa não é teísta, deve então ser uma ateísta dogmática: e se, uma pessoa pensa que o capitalismo não é perfeito, ela deve acreditar fervorosamente no socialis­mo; e se uma pessoa não tem uma fé cega em x, ela alternativamente deve ter uma fé cega em y ou no reverso de x.

Minha opinião é de que a crença é a Morte da inteligência. A partir do momento que alguém acredita em algum tipo de doutrina ou assume a certeza, ele pára de pensar a respeito do aspecto da existência. Quanto maior é a certeza assumida, menos é deixado para se pensar a respeito de um determinado assunto, e uma pessoa que tivesse certeza sobre tudo não teria nenhuma necessidade de pensar a respeito de qual­quer coisa e poderia ser considerada clinicamente morta de acordo com as normas médicas atuais, pois a ausência de atividade cerebral é consi­derada o fim da vida.

Minha atitude é idêntica à do Dr. Gribbin e à da maioria dos físicos de hoje, visto que ela é conhecida como "A Interpretação de Copenhaguen", pois foi formulada em Copenhaguen pelo Dr. Niels Bohr e seus colabora­dores, entre 1926-1928. Algumas vezes, A Interpretação de Copenhaguen é chamada de "agnosticismo modelo" e reza que qualquer plano utilizado para organizar nossa experiência no mundo é um modelo do mundo e não deve ser confundido com o próprio mundo. Alfred Korzybski, o semanticista, procurou popularizar essa física externa por intermédio do slogan: "O mapa não é o território". Alan Watts, um talentoso exegeta da filosofia oriental, reformulou-o mais vividamente como: "O cardápio não é a refeição".

A crença no sentido tradicional, ou convicção, ou dogma, resulta na grandiosa ilusão: "Meu modelo presente" — ou plano, ou mapa, ou túnel-realidade — "contém todo o universo e não precisará mais ser revisto". Em termos de história da ciência e do conhecimento em geral, para mim, isso parece absurdo e arrogante e fico sempre surpreso pelo fato de tantas, pessoas conseguirem viver com essa atitude medieval.

O Gatilho Cósmico trata de um processo de alteração cerebral deliberadamente induzida, pelo qual eu mesmo passei durante os anos de 1962 a 1976. Esse processo é chamado de "iniciação" ou "busca da visão” em muitas sociedades tradicionais e pode facilmente ser considerado, em terminologia moderna, como uma variedade perigosa de autopsicoterapia. Eu não o recomendo para todos e acho que consegui um número maior de bons resultados do que de ruins, visto que passei por duas variedades de psicoterapia clássica antes de começar minhas próprias aventuras e, por possuir um bom conhecimento de filosofia científica, eu não estava inclinado a "acreditar" literalmente em nenhuma impressionante Revelação.

Em resumo, o que aprendi de mais importante em minhas experiências é que "realidade é sempre plural e mutável".

Como a maior parte de O Gatilho Cósmico é dedicada à explicação e à ilustração dessa afirmação, e como já tentei explicá-la em outros livros e ainda encontro pessoas que leram tudo o que escrevi acerca do assunto e continuam não entendendo o que quero dizer, tentarei novamente neste novo "Prefácio" explicá-la UMA VEZ MAIS e talvez de forma mais clara que antes.

"Realidade" é: (a) um substantivo e (b) singular. Pensando no idioma português (e nos conhecidos idiomas indo-europeus), essa palavra nos pragrama subliminarmente a conceituar "realidade" como uma entidade de um só bloco, por exemplo, um arranha-céu de Nova Iorque, onde cada parte é tão somente outro espaço dentro do mesmo edifício. Esse programa lingüístico é tão dominante que a maioria das pessoas não pode "pensar" além de seus limites e, quando alguém tenta oferecer uma nova perspectiva, logo imagina que esse alguém esteja falando bobagem.

Saber que “realidade é um substantivo, algo sólido como um tijolo ou um taco de beisebol, deriva do fato evolutivo de que o nosso sistema normalmente organiza a dança energética dentro desses sólidos, provavelmente como avisos instantâneos de sobrevivência biológica. Entretanto, esses sólidos voltam por se dissolver em danças energéticas — processos ou verbos —, quer quando o sistema nervoso entra em sinergia mediante certa drogas, quer quando transmutado por exercícios xamânicos ou de yoga, quer recebendo a ajuda de instrumentos científicos. Tanto no misticismo quanto na Física, há uma concordância geral de que os sólidos são construídos pelo nosso sistema nervoso e de que “realidades” (plural) são mais bem descritas como sistemas ou conjunto de funções energéticas.

Robert Anton Wilson


Isso no que se refere à “realidade”como substantivo. O fato de saber que realidade é singular, como um jarro hermeticamente fechado, não se harmoniza com as descobertas científicas que, durante este século sugerem que “realidade” pode ser melhor considerada como fluindo e vagueando como um rio, ou interagindo como uma dança, ou evoluindo como a própria vida.

A maioria dos filósofos sabia, pelo menos desde os anos 500 a.C., que o mundo percebido não é “o mundo real”, mas uma construção criada por nós mesmos — nossa própria e particular obra de arte. A ciência moderna teve início quando Galileu demonstrou que a cor não é “parte integrante” dos objetos, mas é a “interação de nossos sentidos” com os objetos. Apesar desse conhecimento filosófico e científico da relatividade neurológica, mais claramente demonstrada pelos instrumentos cada vez mais modernos, devido à linguagem nós ainda pensamos que, atrás do universo que flui, vagueia, interage e evolui criado pela percepção, encontra-se uma sólida "realidade" forte c nitidamente delineada quanto uma barra de ferro.

A física quântica minou aquela "realidade" de barra de ferro, mos­trando que faz mais sentido falar das interações que realmente experimentamos de forma exclusivamente cientifica (nossas atividades no laboratório); e a psicologia da percepção minou a "realidade" platônica, mostrando que, se existisse, levaria a contradições desanimadoras se ten­tássemos explicar como realmente percebemos que um hipopótamo não é uma orquestra sinfônica.

As únicas "realidades" (plural) que realmente experimentamos e sobre as quais podemos falar significativamente são realidades percebidas, realidades experimentadas, realidades existenciais — realidades que nos envolvem como editores — e, para o observador, todas elas são relativas, flutuando, evoluindo, com capacidade de serem ampliadas e enriquecidas, movendo-se de uma baixa resolução para uma alta fidelidade e não se conformando juntas como peças de um quebra-cabeça em uma única Realidade, aquela com R maiúsculo. Ao contrário, projetam iluminação, uma sobre a outra, por contraste, como as pinturas em um grande museu ou os diferentes estilos sinfônicos de Haydn, Mozart, Beethoven e Mahler.
Alan Watts pode ter colocado isso da melhor forma: "O universo é um borrão gigante de Rorshach". Para isso, a ciência encontra um significado no século XVIII, outro no século XIX e um terceiro no século XX; cada artista encontra significados únicos em outros níveis de abstração; e cada homem e cada mulher encontram significados diferentes em momentos diferentes do dia, dependendo dos ambientes, interno e externo, em que se encontram.

Este livro trata do que eu denominei de alteração cerebral induzida e que o Dr. John Lilly intitula mais especificamente de "autoprogramação do biocomputador humano". Como psicólogo e romancista, basicamente me empenhei em saber quão rapidamente seria possível reorganizar a função cerebral de um primata normal domesticado e de inteligência média — o único sobre o qual eu poderia eticamente efetuar essa pesquisa arriscada — eu mesmo.

Tal como a maioria das pessoas que historicamente tentaram essa "autoprogramação", logo me encontrei em águas revoltas. Tornou-se seguramente óbvio que meus modelos e metáforas anteriores não poderiam ser responsabilizados pelo que eu estava experimentando. Portanto, tive de criar novos modelos e metáforas à medida que seguia adiante. Como eu estava lidando com assuntos fora de realidades consensuais, algumas de minhas metáforas são um tanto extraordinárias. Isso não me incomoda, pois sou tanto artista quanto psicólogo e também não me incomodo quando as pessoas interpretam essas metáforas ao pé da letra.

Peço-lhes, gentis leitores, que memorizem a citação de Aleister Crowley no início da "Parte I” e tornem a repeti-la caso, em algum momento, vocês comecem a pensar que estou lhes trazendo as mais recentes revelações teológicas da Central Cósmica.

O que minhas experiências demonstraram — o que tais experiências ao longo da história demonstraram — é simplesmente que nossos modelos de “realidade” são muito pequenos e ordenados, enquanto o universo da experiência é enorme e desordenado, e nenhum modelo pode jamais incluir toda a grande desordem percebida pela consciência não censurada.

(Continua... )

Do livro de Robert Anton Wilson, "O Gatilho Cósmico"

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