quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Jean Klein: A simplicidade de Ser




Quando falamos da observação silenciosa, referimo-nos a um modo de escutar, uma forma de ver, a qual permite o observar em sua expressão direta e não qualificada. No processo da escuta, você pode descobrir que o observador está sempre julgando, criticando, comparando e avaliando. Este discernimento o leva por si só a uma posição na qual você não está envolvido no percebido. Então, uma sensação de espaço se abre entre sua observação e o observado, suscitando a compreensão de que o percebido surge em você, mas você não está limitado a qualquer coisa perceptível. O silêncio é nossa verdadeira natureza.

Então, o próprio pensamento é a raiz do problema?

Geralmente, conhecemos a nós mesmos nas percepções, nos estados. Nós apenas conhecemos a consciência de alguma coisa, a escuta de algo, etc. Nós não conhecemos a consciência pura sem um objeto.
Pensamentos, sentimentos e sensações são objetos da consciência, e não tem existência sem um sujeito que os observa. Visto que o que percebe nunca pode ser percebido, no momento em que um pensamento ou uma percepção aponta para ele, leva-o ao silêncio, ao ser puro, à consciência sem um objeto.

Então, o que é o que percebe?

O que percebe é uma faculdade, uma qualificação, a qual existe no momento em que há uma percepção no espaço-tempo. Sem a percepção, não há tampouco o que percebe. Ambos são movimentos de energia no espaço-tempo, e ambos surgem e se dissolvem novamente na consciência, a única que é atemporal.
O que percebe e o percebido são como ferramentas, instrumentos da consciência.
Tudo o que aparece é uma expressão da consciência.

Encontro realmente, se vir de mais perto, que, ao desejar realização, estou buscando a unidade fundamental ou a segurança, a paz se assim você quiser, euforia, se tiver sorte.... A consciência pura da qual você fala tem alguma destas qualidades?

Não. O que você busca é apenas memória, algo que já conhece e avalia como desejável. Todas estas coisas que você nomeia são atributos, sobreposições sobre a consciência pura. Há um entendimento profundo a ser ganho quando vê que, no momento da obtenção da qualidade desejada, não há nem uma qualidade-objeto nem um sujeito que a experimenta. Neste momento, há apenas unidade não-qualificada. É apenas depois de abandonar esta unidade que você procura uma causa e diz: “A causa desta alegria foi esta qualidade que alcancei”. Mas, no momento da vivência da unidade, não há lugar para qualquer qualidade, para qualquer objeto, seja qual for.

Esta unidade é nosso desejo verdadeiro?

É nosso desejo verdadeiro. Todos os outros desejos aparecem mais ou menos através da falta de discernimento. O desejo é um esforço para obter compensação, a busca de um modo de preencher um sentimento de vacuidade em você mesmo. Assim, quando, por um momento, o esforço termina e o objeto desejado é obtido, há um instante em que você vive em unidade, na satisfação final, mas esta satisfação não tem causa. E este instante nem mesmo pode ser chamado de um instante, pois é atemporal.

O que então é o Karma, o qual é produzido pela relação de causa e efeito?

No momento em que você vive sem qualquer programação, sem uma imagem ou uma idéia de ser alguém, não há Karma. A quem pertenceria o Karma? Remova o problema do Karma. Abandone-o completamente. A idéia lhe dá um apoio à existência de alguém que não existe. Quando você está completamente silencioso, onde está a imagem de ser alguém? Quando o reflexo de identificação com uma imagem desaparece, há a certeza de que a entidade pessoal não existe. Há apenas unidade. Então você está livre do Karma, pois o Karma pertence a alguém. Mas, quando você adiciona uma imagem de uma personalidade, de um homem, ou de ser isto ou aquilo, neste momento, você está ligado ao Karma.

Você poderia dar-me um exemplo concreto do que significa identificar-se com uma imagem?

Observe que desde a manhã até à noite você busca constantemente localizar-se. Você tem uma necessidade de localizar-se em algum lugar, seja na sensação corporal, na emoção, ou em uma idéia. Mas, quando você aceita que não pode encontrar a si mesmo, seu Eu verdadeiro, dentro de nenhuma percepção, o processo de produção cessa. Você deixa de criar idéis, imagens e situações.
Você deve viver na abertura sem qualquer memória. Isto significa que você está aberto completamente à vida, a tudo o que vier. E, desde que nesta abertura não há memória, nem reação, você está alerta completamente a cada momento para o frescor e para a novidade da vida. Não há mais repetição.

A mais próxima experiência do silêncio de que você fala é o sentimento e a satisfação do amor?

O silêncio é o plano de fundo de tudo o que acontece, de tudo o que aparece e desaparece. É o amor não-qualificado, o amor que não tem necessidade de qualquer estímulo. Estimula-se a si mesmo por si mesmo.
No momento em que você vive conscientemente na unidade, não há “outros”. Há apenas Eu. Isto é amor. Mas, quando você se toma por alguém, todas as relaçãoes são de objeto para objeto, de homem para mulher, de mão para filho, de personalidade a personalidade. E, aí, não há comunhão, não há possibilidade de amor.

Você diz que devemos aceitar a nós mesmos, a nossos corpos, capacidades, personalidades, e assim por diante. O que acontece depois disto?
Quando realmente você aceitou a si mesmo – e quero dizer que você aceitou de forma funcional, não psicológica – você sentirá um espaço entre sua posição de aceitação e tudo o que você aceitar. Esta sensação de espaço entre sua natureza real e sua imagem projetada é muito importante. Na aceitação de tudo o que aparece, você está livre dele. No começo, você se sente livre do que aceita, mas, mais tarde, você se verá a si mesmo na própria aceitação.

Na aceitação, há alguma noção de bem e de mal?

Bem e mal são projeções de idéias pré-concebidas, da memória. Cesse de projetar seus desejos e medos sobre o que você vê. Toma as coisas como são. Você deve aceitar algo para, realmente, conhecê-lo. Ao aceitar, a ênfase não é sobre o que aceitou, mas sobre a atitude de aceitação. Você descobrirá que você é um com a aceitação.
O que aceita não é um objeto. É uma realidade interior. A aceitação dá liberdade a tudo o que é aceito. O que você verdadeiramente aceita torna-se vivo e tem sua própria história para lhe contar. Mas o problema aqui não é simplesmente aceitar sua personalidade, sua “paisagem”. Esta é simplesmente uma condição preliminar para passar à experiência essencial, a atitude de aceitação em si mesma.

Mas, na vida, é necessário tomar decisões. Como podemos fazer isto se não discernimos?

Você apenas pode realmente tomar decisões quando aceita a situação. Na aceitação, a situação pertence à totalidade, à sua perfeição, e a decisão resulta desta perspectiva global. Não há nada passivo nesta aceitação. É a vigilância suprema. E a decisão resultante é uma ação, não na reação.
Quando vive na abertura e permite que cada situação venha você, você vlui com a verdadeira corrente da vida. Se você impõe o ego sobre cada acontecimento para de alguma forma controlá-lo, você percebe que não está de acordo com esta corrente de vida. A reação e a luta começam; você diz: “Tenho isto e gosta daquilo”. Este é um estado de conflito. Na aceitação, você vive simplesmente aqui onde está.


De: "A Simplicidade de Ser" Dialogos com Jean Klein


2 comentários:

Ander disse...

Sábias palavras do Jean. A questão é estar conectado no agora, no momento presente. Como é difícil o processo de ficar em silêncio consigo mesmo, pois tudo está dentro. Aos poucos sensações novas abracam o ser que se aquieta.
Abraço.

jholland disse...

Obrigado, Ander, por mais esta participação no Blog !

No Advaita, acolhe-se todo o ruído como algo que acontece a você, mas que não é você.

Abraços !