sexta-feira, 20 de março de 2009

Mil anos de paixões secretas


A relação prazer-pecado na Idade Média.


Eva é o demônio. Está na origem dos males do mundo, porque é tentadora, instigadora do pecado e culpado pela expulsão da humanidade do Paraíso. Com ela, na Idade Média, a mulher se torna a ícone do vício. "No entanto, não se pode dizer que a sociedade da época tenha sido feminista", explica o historiador francês Jacques Le Goff. "Também porque as relações entre os sexos tinham um caráter ambíguo: o homem medieval era muitas vezes uma criatura andrógina".

Aos 85 anos, Le Goff é um dos mais ilustres herdeiros da École des Annales. A sua última obra é quase um "instant book": está escrevendo um livro sobre o dinheiro na Idade Média, "para demonstrar que os bancos sempre faliram".

A reportagem é de Pietro Del Re, publicada no jornal La Repubblica, 15-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Professor, o que sabemos sobre o comportamento sexual daqueles séculos obscuros?

Quase nada, porque, salvo as expressões literárias ou artísticas, temos poucos documentos que nos permitam compreender o que realmente ocorreu no segredo da alcova.

Depois do casamento medieval, junto ao homem e à mulher no leito nupcial estava também Deus. O coito conjugal era legítimo ou era apenas uma concessão à procriação?

O casamento se torna sacramento só depois do quarto Concílio Lateranense, em 1215. Até então, não havia conseguido se distinguir daquilo que era a antiguidade romana: um contrato. Porém, mesmo se se casava fora da Igreja, para ser válido também aos olhos do clero e, portanto, aos olhos de Deus, o casamento deveria ser consumado.

Mas gozar é sempre pecado?

Geralmente sim. No século XII, justamente quando a Igreja inventa o Purgatório, para arrancar o homem da tradicional oposição Inferno-Paraíso, São Tomás de Aquino nega que possa haver uma parte legítima de prazer na realização do ato sexual, mesmo que no âmbito do matrimônio.

Nessa época, o pecado original era assimilado como carnal, e a imagem do inferno era muitas vezes representada como o sexo feminino. Pode-se dizer que, na Idade Média, o mal era uma mulher?

Sim, mas até certo ponto. Contrariamente ao que ocorria em Bizâncio, até o século XI o culto da Virgem Maria não era celebrado pela Igreja. A partir desse momento, se desenvolveu, pelo contrário, com força extraordinária. É também graças ao culto mariano que a mulher foi reavaliada nas sociedades medievais.

Contra a infâmia da luxúria e do adultério, estavam previstas punições corporais duríssimas. Estas tornavam o homem medieval mais "puro" do que o homem moderno?

O castigo, sem dúvida, contribuiu para manter a luxúria escondida, mesmo que os teólogos e os pregadores dissessem que Deus via tudo, inclusive o que se fazia na sombra. Porém, na margem dos manuscritos da época, frequentemente são representadas cenas de luxúria, que não hesitaria em definir como pornográficas: um bispo sodomita, uma mulher que colhe falos de uma árvores ou cenas de sexo entre homens e animais. A Idade Média admitia o mal, desde que se manifestasse à margem da sociedade, distante do seu centro sacro. Antes de querer erradicá-lo totalmente, o cristianismo sempre buscou limitar o mal por meio da confissão e do arrependimento.

As prostitutas eram toleradas pela Igreja?

Sim, a prostituição era permitida. Quanto o rei moralista Luís IX, dito São Luís, quer vetá-la, o bispo de Paris lhe disse que era "um mal necessário".

O amor cortês que sublima a mulher é sempre um amor platônico?

Sobre esse problema, os medievalistas se dividem. Eu acredito que o amor cortês é puramente imaginário. Existem apenas na literatura. O que não significa que o amor real sempre esteja em estado brutal, que sempre haja uma violenta dominação do homem sobre a mulher. Mas o amor em que a mulher se torna o senhor, e o cavalheiro, o seu servo, nunca existiu. Nem mesmo nas classes superiores da sociedade. Dito isso, a Idade Média durou do século V ao século XV, e, em mil anos, muitas coisas mudaram. A mudança essencial se produziu no século XII, quando os valores do céu descem sobre a Terra. Desde aquele momento, a felicidade não está reservada só para o lado de lá. Há o início de uma possível satisfação do prazer também para nós, mortais. Aparecem, por exemplo, os primeiro tratados de gastronomia. O trabalho, que era considerado uma punição do pecado original, se torna, pelo contrário, um valor. De resto, é nessa época que se começa a dizer que o home foi criado à imagem de Deus.

O que muda com o Renascimento?

Há a exaltação da beleza e, em particular, da nudez. A Igreja medieval rejeitava a nudez e, com ela, a maior parte da arte antiga, que, sobretudo na escultura, representava corpos nus. Com o Renascimento na Europa, sobretudo no século XV, ocorre a redescoberta dos nus. Os mesmos que antes eram representados nos afrescos das basílicas, apenas nas cenas da ressurreição dos corpos.



Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=20661

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