terça-feira, 17 de junho de 2008

Sobre sonhos...(9)





Uma pequena experiência que surtiu um efeito interessante.
Como geralmente faço, tento meditar um pouco à noite, antes de pegar no sono, em posição deitada, de olhos fechados.
Minha meditação por vezes é focada na respiração, porém, em geral, procuro estar atento à própria atividade mental, relaxando todos os focos de tensão, mediante um processo de inclusão receptiva, não-crítica, das sensações. Estas duas formas de meditação – focada na respiração e atenta aos estados mentais – não são contraditórias, pelo menos nesse nível mais superficial, como se verá em seguida.
Inicio a meditação relaxando bastante o corpo – a região atrás do pescoço e em volta dos ombros é a mais difícil – e, ao mesmo tempo, procuro me desligar das preocupações mundanas, rotineiras. Essa é a fase “preliminar” da meditação.
Procuro estar atento não mais aos objetos do pensamento, mas à atividade mental em si mesma. Atento à atividade vital, sobretudo, - algo como “estou aqui, vivo, existindo” – tento perceber todas as atividades sutis da mente sem me identificar com elas, sem deixar-me conduzir pelas mesmas (o que aconteceria se focássemos nos objetos dos pensamentos e emoções). O importante, no caso, é manter o foco estável, uma concentração cada vez mais profunda, incluindo parcelas cada vez maiores de atividade mental/instabilidade dentro da concentração e do foco de atenção (aumento da percepção).
Com o aumento da concentração, percebe-se que a atividade mental persiste – embora não mais focada nos objetos mundanos – e, sobretudo, que “se está pensando sobre esse processo”, que há um esforço em abstrair-se dos pensamentos. Identificada essa preocupação – que é também uma atividade mental – procuro relaxá-la, desligar-me disso. Por isso, utilizar a respiração como foco é por vezes útil, facilita o trabalho de relaxamento e “não-identificação” com os pensamentos e vontades (sobretudo com o próprio processo de relaxamento).
Volto para a respiração; direciono a atenção para a mesma, mantendo a concentração estável, no mesmo nível. Assim, toda vez que você identifica uma atividade mental (que está sempre atrelada a um objeto “externo”), você a desliga, desativa essa mesma atividade, relaxando-a, podendo utilizar essa parte de sua atenção na observação da respiração (o objeto externo desaparece da atenção e, assim, a atividade mental é substituída pela concentração no foco, a respiração). Isso significa que a concentração aumenta, num foco cada vez mais vazio, com menos conteúdo, exceto a própria atividade mental cônscia dela própria. Há assim uma substituição do foco ou objeto da atividade mental (que persiste) pela própria respiração. Persistindo nesse jogo “relaxamento-foco na respiração” você irá limpar a atividade mental mais grosseira e, por alguns instantes, é possível que você se depare com algumas situações inusitadas: seus olhos poderão ficar completamente parados (ainda que esteja de olhos fechados) e você parece ficar estático, concentrado num único ponto (no caso a respiração; por vezes, um quase-vazio mental); às vezes surge uma sensação de que você “é a respiração”; às vezes parece que sua atenção fica mais livre e pura, direcionada a coisa específica alguma. E, sobretudo, você poderá experimentar uma situação de presença mais pura, intensa, um viver mais límpido, despreocupado, infantil.
Embora, nesse momento, você possa imaginar, ingenuamente, que sua mente está quase parada, esse momento dará possibilidade de detectar uma fina (porém intensa) atividade mental, mais abstrata, sutil, que dá origem a imagens e, por vezes, memórias, que se sucedem rapidamente, de maneira às vezes quase imperceptível. Uma forma “etérea” de atividade – que dá surgimento a um conceito aqui, uma imagem fugidia ali, uma sensação acolá. Uma percepção de “ponto de vista”, de “eu”, ainda está bem presente e atuante. Por vezes, imagens aparecerão e é possível que você pegue no sono, entrando diretamente em sonho.
Penso que essa atividade mental é a de maior importância, sendo fonte, origem, das demais; se não for, ela própria, a fonte do ego, creio que “estamos quase lá”, talvez navegando em um meio em que o “eu” acaba de se manifestar à consciência por representações.
De fato, é possível que estejamos aqui no limiar entre o consciente/inconsciente, o momento em que vêm a tona as imagens e sensações provenientes “não-se-sabe-de-onde”, pois tais fenômenos parecem vir de uma instância desconhecida, embora vinculadas a uma “identificação”, um “ponto de vista particular”, um “ego”. E, contudo, tais imagens/lembranças/sensações – ou melhor, a atividade que dá origem a elas - determinam decisivamente nosso dia-a-dia, nossas percepções mundanas, nossas preocupações e lembranças. Penso que essa atividade mental é a mesma que dá origem aos sonhos (ou ao menos estamos numa zona bastante próxima ao estado onírico), e, daí, a facilidade com que caímos em sono/sonho durante esse estado meditativo (por vezes, parece que a atenção se perde...).
Se você persistir, poderá “isolar” ou “identificar” essa atividade mental fina, imagética e incluí-la no mesmo processo descrito acima, de “relaxamento-foco na respiração”. Fiquei bastante tempo nessa observação, procurando relaxar dessa atividade e, por apenas um instante, obtive sucesso em direcioná-la para o foco da atenção: a respiração (o que é mais difícil).
É aqui que começa a experiência desta noite: pois ao perceber claramente essa atividade mental sutil e incessante – uma espécie de fluxo – por alguns instantes notei que: (a) essa atividade mental é aquilo que mais se aproximou, até agora, para mim, da identificação com um “eu”; (b) por um breve momento, consegui canalizar esse nível de atividade mental na respiração, e percebi que podia “fundir-me” inteiramente com o foco, a respiração; (c) ao tentar relaxar essa atividade, pareceu-me que deixei de me identificar com ela, que ela deixou de ser “eu” e me conduzir.
E, justamente, ao relaxar também essa atividade “fina”, sutil, imagética, pareceu-me, como disse, que a atenção, minha consciência, não mais “era” essa atividade e, assim, algumas imagens começaram a se suceder em minha mente sem que eu me identificasse com elas.
E, de fato, iniciou-se um processo de “visualização” nítida, sem, contudo, perder a consciência. Tratou-se de um início de um sonho, sendo que eu permanecia lúcido, sabendo que era um sonho. O ego onírico não estava formado, porém eu conseguia direcionar minhas observações das imagens conscientemente. Por exemplo, conseguia prestar a atenção nos detalhes das roupas das pessoas, direcionando meu olhar para essa ou aquela parte da cena (que transcorria, como num sonho, independentemente da minha vontade).
Creio assim que a experiência surtiu um bom efeito, pois me pareceu que a entrada em sonho já lúcido foi um desdobramento da própria meditação.
É também nesse estágio (de grande relaxamento e atividade sutil) que podemos direcionar a experiência para um outro rumo, digamos, menos imagético, voltando a atenção novamente para a pura observação da mente. A experiência pode se revelar surpreendente, pois aqui estamos num estado bem próximo do estado hipnagógico - em que a freqüência cerebral é menor - e a mente torna-se extremamente plástica, flexível, quase como um sonho. Voltando para a meditação-observação da mente (e, portanto, mantendo-se a consciência) podemos experimentar sensações bem curiosas, como, por exemplo, a completa perda de referência corporal (como se nos tornássemos apenas mente), uma sensação de liberdade e leveza e algumas outras sensações de difícil descrição, como, por exemplo, de que nossa mente não se encontra em nós, mas alhures.


***


O texto acima foi redigido há cerca de 2 semanas.
Mais recentemente, há uns 2 dias, tive um sonho lúcido um pouco diferente dos demais.
Após ter acordado, resolvi permanecer na cama, a fim de tentar obter um sonho lúcido naquela manhã.Desse modo, voltei a dormir e acordar várias vezes num curtro espaço de tempo. Após cada um desses breves cochilos, ficava indignado pelo fato de não ter tido nenhum sonho lúcido, pois tinha acabado de pensar nisso e, não obstante, logo em seguida entrava em sonho, novamente caindo sob efeito da hipnose dos pensamentos e imagens produzidas pela mente.
(De fato, creio que não obtemos o sonho lúcido por falta de vontade, por comodismo e preguiça mental ou talvez por medo de quebrarmos uma situação mentalmente confortável – que é uma ilusão, ou uma resposta, proporcionada pelo sonho. A hipótese - que já tive a oportunidade de levantar em outro texto sobre o mesmo asssunto - é de que nossa vontade inconsciente e, talvez, mais ligada à energia feminina, considera que a lucidez onírica redundaria em uma intromissão indevida do racional-masculino, vindo a interromper o processo. O sonho lúcido seria assim uma permissão, uma conciliação, de energias que se posicionam opostamente, em uma mente cindida. Para que a "porta" se abra e o sonho lúcido se torne a regra, faz-se necessário que ambas as instâncias permitam-se mutuamente. Ou seja: o inconsciente-feminino-receptivo considere que não haverá uma interrupção do sonho; e, ao mesmo tempo, há que se permitir que esse mesmo "lado" tenha influência na percepção racional-ordinária durante a vigília. Ambas as percepções, na vigília e no sonho, serão assim transformadas. A "porta" deve ser uma via de mão dupla e jamais interpretada como controle. Esse era meu pensamento, minha interpretação, naquela manhã, entre um cochilo e outro, imediatamente antes de ter tido o sonho lúcido).
No sonho em questão, havia levado um automóvel antigo para o mecânico e este estava me apontando inúmeros defeitos no veículo. Enquanto o mecânico falava, minha irritação aumentava, até que resolvi ir embora. Um tanto quanto nervoso, resolvi agir como se fosse um sonho, embora não estivesse de modo algum consciente de que se tratava de um sonho. Lembro-me de ter pensado ou falado algo como: “Por que estou tão nervoso, pois a vida é mesmo um sonho !” e, então, como demonstração, resolvi esticar um dos dedos da mão e, para minha enorme surpresa, o dedo esticou como se fosse um elástico ou um chiclete ! Fiquei completamente estupefato e, então, resolvi dar um salto e, novamente surpreso, comecei a voar !
O mais curioso aqui é que não me sentia em um sonho que acabava de se tornar lúcido, mas me sentia no mundo real, tendo alucinações. Custava a acreditar que se tratava de um sonho. Era quase como se estivesse apenas racionalmente convencido disso, mas meu sentimento, minha percepção permanecia a de que estava tendo alucinações em um mundo real ! Após algumas peripécias, acabei acordando, dessa vez com a sensação de que a realidade era um sonho. Ou seja: sonho e vigília parecem que começam a se misturar, a percepção de sonho e de vigília vão se encontrando.
Minha interpretação aqui é a seguinte: creio que o estado onírico e o estado de vigília começam a se aproximar à medida em que nos aprofundamos na meditação e na prática de sonhos lúcidos. Inicia-se um lento processo de diminuição das cisões internas. Um tipo de consciência onírica se desenvolve e, ao mesmo tempo, uma parcela do inconsciente parece que começa a se mesclar com o consciente-ordinário, na vigília. Há uma espécie de perda de referências e uma percepção de que esses pseudo referenciais ordinários são projeções de estados mentais.
Há aqui uma espécie de processo de "vai-e-vem", um feedback: por meio da meditação, a consciência da vigília é tranformada de um modo não racional-intelectual e a percepção da realidade parece perder suas "ancoras" naturais , seus referenciais fixos; isso, por sua vez, facilita a lucidez onírica. Aumentando e aprofundando a experiência de sonhos lúcidos, por sua vez, a percepção da vigília também se altera, alimentando novamente o ciclo. Na verdade, é como se a vigília e os sonhos se transformassem em uma experiência unificada, uma espécie de meditação permanente.
É possível que os sonhos ordinários sejam resultado de um desbalanceamento entre energia feminina (atenção pura) e masculina (projetiva). O sonho lúcido seria resultante do controle (ou encontro lúcido) de ambas, porém esse é um tema que desenvolverei melhor oportunamente.

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