segunda-feira, 23 de junho de 2008

Mahamudra


Iluminação da Sabedoria Primordial

Comentário Oral do Venerável

Gyatrul Rinpoche

ao texto raiz de Sua Santidade Dudjom Rinpoche

from “Ancient Wisdom”

Nyingma Teachings on Dream Yoga,

Meditation and Transformation

by Ven. Gyatrul Rinpoche

Tradução por Alan Wallace e Sangye Khandro

Tradução para a língua portuguesa por Padma Samten





INTRODUÇÃO

O tema que estamos começando a discutir concerne a uma combinação de tópicos que é muito rara. Os tópicos são a união de mahamudra e mahasandhi quando aplicadas à prática conhecida como meditação shamatha ou quiescência. Estas instruções piedosas foram condensadas em um manual que foi escrito por S.S. Dudjom Rinpoche, um dos maiores eruditos budistas de todos os tempos. Devido a sua grande erudição, ele teve a habilidade única de condensar este tipo de material em instruções práticas, abrangentes e curtas, que são tão diretas quanto profundas. Parece apropriado oferecer este ensinamento a vocês, neste momento, e, por favor, compreendam de que se trata de algo muito precioso e raro.
Apesar deste tema ser a essência do pináculo do caminho budista, é importante entender que precisa ser precedido por uma base. Você não pode esperar atingir algo tão profundo se não tiver uma base ou uma fundação. É necessário que haja um caminho de entrada antes de você poder penetrar em uma construção; antes de chegar ao ponto mais elevado você terá que pisar sobre os degraus precedentes.

A FUNDAÇÃO

Um dos pontos principais de contemplação ao estabelecer a fundação é a consideração da nossa condição enquanto seres sensoriais existindo em uma roda de nascimento e morte. Este estado de existência cíclica que vocês estão enquanto seres humanos é apenas uma das seis classes de existência. Apesar de serem incapazes de perceber os reinos mais elevados dos deuses, vocês podem ver o reino dos animais como uma parte integrante de nosso próprio reino humano. Vocês podem ver claramente como os animais passam por sofrimentos devido à suas várias limitações e ao tratamento que lhe é imposto pelos seres humanos. Os seres humanos em conjunto têm que suportar os quatro grandes rios de nascimento, doença, envelhecimento e morte. Talvez seja mesmo difícil acreditar em outros âmbitos de existência. Enquanto budistas, devemos confiar nas palavras do Iluminado, o próprio Senhor Buda, que, tendo por base seu próprio despertar, proferiu seu primeiro discurso sobre o tema das quatro nobres verdades baseado em sua própria experiência e sabedoria onisciente. Uma vez que a condição da existência cíclica é por natureza a do sofrimento, em qualquer dos seis reinos em que vocês nasçam, inevitavelmente experimentarão sofrimento em lugar de felicidade.
Os diferentes estados de renascimento e circunstâncias que os seres nas seis classes experimentam são totalmente dependentes das acumulações cármicas, a lei infalível de causa e efeito. As ações do passado produzem como resultado a definição do futuro local de renascimento e as circunstâncias associadas a ele. Falando de modo geral, a causa do renascimento nos dois reinos dos deuses é a acumulação de carma negativo motivado por orgulho, arrogância, inveja, ou agressão. Por causa disso, circunstâncias do renascimento são a guerra constante, competitividade e, no caso dos deuses de longa vida, uma vida cheia de felicidades e prazeres até que o carma seja exaurido. Sete dias antes dos deuses passarem deste âmbito, eles percebem seu futuro local de renascimento, nos reinos inferiores. Neste momento eles já não têm mais poder para reverter seu carma porque o seu tempo como deuses terminou e um novo mérito não foi acumulado. À medida em que tudo a sua volta começa a murchar e morrer, eles sofrem tremendamente porque consumiram todo seu bom carma ao ponto de não terem o suficiente para tal tipo de renascimento novamente. Como seres humanos, vocês sofrem no momento do nascimento, quando estão doentes, quando envelhecem e, é claro, no momento da morte. Os animais sofrem agressões e maus tratos e das necessidades para sua sobrevivência. Os espíritos famintos sofrem intensa sede e fome, os seres dos infernos de intenso calor e frio.
Entre os seres dessas seis classes de renascimento, aqueles no âmbito humano experenciam a menor quantidade de sofrimento. Entretanto, os seres humanos, para realmente serem capazes de praticar o Darma, precisam nascer com liberdades e dotes. Apenas possuir um corpo humano não é suficiente - você precisa de um nascimento humano precioso. Você precisa ter os dotes e liberdades, tais como os seus sentidos intactos e o nascimento em um país onde você possa ouvir o Darma, onde possa realmente praticar, onde possa encontrar com professores espirituais compassivos, e assim por diante. É essencial que você tenha estas liberdades; de outra forma não surgirá a oportunidade para atingir a liberação da existência cíclica.
Com essas liberdades e dotes, vocês estão em uma posição de atingir a liberdade ou a felicidade permanente e derradeira neste mesmo corpo, nesta mesma vida. Por outro lado, se você usar de forma incorreta tal oportunidade, por meio deste mesmo corpo você pode acumular carma que produza o resultado do renascimento inferior.
Como é então que vocês devem seguir o caminho para a liberdade final? Deve ser feito de acordo com o exemplo que o Buda Sakiamuni deu a vocês. Reconhecendo sua preciosa oportunidade, este renascimento humano precioso tão difícil de obter, vocês então seguem o caminho como a primeira prioridade em suas vidas e atingem o resultado que desejam realizar. Desta forma vocês se tornam como os grandes bodisatvas ou mestres realizados, sejam homens ou mulheres, a quem vocês admiram. De fato, eles não são diferentes de você. A oportunidade que vocês têm neste exato momento é a mesma oportunidade que eles tiveram. A diferença é que eles praticaram o pleno potencial de sua oportunidade até atingirem a meta final. Vocês não devem se ver como diferentes dos maiores mestres ou bodisatvas do passado. Não há de fato qualquer diferença. Eles foram seres humanos com um renascimento precioso exatamente como vocês. Contemplar o sofrimento da existência cíclica e o renascimento humano precioso que é tão difícil de obter inspira a vocês para usufruírem esta rara e preciosa oportunidade, ainda que seja a contemplação da impermanência que verdadeiramente os motive para começar imediatamente a praticar.
Uma vez que vocês não podem garantir quão longa será sua vida, vocês não têm ideia de por quanto tempo este nascimento humano precioso será seu. Devido ao fato de que seus nascimentos na existência cíclica resultam de sua acumulação cármica, vocês começam a compreender que realizando este potencial, devem utilizá-lo imediatamente. Vocês também começam a compreender que é extremamente difícil sair de samsara sem alguém que os guie. Até este momento vocês não tiveram sucesso em atingir a liberação sem um guia. É muito importante que encontrem um professor espiritual que seja qualificado e tenha o desejo de ajudá-los a atingir a liberdade.
De acordo com o budismo, o melhor guia espiritual é o Buda como o professor, o Darma como o caminho, e a Sanga como os melhores companheiros espirituais para ajudá-los a percorrer o caminho. Todas as escolas de budismo tomam refúgio na Três Jóias como as fontes externas de refúgio. À medida em que vocês vão mais profundamente no caminho, o refúgio se torna mais interno. De acordo com as escolas Hinaiana e Mahaiana, o refúgio é sempre tomado no Buda, Darma e Sanga. Quando você entra no Vajraiana, ou mantra secreto, ainda que o refúgio seja tomado no Buda, Darma e Sanga, de acordo com o nível de entendimento da prática, o refúgio é também tomado no Lama (professor espiritual), no Yidam (deidade de meditação) e na Dakini (princípio feminino de consciência iluminada).
À medida em que a compreensão desse refúgio interno se aprofunda (de acordo com a prática de Maha Yoga), o refúgio é então tomado em nossos canais, energias vitais e fluídos essenciais (de acordo com o tantra mãe Anu Yoga). Na medida em que este processo se aprofunda e se torna mais interno (de acordo com o Ati Yoga ou o veículo da Grande Perfeição), o refúgio é tomado diretamente em sua essência da mente, que é vazia; em sua natureza que é radiantemente luminosa; e em sua qualidade, que é compassiva sem qualquer obstrução.
Porque estes diferentes aspectos de tomar refúgio são necessários? Porque trata-se de um desenvolvimento que se dá naturalmente. Na medida em que a visão de nossa própria natureza como um buda se aprofunda, nossas qualidades mais internas surgem espontaneamente, como uma criança que cresce. Quando você entra no caminho espiritual, no início seu foco é mais externo. Isto é natural porque enquanto iniciantes vocês devem se relacionar desta forma. Gradualmente, quando começam a aprofundar, o foco torna-se mais interno e menos ênfase é colocada nos objetos que existem fora de nós. Inicialmente, os objetos são nossos guias e então, lentamente, lentamente vocês começam a ver que, de fato, é nossa natureza verdadeira o nosso guia. No início você deseja emular seus guias, mas eventualmente você reconhece que, de fato, é sua própria natureza. Passo a passo seu foco move-se do externo ao interno à medida em que passa a entender que as Três Jóias são os canais, energias e fluídos, e, similarmente, os canais, energias e fluídos são a manifestação da essência, natureza e qualidades da mente.
Muitas vezes a religião budista é vista como um caminho de adoração de ídolos por causa do estilo forte da expressão externa das fontes de refúgio. Tal devoção é necessária enquanto houver a consciência dual. Devido ao nosso hábito de dualidade e apego, é necessário cultuar ou venerar nossos objetos de refúgio como externos a nós mesmos. Particularmente, nas escolas budistas inferiores, é essencial. Por exemplo, enquanto um feto, durante nove meses no ventre, você está totalmente dependente de sua mãe e após nascer está ainda dependente de sua mãe. Quando cresce e começa a amadurecer, você torna-se dependente de seus professores e, eventualmente, de você mesmo. O que você está fazendo é desenvolver estas qualidades dentro de você mesmo. Você não pode esperar que sua mãe ou seu professor cuidem de tudo por você pelo resto de sua vida.
No caminho espiritual - o que se trilha internamente - apesar de parecer inicialmente que há um foco externo, eventualmente você reconhece que todas as qualidades devem surgir e ser desenvolvidas de dentro. Devido à bondade de seus pais e à bondade de seus professores, você é capaz de compreender seu próprio potencial. Quando isto se aplica ao objetivo de liberação ou iluminação, vocês devem reconhecer que a iluminação já é sua própria natureza. É a verdadeira essência de sua própria natureza, como o sol. Similarmente, a experiência da existência cíclica ocorre devido à sua própria percepção confusa e aflições mentais. A mente que atingirá a iluminação é a mesma mente que criou este estado de confusão. Todas as imagens dos budas, tankas de deidades de meditação, todas as mandalas, estátuas, e assim por diante são usadas como suporte através do qual a verdadeira natureza da mente pode ser atingida.
Por exemplo, se você deseja cultivar um jardim de flores ou mesmo uma única flor, você precisa ter água, solo apropriado e fertilizante. Entretanto não é a água e o fertilizante que produzem a flor; é a semente, a essência, que tem o potencial de tornar-se uma flor. Da mesma forma, sua própria mente - a natureza de sua mente - tem o potencial tanto de criar samsara, como fez, ou de estabelecer a liberação, a liberdade total de toda dor e sofrimento. Entretanto, ela precisa apoio. Da mesma forma que uma flor precisa água e fertilizante, a mente necessita o apoio de um professor espiritual e prática no caminho para manter-se em contato e vivenciar sua natureza verdadeira.
Uma vez que a compreensão da liberação tenha sido estabelecida, há dois métodos de aproximar-se dela. Vocês podem aproximar-se de acordo com o caminho Hinaiana, através do qual você deseja atingir a liberdade apenas para você mesmo, ou de acordo com o caminho Mahaiana, no qual você deseja atingir a liberação para propiciar a liberação de todos os outros seres. Este último é, de fato, a melhor abordagem, porque inclui todos os seres vivos. Até este momento seu foco tem estado a desejar atingir apenas os seus próprios fins, sempre fazendo coisas com a motivação de auto-interesse. Devido a isso, vocês estão ainda em samsara, ainda sujeitos ao sofrimento, ainda cheios de descontentamentos. Isto surge devido à preocupação apenas com vocês mesmos. Os budas e bodisatvas abandonaram o conceito de um eu e substituíram o auto-interesse pelo interesse pelos outros; eles sempre focam o que podem fazer pelos outros. Sempre pensam, “o que posso eu fazer pelos outros? O que posso fazer para servi-los?” Tendo isto por força motivadora, a liberação da ligação ao sofrimento é facilmente atingida. Este é um ponto muito importante a considerar. Enquanto vocês discriminam e apegam-se a si mesmos, vocês mantém-se em samsara; mas se puderem reverter este foco e acalentar o trabalho para o benefício dos outros, este é o caminho pelo qual a liberação é atingida.
Desenvolver o desejo de liberar ou iluminar todos os seres vivos é o estágio inicial do desenvolvimento de bodicita, o despertar da mente. Com tal desejo, você necessita desenvolver as qualidades incomensuráveis de imparcialidade, amor, compaixão, e alegria e simpatia por todos os seres e suas ações. Uma vez que estes quatro incomensuráveis foram desenvolvidos, você está pronto para praticar bodicita, engajando-se nas seis perfeições.
Esta foi uma breve abordagem do significado e importância das contemplações preliminares, bem como dos aspectos básicos de tomar refúgio e da geração de bodicita. Estas práticas são pré-requisitos essenciais para a prática de quiescência que é o tema principal de nossa abordagem.

QUIESCÊNCIA OU TRANQÜILIDADE

Qual é o benefício de repousar pacificamente, permitindo que a mente permaneça estável, em um estado natural de imobilidade? Até que você seja capaz de desenvolver a quiescência, não será capaz de controlar ou suprimir os impulsos mentais confusos. Eles continuarão a surgir e controlar a mente. A única forma de lidar com eles e por um fim nisso é atingir a quiescência. Uma vez que seja atingida, todas as outras qualidades espirituais surgirão desta base, tais como conhecimento transcendental, clarividência, a habilidade de ver a mente dos outros, recordar o passado, e assim por diante. Estas são qualidades mundanas que surgem no caminho mas são desenvolvidas apenas após a mente ser capaz de repousar pacificamente. Qualidades tais como consciência aguçada e clarividência precisam ser desenvolvidas, porque é através delas que alguém se torna capaz de compreender e vivenciar a natureza fundamental da mente. Como é dito no Bhodhicaryavatara, um dos mais importantes textos mahaiana, “tendo desenvolvido entusiasmo desta forma, eu concentro a minha mente; pois aquele cuja mente é desatenta, está sujeito às aflições mentais”.
Um indivíduo que seja capaz de praticar quiescência não mais será dominado pelo apego às atividades ordinárias ou contato com pessoas mundanas. A mente automaticamente afasta-se do apego e atração à existência cíclica, porque a quiescência é a experiência de contentamento mental e êxtase que é muito mais sublime do que as atrações ordinárias que surgem da percepção confusa. Quando a mente está em paz, pode ser dirigida para concentrar-se por períodos indefinidos de tempo. A quiescência destroi a delusão porque as aflições mentais não surgem quando alguém esteja vivenciando a equanimidade da concentração unifocada.
As pessoas que atingiram a quiescência naturalmente experimentam compaixão na medida em que se dão conta das condições a que as outras pessoas estão submetidas. A compaixão pura surge quando elas começam a perceber claramente a natureza da vacuidade em todos os aspectos da realidade. Estas são apenas algumas das qualidades ensinadas pelo Buda que resultam diretamente da vivência da quiescência.
A quiescência é a preparação e base da prática principal que é o cultivo da sabedoria primordial da intuição. Estas duas formas de meditação são complementares. O sucesso que uma tem em desenvolver a intuição está em dependência do sucesso que se tenha em desenvolver a quiescência. Se vocês forem capazes de desenvolver a quiescência somente até certo grau, então sua experiência de intuição será limitada. Entretanto, se vocês tiverem um sucesso completo em desenvolver a quiescência, então também serão capazes de desenvolver de forma perfeita a intuição. Isso ocorrendo, é o mesmo que dizer que a iluminação completa será atingida.
Agora, para atingir a quiescência, inicialmente você deveria tentar praticar em um lugar que seja isolado, quieto e confortável. É importante sentir-se confortável e contente no lugar que você escolher para meditar. Após conseguir uma almofada confortável, assuma uma postura bem reta. A postura de sete pontos do Buda Vairocana é ideal. Assegure-se de que a espinha esteja ereta. Se está sentando em uma posição de pernas cruzadas, então a melhor posição é a de lótus completa. Se for incapaz de sentar em lótus completo, então sente em uma posição de pernas cruzadas e eleve seu assento um pouco de tal forma que sua coluna fique ereta. Outra possibilidade é sentar em uma cadeira com a coluna ereta. Mantendo sua coluna reta, incline um pouco a sua cabeça e faça com que sua mirada se dê por cima da ponta de seu nariz. Faça com que a ponta de sua língua toque levemente o céu da boca, de forma natural de tal forma que a boca nem fique fechada nem muito aberta. Os braços e mãos devem cair pelo lado do corpo. Se estiver sentando com as pernas cruzadas, as mãos podem ser colocadas a direita sobre a esquerda em seu colo. Se estiver sobre uma cadeira, deixe-as pender naturalmente.
A posição do corpo ao sentar é muito importante, do mesmo modo a posição da fala. Faça que a fala seja o silêncio - sem falar, nem fazer ruídos, apenas a respiração natural. Nada há a fazer que permanecer calmo e natural.
A posição da mente é evitar buscar eventos do passado, antecipar eventos futuros, e controlar ou compelir o momento presente. Apenas permita-se repousar em um estado natural e descomprimido. O que quer que surja deixa-se aparecer sem quaisquer alterações ou ajustes.

Métodos de prática –

“Permitir que sua mente repouse sobre o estado natural” é mais fácil dito do que feito. A razão principal para isso é porque, desde incontáveis vidas passadas até agora vocês desenvolveram instintos habituais, impressões mentais que tornam suas mentes caóticas e cheias de incontáveis variedades de proliferações conceituais. Para atingir a paz, vocês precisam empregar técnicas. Isto não significa que vocês devam tentar controlar pensamentos por relembrar, antecipar ou alterar a experiência. Mas, em lugar disso, no início vocês deveriam tentar colocar a mente sobre um objeto, de tal forma que a mente ganhe foco e se acalme. O uso de objetos sobre os quais se coloca a mente corresponde aos três kaias. O primeiro passo é o método nirmanakaia e é acompanhado pelo uso de uma imagem do Buda Sakiamuni manifestando-se como o buda nirmanakaia (corporificação de uma manifestação intencional). Uma imagem do Buda Sakiamuni é colocada em frente, de tal forma que sua visão caia naturalmente sobre ela.
O segundo passo é o método sambogakaia, praticado pelo uso de uma imagem de Vajrasatva manifestando-se como o buda sambogakaia (corporificação da completa felicidade). O terceiro passo, o método darmakaia, é atingido visualizando uma imagem de Vajradhara no centro do coração. Uma vez que a quiescência seja atingida nesses três estágios, você está pronto para começar a prática de quiescência sem qualquer elaboração.
Se você não possui qualquer dessas imagens do Buda, a prática ainda assim pode ser feita. Você pode usar uma pedra, um pedaço de pau, uma flor, ou algo natural que seja encontrado no ambiente e não tenha custo. Simplesmente pratique com o objeto colocado diretamente a sua frente, como faria com as imagens. Idealmente o objeto deveria ter em torno de quatro dedos de altura. A mente deve manter-se unifocada sobre ele sem qualquer distração. Uma vez fitando sem distração a estátua ou o objeto, observe o que sua mente faz enquanto você tenta foca-lo. Não deve haver qualquer tentativa de gerar uma visualização como você faria em uma prática do estágio de geração. Você simplesmente olha a imagem com uma concentração unifocada, nada mais.
Quando você pratica por períodos maiores de tempo, pode vir a sentir sonolência e perda de interesse na mente. Quando isso começa a acontecer - e isso é uma reação comum - você deve endireitar seu corpo, rreajustar sua posição, e mover seu olhar para a parte mais alta da imagem que esteja focando. Se, em lugar disso, você perceber que a mente começa ficar mais caótica, com uma abundância de pensamentos, então deveria baixar o olhar para o centro nervoso do umbigo do Buda, ou ao assento, ou à parte inferior do objeto, tentando relaxar. Se a mente se torna caótica, é porque há esforço em demasia. Se não há reações extremas e as coisas vão indo bem, então mantenha sua visão no centro nervoso do coração da imagem.
Este estágio da prática pode ser mantido por um tempo tão longo quanto necessário para que você se torne capaz de manter a concentração por períodos longos sem a distração de pensamentos perturbadores.
Quando estiver cansado de usar objetos ou imagens, então não pense em nada; apenas mantenha-se na natureza da mente, sem qualquer foco ou pensamento de passado, esperança com relação ao futuro ou tensão com o presente. Apenas mantenha-se no estado natural da mente como ele mesmo é. Se for capaz de manter a quiescência quando não há elaboração ou foco, isto é bom. O método ensinado no texto raiz é usar uma sílaba semente. Aqui a sílaba HUM é visualizada no centro do coração e tem o tamanho aproximado da unha do dedo polegar, e é de cor vermelha. Quando você se torna consciente do HUM, não deveria apropriar-se mentalmente dela, especialmente no ponto em que observa seu tamanho, cor e outros detalhes de suas características. Em lugar disso, você deveria simplesmente reconhecer a presença do HUM, deixando-o lá.
Ao final, se você perceber que está um pouco distraído e que necessita de outra técnica, novamente pode focar um objeto no espaço em frente. Permita que seu olhar e sua mente fundam-se com o objeto, seja ele uma pedra, um pedaço de pau, ou uma flor. Seus olhos não devem ficar mudando de um lado para outro - de fato, suas pálpebras nem devem mover-se.
Seja o que for que esteja focando, sua mente deve estar lá, não apenas a percepção visual. Com sua mente você deve reconhecê-lo, e não devem ocorrer outras distrações. Após praticar desta forma mesmo que por um período curto, no início você se distrairá; cansará. Começará a agitar-se, terá sono e perderá o foco. Ambas são distrações. O que fazer? Você deve gritar “Pêh” para cortar as distrações e colocar sua mente e visão de volta ao trilho correto. Você pode endireitar seu corpo novamente e elevar seu olhar. Se tiver muitos pensamentos de distração, pode tomar tais pensamentos de distração e justamente usá-los como objeto de meditação. Neste ponto na prática, você pode de fato tomar o pensamento que você estava contendo e força-lo dentro do objeto que esteja focando no espaço em frente a você, para trazer sua atenção de volta ao objeto.
Da mesma forma que você pode ser distraído por diferentes pensamentos, você pode também ser distraído por outras experiências sensoriais, como o som. Quando ouve um som, se é agradável a você, em lugar de acompanhá-lo devido a sua atração, reconheça que sua natureza é vazia e faça-o dissolver-se na natureza do vazio, mantendo sua meditação. Se é desagradável, não há diferença do agradável. Sua mente pode também ser distraída por um cheiro, por um toque ou por uma sensação. Tão pronto puder, perceba que você se distraiu por esta experiência sensorial. Perceba que esta experiência tem a natureza da vacuidade. Dissolva-a em sua origem de vacuidade e retorne a sua meditação.
Quando for capaz de lidar com algumas destas distrações mais concretas, lentamente, lentamente através de sua prática, você começará a se tornar consciente de pensamentos discursivos que nunca tinha percebido antes. As distrações óbvias terão já aparecido, desde o início; mas então aqueles pensamentos que você nunca havia se dado conta, que você não lembra de jamais ter visto emergir, novas memórias e eventos anteriormente nunca recordados emergirão. De fato, você pode sentir que esteja perdendo sua mente.
Um aspecto importante para lembrar é que estes novos pensamentos discursivos não são novos. São muito velhos. Sua mente é como água turva que estava agitada, de tal forma que o barro e a areia que não se depositam no fundo, afloram à superfície. Quando a mente começa a acalmar-se, como o barro que naturalmente deposita-se sobre o fundo, você se torna capaz de observar o que nunca viu antes. De fato, estas características de sua delusão sempre estiveram lá e devem também ser trabalhadas.
Quando estes pensamentos surgem, não importa se eles pareçam bons ou maus. A este nível de prática não existe diferença entre bons e maus pensamentos. Pensamentos são pensamentos. O que você precisa fazer é reconhecê-los como formações mentais que estão surgindo, e tão pronto você possa identificá-los com indiferença, eles se dissolverão. Após praticar assim algum tempo, certamente começará a experimentar felicidade física e mental ao ponto onde não vai querer mais sair da sua almofada. A meditação será muito mais confortável do que quer que venha a fazer no resto do tempo. Você terá o desejo de ficar praticando indefinidamente.
Neste ponto, há duas experiências que surgem durante a quiescência. A primeira, a de felicidade física e mental junto com o desejo de não mais interromper a meditação. Esta experiência é ainda impura. Aqui, em sua meditação, você pode não mais experenciar os campos sensoriais de forma, som, visão, sabor, e tato. É algo como entrar em um sono profundo. Você realmente não sabe o que se passa ao redor, não ouve, não vê, não sente, não percebe cheiros ou sabores, etc. Quando volta da meditação, é similar ao despertar de um sono muito profundo. Você não sabe o que aconteceu ou como passou o tempo. Esta é a experiência de quiescência impura, porque você é incapaz de relembrar o que acontece durante a experiência. É quase como se a mente entrasse em um estado de ausência. Isto nem é liberação nem o resultado derradeiro. É, no entanto, um estágio na experiência. Porque? Porque é um sinal de que você começou a atingir a quiescência e que a mente é capaz de manter-se imóvel por um certo tempo sem a perturbação das aflições mentais. Se você apegar-se a isso como a experiência final, terá renascimento novamente na existência cíclica. Sem apego você deve ir adiante em sua prática, há muito mais por vir.

Quiescência Pura –

A quiescência pura é o próximo passo na experiência de permanecer em um estado de concentração unifocada por um tempo indefinido. Há aqui uma tremenda claridade. Ainda que a mente esteja imóvel, é lúcida e clara. Há uma lembrança completa da experiência de toda a meditação e do período pós-meditativo.
Durante o estágio inicial da quiescência impura, os oito estados cognitivos estão obstruídos durante a meditação. À medida em que avançamos em direção à experiência de quiescência pura, a claridade se torna desobstruída uma vez que as experiências sensoriais funcionam normalmente ainda que a mente nunca flutue da absorção unifocada.
Durante a meditação há a liberdade de permanecer na experiência de concentração unifocada o tempo todo e em qualquer circunstância. A conclusão da meditação formal não constituiria na finalização da quiescência porque o poder do estado de lucidez permearia a experiência pós-meditativa das atividades diárias.
Quanto tempo leva para chegar-se à pura quiescência? Este tipo de experiência vem como resultado de um tremendo esforço na prática. Não é um resultado que venha facilmente ou rapidamente.
Outros benefícios desta realização incluem relaxamento físico e mental; e, uma vez que não há distração, a prática pode ser sustentada indefinidamente. Agora, quando você pratica, tanto o corpo como a mente se cansam; e, na medida em que você fica desconfortável, você liga algo mais para mudar a experiência de desconforto. Ao chegar ao nível de pura quiescência, o corpo e a mente estão sempre em estado de conforto. Entretanto, se a mente se apega à experiência de sentir bem estar físico e mental, então, tal mente de apego começará a produzir as causas de renascimento no reino do desejo, trazendo-o de volta novamente à existência cíclica. É necessário que nunca haja apego à qualquer experiência.
Geralmente você deveria manter na mente que, quando sua prática de meditação começar a aprofundar-se, há três experiências que ocorrerão. A primeira é bem estar , a segunda é clareza, e a terceira é a experiência de ausência de pensamentos. Quando tiver estas experiências, se você ligar-se à elas pensando que, de algum modo atingiu o resultado derradeiro, então estará novamente produzindo causas para renascimento em samsara. Não confunda estas experiências com o resultado final de iluminação. Se apegar-se ao bem estar, estará estabelecendo as causas para o renascimento no reino do desejo. Se apegar-se à luminosidade ou claridade, isto estabelece as causas para o renascimento no reino da forma. Apego à ausência de pensamentos estabelece as causas para o renascimento no reino dos deuses sem forma. Estes são os três reinos (desejo, forma e não-forma) da existência cíclica dentro do qual as seis classes de seres se debatem. Através da meditação você pode de fato produzir as causas para o renascimento nestes três âmbitos de existência caso não seja cuidadoso.
Esta é uma explicação concisa de como praticar para atingir a quiescência que inclui instruções sobre o que evitar enquanto praticando. Se for capaz de praticar com sucesso, irá atingir a quiescência por períodos prolongados de tempo e meditar com claridade, preparando-se então para a segunda fase, a prática principal de cultivar a sabedoria primordial da intuição.

Sabedoria primordial –

Os ensinamentos e práticas para desenvolver a sabedoria primordial da intuição têm duas abordagens. A primeira abordagem é o treinamento escolástico, para assegurar-se da natureza de vacuidade da mente. Aqui, a vacuidade é divisada através da investigação analítica, eventualmente provando que ela é desprovida de uma existência inerente verdadeira. Esta visão da vacuidade está baseada na compreensão intelectual. A segunda abordagem é chegar à natureza da vacuidade através da profundidade de sua própria prática. Esta visão da vacuidade está baseada na realização interna. Se alguém é capaz de abarcar a vacuidade pela segunda abordagem, então a primeira é desnecessária.
Se você deseja trilhar a primeira abordagem através do treinamento escolástico e então aplicá-lo praticamente à meditação, este é o meio superior e a forma pela qual muitos grandes praticantes enfocaram seu caminho. Entretanto, nos tempos atuais, vocês deveriam considerar que vocês podem não vir a ter muitos anos para praticar, uma vez que o momento da morte é incerto. Além disso, com estilos de vida tão intensos, são poucas as oportunidades para meditar. Pode ser melhor engajar-se diretamente na prática, para atingir os objetivos mais prontamente.
Nos dias atuais parece que quase cada um está mais interessado em técnicas tipo pressionar botões, que trabalham de forma rápida, trazendo resultados instantâneos. Naturalmente todos desejam resultados os mais rápidos. Se você pensar que pode encontrar uma experiência tipo apertar botões no caminho espiritual, isso significa que você deve praticar e meditar, não apenas ouvir os ensinamentos, não apenas pensar sobre eles depois, mas sentar e realmente praticar. Frequentemente as pessoas apenas ouvem o Darma, pensam ocasionalmente no que ouviram, e não praticam. Como podem ocorrer resultados se não há prática?
É através da experiência de intuição que a natureza primordial da mente é atingida. Há quatro estágios para este desenvolvimento. O primeiro é atingir a confiança na visão; o segundo, experimentar a meditação. A meditação precisa ser praticada; não pode ser apenas um tema intelectual. De outra forma seria como um remendo que é colocado sobre um buraco para cobri-lo. Algum tempo depois cairá fora. A compreensão intelectual é impermanente e sujeita a mudança. A realização atingida através da meditação é permanente. O terceiro é manter a continuidade do comportamento nas atividades diárias da vida, e o quarto é chegar ao resultado final.

1. Confiança na visão -


(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial, aqui o primeiro)
Primeiro, atingir a confiança na visão, este estágio tem três partes:
a)Reconhecer a natureza dos objetos que são vistos como externos;
b)localizar a experiência da natureza da mente, o discriminador interno;
c)estabelecer a visão da natureza da realidade.
Estabelecer a natureza dos objetos que são vistos como sendo externos, envolve a consciência de como a mente vê objetos externos como realmente existentes. Isto refere-se a todas as aparências que são percebidas como separadas do observador. Todas estas aparências são vistas pela mente subjetiva como verdadeiramente existentes. Devido a isto, muitos eruditos reduzirão as aparências à partículas atômicas e após ao nada, assim vindo a crêr que tal natureza carece de uma existência verdadeira. De acordo com este sistema, os fenômenos objetivos surgem da mente e existem na mente de quem os discrimina. Apesar de você pensar que as aparências objetivas realmente existam, o mundo animado e inanimado não existiria se não fosse a mente. Não reconhecendo a natureza da mente e deixando-a na experiência de percepção confusa, você realmente sente que as aparências objetivas são verdadeiras exatamente como são percebidas. Torna-se, então, muito difícil aceitar que as aparências objetivas não têm existência verdadeira, inerente, e são criadas pela mente.
O primeiro problema é que sua mente está na experiência de percepção confusa. O segundo é a verdade da impermanência, na qual nada há que a mente perceba, incluindo a sim mesma, que seja permanente e que possa ser tida como verdadeira e real. Uma vez que tudo está sujeito a mudança, isto implica que não há uma existência inerente verdadeira, uma vez que a natureza dos fenômenos é impermanente. O sonho que você teve na última noite não é mais verdadeiro hoje. No momento em que você sonhava, parecia muito verdadeiro, muito real. Onde está agora? O que aconteceu?
Para dar uma outra analogia, um mágico competente na manipulação das aparências é capaz de criar uma ilusão ótica por meio do uso de substâncias e mantras, tudo isso é feito mesmo que durante o tempo todo ele saiba que as aparências que cria não são reais. Aqueles que vêem a aparência mágica, pensam que é real. Talvez um elefante, um tigre ou um pássaro surjam do chapéu e, sendo percebidos, são vistos como reais; entretanto, o mágico sabe que são mera ilusão.
Similarmente, todas as aparências objetivas nada mais são que rótulos mentais. Você pode dizer, “isto é uma mesa”, aquilo é uma casa”. Cada um desses objetos tem seu nome porque parece a você como sendo tal objeto. Portanto, você tem um rótulo para ele. Em verdade, sua natureza é ilusória e ele realmente não existe mais do que a aparência ilusória que um mágico cria. Portanto, você tem que ter a confiança na consciência - de sabedoria primordial - da natureza ilusória de todas as aparências. Através disso você é capaz de estabelecer a natureza dos objetos que são vistos como sendo externos.

2. Experimentar a meditação

(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial, este é o segundo)
Isto conduz você ao segundo estágio na prática do desenvolvimento da intuição, que é estabelecer a natureza da mente como o discriminador interno. O criador das aparências objetivas é o sujeito, a própria mente. Se tentar localizar a mente, poderá você encontrar seu lugar? Poderá determinar suas características? Podemos determinar se ela é substancial ou tangível? De acordo com muitos sistemas de pensamento budistas, há técnicas incontáveis que podem ser empregadas para descobrir a origem da mente buscando determinar se verdadeiramente existe ou não.
Para engajar-se na prática formal, primeiro de tudo você deve sentar na correta posição de meditação. Deixe que a fala mantenha-se silenciosa e respire naturalmente. Não force a mente fazendo-a muito tensa ou demasiadamente frouxa, apenas mantenha-se relaxado em sua própria natureza pura da consciência.
Algumas vezes quando você senta, dois processos podem ocorrer a você: o de apreender a mente e o de apreender o discriminador. Se perceber isso, então faça que o discriminador olhe para a mente discriminativa, o que é como olhar a própria face diretamente sem nenhum intermediário. Quando você começa a praticar assim, você começa a dar-se conta de que o discriminador e a mente apreendedora não são separados. Então você compreende que o objeto sendo discriminado pelo discriminador e a mente que o apreende são indivisíveis, correspondem à mesma experiência. Assim, você pode vir a ver que o objeto e o sujeito, o apego e a ligação, não são mais duais. Isto é uma única experiência, a natureza da mente, livre de quaisquer limitações provindas da atividade mental condicionada. O que acontece, então, se nem há objeto e nem sujeito? O que temos então? Tudo o que você tem é a experiência de sua própria natureza búdica inata. Nos estágios iniciais da prática, você experenciará este estado livre de dualidade por um instante fugaz. Em um segundo momento a discriminação dualística e o apego retornam. Atualmente há muitos praticantes que usam uma grande parcela de tempo sentados em meditação silenciosa. Se você sabe como praticar os estágios de desenvolvimento e de fruição e, de fato estabeleceu a confiança na visão, sendo portanto capaz de assegurar-se da natureza da vacuidade, então a prática mais longa de meditação silenciosa pode ser extremamente iluminadora. Entretanto, se você não tem experiência e apenas senta silenciosamente em meio a conceitos turbulentos e distrações mentais, isto é apenas perda de tempo.
Durante a experiência de não-dualidade, permita-se permanecer no frescor da experiência, sem alterações conduzidas. Um praticante com inteligência superior será capaz de permanecer nesta experiência de consciência intrínseca indefinidamente. No início, é difícil permanecer muito tempo. Esta experiência é, entretanto, idêntica à experiência que você tem entre dois pensamentos. Quando o primeiro termina e o segundo começa, o fresco momento entre eles é idêntico à experiência de consciência intrínseca. A razão pela qual não está consciente disso é que você tem tantos pensamentos surgindo tão prontamente que o momento entre eles não é percebido.
Pode que você pense que o momento entre os pensamentos seja um apagamento semelhante à experiência de quiescência impura. Na experiência do momento entre os pensamentos, todos os oito estados cognitivos estão funcionando normalmente. A mente é luminosamente clara e capaz de reconhecer qualquer coisa, ainda assim totalmente livre de dualidade porque não há a presença de formações de pensamento ou atividade mental deludida. Se você entendeu isso, significa que você teve um relance da experiência geral da consciência intrínseca.
Porque, então, vocês enquanto indivíduos comuns têm tanta dificuldade de reconhecer esta experiência geral de sua própria natureza primordial de sabedoria? Isto se dá devido à intensidade dos hábitos com respeito à dualidade e aos pensamentos discursivos. Devido a isto você é derrotado vez após vez, por suas próprias conceitualizações. Adicionalmente, no passado você ouviu instruções sobre a natureza da mente, mas falhou na prática. Então, que método pode você empregar uma vez que você é tão distraído por sua própria mente? O método é tentar encontrar a fonte da mente, o criador dos pensamentos discursivos, a causa raiz de todos os seus problemas.
Você já deu-se conta do fato que os conceitos surgem da mente. Agora, você deve perceber onde a mente se origina, onde ela existe, e onde finalmente cessa. Similarmente, tente entender onde os pensamentos discursivos se originam, onde existem e onde cessam.
Onde a experiência de iluminação se origina, existe, e cessa? Quem sente felicidade e sofrimento? Se chegar à conclusão de que é a mente que usufrui a iluminação e samsara, então, onde a mente se origina, existe e cessa? É tangível ou não? É sem forma?
Se você determinar que a mente tem uma forma, então você deveria tentar determinar qual sua forma e cor. Se é tangível, deve possuir algumas características. Se você pensar que é sem qualquer existência substancial, então deveria tentar examinar que experiência é esta. É essencial ter um professor espiritual que já tenha realizado a natureza da mente para ajudá-lo acuradamente a passar por esta experiência. Um professor espiritual qualificado a este nível de prática é alguém que atingiu a natureza da mente. No Tibete há muitos exemplos onde discípulos foram enganados por professores que não tinham realização. À este nível de prática existem muitos perigos e armadilhas.
Se, por meio de seu processo de exame, você for totalmente incapaz de encontrar a mente e o que você encontrou em lugar dela é como o âmbito do próprio espaço - ainda que seja incapaz de expressar isso, então está na trilha certa. Entretanto, esta experiência de vacuidade não é a negação de tudo, não é cair no niilismo, ou pensar que nada existe. É uma experiência que é muito aberta; e, no interior desta espacialidade, existem muitas, muitas possibilidades. É importante ser muito cuidadoso com respeito à profundidade desses ensinamentos. Se tomá-los literalmente, sem qualquer experiência meditativa, há o perigo de tornar-se confuso com respeito à realidade e perder sua sanidade. Esta é a razão pela qual é importante receber ensinamentos sob a proteção de um professor qualificado de acordo com a tradição. Por esta tradição, a iluminação pode ser atingida em um corpo e em uma vida, porque estes ensinamentos têm o poder de estabelecer os praticantes no estado de liberação onde há uma liberdade perfeita de todos os traços da percepção confusa. Reconhecer a natureza da mente é realmente o ponto de compaixão de todo o caminho; entretanto isto também pode ser perigoso se você não se aproxima de forma cuidadosa e correta.
No que diz respeito ao desenvolvimento da confiança na visão, o terceiro passo é abarcar a visão da natureza da realidade. De acordo com este tesouro redescoberto pela emanação irada de Guru Rinpoche, Dorje Drolö, a luminosidade aberta é a natureza de Dorje Drolö. Isto se refere à natureza da mente de todos os Budas, que é a natureza de todas as deidades de meditação, de todos os lamas, dakinis, e verdadeiros objetos de refúgio. Para realizar tal natureza, você não necessita buscar em qualquer outro lugar especial que não dentro de você mesmo. Tal natureza é a essência de sua mente e é a experiência auto-originada. Realizar isso pervasivamente abarca tudo que constitua samsara e nirvana. A mente de todos os budas, nossa própria natureza inata, é a experiência da sabedoria primordial, livre da dualidade, luminosamente clara, desobstruída em sua compaixão.
Após você ter atingido a confiança na visão, você pode então focar a prática de meditação como aprofundamento da visão. Repousar livre de pensamentos do passado, presente, ou futuro, posicionado na consciência fresca e não intermediada é também chamado de meditação. Esta experiência aberta, luminosa, que é a natureza auto-originadora da mente de cada um, não necessita ser buscada como uma experiência meditativa separada. Você não necessita pensar que está tentando criar uma experiência artificial. É simplesmente reconhecer e manter-se diretamente introduzido em sua própria natureza.
Este é o significado do darmakaia (corporificação da realidade última). Além do mais, nesta experiência darmakaia, as percepções sensuais estão presentes e são simplesmente observadas imparcialmente, sem qualquer discriminação dualística ou apego. Esta abertura é luminosamente clara e abarca a tudo, sem sofrimento, porque não há dualidade. Não podendo beneficiar, não pode prejudicar. Vai além do âmbito do benefício ou prejuízo, aceitação ou rejeição. Você não mais precisa pensar: “Oh, eu não posso fazer isto; eu não devo fazer aquilo.”

3. Sustentar o comportamento nas atividades diárias da vida


(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial, este é o terceiro)
O terceiro passo é manter a continuidade do nosso comportamento. A conduta deve ser semelhante à meditação, e a meditação deve ser como a visão. Cada um contém o outro. Usualmente você considera que conduta é a experiência pós-meditativa, que ocorre após a sessão formal. Sustentar a continuidade é integrar visão, meditação e conduta de modo indivisível.
Uma vez que o equilíbrio meditativo é manter-se simplesmente na consciência intrínseca, aberta, não intermediada, totalmente luminosa e relaxada, quando você chega a esta experiência, deve perceber que todas as aparências e experiências são como uma manifestação ilusória da natureza da consciência intrínseca. Todas as formas são vistas como uma divindade de meditação, manifestação divina. Você pode ouvir a essência de todos os sons como sendo a do mantra. Todos os pensamentos são compreendidos como a atuação da consciência pura. Você pode também considerar que as aparências na vida diária são como um sonho, uma ilusão, sem verdadeira existência inerente.
A este nível de prática, não há distinção entre meditação e conduta. A experiência meditativa pode ser mantida na forma como se percebe as aparências da vida diária e dirige a pessoa. Isto significa que os pensamentos discursivos seriam utilizados como a aparência do caminho, em lugar de um obstáculo. Quando discriminação e apego cessam, os pensamentos surgem como uma ilusão, para adornar o caminho.
Se, talvez, você ainda pensar que um pensamento discursivo está causando dano, trazendo dor ou problema, apenas entre nele e veja que é vazio por natureza, e ele se dissolverá. Se seguir o pensamento e permiti-lo controlar a mente, terá perdido a visão. Por outro lado, se você absorver o pensamento, verá que a natureza dele é vazia e ele se dissolverá, como as ondas que se elevam do oceano e desaparecem de volta no próprio oceano. Nada há de errado com o surgimento de um pensamento discursivo, quando você percebe que ele surge da consciência pura e dissolve-se de volta na consciência pura.
Quando você for hábil para reconhecer que os pensamentos discursivos nada mais são que a manifestação da própria consciência intrínseca, que são vazios e sem existência inerente verdadeira, você os deixará passar e dissolver-se de volta em sua fonte vazia. Em resumo, você precisa ser cuidadoso, nesta prática de conduta como caminho, para não ser perturbado pelas distrações e dominado por seus hábitos; a discriminação e apego. Como praticante, sua prática deveria ser como um rio que flui - incessante e estável.

4. Fruição


(dos quatro estágios, para chegar à natureza primordial, este é o final)
A quarta e última etapa é o modo pelo qual a fruição é atingida. A fruição é o reconhecimento de nossa própria natureza, da consciência intrínseca, originalmente pura, livre de confusão. Esta experiência que é o resultado de visão, meditação, e conduta, é a experiência de iluminação ou liberdade última da confusão da natureza da existência cíclica. Se sua prática é forte, então, mesmo antes de sua morte, ao realizar esta natureza e manifestá-la de acordo com estes quatro estágios, você estará liberado. Não sendo assim, a liberação ocorrerá no momento da sua morte ou no estado do bardo. Por meio das bênçãos da realização desta prática, é certo que a liberação ocorrerá durante um destes períodos.
É imperativo ter uma forte fé em seu professor raiz, aquele que o introduz à natureza da mente, de tal forma que você possa reconhecer a sua própria natureza. Estas são as instruções piedosas para o sucesso nesta prática. O resultado final de quiescência, intuição da sabedoria primordial, mahamudra e mahasandhi, nada mais são do que isto.



Extraído de: http://www.nossacasa.net/SHUNYA/default.asp?menu=996

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