quinta-feira, 20 de maio de 2010

Contra o neo-darwinismo


''Darwin errou, e a seleção natural não explica tudo''


Professor, mas como é possível intitular um livro de "Gli errori di Darwin" [Os erros de Darwin], nos Estados Unidos de hoje, em plena polêmica criacionista? E imagine o que vai acontecer na Itália. O senhor diz que é uma leitura laica e científica. Mas não teme que acabe sendo instrumentalizado?

Olhe, chega dessa história de que dizendo a verdade se faz o jogo da oposição...

Não damos a mínima ao politicamente correto: pode-se dizer isso?

Talvez de um modo um pouquinho mais gentil.

Gentilmente, Massimo Piattelli-Palmarini, físico e biólogo, um dos maiores cognitivistas do mundo, professor da Universidade do Arizona, e Jerry Fodor, o filósofo e estudioso da linguagem, estraçalharam a seleção natural nas 264 páginas de "What Darwin Got Wrong" [Onde Darwin errou], o livro que, da Boston Review ao The Guardian, já é um sucesso mundial. Porque, se a seleção natural desaba, desabam também as traduções culturais do darwinismo.

"Foi justamente isso que nos levou a escrever esse livro. O enorme cansaço sentido durante anos com relação aos neodarwinianos na psicologia, na sociologia, na filosofia da linguagem, da mente: em todos os setores das ciências humanas".

A reportagem é do jornal La Repubblica, 29-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Dê alguns nomes.

A tríade sagrada. Daniel Dennett, filósofo norte-americano, Richard Dawkins, biólogo inglês, Steven Pinker, canadense, psicólogo em Harward. Os três corifeus do neodarwinismo.

O que não está certo na evolução?

Por favor: a evolução é um fato. Não é mais uma hipótese, mas é um dado adquirido. O problema são os neodarwinianos que, com a seleção natural, pensam que podem explicar tudo.

Tentemos de novo: o que não está certo na seleção natural?

Primeiro, os chamados vínculos internos. Como ocorre a evolução biológica? A evo-devo [evolução do desenvolvimento] descobriu que os genes são substancialmente quase sempre os mesmos, há centenas de milhões de anos. Além dos babuínos, dividimos tudo com as moscas e os ratos. Naturalmente, quanto maiores são os vínculos internos, maior é a estrutura genética que condiciona o desenvolvimento. Menor é, portanto, a importância da seleção natural.

Ponto dois.

Física e química nos dizem que os princípios de auto-organização comuns a tantas espécies não têm nada a ver com a seleção natural. A lei da gravidade, por exemplo: é uma lei da física. Existe uma historinha que explica bem a atitude dos neodarwinianos que não se rendem. A criança pergunta ao pai: "Como é possível que, quando soltamos os objetos, eles caiam no chão?". E o pai neodarwiniano: "Porque aqueles que tendiam a voar se perderam na seleção natural".

Ponto três.

Dois grandes evolucionistas como Jay Gould e Richard Lewontin esclareceram há muito templo: traços muito diferentes entre si muitas vezes se desenvolvem juntos. É impossível dizer qual foi selecionado e qual só foi acompanhado.

Então essa seleção natural não explica nada?

Atenção: todos os anos, devemos nos vacinar novamente, porque os vírus mudam, e mudam em sua vantagem, e não em nossa. A seleção natural é uma realidade: mas não é o motor das espécies novas.

Resumindo: a evolução é um dado de fato, a seleção natural existe, mas não é o motor da evolução.

Não é o motor da especiação: da criação de novas espécies. Do aperfeiçoamento das espécies, sim. Da criação de subespécies, sim. Os únicos experimentos de evolução por seleção natural levaram à criação de subespécies. De um tipo de mosca da fruta foi criada a subespécie de mosca da fruta. De um tipo de sapo, um subtipo. Mas sempre se tratam de sapos e de moscas.

Portanto, a seleção natural não explica o princípio último?

Não explica a evolução biológica. Não explica a criação das espécies. Nós usamos uma metáfora: a seleção natural é o afinador do piano, não o compositor de sinfonias.

Então quem seria o compositor?

Muitos. Pela seleção natural, não é que haja só um outro princípio que o substitua: os mecanismos são múltiplos.

E, ao invés, os neodarwinianos continuam aplicando esse conceito onicompreensivo ao resto da ciência.

Tomemos a semântica. Daniel Dennett explica a linguagem com a adaptação, as necessidades essenciais, a reprodução, o alimento. Uma lorota enorme.

Richard Dawkins?

"Deus, um delírio" é um livro infausto. Eu sou ateu, integralmente ateu. Mas zombar da religião em nome de Darwin é algo infame.

E Steven Pinker?

O defensor da psicologia neodarwiniana. Explica tudo com os genes: do homicídio ao ciúme.

Professor, o senhor vive nos EUA e sabe bem que os jornais estão cheios desse tipo de interpretações científicas. Assim, tudo se desmonta.

Mas se eu lhe oferecer uma teoria neodarwiniana, digamos, da homossexualidade, é claro que no dia seguinte eu vou estar na primeira página do New York Times. Se, ao invés, eu lhe disser sabe-se lá o que, fatores múltiplos etc., não vou estar nem na primeira, nem na segunda, nem na 30ª página.

Que pena.

Outro caso famoso: a violência dentro casal, dentro das famílias. A violência dos pais com os filhos adotivos. A história darwiniana explica tudo. Gene contra gene...

E o que muda quando tiramos a seleção natural do pedestal?

As ciências sociais são reintroduzidas: a filosofia, a filosofia do direito, da estética. São reintroduzidos aqueles grandes temas que, por sorte, nunca morreram.

Nunca lhe perdoarão por isso.

Dou-lhe já um nome: Giorgio Bertorelle é o presidente da Sociedade Italiana de Biologia Evolucionista. Há alguns anos, ele tentou fazer com que os cientistas do mundo inteiro assinassem um manifesto. Contra mim. Isso chegou ao meu amigo Richard Lewontin. E ele: "Mas vocês são completamente loucos?".

Imaginemos então se o senhor se deparasse diretamente com Darwin.

Um gênio, por favor, e talvez é um pouquinho desonesto criticá-lo assim depois de 150 anos. Mas, no fundo, ele mesmo dizia que existem muitas coisas que a sua teoria não chegava a explicar.

Está dizendo que Darwin teria gostado do seu livro?

Bem, seguramente ele o entenderia.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Com um Mestre vivo

Papaji


Prólogo

No dia 1º de Janeiro de 1990, deixei a minha vida para trás e parti em busca da iluminação. Minha mulher e meus amigos pensaram que eu estava louco. Como estava com quase quarenta e três anos de idade, eles atribuíram a coisa toda a uma crise da meia-idade.Quando parti, não tinha a mínima idéia de aonde iria ou do que iria encontrar. Nem tampouco tinha qualquer poder de decisão quanto a isso. Estava sendo atraído como um fragmento de limalha de ferro é atraído por um imã. Não sendo um principiante no caminho espiritual, eu dispunha de certos critérios para a minha busca. Eu queria decepar definitivamente a mente egóica.

Disse à minha esposa: "Eu quero despertar para a realidade não-dual."Eu pertencia a uma geração que tinha descoberto os psicodélicos vinte e cinco anos antes. Eu tinha experimentado livremente com LSD e outros alucinógenos na minha busca da liberdade. Como resultado destas experiências, considerava-me relativamente desperto, uma alma iluminada. O LSD havia me mostrado que esta "realidade da vigília" é um sonho, e eu tinha vivenciado a mim mesmo como imortalidade auto- consciente. Contudo, isto não era suficiente. O sofrimento egóico continuava. Na realidade, o ego reivindicava estas realizações como suas. Nos anos 60, participando dos movimentos pelos direitos civis e contra a guerra, eu tinha tido amplas oportunidades de entregar a minha vida à Vida. Colocando à prova a coragem das minhas convicções e estando disposto a morrer para deter o sofrimento do mundo, descobrira-me um servo da Mãe Terra.

Por isso, achei que "eu" tinha que fazer alguma coisa. E essa alguma coisa sempre acabava levando ao sofrimento.Na esteira da genuína abertura que muitos membros da minha geração vivenciaram com psicotrópicos, vieram os gurus. Quando a primeira onda de gurus veio à América, fiquei muito interessado. Em 1974 e 1975, sentei-me com Swami Mukhtananda e li com prazer Rajneesh e Da Free John. Acompanhei as aventuras de Ram Dass com Neem Karoli Baba e seus outros mestres.Enquanto estive com Muktananda, deleitei-me com o bhakti e o shakti. Não acreditava que meios não psicodélicos pudessem ser tão poderosos quanto o LSD para induzir certos estados. Mudei de idéia.


Contudo, não me sentia particularmente atraído pela vida em um ashram. Sabia tudo acerca dos gurus hindus públicos, de Sai Baba a Maharaji, porém quando considerava os seus seguidores e os seus ashrams, concluía que em vez de seres iluminados, eles criavam meros devotos. Eu procurava a iluminação e alguém que a pudesse transmitir diretamente. Por grandes e deleitosos que fossem, os estados de shakti não conduziam à plena auto-realização, pelo menos para mim ou qualquer outra pessoa minha conhecida.Nos primeiros anos do LSD, lendo os trabalhos de Carlos Castañeda, Gurdjieff e o Livro Tibetano dos Mortos, vi-me atraído pelo Budismo Tibetano. Em 1976, partilhei os livros de Evans-Wentz acerca do Budismo Tibetano com a minha futura esposa e exprimi o desejo de encontrar os verdadeiros detentores dessa linhagem.


Em 1978, foram eles que nos encontraram. Naquele ano, Kalu Rimpoche, mestre de meditação da linhagem Kagyu, veio à nossa cidadezinha na Califórnia e designou-me chefe do seu Dharma Center. Nós fizemos pujas e prostrações e aprendemos a entoar cânticos em tibetano. Ajudamos a organizar a visita do Karmapa a São Francisco e a sua Cerimônia do Chapéu Preto. Finalmente, os resultados não foram satisfatórios. Não vi ninguém se tornar iluminado.No começo de 1980, fui ao Japão. Encontrei-me com o mestre Zen mais idoso da época; chamei-o O'ji isan. Através da nossa relação de coração, ele me presenteou com um leque de ensino Zen. Também pratiquei combate dharma no Mosteiro Saikoji. Vivenciei um kensho, ou profundo despertar espontâneo, na presença do superior do mosteiro.

Isto foi comemorado em todo o mosteiro. Após o anúncio do meu kensho, passamos a noite bebendo cerveja e cantando. Até nos permitiram dormir até as 6:00 da manhã seguinte. Mesmo assim, na manhã seguinte, a mesma mente estava presente. Eu não estava satisfeito.
Pesquisei então a meditação vipassana. A interminável observação mental de objetos pareceu útil como estágio inicial, mas eu ansiava por aquilo que está para além do observador e do objeto observado.Também conheci e trabalhei com meu tio Henry, pajé dos Arapahoe (o Povo do Céu Azul). O tio é pura essência, com um coração do tamanho do céu. Eu amo o Tio e tudo que ele representa, e amo o trabalho que ele realiza neste mundo. Mas eu desejava algo mais.
Vários anos mais tarde, fui iniciado e adotado por um clã sufi Gnauer. Foi uma experiência profunda e mística. Fui posto à prova e tive que defender o nosso círculo em circunstâncias perigosas na costa do Marrocos. Layeshay, chefe do clã e descendente de escravos do palácio, abriu-me o seu coração e adotou-me como seu filho. Eu o amo e lembro com carinho o tempo que passamos juntos.

No inverno de 1989, eu era considerado "um sucesso". Estava casado há 13 anos com a minha melhor amiga e amante e estava feliz. Era um autor publicado e conduzia workshops, ensinando psicologia espiritual. Tinha um consultório particular bem-sucedido em São Francisco, um lar maravilhoso em Marin Country, e viajava pelo mundo afora conduzindo workshops. Trabalhando com o Eneagrama da Fixação de Caráter, eu tinha desenvolvido um novo mapa da psique que integrava o modelo budista tibetano, o trabalho Sufi sobre a essência e a psicologia ocidental.
Quando esse modelo ficou completo, examinei a mim mesmo e vi o que faltava em meu próprio desenvolvimento. Eu ainda não estava completamente desperto. Continuava sutilmente a gerar sofrimento na minha vida e na vida dos outros. Eu ainda agia baseado na fixação do ego, pelo menos durante parte do tempo.

Quando me senti atraído pela Índia e estava me preparando para a viagem, examinei a totalidade da minha vida. Estava disposto a abandonar tudo, exceto o meu amor por minha mulher. Passei vários dias de agonia, chorando e soluçando ao pensar em deixá-la. Mais tarde descobri, aos pés do meu Mestre, que tudo o que eu tinha que abandonar era o sofrimento! O amor nunca precisa ser abandonado.

Quando parti para a Índia, não tinha a mínima idéia de aonde deveria ir. O meu critério consistia em encontrar alguém plenamente iluminado que me pudesse transmitir a iluminação. Se não conseguisse achar ninguém com esse nível de realização, queria pelo menos encontrar alguns Sufis que conhecessem o eneagrama.Aterrissei em Delhi no dia 5 de janeiro de 1990. O meu plano era encontrar sufis iluminados, talvez na região fronteiriça com o Paquistão, ou viajar a Sikkim para encontrar um Lama tibetano de quem havia recebido uma transmissão não-verbal alguns anos antes.

Na minha primeira noite em Delhi, dirigi-me a Nizamuddhin, antigo bairro muçulmano, acerca da qual fui informado pelo meu hoteleiro. Visitei o santuário de Nizamuddhin, um santo sufi do século XV, e rezei pedindo orientação e pleno despertar. Fui então jantar no Karim's, um restaurante muçulmano local. Enquanto esperava para fazer meu pedido, observei outro homem entrar e sentar-se de costas para mim a uma mesa vizinha. Em lugar de vir tomar o meu pedido primeiro, o garçom aproximou-se do outro freguês. Fiquei irritado com essa desconsideração. Quando o garçom se aproximou para anotar o meu pedido, o outro freguês virou-se e disse: "Pagarei por qualquer coisa que ele quiser".

Perguntou então se podia juntar-se a mim.
Ele era um ministro do governo que se encontrava na cidade apenas por um dia. Sua irmã escrevia livros sobre os sufis e ele acreditava conhecer os notáveis dentre eles. Ele ia pegar um avião no dia seguinte, porém me daria uma lista dos mesmos. Após retornar à sua casa em Lucknow, ele me mandaria mais nomes. Conseguiu-me uma apresentação ao chefe dos sufis Naqsbandi na parte velha da cidade e mandou-me levar de volta para o meu hotel no seu carro oficial com chofer.

Passei as duas semanas seguintes visitando os santos Sufi Naqsbandi e de outras seitas. Aonde quer que fosse, ficava desapontado. Neste período, recebi o meu visto para o Paquistão e o Sikkim e fiz preparativos para voar para Lahore.

Antes de ir para o Paquistão, decidi visitar o meu novo amigo, o ministro do governo, em seu lar em Lucknow, onde ele havia prometido dar-me mais nomes. Eu sabia também que havia outro mestre em Lucknow. Eu conhecera um dos seus alunos na Califórnia, e havia-lhe pedido o endereço do seu mestre antes de partir, porém o meu pedido fora negado. A esta altura, eu não tinha nem o nome nem o endereço do mestre. Quando cheguei a Lucknow, liguei para a minha mulher, para ver se ela poderia obter o nome e o endereço deste outro mestre. Ela só pode dar-me o seu nome: Poonja. Senti um forte impulso para encontrá-lo, mas não tinha idéia de onde começar.

Subi ao telhado do meu hotel (o Carlton, que era um antigo palácio) e uma vez mais pedi ajuda. Olhei para o céu e vi um sinal. Nunca tinha visto nada semelhante. Um quadrado vermelho e um quadrado preto dançando juntos. Soube então que era lá que Poonja vivia. Uma semana depois, Papaji mostrou-me pipas indianas e eu reconheci as que havia visto.

Desci do teto e encontrei uma lista telefônica. A página dos "p" tinha sido arrancada. Encontrei outra lista e lá estava o endereço de um Poonja. Informando-me, descobri que ficava exatamente no lugar que as pipas tinham indicado.No dia 19 de janeiro de 1990, dia do meu quadragésimo-terceiro aniversário, caminhei pelas ruelas do mercado Narhi, um antigo bairro de Lucknow. Após ser guiado por vários vizinhos prestativos, alguém me mostrou uma pequena porta numa fileira de casas geminadas. Bati à porta. Um homem abriu a porta e, com um grande sorriso, disse: "Sim, ele está no andar de cima. Está á sua espera."

Subi as escadas de um minúsculo pátio até um quartinho. Ele estava sentado na cama. "Entre, entre", disse. O quarto tinha apenas espaço suficiente para a cama e uma cadeira. Convidou-me a sentar na cama ao seu lado.

"Por que você veio?", perguntou-me.

"Estou realmente pronto para despertar", eu disse. Ele riu muito e nos abraçamos. Naquele momento, não havia mais perguntas. Eu tinha encontrado o meu Mestre. Soube, sem sombra de dúvida, que estava olhando para o meu próprio si.

"Você sabe", ele disse, "um rapaz veio aqui recentemente, vindo da Austrália. Ele tinha um pergunta urgente. A pergunta tomou conta dele e ele pegou um avião para cá, trazendo apenas a roupa do corpo. Era inverno e ele tinha apenas uma camiseta e as suas calças. Emprestei-lhe o meu suéter e outras roupas de frio. Mas ele tinha que ter uma resposta à sua pergunta." Fez uma pausa e olhou para mim. "Ele queria saber 'É a minha vontade quem manifesta o Universo?'" Ao contar-me isso, Sri Poonjaji não deu nenhuma pista da resposta. Somente olhou para mim.

Pela primeira vez na vida, tinham-me feito uma pergunta de ordem espiritual para a qual eu não tinha qualquer resposta pronta. Eu sabia que "sabia" teoricamente, mas não diretamente. Enquanto ele olhava para mim, não consegui dizer nada. Naquele momento, a minha mente parou e todo o meu "conhecimento" desapareceu temporariamente.

Eu tinha encontrado alguém à minha altura.Dentro de alguns dias, comecei a escrever este livro. O título original era Com um Mestre Zen vivo. Passei os quatro ou cinco dias seguintes sozinho com Sri Poonjaji. Perguntei-lhe se podia chamá-lo Baba. Ele riu e disse que não se importava. Então percebi que os seus netos chamavam-no Papaji e logo comecei a fazê-lo também. Cada dia era uma eternidade atemporal de bem-aventurança. Dois dias depois, dei-lhe o meu passaporte, as minhas passagens e o meu dinheiro. Disse-lhe que já não me preocupava com a iluminação. Queria apenas dormir em frente à sua porta e cuidar dele. Ele riu e deu-me um tapa de brincadeira.

Saíamos diariamente para passear juntos. Ele me mostrava vistas do lugar e levava-me para saborear a comida local. Cada vez que parávamos para comprar algo, seja de um vendedor ambulante ou em alguma lojinha, era sempre ele quem pagava. À noitinha, comíamos juntos o jantar preparado por seus netos, e então subíamos para o seu quarto onde ele lia a sua correspondência e respondia às suas cartas. Nesses momentos, o Mestre, seu filho Surendra e eu discutíamos o satsang do dia. Eu lia as primeiras passagens deste livro para Papaji, o que ele apreciava e encorajava.

Certa noite, dei-me conta daquilo de que estava prestes a abrir mão. Não apenas esta vida ou este mundo, porém o universo inteiro!"Nada disso jamais existiu", disse ele com um sorriso.
"Papaji", disse eu, "embora soubesse que esta vida é um sonho, fiz votos de Bodhisattva. Eu prometi voltar".


"Oh, meu Deus!", disse ele, com um ar trocista de horror no seu rosto. "Ainda bem que eu o encontrei, ou você me teria trazido de volta com você!"Finalmente, disse que outras pessoas estavam esperando para vê-lo. Em tom de súplica, pedi a ele: "Não, não os deixe entrar. Tenho ciúmes."


Novamente, ele riu e deu-me um tapinha no rosto. "Sente-se e observe", disse.
O que eu vi foi um milagre. Vi pessoas entrarem e, no espaço de semanas, tornarem-se iluminadas e ir embora. Eu tinha pensado que ele era um mestre Zen. Contudo, quando um bhakta de Anandamaya Ma veio, ele falou como um hindu. Falou sobre os ensinamentos de Buda com praticantes de vipassana. Conversou com cristãos sobre o significado interior dos ensinamentos de Jesus. Quando alguém mencionou os sufis, ele contou estórias de Kabir.
O seu falar não diferia da profundidade do silêncio que irradiava dele. Quando lhe perguntei acerca da supressão da mente, ele me disse que ficasse apenas quieto. Eu o fiz, e a mente parou. Que milagre! Eu nunca estivera com um instrutor espiritual que houvesse simplesmente admitido a possibilidade da mente parar. Aqui estava um Mestre por cuja graça as mentes de dúzias de pessoas, sem esforço, paravam.


Lao Tzu (no clássico taoísta Tao Te Ching) e os mestres Chan Hui Neng e Huang Po, todos eles falam e escrevem a partir da "não-mente". A possibilidade da não-mente ser transmitida diretamente a todos os que a desejem estava muito além dos meus sonhos mais loucos. O que o meu Mestre me mostrou diretamente foi que a experiência de viver sem fazer referência à mente é o portal da bem-aventurança do reconhecimento de si.Observei um fluxo constante de gente do mundo inteiro passar pela sala de estar de Papaji. Agora os satsangs eram grandes demais para o seu quarto e seis a dez pessoas se espremiam na pequena sala de estar. Observei pessoas aprendendo sem esforço a abandonar a mente e a idéia de um ego pessoal, e assim, descobrindo o que sempre fora verdadeiro e presente. Uma após a outra, as pessoas identificavam-se a si próprias como "Vazio", "Silêncio", "Amor".Notei também uma incrível grosseria. A maioria não tinha a mínima idéia daquilo em que estavam se metendo. Alguns paravam a caminho do Rajastão, onde iram montar elefantes, outros vinham por alguns dias porque estavam nas vizinhanças. Papaji acolhia a todos em seu lar e tratava a todos como hóspedes. Servia chá com biscoitos e frutas, levava gente para passear e comprava comida para todos. Muitos desperdiçavam completamente esta extraordinária oportunidade. Viam um velho bondoso que parecia ser cheio de amor. Alguns chamavam-no Poonja, sem sequer a cortesia de acrescentar um ji. Era como dizer para alguém em sua própria casa: "Ei, Silva!". Alguns se sentavam na sua sala de visitas sem nem mesmo se apresentar. E outros, sem se dar conta daquilo em que se metiam, caíam na sua graça e despertavam.


Papaji dava um passeio diário e o satsang acontecia enquanto flanávamos pelas ruas ou quando nos sentávamos sob uma árvore. Ele nos levava até o centro do mercado para descobrirmos que o silêncio interior e o darshan não necessitam de nada exterior. Ele levava todo mundo para comprar doces no mercado ou para comer nas barracas de seus vendedores ambulantes favoritos.***Poonjaji diz que um verdadeiro mestre não pede absolutamente nada a seus discípulos. Ele é um verdadeiro mestre. Como ele não pedia nada, muitos não davam nada, nem sequer gentileza. Isso nunca o impediu de dar tudo. Para quem tinha olhos para ver, ali estava o evento mais raro do mundo: a oportunidade de privar com um santo vivo, um verdadeiro Buda, que enunciava a verdade pura e transmitia a chama da iluminação e da liberdade a todos quantos passavam pela sua porta.

Eu ficava estupefato ao ver pessoas, no decorrer dos nossos passeios, afastarem-se em grupos, tagarelando acerca de coisas inconseqüentes. Elas agiam como se este evento raro entre todos não fosse lá grande coisa. Estavam na presença de um verdadeiro Mestre vivo e consideravam-no como algo que lhes correspondia de direito. Outros eram de tal forma atraídos pelo amor vivo, que não podiam tirar os olhos dele. Absorviam profundamente e tudo lhes era dado! Nada era jamais pedido em troca.Papaji não me permitiu que ficasse com ele, ou que mudasse o que quer que fosse na minha vida. Em fins de fevereiro, tive que ir embora.

Disse-lhe que retornaria com minha esposa para vê-lo, e isso o deixou muito contente. Disse-lhe que minha esposa era uma deusa e que, embora tivesse começado como minha aluna, há vários anos era a minha mestra.Antes que eu deixasse a Índia, ele quis me mostrar o Ganga. Ele amava o Ganga e, muitos anos antes, durante o Kumbha Mela, ele tinha recebido darshan do espírito do Ganga. Após aposentar-se e depois que todos os seus filhos estavam casados, tendo portanto cumprido as suas obrigações, ele passara a viver numa caverna às margens do Ganga.Pegamos um trem noturno de Lucknow a Hardwar, na segunda classe. Dormimos com estranhos roncando num mesmo compartimento separado por cortinas. O trem chegou a Hardwar às 5:00 da manhã. Papaji levantou-se às 4:00 para assegurar-se de que tudo estava pronto. (Já mencionei que nessa época ele tinha oitenta anos de idade?) Ficamos sentados na estação das 5:00 às 7:00, para não incomodar ninguém no lugar onde ele alugava o seu quarto.Muita gente ofereceu-lhe casas e ashrams pelo mundo afora, contudo ele sempre recusou. "Repugna-me possuir um pedaço da Mãe Terra", diz ele.

"Uma vez eu visitei uma plantação de chá no sul. Depois de o administrador ter-me mostrado a propriedade, encontrei uma maravilhosa tangerineira. Eu disse à árvore: 'Ah, que maravilhosa mãe és para com todos os teus bebês'. Eu nunca colhi um fruto ou flor em toda a minha vida. Fiquei apenas admirando a árvore e, naquele momento, ela deixou cair uma dúzia de tangerinas aos meus pés. A Mãe Terra cuida muito bem de mim."

Sentados na estação, aguardando o amanhecer, ele me disse: "Uma vez cheguei a Delhi às 2:00 da madrugada. Dormi na soleira da porta de um amigo até que a família acordou às 6:00. Se eu tivesse um ashram, não me dariam esta liberdade."
Perguntei-lhe se era possível viver numa comunidade de pessoas iluminadas. Ele respondeu: "Que os ladrões vivam juntos, e que os poucos iluminados se espalhem pelo mundo."



Eli Jaxon-Bear
15 de Dezembro de 1991
Copyrights Eli Jaxon-Bear
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Extraído de: Blog Holosgaia

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O conhecimento “eu sou” deve retornar à sua própria fonte



(08/11/1980)


Pergunta: Por que é que nós naturalmente parecemos pensar em nós mesmos como indivíduos separados?

Maharaj: Seus pensamentos sobre individualidade não são realmente seus próprios pensamentos; são todos pensamentos coletivos. Você pensa que você é a pessoa que tem os pensamentos; mas de fato os pensamentos surgem dentro da consciência. Conforme nosso conhecimento espiritual cresce, nossa identificação com um corpo-mente individual diminui, e nossa consciência expande-se na consciência universal. A força da vida continua a atuar, mas seus pensamentos e ações já não são limitados à um indivíduo. Transformam-se na manifestação total. É como a ação do vento - o vento não sopra para nenhum indivíduo em particular, mas para a manifestação total.

Q: Como um indivíduo é possível retornar à fonte?

M: Não como um indivíduo; o conhecimento “eu sou” deve retornar à sua própria fonte. Agora, a consciência identificou-se com uma forma. Mais tarde, ela compreende que não é essa forma e segue adiante. Em alguns casos pode alcançar o espaço, e muito frequentemente, pára ali. Em muito poucos casos alcança sua fonte real, além de todo condicionamento.
É difícil abandonar essa inclinação de identificar o corpo como sendo o 'Ser' (Self). Eu não estou falando com um indivíduo, estou falando para a consciência. É a consciência que deve procurar sua fonte. Desse estado de não-ser surge o sentido de existência. Vem tão quietamente quanto o crepúsculo, com apenas uma sensação de “eu sou” e então de repente o espaço está lá. No espaço, o movimento começa com o ar, o fogo, a água, e a terra. Todos estes cinco elementos são justamente você. De sua consciência tudo isto aconteceu. Não há nenhum indivíduo. Há somente você, o funcionamento total é você, a consciência é você. Você é a consciência, todos os títulos dos deuses são os seus nomes, mas identificando ao corpo você se entrega ao tempo e a morte -você está impondo isso a você mesmo. Eu sou o universo total. Quando eu sou o universo total não tenho necessidade de nada porque eu sou todas as coisas. Mas abarrotei eu mesmo em uma coisa pequena, um corpo; fiz de mim um fragmento e tornei-me carente de coisas. Eu preciso de tantas coisas sendo um corpo. Na ausência de um corpo, você existe, quando não tinha um corpo você existia? Você estava lá ou não? Alcance esse estado que é e era anterior ao corpo. Sua natureza verdadeira está aberta e livre, mas você a encobre, você dá-lhe vários desenhos.



Fonte:


Extraído de:

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Compreendamos os fatos básicos




"Quase todos os visitantes de fora vêm ao Maharaj depois de ter lido seu livro Eu Sou Aquilo. Eles dizem que na sua leitura sentiram um desejo compulsivo de encontrar Maharaj pessoalmente. Poucos deles dizem também que têm estado interessados na busca espiritual por muitos anos.

Consideremos o caso de um visitante estrangeiro comum. Sua primeira visita quase invariavelmente levanta uma certa quantidade de dúvidas em sua mente, tal como se agiu corretamente em gastar tanto dinheiro e seu tão duramente merecido descanso anual de férias vindo aqui. Os arredores sujos da casa de Maharaj, a simplicidade de sua minúscula sala, sua aparência física sem graça e sua roupa simples – tudo isto contribui para a dúvida inicial. Claro, depois de assistir a duas sessões e, certamente, no momento de ir embora, o visitante estrangeiro já estará pensando em sua próxima visita!

Há também um outro fator que, inicialmente, inquieta o visitante estrangeiro. O comportamento de Maharaj não é diferente daquele de qualquer outro homem comum na rua. E isto vai contra seu conceito de como um sábio, ou Jnani, deveria comportar-se, embora seu próprio conceito possa ser muito vago. Ele encontra as paredes da pequena sala de Maharaj cheias de imagens de numerosos deuses e santos. Ele o vê participando do canto dos Bhajans quatro vezes ao dia. Ele o encontra fumando cigarros baratos, produzidos artesanalmente na região, todo o tempo e, algumas vezes, falando sobre assuntos triviais em sua maneira despreocupada, e acha tudo isto muito desconcertante. Sua noção preconcebida sobre Maharaj era talvez aquela de uma figura patriarcal vestida com roupas de cor amarelo alaranjado, conversando seriamente de um assento elevado a alguma distância dos visitantes e, ocasionalmente, produzindo um milagre ou dois de maneira condescendente. Em vez disto, ele encontra um homem totalmente comum!

Não é, portanto, surpreendente que antes do fim da própria primeira sessão, nosso visitante não pudesse resistir à tentação de perguntar por que Maharaj, a despeito de ser um Jnani, canta Bhajans quatro vezes ao dia. Ou, talvez, a questão pudesse ser: Por que Maharaj acha necessário fumar? A resposta usual de Maharaj em tais casos é simples: Por que não? Estou associado com este corpo por oitenta e tantos anos; por que não deveria receber as poucas migalhas às quais está acostumado? Quanto aos Bhajans quatro vezes ao dia, é uma prática dos tempos de meu Guru. Se, desde então, tive o que se chama usualmente de ‘despertar’, deveria sentir-me obrigado a desistir desta velha e inofensiva rotina? Devemos ocupar o tempo que nos tenha sido designado. Importa o que alguém faz, desde que não cause dano a um outro? É tão simples.

Maharaj continua com este tema mais ou menos como abaixo: Se alguém vê – apercebe-se – as coisas com elas são, se alguém apreende a total manifestação com toda mente e não com a mente dividida de um indivíduo, não está muito longe do grande despertar, e então o que quer que faça não tem importância. De fato, pensar que um ser individual possa atuar independentemente é em si mesmo um engano. O que somos é a presença consciente, e não o invólucro externo da consciência; não o corpo, o qual é apenas um aparato psicossomático utilizado para a cognição da manifestação. Este aparato é apenas um conceito espaço-temporal e, como tal, não tem existência independente e, portanto, não pode atuar independentemente, apesar de todas as aparências do contrário. Compreendamos este fato básico.

O que, então, é a vida? A vida neste universo é nada senão o ‘funcionamento da manifestação’, apesar do que cada indivíduo possa pensar. Vistas nesta perspectiva, as várias manifestações destrutivas como inundações e terremotos perdem sua veemência. Cada corpo é nada exceto alimento para um outro – o rato para o gato, o homem ou o animal para o leão, o cordeiro ou a galinha para o homem e assim por diante. De modo que o que é bom para um é mau para o outro; de fato, tudo que parece acontecer constitui apenas o funcionamento da manifestação. Para cada indivíduo, tudo parece ser seu próprio fazer e experimentar, mas o fato fundamental é que nenhum objeto fenomênico (e isto é tudo o que um ser sensível, relativamente, é) pode ter qualquer existência independente própria. Uma vez que isto seja claramente apreendido, automaticamente se seguirá que todas as responsabilidades e culpas são também conceitos imaginários, baseados na noção errada de que um ser sensível tem existência independente, autonomia e escolha de ação.

Então, o que dizer a respeito de todos os eminentes expoentes nas várias esferas da atividade humana – artes, ciências, esportes –, os maiores pensadores? Devemos admirar o trabalho feito pela consciência ‘através’ destas várias formas físicas, mas não as pessoas particulares que são nada mais que fenômenos conceptuais. Permita-nos entender e ser claro sobre o que realmente acontece. A pergunta que se segue seria: Se as pessoas particulares não alcançaram tudo o que tenha sido obtido, quem o fez? A resposta seria: Ninguém individualmente. O ‘funcionamento’ da manifestação acontece na consciência através de Prajna, o refulgente ator/produtor deste total espetáculo de sonhos, que assume todos os papéis no grande drama onírico que esta manifestação é. E a origem desta presença consciente é o númeno. Os seres sensíveis parecem agir e reagir, mas as ações reais acontecem na consciência.

Admiremos, diz Maharaj, o azul-celeste do céu, a bela lua e o cintilar das estrelas; escrevamos poemas sobre as belezas da natureza; amemos os muitos Avatares que desceram à terra em todas as épocas, cantemos Bhajans quatro vezes ao dia, mas, ao menos, entendamos a condição verdadeira! Eu, o númeno, sou todo o ‘funcionamento’ na consciência!

Finalmente, podemos perguntar-nos: O que fazemos então todo dia? Não estamos vivendo nossas vidas, nós, as milhões de pessoas no mundo? Se pudéssemos pensar profunda e racionalmente sobre o que conhecemos como vida, iríamos facilmente concluir que tudo o que nós fazemos, durante todo o dia, e dia após dia, não é nada senão objetivação. De fato, a manifestação é em si mesma nada mais que contínua objetivação, porque, quando no sono profundo, a consciência descansa, necessariamente cessa a objetivação; e assim acontece com o universo objetivado. No sono profundo, não existe a pessoa, nem o mundo, nem Deus.

O que concebemos por ‘fazer’ nada mais é que objetivação; o funcionamento da manifestação acontece desde que haja consciência. Mas identificar-se desnecessariamente com o executor atrai responsabilidade e culpa. Quando a mente, que é o conteúdo da consciência, está vazia – quando ‘jejua’ ou descansa –, cessa seu fiar e tramar, e ela se acalma. Quando a mente cessa de ‘fazer’, ela simplesmente é. Na ausência de objetivação, nossa presença absoluta é, o universo manifesto não é – nós somos. Ou melhor, ‘Eu sou’.

Compreendamos estes fatos básicos. "



De: "Sinais do Absoluto"



Fonte: Blog da Editora Advaita

sábado, 24 de abril de 2010

Reconheça o falso como falso

Sri Nisargadatta Maharaj


"Um grupo de três pessoas estava visitado Maharaj pela primeira vez. Embora padecendo na cama e extremamente fraco, Maharaj lhes perguntou se havia alguma pergunta a fazer. Eles conversaram entre si e decidiram fazer apenas uma pergunta: “Maharaj, todos nós fizemos certa Sadhana por algum tempo, mas o progresso não parece o adequado. O que devemos fazer?” Maharaj disse que o propósito de qualquer esforço é obter algo, algum benefício que não se possui. O que é isto que tentam atingir? A resposta foi rápida e positiva: Nós queremos ser como você – iluminados.

Maharaj riu e se empertigou na cama. Quando estava mais confortável com dois travesseiros para apoiar suas costas, ele continuou: É nisto que a idéia errada está enraizada; em pensar que vocês são entidades que devem alcançar algo para que possam se tornar como a entidade que vocês pensam que eu sou! Este é o pensamento que constitui a ‘escravidão’, a identificação com uma entidade – e nada, absolutamente nada, exceto a desidentificação causará a ‘liberação’.
Como eu disse, vocês vêem a si mesmos e a mim como entidades, entidades separadas; eu vejo vocês exatamente como me vejo. Vocês são o que Eu sou, mas vocês se identificaram com o que pensam ser – um objeto – e buscam a liberação para este objeto. Não é uma enorme piada? Poderia algum objeto ter existência independente e vontade de agir? Poderia um objeto estar escravizado? E liberado?

O interlocutor juntou suas mãos em Namaskar e, muito respeitosamente, sugeriu que o que Maharaj tinha dito não poderia talvez ser questionado como um ideal teórico, mas que, certamente, disse ele, ainda que as pessoas possam ser entidades fictícias, nada mais que meras aparições na consciência, como viveríamos no mundo a menos que aceitássemos as diferentes entidades como suficientemente ‘reais’ na vida?

Esta discussão pareceu animar extraordinariamente o Maharaj, e a debilidade em sua voz desapareceu gradualmente. Ele disse: Você vê quão sutil é este assunto? Você respondeu sua própria pergunta, mas a resposta lhe escapou. O que você disse é que você sabe que a entidade como tal é totalmente fictícia e não tem autonomia própria; é apenas um conceito. Mas a entidade fictícia deve viver sua vida normal. Onde está o problema? É muito difícil viver uma vida normal, sabendo que a vida em si é um conceito? Você compreendeu? Uma vez que tenha visto o falso como falso, uma vez que tenha visto a natureza dual do que chama ‘vida’ – que na realidade é o viver – o restante será simples; tão simples como um ator desempenhando seu papel com entusiasmo, sabendo que é apenas um papel que ele está desempenhando em uma peça ou num filme, e nada mais.

Reconhecer este fato com convicção, apercebendo-se desta posição, é toda a verdade. O restante é mera atuação."



(do livro, "Sinais do Absoluto")

Fonte: Blog da Editora Advaita

sábado, 17 de abril de 2010

Observações Sobre as Tendências Religiosas




Por: Gary Snyder



É bom lembrar que todas as religiões contêm noventa por cento de fraude e são responsáveis por numerosos males sociais. Mesmo assim, dentro da geração beat verifica-se a existência de três tendências:

1. Busca da visão e da iluminação. Esse resultado é obtido geralmente pelo uso sistemático de drogas. A marijuana é um recurso de consumo diário e o peiote é o verdadeiro estimulante da percepção. Tanto um como o outro são complementados às vezes por práticas iogues, álcool ou similares. Embora uma boa parte de auto-consciência possa ser obtida pelo uso inteligente das drogas, o hábito de "drogar-se" não conduz a nada porque falta exatamente inteligência, vontade e compreensão. Uma sensação puramente pessoal, obtida às custas de um tóxico, não beneficia ninguém.

2. Amor, respeito à vida, abandono, Whitman, pacifismo, anarquismo, etc. Todas essas tendências são provenientes de inúmeras tradições, entre as quais a religião Quakers, o Budismo Shinshu, o Sufismo, etc. Todas são frutos de um coração generoso e apaixonado. Em suas manifestações mais dignas, essas tendências levaram algumas pessoas a condenarem ativamente as guerras, fundar comunidades e amarem-se umas às outras. Em parte, elas também são responsáveis pela mística dos "anjos", a glorificação das viagens a pé e das caronas, bem como por uma forma de entusiasmo inconsciente. Se respeitam a vida, não respeitam a sabedoria da impassibilidade e a morte. E essa é uma de suas falhas.

3. Disciplina, estética e tradição. Essas tendências são bem anteriores ao surgimento oficial da geração beat. Diferenciam-se da doutrina "Tudo é um" na medida em que seus praticantes estabeleceram uma religião tradicional, tentaram incorporar o sentimento de sua arte e de sua história, e praticam qualquer ascese que for necessária. Uma pessoa pode tornar-se um dançarino aimu ou um xamã yurok, ou até mesmo um monge trapista, se ela realmente o deseja. O que falta nesse tópico, é o que os dois primeiros possuem, ou seja, uma existência perfeitamente adaptada à realidade do mundo e percepções realmente verdadeiras do inconsciente.

A conclusão prosaica é a seguinte: se uma pessoa não for capaz de compreender todos esses aspectos - contemplação (que não seja pelo uso de drogas), moralidade (que para mim significa protesto social) e sabedoria - ela não estará à altura de levar uma autêntica vida beat. Mesmo assim, poderá ir bastante longe nessa direção, o que é preferível que ficar rodando pelas salas de aula ou escrever tratados sobre o budismo e a felicidade das massas, como os caretas fazem com tanto sucesso.





extraído de: Protopia - Texto do Gary Snyder



Fonte: Blog Epifenomenologia


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Mooji: reconheça sua natureza


“Este ‘eu’ pessoal, o “me”, é como um dedo quebrado: em qualquer lugar que for, ele causará problemas; tudo que ele toca, dói. Este quem está identificado com este ‘eu’ pensa que qualquer coisa que aconteça em sua vida é causado pelo meio que o cerca, incluindo as pessoas ao redor. Ele dirá: ‘Os outros me causaram dor’, ‘minha circunstância de vida são responsáveis’. É interminável. Outros poucos vêem isso como uma oportunidade, ou se interessam por encontrar a fonte de todos os problemas, de todo o seu sofrimento.

‘Eu’ é a causa dos seus problemas. Justamente por você ter feito um ninho dentro do sentimento pessoal do ‘eu’ que você está apegado é por que você está sofrendo. Não conserte sua vida. Encontre este ‘eu’ e veja o que acontece.

(...)

Por que você diz ‘eu quero ser livre?’ Eu compreendo esta contenda e este sentimento que profundamente o tocou. Então, vamos averiguar e ver se nós podemos determinar qual é realmente o problema. O que nós iremos remover é a convicção de que tudo não está bem. E quando nós vamos verificar para descobrir o por quê, nós iremos compreender que você está identificado com a morte. Você está se identificando com algo que não dura, que não tem longevidade. Você se apaixonou pelo tempo. Você se apaixonou pelos objetos, pelas ideias que estão em transição. É assim que todo o problema começa. E como a confusão entra no Ser.”

(...)

“Quem está por detrás de toda manifestação? Olhe, e você descobrirá que tudo acontece por si mesmo! Quando você vê isso, então sua consciência se torna desocupada. Até então, o seu Ser está ocupado com um sentimento de ‘Fazedor’ (realizador), ‘eu preciso fazer alguma coisa, eu preciso entender’.

Esforço é requisitado para tornar-se, mas que esforço é requisitado a ser? Então, deixe tudo como deve ser deixado; testemunhe a Existência espontânea. Isto não é caótico. Seja o que acontecer, aconteça, e isso faz muito bem. O suposto patrão – a mente – está causando um monte de problemas. E não, nós não somente demitimos o patrão, como também desistimos da firma!

Veja se o Universo não pára.

Muitos de vocês não estão aproveitando o creme da vida, porque vocês têm comprado a versão da mente de como as coisas deveriam ser. A idéia cortou seu vínculo com a Fonte do seu Eu Real, e não mais flui. O resultado é desarmonia e sofrimento. Você é o Eu Real, o Absoluto, expressando-se espontaneamente, mas você não sabe disso. Você não precisa nem acreditar nisso! Você pensa: ‘O que irá acontecer se eu desistir do controle? Meu mundo desabará a meus pés!’

(...)

Quem você realmente é não é previsível. A mente é previsível na tentativa de controlar o que é espontâneo. Ao ter medo do novo, a mente simultaneamente surge do Desconhecido, provendo espaço para mente agir como o desconhecido e o conhecido aparente. Este jogo não é da sua conta.

Não se preocupe com nada. Seja como uma criança no colo de Deus. Nem policie seus pensamentos, nem faça parte do departamento de imigração dos sentimentos-vistos que são requeridos. Você pode relaxar. Sim. Relaxe.”

(...)

“Permaneça como o Eu Real! (...) Está sendo cansativo porque você está tentando firmemente com sua mente. (...) Primeiro, a maior das pessoas pensam que observar a mente significa sempre prestar atenção a diversas atividades aparecendo na mente. Isto é um modo que pode ser interpretado. Mas o conselho é permanecer desapegado em estado de testemunha sem se tornar envolvido com os movimentos da mente.

Não simplesmente olhe estas atividades; ao invés disso, observe a reação interna a estas atividades. Isto é mais íntimo que simplesmente olhar o jogo da mente. Estas reações mostram o envolvimento pessoal que tem sido cultivado; aonde houver identificação e ‘ruído’. Quando eu digo ‘ruído’, quero dizer a turbulência interna – resistência e excitação – que perturba a paz. Tão logo estas tendências sejam reconhecidas, o próximo passo é perguntar, quem, o que, onde está este quem está identificado? Pode uma face ser colocada nisso? Existe uma entidade real e tangível residindo como ‘eu’? Descubra! Para responder a estas questões, a atenção precisa ser introvertida – fixa na fonte de toda a atividade incessante.”

(...)

“O estado natural da mente é ficar em silêncio, vazio, aberto. Não existe nenhuma intenção! Se você pensa que precisa praticar silêncio, encontrar silêncio, manter silêncio, então você tem mal entendido. Tudo isto, o Universo inteiro, está acontecendo em Silêncio!

Não é nada sobre sair correndo para achar algum silêncio. É reconhecer o Silêncio que não pode ser perturbado aonde você se encontrar, independente da circunstância, da altura do ruído.

(...)

Toda esta conversa é somente para revelar o seu próprio Silêncio. E não leva tempo! Quando você estiver na frente de um espelho, ele não diz: ‘Olhe, estou ocupado neste exato instante, por favor, retorne em meia hora’. Tão poderoso é o espelho da inquirição que imediatamente você é visto! E então você saberá o Indescritível, o Sem Forma diretamente. Talvez você não consiga se expressar sobre, mas seu sofrimento termina. Seus medos acabam. Você conquistou a morte deles mesmos!

Muitos de vocês estão tão próximos da descoberta, mas criam desculpas e fogem, com medo de queimarem o último apego do ‘eu’. A oportunidade é encará-la, senti-la e ver que você é o Intocável.”

(...)

“Condicionamentos ocorre na área onde o condicionamento pode ocorrer. Mas há um lugar onde o condicionamento não pode ocorrer: de cuja presença do condicionamento, o efeito do condicionamento, e o jogo do condicionamento é observado. Você é Aquele que Vê. Você é aquele que Testemunha passivamente. Você não é a parte ativa. O que você realmente é não está interessado em condicionamentos. De fato, finalmente, você sequer sabe qualquer coisa sobre condicionamento!”

(...)

“Sentir travado, parado, estagnado é simplesmente um pensamento em que se acredita nele.

Remova a crença e a estagnação desaparece.

Se um espaço for mantido na escuridão por milhares de anos,

Quando a janela se abrir –

Levará milhares de anos para a escuridão desaparecer?

Da mesma forma, em um instante, a Luz da Verdade expele a escuridão da ignorância.”

(...)

“Talvez você experimente um vislumbre, um tremor, mas isso não irá estabilizar, porque você mantém conceitos de quem você pensa que é e acredita ser na sua mente.

Meu sentimento é, retorne ao seu país livre. Seja o que você trouxer aqui com você, deixe. O fogo sagrado de Arunachala é um bom lugar para queimar tudo. Volte para casa vazio. Este será o melhor presente para sua nação, sua família, seus amigos. Leve seu passaporte, mas você, se mantém vazio.”

(...)

“Você está imaginando que tem estudado e

o que está dentro de sua cabeça é o que você sabe.

Mas é somente o que você pensa.

Apenas o que é confirmado dentro do seu Coração

É o real Conhecimento,

E o mais alto conhecimento e experiência é:

‘Eu Sou nada’.”

(...)

“Caminhe pela luz do seu Coração.

O fluxo de cada rio é único.

Eu estou além do rio e do fluxo.

Eu sou a Consciência Livre (Sem Fronteiras).”





(Agradeço ao meu amigo Márcio Alexandre por ter me enviado este precioso texto já traduzido)

Nota do Márcio: Traduzido do livro Breath of The Absolute, The Manifest And Unmanifest Are One. (perdão pelas incorreções)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O que Houve com Freud após sua Morte?




Por Dr. Fernando Salvino - Parapsicólogo Clínico



Este texto é uma ficção. Perguntei a minha esposa: que aconteceria com a Psicanálise se Freud tivesse uma única experiência fora do corpo? Ele é baseado nas evidências clínicas nas induções de Retrocognições (Terapia de Vidas Passadas) em pacientes, dentro de uma contexto da Parapsicologia Clínica e nas minhas investigações pessois dentro da paranormalidade.

O que aconteceu com Freud depois que ele morreu?

A Psicanálise, uma das maiores forças da Psicoterapia [se é que podemos chamá-la assim] no mundo, sendo a área da teoria e prática em psicoterapia que mais aprofunda as questões da sexualidade, aprofundando a interpretação dos sonhos a partir de um ponto de vista não abordado por outros campos como o Parapsicológico e afins, chegou no seu ponto de lacuna. Sigmund Freud, seu criador, afirmara, em outras palavras que se deperava com um campo em que nunca tivera uma única experiência que pudesse dar um rumo mais coerente nas investigações dos sonhos típicos, especialmente os sonhos de vôo, queda e outros, como os sonhos lúcidos, assim como as experiências fora do corpo [projeções conscientes]. Freud só irá compreender esta lacuna no momento em que recebe a injeção de morfina, que motivou sua eutanásia.

Freud passara uma vida de dedicação a Psicanálise, tendo completado sua tarefa de vida de forma magistral. Mudou o mundo e pode ser comparado a Copernico, Galileu e Newton, Einstein. Acontece que algo ocorre com Freud quando ele morre de câncer aos 83 anos de idade, por uma suposta overdose de morfina [autanásia], devido as fortes dores associadas ao câncer. Quando Freud recebe a dose de morfina algo ocorre com ele.

O médico chega com a dose e injeta em Freud. Seu corpo começa a amortecer completamente, num formigamento global. Sua consciência se altera de forma brusca. Seu corpo começa a estremecer. Uma energia toma conta de todo corpo numa forma de vibração potente que o arranca para fora do corpo. Sua consciência gira em espirais para cima de seu corpo, deitado na cama do hospital. Quando ele percebe sua condição, ele se percebe flutuando acima de seu corpo, dado como morto. Freud se surpreende quando vê a si mesmo, deitado na cama e ao mesmo tempo, se percebe flutuando, vivo acima do corpo.

Freud olha ao seu lado e vê seu amigo, Josef Breuer lhe dar as boas vindas. Breuer lhe falou:

- Freud, os Metapsiquistas tinham razão. A psiqué sobrevive a morte. Erramos. Eis agora nossa tarefa meu amigo.

- Breuer, agora compreendo o que nunca compreendi, pois me faltava a experiência. Apesar de ler em Carrignton, nada me convencia, pois a experiência me faltava. Agora estou convencido de que eu sobrevivo, e de que eu não sou aquele corpo. E se eu sobrevivo, será que poderei retornar a outro corpo, retornar a vida humana, para reparar meu grave erro?

Breuer responde:

- Sim Freud. O tempo aqui não existe como compreendemos. Aqui os estudos são doutro nível e alcançaremos outros patamares de compreensão da psiqué e da vida psíquica. Venha comigo e te levarei a outro lugar.

Neste instante, Freud se despede mentalmente de seus familiares todos envolvidos com seu funeral e segue aos cuidados de Breuer para onde estaria lhe encaminhando. Breuer levou Freud para um campo aberto cuja existência se dava no espaço, longe das imediações da crosta da terrestre. Freud aparentava mais novo, não sentia mais dores ou manifestava qualquer ligação com as antigas idéias que defendeu e com o Planeta. Freud estava experimentando a vida extrafísica e espiritual pura. As pessoas eram pacíficas, fraternas e amorosas, num nivel de serenidade quase absoluta, tendo recebido Freud de forma muito amiga e acolhedora. Breuer se separa de Freud, este permanecendo neste local para começar a frequentar sessões de análise de seu processo evolutivo.

Um espírito anônimo o recebe em alto nivel de intimidade. Apresenta-se como seu amparador evolutivo, a pessoa que estava sob a responsabilidade de orienta-lo na tarefa de levar a Psicanálise para a Terra. Afirmou que sua tarefa foi completada e que dentro de todas as limitações dadas pelo momento histórico, conseguiu realizar sua missão de vida. Apesar do êxito, alguns traços de sua personalidade o impediram de aprofundar sua tarefa e avançar. O amparador afirma que Freud teria acabado por criar uma nova religião, o que não era sua tarefa. Freud ficou um tempo relativamente grande com este espírito, compreendendo-se a fundo e a suas experiências de vidas passadas. Começou com isto, a planejar sua próxima vida. E o amparador disse a ele:

- Freud, apesar de tudo, terás de recomeçar novamente a partir de experiência do Édipo. Terás de diferenciar-se da mãe, do pai, para que possas se libertar da ação potente destas pessoas. O pai e a mãe serão pessoas que tem questões pendentes a superar. O que tornará o Édipo mais potente e teu desafio mais intenso. A tua tarefa de vida depende da resolução bem feita deste Édipo. Encontrarás tuas proprias idéias e defenderá com fervor. Mas terá de transcender e questiona-las, para reformular e expandir para os campos cósmicos da existência, dando valor aos pensamentos cosmoficantes. Poderás se envolver com Medicina, Psiquiatria ou mesmo Psicologia, Parapsicologia e áreas afins. As coisas evoluiram na Terra. Hoje terás muitas opções. Mas os desafios serão maiores. Muitos gênios estão lá, então serás mais um. Enfrentarás tua vaidade e narcisicmo num nivel agudo, e se superar isto, poderá contruibuir com a evolução noutro nivel.

Freud fica pensando a respeito e analisa as condições ofertadas pelo amparador. Realiza suas conclusões e começa a elaborar seu projeto, ambos juntos. Vai conhecer os pais. E começa a ver o país que irá renascer. Em dado momento, começa a densificar-se, tornando mais energético, magnético e se aproxima do pai e da mãe, que já pensam em engravidar.

Numa bela noite, os pais, voltando de uma festa, vão para o quarto e fazem amor. No momento exato do orgasmo do pai, um jato de espermatozóides invade o canal da mãe e atinge o óvulo que imediatamente é fecundado. No momento exato da fecundação, um campo biomagnético é gerado pela aproximação do corpo psíquico de Freud aos corpos físicos do pai e da mãe. Um cordão magnético se forma e se une ao processo da embriogênese, impulsionando a formação fetal e ao corpo do feto. Freud terá o nome de Chang Yang, e está na China. Seus pais, Lee Yang e Yu Yang. Provincia de Wu. Ano 1952, dia 4 de março. Renasce Freud. Seu pai, pertence ao Budismo. Sua mãe, era gueixa e foi capturada de Beijin pelo pai e levada para Wu.



Extraído de:
http://fernandosalvino.blogspot.com/

terça-feira, 30 de março de 2010

Epiteto



"O que perturba os homens não são as coisas, mas os juizos que os homens formulam sobre as coisas. A morte, por exemplo, nada é de temível - e Sócrates, quando dele a morte se foi aproximando, de maneira nenhuma se apresentou a morte como algo tremendamente terrível.

Mas no juizo que fazemos da morte, considerando-a temível, é que reside o aspecto terrível da morte. Quando somos hostilizados, contrariados, perturbados, atormentados e magoados, não devemos sacar as culpas a outrem, mas a nós próprios, isto é. aos nossos juízos pessoais e mais íntimos.

Acusar os outros das suas infelicidades é mera ação de um ignorante; responsabilizar-se a si próprio por todas as contrariedades é coisa de um homem que começa a instruir-se; e não culpabilizar ninguém nem tão pouco a si próprio, então, sim, é feito de um homem perfeitamente instruído."


(Epiteto, in Manual)

quarta-feira, 24 de março de 2010

O fim do site Rizoma.net


É uma pena, mas somente hoje percebi que o site Rizoma.net saiu do ar.

Anárquico, vanguardista, provocador, inteligente. O Rizoma foi um marco na cibercultura, divulgando, produzindo ou traduzindo textos, entrevistas, matérias e reflexões libertárias e extremamente inovadoras.

Transgressor e sofisticado, inimigo da vulgaridade e do neo-fascismo jeca que assola o momentum pos-moderno, o Rizoma trafegava/traficava tranquilamente nas fronteiras da arte, filosofia, antropologia, psicanálise ou qualquer outra manifestação da vida, sempre em busca de novos paradigmas, rompendo limites.

No Rizoma pude ler e conhecer mais um pouco do Situacionismo ou das vanguardas punks ou ciber-punks, ou do pensamento anarquista-místico de Hakim Bey, só para ficar nos exemplos mais conhecidos.

Desde o falecimento de seu criador, Ricardo Rosas, o Rizoma vinha passando por mudanças.

No entanto, seu acervo não se perdeu. Parece que o pessoal que continuou a obra do Ricardo está disponibilizando acesso livre, para download, de todo o precioso material publicado.

Altamente recomendado para todos aqueles que se interessam por arte, vanguardas, filosofia, antropologia, anarquismo....

Confira nos links abaixo:




Nota: mudei o endereçamento do link do Rizoma, na figura dos sites recomendados aqui do Blog, remetendo diretamente para o link acima.

domingo, 21 de março de 2010

As estranhas experiências de Robert Monroe (3)


INFINITO, ETERNIDADE

Por: Robert Monroe



A melhor apresentação do Local II é sugerir uma sala com um cartaz acima da porta dizendo: "por favor, verifique todos os conceitos sobre o físico aqui". Se acostumar-se à idéia de um Segundo Corpo foi experiência árdua, o Local II poderá ser mais difícil de aceitar. Certamente produzirá efeitos emocionais à medida que avulte diante daquilo que sempre aceitamos como realidade. E o que é mais: muitas de nossas doutrinas religiosas e suas interpretações tornam-se abertas ao questionamento.



Basta dizer que apenas pequena porção das visitas ao Local II através do Segundo Corpo forneceu dados evidenciais, já que essas visitas por si mesmas não levam facilmente a comprovações. Sendo assim, muito do material sobre o Local II é cautelosa extrapolação. No entanto, várias centenas de experimentos nessa área específica apresentaram consistência decisiva. Se A mais B é igual a C sessenta e três vezes, existe alto índice de probabilidade de que A mais B será igual a C a sexagésima quarta vez.



Postulado: o Local II é um ambiente não-material com leis de movimento e matéria apenas remotamente relacionadas com o mundo físico. É imensidade cujas fronteiras são desconhecidas (ao experimentador), e tem profundidade e dimensão incompreensíveis para a mente finita, consciente. Nessa vastidão jazem todos os aspectos que atribuímos a céu e inferno (veja capítulo 8), que não passam de parte do Local lI. É habitado, se é esse o termo, por entidades com vários graus de inteligência, e com quem é possível a comunicação.



Como se viu em análise porcentual num dos últimos capítulos, as regras fundamentais são alteradas no Local lI: o tempo não existe pelos padrões do mundo físico. Existe, sim, uma seqüência de acontecimentos, um passado e um futuro, mas nenhuma divisão cíclica. Ambos continuam a existir coincidentemente com o "agora". Medidas, desde microssegundos até milênios, são inúteis. Outras medidas podem representar esses fatores em cálculos abstratos, mas sem uma garantia. Leis de conservação da energia, teorias de campos de força, mecânica ondulatória, gravidade, estrutura da matéria, todas aguardam comprovação pelos mais versados no assunto.



Suplantando tudo surge uma lei principal. É o Local II um estado, um modo de ser onde aquilo que rotulamos de pensamento é a mola-mestra da existência. É a força criativa vital que produz energia, agrupa "matéria" num formato, e fornece canais de percepção e comunicação. Suspeito que o próprio eu ou alma, no Local II nada mais é do que um vórtice ou uma deformação organizada nessa regra fundamental. O que você pensa é o que você é.



Em tal ambiente não se encontram aparatos mecânicos, nenhum automóvel, barco, avião ou foguete é necessário para o transporte. Você pensa em movimento e ele existe. Nada de telefone, rádio, televisão e outros recursos de comunicação têm valor. A comunicação é instantânea. Nenhuma fazenda, jardim, rancho de criação, fábrica de beneficiamento ou mercado de varejo estão em evidência. Em todas as visitas experimentais não houve indicação da necessidade de energia alimentar. Como é substituída a energia, se for verdadeiramente despendida, não se sabe.



O "mero" pensamento é a força que supre qualquer necessidade ou desejo, e o que você pensa é a matriz de sua ação, situação e posição nessa realidade maior. Esta é essencialmente a mensagem que a religião e a filosofia têm procurado transmitir através dos séculos, embora talvez menos nebulosa e freqüentemente deturpada.

Um aspecto aprendido nessa atmosfera de pensamento explica muito; é o seguinte: Igual atrai igual.

Eu não sabia que existia essa regra funcionando tão especificamente. Até então fora para mim nada mais nada menos que uma abstração. Projete isso para fora e você começará a gozar das infinitas variações encontradas no Local II. Seu destino parece fixado completamente inserido na moldura das mais íntimas e constantes motivações, emoções e desejos. Você pode não querer "ir" até lá, mas não tem escolha. Sua "supermente" (alma?) é mais forte e geralmente toma as decisões por você. Igual atrai igual.



O aspecto interessante desse mundo (ou mundos) de pensamentos do Local II é que se percebe o que parece matéria sólida, bem como artefatos comuns ao mundo físico. São trazidos à "existência", logicamente, por três fontes. Primeira: são produto do pensamento daqueles que certa vez viveram no mundo físico, cujos padrões persistem: Isso se efetua quase automaticamente, sem intenção proposital. Segunda fonte: são aqueles que gostaram de certas coisas materiais no mundo físico, as quais recriaram aparentemente para valorizar seu meio-ambiente no Local II. A terceira fonte presumo seja uma ordem mais elevada de seres inteligentes mais cônscia do meio-ambiente do Local II do que a maioria dos habitantes .. Seu objetivo parece o de simular o ambiente físico temporariamente, pelo menos para benefício dos que emergem naquele momento do mundo físico, após a "morte". Isso é feito para reduzir o trauma e o choque dos "recém-chegados" pela apresentação de figuras e ambientes, a eles familiares, nos primeiros estágios de entendimento.



A esta altura pode-se começar a entender o relacionamento do Segundo Corpo com o Local II. Este é o meio-ambiente natural do Segundo Corpo. Os princípios envolvidos em sua ação, composição, percepção e em seu controle correspondem todos aos do Local II. Foi por isso, então, que a maioria das tentativas de viagens experimentais me levou involuntariamente a algum ponto no Local II. Basicamente, o Segundo Corpo não é deste mundo físico. Aplicá-lo para visitar a casa de fulano ou outra destinação física é como pedir a um mergulhador para descer até o fundo do oceano sem aparelhagem ou traje de mergulho. Ele poderá fazê-lo, mas não durante muito tempo, e não por muitas vezes. Por outro lado, ele pode caminhar um quilômetro diariamente até o trabalho sem efeitos secundários. Logo, viajar para certos lugares do mundo físico é um: processo "forçado" no estado do Segundo Corpo. Recebendo a oportunidade para a mais leve relaxação mental, a supermente o guiará, no seu Segundo Corpo, até o Local II. Este é o ato "natural".



Nosso conceito tradicional de lugar sofre duramente quando aplicado ao Local II. Parece interpenetrar em nosso mundo físico, porém estende fronteiras sem limites além da compreensão. Têm surgido muitas teorias na literatura, através dos tempos, quanto ao "onde", mas poucas inspiram a moderna mente científica.



Todas as visitas experimentais a essa área pouco ajudaram na formulação de teoria mais aceitável. A melhor é o conceito de vibrações de ondas, que presume a existência de uma infinidade de mundos, todos operando em seqüências diferentes, uma das quais é este mundo físico. Assim como diversas freqüências de ondas no espectro eletromagnético podem simultaneamente ocupar espaço com um mínimo de interação, também o mundo ou mundos do Local II se podem dispersar pelo nosso mundo de matéria física. A não ser por condições raras ou invulgares, nossos sentidos "naturais" e nossos instrumentos, que são extensões deles, são totalmente incapazes de assimilar e relatar esse potencial. Se aceitarmos essa premissa, o "onde" é explicado minuciosamente. "Onde" é "aqui".



A história das ciências humanas reforça essa premissa. Não tínhamos sequer a idéia de que existiam sons além do alcance do ouvido humano até inventarmos instrumentos para detectá-los, medi-los e criá-los. Até época relativamente recente, aqueles que afirmavam poder escutar o que outros não conseguiam eram considerados loucos ou perseguidos como bruxas e feiticeiros. Entendíamos o espectro eletromagnético apenas em termos de calor e luz até o último século. Desconhecemos ainda a capacidade do cérebro humano, organismo eletroquímico, em termos de transmissão e recepção de radiação eletromagnética. Com esse vácuo não preenchido é fácil compreender por que a ciência moderna não começou a levar a sério a capacidade da mente humana em penetrar numa área onde nenhuma teoria séria já foi promulgada.



Há tanta coisa para relatar acerca do Local II que seria impraticável repetir citações diretamente das centenas de páginas de anotações. Visitas próximas ou longínquas ao Local II resumem a maior parte dos relatórios no decorrer dos capítulos subseqüentes. É a soma de experiências consistentes que pode deixar o padrão em evidência e apresentar perguntas a exigir respostas. Para cada fator conhecido pode haver um milhão de desconhecidos, mas pelo menos aqui existe um ponto de partida.



No Local II a realidade é composta dos mais profundos desejos e dos medos mais desvairados. Pensamento é ação, e nenhuma camada secreta de condicionamento ou inibição protegerá o seu âmago contra os outros, onde a honestidade é a melhor política, porque não pode ser de outra forma.



Pelos padrões básicos descritos acima, a existência é com certeza diferente. É essa diferença que gera os maiores problemas de adaptação, mesmo quando tentando visitar lá enquanto no Segundo Corpo. A tosca emoção tão cuidadosamente reprimida em nossa civilização física é desencadeada a plena força. Dizer que no princípio é esmagador seria gigantesca atenuação da verdade. Na vida consciente física tal estado seria considerado psicótico.



Minhas primeiras visitas ao Local II trouxeram à tona todos os padrões emocionais reprimidos que eu nem mesmo remotamente supunha ter, mais outros tantos que eu não sabia existirem. E dominaram de tal forma minhas ações que reagi completamente confuso e envergonhado diante de sua enormidade e de minha incapacidade para controlá-los. Medo era o tema dominante, medo do desconhecido, de seres estranhos (não físicos), da "morte", de Deus, do rompimento dos preconceitos, da descoberta, e da dor, para citar apenas alguns. Tais receios eram mais fortes do que o impulso sexual para a união, o qual, conforme relatado em algum outro ponto da obra, era por si só um tremendo obstáculo.



Um a um, dolorosa e laboriosamente, os incontroláveis padrões emocionais em explosão tiveram de ser "domados". Até se conseguir isso não foi possível nenhum pensamento racional. Sem consistência rigorosa, eles começam a retornar. A operação se assemelha a um lento aprendizado, desde a irracionalidade até o calmo e objetivo raciocínio. Uma criança aprende a ser "civilizada" durante seu crescimento na infância até o estado adulto. Desconfio que o mesmo acorra integralmente, de novo, na adaptação ao Local II. Se não acontece na vida física, torna-se fator primordial na morte.



Isso significa que as áreas do Local II "mais pr6ximas" do mundo físico (em freqüência vibratória?) são povoadas, na maior parte, por loucos ou quase loucos, seres impulsionados emocionalmente. Isso parece aplicar-se à maioria dos casos. Eles incluem os vivos, mas dormindo ou drogados, e usando seu Segundo Corpo; e muito provavelmente os "mortos", mas ainda impulsionados emocionalmente. Há provas em favor do primeiro caso, e o último parece provável.



Muito compreensivelmente, essa área próxima não é lugar de permanência agradável. É um nível ou plano ao qual você "pertence" até aprender mais. Não sei o que acontece àqueles que não aprendem. Talvez fiquem por ali eternamente. No instante em que você se dissocia do físico por meio do Segundo Corpo, coloca-se às margens dessa seção próxima do Local II. Aqui se encontram todas as espécies de personalidades desajustadas e seres animados. Se existe algum mecanismo protetor do neófito, para mim não ficou aparente. Somente através de experimentos cautelosos e às vezes aterradores fui capaz de aprender a arte ou truque de atravessar essa área. Ainda não estou precisamente seguro acerca de todos os itens desse processo de aprendizado, pois somente presenciei o óbvio. Seja qual for o processo, felizmente não tenho encontrado problemas nessas paragens há vários anos.



A parte os atormentadores e os diversos conflitos totais inseridos nos relatórios seguintes, a principal motivação desses habitantes vizinhos é a liberdade sexual sob todas as formas. Se considerados como produto de civilizações recentes, incluindo tanto os "vivos, porém dormindo" e os "mortos", é muito simples entender a necessidade de libertação da repressão dessa função básica. A chave da coisa está em que todos nessa seção próxima tentam praticar sexualidade em termos de corpo físico. Não há conscientização ou conhecimento do impulso sexual como ele se manifesta em partes mais distantes do Local II. Com o prolongado condicionamento de nossa própria sociedade, foi difícil evitar participação, às vezes, já que a reação era automática. Promissoramente, aprende-se a controlar tal fator.



Igual atrai igual.



Até hoje não observei o processo da morte em quaisquer experimentos. Contudo, a conclusão de que certa forma de existência no Local II imita atividade vital no mundo físico conhecido ultrapassa a conjectura.



Experiências semelhantes à seguinte, consistentes no seu conteúdo pelos últimos doze anos, podem ser explicadas por algum outro conceito. A esta altura nada mais se encaixa tão detalhadamente.



Certa ocasião eu acabara de deixar o físico quando senti necessidade urgente de ir 'a "algum lugar". Obedecendo à insistência, desloquei-me pelo que me pareceu distância curta e parei subitamente num quarto de dormir. Um menino estava deitado sozinho. Parecia ter dez ou doze anos, e aquela percepção íntima de identidade, agora familiar para mim, funcionava, ao invés de apenas "ver". O garoto, solitário e amedrontado, parecia doente. Fiquei perto dele algum tempo, tentando confortá-lo; finalmente parti quando se acalmou, prometendo voltar. Foi rotineira a viagem de retorno ao físico, e não tive noção de onde estivera.



Várias semanas depois deixei o físico e estava a ponto de concentrar-me num destino definido quando o mesmo garoto entrou em cena. Viu-me e se aproximou de mim. Espantado, mas não com medo.



Olhou-me e perguntou:



- Que é que faço agora?



Não consegui pensar numa resposta de imediato, por isso passei meu braço pelo seu ombro e dei-lhe um apertão carinhoso. Pensei: quem sou eu para instruir ou dar conselhos no que parecia um momento vital? O menino sentiu-se seguro com minha presença e descontraiu-se.



- Para onde irei? - perguntou, automaticamente.



Dei-lhe a única resposta que pareceu lógica para o momento.



Disse-lhe que aguardasse exatamente onde estava: que alguns amigos seus logo chegariam e o levariam para onde deveria ir.



Isso pareceu satisfazê-lo, e mantive meu braço em torno dele por algum tempo. Depois fiquei nervoso diante de um sinal do corpo físico, dei-lhe um tapinha no ombro e parti. Regressando ao físico descobri meu pescoço enrijecido devido a uma posição incômoda. Após endireitá-lo, tive êxito em reentrar no Segundo Corpo e procurar o garoto: ele se fora, pelo menos não consegui achá-lo.



Esclarecimento interessante: no dia seguinte os jornais traziam a história da morte de um menino de dez anos de idade após doença prolongada. Morrera à tarde, logo após o início de meu experimento. Tentei pensar em algum pretexto aceitável para abordar seus pais e obter uma confirmação, e talvez aliviar-lhes a dor, porém não achei saída.



Só quando você passou do estágio da "emoção irracional” é que penetra nos inúmeros, mas evidentemente organizados grupos de atividades do Local II. Impossível transmitir a outra pessoa a "realidade” dessa eternidade não física. Como muitos já declararam em séculos passados: deve-se fazer a experiência.



Mais importante ainda: em diversos lugares visitados, os habitantes "ainda" são humanos. Diferentes, num ambiente diverso, porém ainda com atributos humanos (compreensível).



Em certa visita fui parar num local parecido com um parque, onde havia flores, árvores e grama Cuidadosamente tratadas, lembrando muito uma alameda com trilhas cortando a área. Havia bancos ao longo dos caminhos, e centenas de homens e mulheres passeando ou sentados nos bancos. Alguns, bastante calmos, outros um tanto apreensivos, e muitos apresentavam um olhar desorientado, aturdido, chocado. Pareciam inseguros, não sabendo o que fazer ou o que iria acontecer em seguida.



De certa forma eu sabia ser um ponto de encontro, onde recém chegados esperavam por amigos ou parentes. Dessa Praça de Encontros tais amigos levariam cada novato ao devido lugar a que "pertencia". Não consegui achar outro motivo para demorar mais, não havia ali ninguém que eu conhecesse, por isso regressei ao físico sem incidentes.



Em outra oportunidade, deliberadamente saí em exploração, na esperança de encontrar uma resposta para trazer de volta. Após dissociar-me e entrar no Segundo Corpo, comecei a deslocar-me velozmente à medida que me concentrava no pensamento "desejo ir onde existam inteligências mais elevadas". Permaneci concentrado enquanto percorria rapidamente um vácuo parecendo interminável. Finalmente parei. Estava num vale estreito de aparência normal. Havia homens e mulheres usando túnicas escuras até a altura dos tornozelos. Dessa vez resolvi, por alguma razão, mudar de estratégia. Aproximei-me de várias mulheres, perguntando-lhes se sabiam quem eu era. Foram todas muito delicadas, tratando-me com grande respeito, mas suas respostas foram negativas. Afastei-me e fiz a mesma pergunta a um homem que usava bata de monge, o qual me pareceu assustadoramente conhecido:



- Sim, eu o conheço - replicou o homem.



Havia forte senso de compreensão e amizade na sua atitude. Perguntei-lhe se realmente sabia quem eu era. Olhou-me como se visse um velho amigo querido que agora sofresse de amnésia:

- Saberá - sorria gentilmente ao dizer isso.



Perguntei-lhe se sabia quem eu fora ultimamente. Tentava forçá-lo a dizer meu nome.



- Ultimamente foi um monge em Coshocton, Pensilvânia respondeu.



Comecei a ficar inquieto e saí me desculpando, regressando ao físico.



Recentemente um amigo meu, padre católico, teve o trabalho de investigar essa possibilidade de um monasticismo de vida pregressa. Para minha surpresa e contentamento existe um obscuro mosteiro perto de Coshocton. Ofereceu-se para levar-me até lá numa visita, mas não houve tempo (coragem?) ... Talvez algum dia ...



Poderia descrever muitas outras dessas experiências sem detalhar completamente os objetivos e dimensões do Local II. Houve visitas a um grupo aparentemente usando uniformes, e operando equipamento altamente técnico; identificava-se como "Exército do Alvo" (interpretação mental do que foi dito). Havia centenas deles, cada qual aguardando "missões". Seus objetivos não foram revelados.



Outra visita levou-me a uma bem organizada cidade, onde minha presença foi imediatamente interpretada como hostil. Só adotando ação evasiva, correndo, escondendo-me, e finalmente subindo direto, fui capaz de evitar a "captura". Não sei que ameaça eu significava para eles.



Com característica mais direta, o surgimento de ações muito agressivas tendeu a confirmar novamente que o Local II não é tão somente um lugar de serenidade e não conflito. Em mais uma viagem fui abordado por um homem vestido convencionalmente. Com cautela, aguardei para ver o que faria.



- Conhece ou lembra-se de Arrosio Le Franco? – perguntou-me abruptamente.



Respondi que não, ainda cuidadoso.



- Tenho certeza de que se recordará, se pensar no passado - disse o homem, com firmeza.



Havia nele uma atitude dominadora que me tornou nervoso.



Repliquei ter certeza de não me lembrar de ninguém com esse nome.

- Conhece alguém lá embaixo? - perguntou.



Eu acabara de explicar que não quando de súbito me senti vacilante, e então o homem segurou-me. Pegou um dos meus braços enquanto eu sentia mais alguém pegar o outro, e começaram a arrastar-me em direção ao que pareceram três fortes focos de luz. Lutei até desvencilhar-me, quando me lembrei do sinal de "ir-para-o-físico·. Mexi-me velozmente e, após curto prazo, achei-me de volta ao escritório e ao físico. Evidentemente, esperava, eu fora confundido com outrem.



Outra viagem, ainda, teve atributos "humanos". Eu chegara a um lugar em nada específico, apenas tudo cinza, e tentava resolver o que fazer, quando uma mulher se aproximou de mim.



- Sou da igreja... e estou aqui para ajudá-lo - falou calmamente.



Chegou mais perto, e imediatamente senti a sexualidade latente porém me detive, pois achava que a igreja. .. não pensava nesse tipo de ajuda. Enganei-me.



Após um instante agradeci-lhe e me virei para ver um homem de pé ali perto, vigiando.



"Falou" com voz forte, pesada de sarcasmo:



- Então, agora já está pronto para aprender os segredos do universo?



Disfarcei minha vergonha perguntando quem era.



- Albert Mather! - quase berrou. Também tive a impressão de que me chamava por esse nome.

- Espero que esteja preparado - prosseguiu, elevando a voz com raiva - porque ninguém se deu ao trabalho de me contar quando eu estava lá.



Não ouvi o resto. Foi como se houvesse interferência estática de um rugido. Afastei-me, sem saber ao certo como sua raiva iria desabafar, e retornei ao físico rotineiramente. Verificando depois, não descobri registro histórico significativo a respeito de Albert Mather (com "a" longo), que parece não ter relação com o sacerdote Cotton Mather, do século dezoito.



Outras experiências no Local II foram mais amistosas, conforme indicamos em outros pontos desta obra. Na maioria não há padrão discernível para o que me atraiu até algumas das estranhas situações. Talvez isto surja eventualmente.



Duas invulgares ocorrências repetidas devem ser acrescentadas aos acontecimentos nessa área. Certo número de vezes o movimento de viagem, geralmente rápido e suave, foi interrompido pelo que se assemelhava a uma forte rajada de vento, parecida com um furacão, no espaço através do qual nos deslocamos. É como se fôssemos empurrados para longe por essa força incontrolável, jogados pelos cantos à revelia, como uma folha num temporal. Impossível alguém mover-se contra essa torrente ou fazer qualquer coisa além de deixar-se carregar. Finalmente se é cuspido para a margem da corrente, depois se cai fora, ileso. Não há nada que identifique isso, mas parece de criação natural, ao invés de artificial.



A segunda ocorrência é o sinal no céu. Observei isso em cinco ou seis ocasiões quando escoltado pelos "auxiliadores". É uma série inacreditável de símbolos toscos pendurados em arco diretamente através de uma seção do Local II. Quando em movimento pela área, todo mundo tem de rodear essa barreira, pois é sólida, irremovível, imutável.



Os símbolos, pelo melhor que minha "visão" pôde estabelecer, eram toscos, ilustrações semelhantes a colagens de um homem, uma mulher idosa, uma casa, e o que pareciam equações algébricas. Foi com um dos "auxiliadores" que aprendi a história do sinal. Contou-me com certo humor, quase apologeticamente.



Parece que há um tempo atrás quase infinito uma mulher muito rica (por que padrões não se sabe) e poderosa quis certificar-se de que seu filho iria para o céu. Uma igreja ofereceu-lhe essa garantia desde que a mulher lhe desse enorme soma de dinheiro (sic). Ela pagou à igreja, mas o filho não entrou no céu. De raiva e por vingança a mãe empregou tudo que lhe sobrara em dinheiro e poder para mandar colocar o sinal nos céus para que, por toda a eternidade, todos soubessem da desonestidade e patifaria da igreja.



Foi um trabalho bem feito. Os nomes da mulher, de seu filho e da igreja perderam-se no tempo. Mas o sinal permanece, intocável aos esforços dos cientistas, através dos tempos, para reduzi-lo ou destruí-lo. A origem da desculpa e do ligeiro constrangimento não é a perfídia de alguma seita obscura, mas a incapacidade de todos em retirar o sinal! Como resultado, todos os estudos científicos nesta parte do Local II devem necessariamente incluí-lo. Seria quase a mesma coisa se alguém criasse artificialmente um elemento entre cobalto e cobre. Se você estudasse química teria, por necessidade, de incluir esse elemento "esquisito". Ou se uma gigantesca lua artificial fosse criada, e estivesse além de nossa ciência o trazê-la para baixo, estudantes de astronomia incluiriam isso em suas aulas como fato corriqueiro.



Essa é a história conforme me foi contada.



A maior dificuldade é a incapacidade da mente consciente, treinada e condicionada num mundo físico, aceitar a existência desse infinito Local lI. Nossas jovens ciências mentais ocidentais tendem a negar sua existência. Nossas religiões o afirmam numa abstração ampla, distorcida. As ciências aceitas contradizem tal possibilidade) mas não encontram provas confirmatórias através de seus instrumentos de pesquisa e mensuração.



Acima de tudo há a Barreira. Por que existe, não é do real conhecimento de alguém, pelo menos no mundo ocidental. É a mesma tela que se abaixa quando você acorda do sono, apagando seu último sonho, ou a lembrança de sua visita ao Local II. Não quero dizer que obrigatoriamente todo sonho é produto de uma visita ao Local lI. Mas alguns deles bem podem ser a configuração de experiências nesse terreno.



A configuração, simbolização da experiência no Local lI, não faz necessariamente parte da Barreira. Ao contrário, parece ser o esforço do consciente para interpretar eventos superconscientes no Local II que estão acima de sua capacidade de compreender ou definir. A observação por meio do Segundo Corpo no· Local II (aqui-agora) provou que as funções e ações mais comuns eram sujeitas a má interpretação, especialmente quando observadas fora do contexto. O Local lI, ambiente totalmente desconhecido do consciente, oferece essa margem tão maior de erro interpretativo.



Como se pode deduzir, desconfio que muitos, a maioria, ou todos os seres humanos visitam o Local II em algum momento durante o sono. Por que tais visitas são necessárias, não sei. Talvez um dia nossas ciências vitais desvendem esses conhecimentos, e nova era nascerá para a humanidade. Com ela virá uma ciência inteiramente inédita, baseada nos dados sobre o· Local II e nosso relacionamento com esse mundo maravilhoso.



Algum dia. Se a humanidade conseguir agüentar até lá.





(Extraído do livro de Robert Monroe, "Viagens Fora do Corpo" - cap. V.)