I) Texto de Shaka:
"Vamos por partes.
Por que começar com o fazer? Porque ele é que importa, porque a vida é Cotidiano, porque a vida somos nós em relação com o mundo. E isso é Fazer.
Eduardo Coutinho faz, Dalai Lama faz, Ghandi fez, Martin Luther King fez, Lennon fez, cada um do seu jeito, cada um com seu talento. Minha mãe fez, e não a nada dela impresso, gravado, filmado, fotografado. Alguém, agora mesmo, em alguma cozinha faz. Fazem o que? Fizeram o que? Com seus talentos? Coutinho com seu talento pra fazer filmes, Lennon de fazer música/poesia, Martin Luther King de falar, minha mãe de amar? Transformaram a vida, que é Cotidiano, que é fazer, deles e de outros. Essa não é uma responsabilidade só deles é de todos.
Mas meu talento não é amar como minha mãe, não é cozinhar como meu pai ou minha sogra, não é fazer filmes, não é escrever, não e cantar nem dançar (embora sonhasse desde pequena em ser bailarina, não sonham isso todas as meninas?). O que eu sei fazer? Sei indignar-me, sentir raiva, polemizar. O que é um incomodo, um tormento, uma caco de vidro no pé, que me impede de seguir em frente. Mas, posso transformar isso em algo produtivo, será que não? Será que não posso transformar isso em algum fazer que resulte numa transformação?
Não sou budista, não sou Iogue, não nasci na Índia. Todas as tentativas de me aproximar desse “outro” (se é que existe um outro?) foram inúteis. Nasci no Ocidente, na periferia do mundo, é certo, mas no Ocidente. Na juventude li V de Vingança, Watchman, Asilo Arkham. Ouvi Rage Against the Machine, O Rappa. Filmes que gosto: Matrix, Clube da luta, V de Vingança. Essas são minhas referências culturais.
Admiro a sensibilidade poética de Walter Benjamim, mas a ironia azeda de Marx é o que me seduz. Admiro a paciência e a paz de Dalai Lama, mas é a força de Fidel que me seduz. Admiro a retórica séria e comprometida de Said e Barenboim, mas é a raiva do Hamas que me seduz. Essa sou eu. E não posso apenas sentar em casa cheia desse veneno e não colocá-lo em ação. Não é a violência uma forma de amor represada? Não pode ela também fazer? Lenin não fez o mundo, Fidel não fez o mundo?
A Teoria
Por que só agora a teoria? Porque aquilo que sou define os instrumentos que uso, assim como aquilo que sou dá o tom do meu Fazer. Se é o veneno de Marx que me seduz, com ele fico. Mas para me fazer entender melhor, e para mostrar que com “tudo que é sólido desmancha no ar” Marx descreveu a lógica desse grande Leviathã, vou usar Jameson. Vale lembrar que o texto de onde tirei o excerto está cheio de pontos polêmicos e não diz respeito à teoria marxista, mas a possibilidade de uma teoria do vídeo e o vídeo experimental como forma ideal de expressão num mundo onde “tudo que é sólido desmancha no ar”.
“Era uma vez uma coisa chamada signo que, quando apareceu, na madrugada do capitalismo e da sociedade afluente, parecia relacionar-se, sem nenhum problema, com o seu referente. Esse apogeu inicial do signo – momento da linguagem referencial, ou literal, ou das asserções não-problemáticas do assim chamado discurso científico – deu-se por causa da dissolução corrosiva das formas mais antigas da linguagem mágica por uma força que chamaria de reificação, uma força cuja lógica é a da separação violenta e da disjunção, da especialização e da racionalização, de uma divisão do trabalho taylorista em todos os domínios. Infelizmente, essa força – que fez surgir a referencialidade tradicional- segue adiante, sem se deter por nada, já que é a própria lógica do capital. Então, esse primeiro momento de decodificação ou de realismo não pôde durar muito tempo; por uma inversão dialética, ele mesmo se tornou, por sua vez, objeto da força corrosiva da reificação, que entra no domínio da linguagem para separar o signo do referente. Essa disjunção não abole completamente o referente, ou o mundo objetivo ou realidade, que ainda tem uma existência esmaecida no horizonte, como uma estrela diminuída ou um aviãozinho vermelho. Mas sua grande distância do signo permite que este viva o momento de autonomia, de uma existência relativamente livre e utópica, se comparado com seus antigos objetos. Essa autonomia da cultura, essa semi-autonomia da linguagem, é o momento do modernismo e do domínio do espírito que reduplica o mundo sem ser totalmente parte dele, desse modo adquirindo certo poder negativo ou crítico, mas também uma certa futilidade de outro mundo. Mas a força da reificação que fora responsável por esse novo momento tampouco para aí: em outro estágio, potencializada, em uma espécie de reversão da quantidade pela qualidade, a reificação penetra o próprio signo e separa o significante do significado. Agora a referência e a realidade desaparecem de vez, e o próprio conteúdo – o significado – é problematizado. Resta-nos o puro jogo aleatório dos significantes que nós chamamos de pós-modernismo...”[1]
Gosto de pensar esse excerto não exatamente como o próprio autor coloca, como momentos distintos, sendo o último a característica do “capitalismo tardio”. Gosto de pensá-lo como imagem da “Máquina do mundo”. Vamos citar jholland:
“Enquanto isso, como você bem disse, a história segue, pessoas nascem, são felizes, infelizes, amam, odeiam, assumem o poder, perdem o poder, fazem guerras, morrem etc etc., enfim, infinitas coisas ‘DE N FORMAS DIFERENTES’ acontecem, transmutam-se, modificam-se. A história segue, mas a teoria não acompanha isso. Perde a singularidade. As pessoas estão vivendo, nascendo, amando, se relacionando e morrendo de "n" formas diferentes, porém tudo é uma manifestação do mesmo fetichismo da mercadoria, nada de essencial mudou etc etc”.[2]
De fato, a “história segue”, inclusive de forma mais rápida. Nesse sentido podemos dizer que o capitalismo livrou o homem dos “grilhões da tradição” e, assim, possibilitou a criação constante do novo. Vejamos: a reificação, ou a perda de referências – no pré-capitalismo eram os mitos criadores, no capitalismo nascente o cientificismo e o positivismo -, o”tudo que é sólido desmancha no ar” é o que possibilita a criação do novo! Essa é o grande paradoxo do capitalismo, ai reside sua fraqueza (aposta de Marx), mas também sua força. Por que também sua força? Porque se ele abre o sistema para a criação do novo, aliás, melhor seria dizer que ele depende da criação do novo, ele também, justamente por conta dessa dependência, o engloba, volta a reificá-lo. Assim a teoria não ignora isso, como afirma jholland, pelo contrário admite que a “história segue”. O problema e o que sistema, com sua força reificadora , também “ segue adiante, sem se deter por nada, já que é a própria lógica do capital”. Ignorar isso é perigoso: Che virou camiseta, Ghandi virou filme de Hollywood, o Situacionismo virou espetáculo. Essa é a grande força do capitalismo e precisamos estar vigilantes. Estar vigilantes não é ser fascista.
No entanto podemos voltar a pensar com Marx e inverter a equação:, se a reificação é a grande força do capitalismo, é também seu carrasco, pois tudo pode sempre ser novo! Por isso afirmei que a mudança pode vir sim, como um vírus, como uma doença, do seio do capitalismo, por que ele é aberto por natureza, ele exige essa abertura.
Daí decorrerá inúmeras questões interessantes, que podem vir da fusão de teorias que são completamente dispares e que já foram discutidas aqui nesse blog – como a liminaridade de Victor Turner, a deriva de Debord e Lefebvre, a sociologia das emoções etc. -, mas que prefiro deixar para uma discussão em outro post.
“Pensar contra si mesmo”
Por que pensar contra si mesmo? Porque se sou aquela descrita na primeira parte do texto, é claro que dentro de mim borbulham contradições. E se, como a raiva, isso é um incomodo, um caco de vidro que não me deixa seguir adiante, pode também ser bom se aprender a “pensar contra mim”.
Não só para deleitar opositores, mas também pra deixar claro que quem escreve nunca está cheio de certezas, deixo aqui uma provocação.Penso – inspirada por Rancière[3] – que se as teorias (o autor fala na verdade em vanguardas estéticas) não só criam uma ficção do real (ficção necessária, não no sentido de simulacro), criam também o que ele chama de “hetero-topias”, que voltam ao “real” (que seria interessante encarar aqui como a vida cotidiana) transformando-o.Enfim, se as teorias voltam ao real, então, de fato, devemos assumir a responsabilidade quando colocamos no papel a força reificadora do capital, porque podemos com isso ajudar a construí-la... será?
[1] JAMESON, FREDERIC. “Surrealismo sem inconsciente”. In: Pós-modernismo: a lógica do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996, p. 117-118.
[2] http://diacrianos.blogspot.com/2008/04/marxismo-idealista.html - comentário postado em 22 de abril de 2008, às 16:05.
[3] RANCIÉRE, JACQUES. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34."
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Chegamos, então ao texto de Lyotard, assunto já bastante debatido e ilustrado por inúmeras postagens neste mesmo Blog. Não é assunto tão novo esse da autonomização dos signos etc. É a Sociedade do Espetáculo, também brilhantemente analisada por Deleuze, Baudrillard (A Sociedade de Consumo, entre outros) entre outros autores (inclusive Simmel e Weber).
OBS: aqui Shaka insere um comentário, que coloquei logo abaixo - Comentário "A"
Mas eis que, nesse nível (a alienação e suas origens; o dominio do conceito, do simulacro; a cisão pensamento-ação etc etc), o que havia dito é que, em absoluto, essa constatação não é nova, tendo sido já examinada pelos antigos gregos, (e até por índios que tomaram contato com brancos) e, bem antes deles, pela filosofia indiana, há mais de 2.500 anos atrás ! Uma questão antiga e objeto de inúmeras, profundas e essenciais reflexões e, sobretudo, vivências.
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COMENTÁRIO "A" DE SHAKA:
Se alienação não é coisa nova, não há como negar que ganhou outras cores. Se algum tipo de cisão sempre intrigou outras sociedades e filosofias - cisão entre corpor e alma, entre agir e pensar, entre sentir e falar, o que seja - a cisão aqui ganha função institucionalizante. Mudanças sempre houveram, talvez movidas por essas inquietantes cisões, o fato que essas mudanças trouxeram também mudanças nas formas de viver, nas formas cotidianas e nas mentalidades. Sempre houve história, nesse sentido. Mas quando essa alienação passa a ser engrenagem do sistema, bem como suas contestações, quero dizer, quando o sistema faz das mudanças suas engrenagens, ora essa é uma forma peculiar de alienação, posta para funcionar de diferntes formas e de diferentes intensidades. Repito, não assumir essa peculiaridade é perigoso.
A sim, ela tem a ver com as formas específicas que alienação ganhou no capitalismo pois é ela que nos escraviza e ela que vem cada vez mais paralizando nossas vidas, nos tornando engrenagens numa "máquina do mundo". O consumo, a paranóia, a anorexia, a depressão, são sintomas típicos dessa nossa alienação, desse nosso tempo. Negar isso é negar que somos históricos.
COMENTÁRIO "D" DE SHAKA:
Engraçado, você fala que o marxismo é a-histórico, mas propõe uam teoria da ailenação que mais universalizante. Isso eu não entendo, por favor, explique se estiver errada.
COMENTÁRIO "E" DE SHAKA:
Para finalizar pergunto, o que é o pensar, o agir, o existir, o sentir, e o viver. Se não são TUDO a vida, são esferas autonômas que não se conversam?
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VI - Novos comentários de jholland:
Primeiro, abro um parênteses:
(Novamente, vejo uma confusão de "níveis": há um nível mais profundo, que diz respeito à eliminação da alienação como um todo; outro nível, diz respeito às transformações econômicas, políticas - as manifestações no mundo "históricas" etc. Essa confusão foi provocada, no mundo moderno (não como origem dessa idéia, mas como propagação ideológica dominante),pelo iluminismo, incluindo aqui alguns de seus filhos, tais como o hegelianismo e o marxismo. Hegel tentou refundar uma cosmologia, um sistema holístico (recuperação do sentido da existência, uma totalização), por meio da razão (tomada aqui no sentido mais estrito, racionalidade, formulada no âmbito do pensamento). Marx degradou ainda mais esse equívoco, tentando formular uma cosmologia por meio da transformação material (portanto a partir de uma interpretação PENSADA - e uma vivência a partir dela - do mundo). Diria que o paradigma Ocidental repousa grandemente nessa identificação que, internamente, (no nível psíquico, se voce preferir) diz respeito à identificação do pensamento com o existir (note bem: IDENTIFICAÇÃO); e do Ego como instância privilegiada onde esse existir é "formulado" (vontades egóicas, deSejos egóicos, identificações egóicas, identidades egóicos etc). Portanto, nesse nível de indagação ("Como acabarmos como a alienação?" - tomada como um todo), há um equívoco fundamental na abordagem. Podemos, como disse, modificar os modos e formas de hierarquia, de relações de poder, de desigualdade etc. Porém, enquanto essa cisão mais fundamental persistir, não há "liberação" profunda, apenas modificações de forma - de poder, de hierarquia etc - como disse acima.)
Fecho parênteses.
Respondendo à sua pergunta:
1) a sua pergunta (se a impermanência, se o "tudo que é sólido..." teria assumido uma forma preponderante somente no Capitalismo) é complicada, pois, novamente, poderá redundar numa confusão de linguagem. Sim, porque se eu afirmar - como vc - que de fato, o sistema está mais egóico, mais conceitual e mais fluido - como de fato penso, embora possa estar equivocado - isso não significa, em absoluto que as outras formações sócio-históricas também não repousavam nessa mesma impermanência, alienação e cisão. Há especificidades e singularidades que não dizem respeito apenas a essa dinâmica e que moldam a cultura - e até mesmo cada indivíduo. Voltamos ao meu parênteses acima. Se vc está interessada nas especifidades do Capitalismo, dentre outras coisas, tudo bem. Mas se vc está interessada somente na eliminação da alienação,sendo essa sua preocupação central, não será no combate às especificidades do Capitalismo que vc encontrará a resposta (mas quando muito informações úteis sobre como essa alienação opera, se materializa, como ela se manifesta - como aliás fizeram, em outros tempos, inúmeros filósofos e principalmente sábios não-filósofos).
Ainda em relação a esse tópico, tenho mais algumas observações: a) em primeiro lugar, naquele nível, digamos, mais histórico, creio que o sistema já está mudando sua forma de alienação. Aqui voltamos para o início da discussão e remeto aos comentários da postagem "Marxismo Idealista ?". Embrora a alienação persista, ela mudou de forma. Quando vc diz que nenhuma teoria ou prática tocou na forma da alienação capitalista, vejo um equívoco, pois novas formas de criação de identidades, de relações de poder, de relações com o corpo, com a natureza etc estão se formando bem a nossa frente - sem que isso signifique, claro, o fim da alienação, como já disse. Penso que há um equívoco mítico (1) na sua formulações, pois ela parece pressupor que se alienação persiste, nada de significativo mudou etc etc. Voltamos ao inicio do debate, acerca das singularidades e vitalidades da vida (alenada), das sociedades (alienadas), das biografias (alienadas), dos amores (alienados) etc.
b)em segundo lugar, buscar uma teoria (alienada)que mexa com nossa cultura (aienada) pode ser ainda mais perigoso, como a ideologia marxista e fascista provou. Um pensamento que busque a totalização a partir de um ponto limitado da existência (o próprio pensamento) redundará em aumento do recalque e vasto derramamento de sangue. Já escrevi sobre isso, lembro-me, quando estudamos Hegel. Tentarei explicar melhor: um pensamento (alienado, cindido, formulado por alguém recalcado, como a maioria de nós) é legítimo desde que não se pretenda totalizador da VIDA. Como disse acima, Hegel tentou refundar uma totalidade a partir de um ponto limitado. O resultado disso é totalitarismo, necessariamente (repito: NECESSARIAMENTE). O ponto de partida, a "perspectiva" o "ponto de vista", já se encontra "alienado" e não é capaz de formular uma liberação. Tudo bem, todas as teoria fazem isso. O proble, enfatizo,´surge quando essa teoria SE PRETENDE TOTALIZADORA DA VIDA, refundadora de uma cosmologia. O pensamento aqui, TENTA COLONIZAR TODAS AS DEMAIS ESFERAS.
2) em relação à segunda indagação, como disse várias vezes, o problema não é PENSAR, mas na IDENTIFICAÇÃO desse pensar (e seus subprodutos) com o existir. É a velha questão do Ego etc. A bilbioteca é inútil, se voce deseja que ela resolva todos os seus problemas (por exemplo, o da alienação, como um todo). Não será nela que voce encontrará a felicidade. A biblioteca não tem o poder de refundar a cosmologia, um sentido à vida.
(1) Relendo esse texto, penso ser interessante esclarecer porque considero a concepção de Shaka um "equívoco mítico". Explico: sua inquietação diz respeito à superação da alienação, o que significa a busca por uma formação sócio-histórica que reconfira "sentido à vida", uma cosmologia. Essa preocupação não era estranha a Hegel ou Marx. Porém o equívoco está em buscá-la a partir de uma operação intelectual. Alguém poderá contra-argumentar e dizer: "Porém Marx propounha a transformação do mundo pela ação e os "pontos de vista" se transformariam com essa ação histórica. Novas configurações históricas, novos ponto de vista etc." De fato, há essa proposição, porém há um equívoco de natureza antropológica, para dizer o mínimo. Pois se a intuição básica parece correta (a ligação práxis-teoria), a formulação sempre foi intelectual e, por conseguinte, materialista, em seu sentido mais estrito. O marxismo pensou ter alcançado o "fundo da questão" propondo que a superação da divisão do trabalho poderia ser alcançada por meio da eliminação da forma-mercadoria - um efeito, segundo minha proposição, e não causa - (isso no âmbito teórico, pois no prático ficou ainda mais aquém, contentando-se com a eliminação da propriedade privada, como se isso tivesse o mesmo efeito do fim da divisão do trabalho !). Ora, a "primeira divisão" do trabalho, segundo Marx, é de natureza sexual e, posteriormente e especialmente, a separação trabalho intelectual/trabalho não-intelectual. Vê-se aqui já um grande problema, pois a superação dessas divisões nos obriga, necessariamente, verificar que seu núcleo não é simplesmente de natureza intelectual e, portanto, não pode ser superado por meio de uma operação Egóica, uma ação meramente"consciente", nem "material" (mudanças nas formas de trabalho, nas propriedade privada etc). O fundo da questão, em resumo, não diz respeito às "formas de trabalho", sendo estas determinadas por cisões mais profundas.
Assim, tentar refundar uma cosmologia sem mobilizar - para a definição do próprio "problema" - outras instâncias, não intelectuais, é aquilo que chamei um "equívoco mítico". Trata-se de um efeito da "fetichização do intelecto", que coloniza todas as demais esferas.
Um visão intelectual de mundo oblitera a visão do real em sua diversidade. A visão da realidade (e, no limite, a "teoria") passa a ser a própria "realidade". Uma visão daquele tipo, que propõe a superação da alienação sem mobilizar instâncias não intelectuais já em seu princípio (ou seja, o próprio problema já deve ser construído e percebido a partir de um aparelho psíquico menos cindido), redunda numa auto-afirmação do próprio intelecto como instância exclusiva de percepção e de conhecimento. A construção do problema é tautológica, tem por efeito reforçar as operações egócico-intelectualizantes.
O Ego é uma instância regida pela lógica defesa-ataque e, ao se separar cada vez mais das demais instâncias não-racionais e mesmo não intelectuais, perde suas referências e ruma para sua exclusiva auto-justificação, sempre dentro da lógica defesa-ataque (tal como Debord afirmou acerca da Sociedade do Espetáculo: o Espetáculo limita-se a enunciar a si mesmo).
Por isso, afirmei acima que o "equívoco mítico" tende a ver que se o "problema" (intelectualmente construído, e, portanto, parcialmente elaborado, falseado) não foi solucionado, a história nada traz de novo (o Capitalismo continua sendo "essencialmente" o mesmo, a alienação continua sendo a mesma, a lógica do sistema continua igual etc.); os dramas individuais e coletivos são vistos como algo "menor" frente a um "grande problema" formulado pelo intelecto.
O equívoco mítico produz um paradoxo antropológico: por meio de um instrumento parcial (o intelecto impulsionado sobretudo pela lógica defesa-ataque) tenta desesperadamente refundar uma cosmologia ampla (que requer outras instâncias e formas de percepção). Para tanto, deveria, ele próprio, renunciar a seus privilégios de "exclusividade" (como instância que detém o "monopólio da verdade"). Contudo, como ele (Ego) identifica isso como "a morte", acaba por adentrar em um torvelinho existencial-intelectual, onde a realidade vai progressivamente perdendo sentido, esvaziando-se. A visão tende a se tornar cada vez mais parcial e agressiva.
Essa é a natureza do sistema atual: um fluxo intelectual (ou melhor, intelectualizante) que se pretende exclusivo.
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VII - Shaka/dummy diz:
Acho que aqui podemos parar, porque como afirmei antes, os argumentos ficarão circulares. Você deixou claro seu ponto, e se eu não deixei o meu claro, também não tenho mais como tentar.
Resumindo, eu fico com minha teoria alienante e fascista e você com sua busca. Eu não posso acompanhá-lo, mesmo porque seu caminho pressupõe transformações de ordem pessoal, e você não pode acompanhar o meu, visto que é o contrário do que pretende.
Acho que nossa conversa servirá bastante àqueles que a acompanharem. Me colocou questões, é claro, mas eu continuo no meu caminho, alienado e fascista.... fazer o que. Como disse no começo da postagem, essa sou eu e não posso negar o que sou, alienada e fascista...
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VIII - Resposta de jholland:
O debate foi muito bom e espero que seja proveitoso para todos aqueles que se interessam por temas tão importantes. Voce é uma debatedora "dura" e consistente e me exigiu bastante. Não há nenhum problema em mantermos nossas diferenças, ao contrário, para mim é um prazer ser colocado "a prova". Nenhuma verdade é absoluta e somos todos "impermanentes". De um jeito ou de outro, querendo ou não, estamos todos em um caminho, ainda que (muitos) não tenham consciência disso (não é o seu caso). Ultimamente, ando às voltas com um desdobramento dessas concepções e que me parece se impor de um modo ainda mais contundente e luminoso: trata-se do poder do "NADA".
Vamos nos falando !!!
Bjs
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