quinta-feira, 10 de abril de 2008

A LIBERAÇÃO PELA AUDIÇÃO NO PLANO PÓS MORTE:O LIVRO TIBETANO DA MORTE





STANISLAV GROF, M.D., Ph.D.

Tradução de Evane Ferreira Júnior

*from "Books of the Dead - Manuals for Living and Dying", by Stanislav Grof
Edited by THAMES AND HUDSON, 1994.



O Livro Tibetano da Morte, ou Bardo Thödol é um texto funerário de origem muito mais recente que seu correspondente Egípcio e tem incomparavelmente mais consistência interna e congruência. Diferentemente do Pert em hru, é um texto bem definido e homogêneo do qual sabemos o autor e o tempo aproximado de sua origem. Apesar de ser claramente embasado em material oral muito mais antigo, foi primeiramente escrito no oitavo século a.D. e é atribuído ao Grande Guru Padmasambhava. Este lendário mestre espiritual introduziu o Budismo no Tibet e estabeleceu os fundamentos do Vajrayana, um amálgama dos ensinamentos Budistas e elementos de uma tradição indígena ancestral chamada Bon, que havia sido a principal religião do Tibet antes da chegada de Padmasambhava.

Pouco se conhece com certeza sobre a religião pré-Budista do Tibet; contudo, uma de suas características dominantes parecia ser a preocupação com a continuação da vida após a morte. Ela incluía elaborados rituais que tinham por objetivo assegurar que a alma da pessoa morta fosse conduzida seguramente para o além. Animais sacrificados, comidas, bebidas e vários objetos preciosos acompanhavam o falecido durante a jornada póstuma. Os ritos funerários eram particularmente elaborados em conexão com a morte de um rei ou um nobre. Aqui o sacrifício incluía imolação de companhias humanas selecionadas, as cerimônias envolviam um grande número de sacerdotes e oficiais da corte e duravam por vários anos. Além de assegurar a felicidade do falecido no além, também se esperava que esses ritos tivessem influência benéfica sobre o bem-estar e fertilidade dos vivos.

Aspectos característicos da antiga religião Tibetana original eram o culto aos deuses locais, especialmente as divindades guerreiras e da montanha e o uso de estados de transe para atividades oraculares. O Bon original tinha componentes anímicos e xamânicos significativos. Após a chegada do Budismo no Tibet, ambos sistemas religiosos coexistiram e apesar de sua natureza separada, mostraram rica fertilização cruzada. Nas suas formas extremas, é relativamente fácil de se distinguir o Budismo genuíno e a religião Bon; contudo, na prática as duas foram tão intimamente combinadas que nas mentes da maioria das pessoas elas se fundiram em um único sistema de crenças. Os elementos não-Budistas são particularmente proeminentes no rito apavorante do sacrifício premeditado de alguém aos demônios locais, praticado por certos iogues ascéticos, e no notável Bardo Thödol.

O Bardo Thödol é um guia para a morte e o morrer, um manual que auxilia quem partiu a reconhecer, com a ajuda de um lama competente, os vários estágios do estado intermediário entre a morte e o subseqüente renascimento e a obter liberação. Os estados de consciência associados com o processo da morte e renascimento pertencem a uma família maior de estados intermediários ou bardos:


1. O estado bardo natural da existência intra-uterina
2. O Bardo do estado de sonho
3. O Bardo do equilíbrio arrebatado durante meditação profunda
4. O Bardo do momento da morte (Chikhai Bardo)
5. O Bardo das ilusões cármicas que se seguem à morte (Chonyid Bardo)
6. O Bardo do processo inverso, o da existência sansárica enquanto buscando pelo renascimento (Sidpa Bardo).


O Livro Tibetano da Morte está escrito como um guia para o morrer; contudo, ele tem níveis adicionais de significado. De acordo com os ensinamentos Budistas, morte e renascimento não ocorrem somente em conexão com o óbito e subseqüente começo de outra vida, mas em cada momento de nossa existência. Os estados descritos no Bardo Thödol também podem ser experimentados em estados meditativos durante prática espiritual sistemática. Este importante texto é, portanto simultaneamente um guia para o morrer, para o viver e para buscadores espirituais sérios. Ele é uma de uma série de instruções sobre seis tipos de liberação: liberação através da audição, liberação através do vestir; liberação através da visão, liberação através da rememoração, liberação através do paladar e liberação através do toque.

As instruções sobre os diferentes tipos de liberação foram formuladas por Padmasambhava e escritas por sua esposa. Padmasambhava enterrou estes textos nas colinas Gampo do Tibet central, como foi feito com muitos outros textos e objetos sagrados, chamados termas ou “tesouros ocultos”. Ele deu a transmissão de poder para descobri-los aos seus vinte e cinco principais discípulos. Os textos do Bardo Thödol foram mais tarde descobertos por Karma Lingpa, que pertenceu à tradição Nyingma e estava encarnado em um desses discípulos. Eles têm sido utilizados por séculos por estudantes sérios de seus ensinamentos como importantes guias para liberação e iluminação.

O Bardo Thödol descreve as experiências que alguém encontra no momento da morte (Chikhai Bardo), durante o período de encarar as visões arquetípicas e ilusões cármicas que se seguem à morte (Chonyid Bardo), e no processo de buscar o renascer (Sidpa Bardo). Tradicionalmente, após a morte e por um período de quarenta e nove dias depois disso, esse texto tem sido cantado pelos mestres ou lamas para dar instruções ao espírito do falecido sobre o que esperar no estado Bardo e como utilizar as experiências para a liberação.

Chikhai Bardo: O Bardo do Momento da Morte



O Chikhai Bardo descreve as experiências associadas com o momento da morte. Seu aspecto mais característico é uma sensação de perder o contato com o mundo familiar das polaridades e entrar em um reino irreal de confusão. O mundo lógico e ordenado que nós conhecemos da vida quotidiana começa a se dissolver e com isso vem a sensação de incerteza quanto a se estar obtendo a iluminação ou se tornando insano. O Bardo Thödol discute a experiência anunciando a morte iminente em termos dos diferentes elementos do corpo.

A este Bardo pertencem experiências de peso, densidade, intensas pressões físicas e progressiva perda de contato com o mundo físico. Nesta situação, alguém pode tomar refúgio na mente e tentar reafirmar-se de que ela ainda está funcionando. Isto é descrito como “terra mergulhando na água”. No estágio seguinte, as operações da mente deixam de ser fluidas e a circulação dos pensamentos é perturbada. A única forma de se relacionar é através das emoções; para pensar em alguém se ama ou se odeia. Os sentimentos de um frio viscoso são substituídos por um calor abrasador. O Bardo Thödol refere-se a essa experiência como “água mergulhando no fogo”. Então as emoções vívidas se dissolvem e a atenção move-se para longe dos objetos de amor e ódio; o ser inteiro parece ter sido pulverizado em átomos. Esta experiência de “fogo mergulhando no ar” cria um estado de abertura para o encontro seguinte com a luminosidade cósmica.

No verdadeiro momento da morte, se pode ter uma esmagadora visão do Dharmakaya, ou a “Límpida Luz Primordial da Realidade Pura”. É como se toda a existência repentinamente aparecesse em sua totalidade absoluta brilhando como uma luz eterna por nascer. Nessa experiência, todas as dualidades são transcendidas – agonia e êxtase, bem e mal, beleza e feiúra, calor ardente e frio congelante, todas coexistem em um todo indiferenciado. Em última análise, o Dharmakaya é idêntico à própria consciência do observador, que não nasce nem morre e é em essência a Luz Imutável.

De acordo com o Bardo Thödol, se alguém reconhece esta verdade e foi preparado por práticas sistemáticas para a enormidade dessa experiência, tal situação oferece uma oportunidade única para liberação espiritual instantânea por render a ela a própria individualidade. Aqueles que se deixam atemorizar e afastam-se do Dharmakaya, terão outra chance imediatamente após a morte quando a “Límpida Luz Secundária” clarear sobre eles. Se eles também perderem essa oportunidade de dissolução completa de suas individualidades, a força de seus carmas os atrai implacavelmente para dentro de uma complicada seqüência de aventuras espirituais com um panteão inteiro de deidades felizes e iradas, durante as quais suas consciências se tornarão progressivamente mais separadas da luz libertadora à medida que se aproximam de outro renascimento. Estas são as experiências descritas no segundo e terceiro bardo.

Chonyid Bardo: O Bardo da Experiência da Realidade


As experiências no Chonyid Bardo consistem nas sucessivas visões de uma rica panóplia de presenças divinas e demoníacas que alguém encontra durante sua jornada do momento da morte ao momento da busca do renascimento. Nos primeiros cinco dias deste bardo surgem as gloriosas imagens das cinco Deidades Pacíficas. Estas são os Budas Dhyani transcendentais, ou Tathagatas, envolvidos em brilhantes luzes de diferentes cores – Vairocana (Buda Supremo e Eterno), Akshobhya (Buda Imóvel), Ratnasambhava (Buda do Nascimento Precioso), Amithaba (Buda da Luz Infinita) e Amoghadsiddhi (Buda do Sucesso Infalível). Eles aparecem com seus assistentes, Bodhisattvas masculinos e femininos.

No sexto dia, todos os Budas Dhyani surgem de uma vez com seus assistentes, juntos com os quarto Guardiões de Portais coléricos, ou irados, e suas shaktis femininas ou dakinis, os Budas das seis lokas ou reinos nos quais se pode renascer, e um número adicional de figuras divinas, num total de quarenta e duas deidades. Seus brilhos estão em agudo contraste com a sedução das luzes entorpecentes e ilusórias representando os seis lokas. No sétimo dia, cinco Deidades Detentoras do Conhecimento surgem dos reinos paradisíacos com suas dakinis, inumeráveis heróis e heroínas, guerreiros celestiais, e deidades protetoras da fé. Esplendores de luzes coloridas emanando de seus corações competem com a torpe luz do tiryaloka, o reino dos animais, ou brutais criaturas sub-humanas.

As emoções que podem nos atrair para as lokas individuais são: medo e terror carmicamente determinados (devaloka), raiva violenta (narakaloka), egotismo (manakaloka), apego (pretaloka), inveja e ciúme (asuraloka); o renascimento no tiryaloka é descrito no Bardo Thödol como um resultado da “influência das ilusões das tendências de alguém”.

O período entre o oitavo e o décimo quarto dia é o tempo do surgimento das Deidades Coléricas ou Iradas. As figuras demoníacas que se manifestam entre o oitavo e o décimo segundo dia, tão terríveis quanto possam ser, são na verdade os aspectos obscuros dos Budas transcendentais. No décimo terceiro dia, os Kerimas, os Oito Coléricos, e os cabeças-de-animal Htamenmas emergem de dentro dos profundos reinos da psique. No décimo quarto dia surge um rico arranjo de deidades, entre elas Quatro Guardiãs de Portais Femininas com cabeças de animais e outras poderosas deusas theriomóficas e yoguinis.

Para os não preparados e não iniciados, as deidades coléricas são uma fonte de terror e temor abismal. Contudo, aqueles familiarizados com estas imagens a partir de estudos prévios, preparados para elas por intensa prática espiritual, estariam aptos a reconhecê-las e perceber que elas são essencialmente imagens vazias de suas próprias mentes. Eles estarão aptos a unir-se a elas e atingir o Estado Búdico (trad. de Buddhahood).

Sidpa Bardo: O Bardo da Busca do Renascimento


Aqueles que perderam a oportunidade da liberação nos dois primeiros bardos têm que encarar este último estágio de estado intermediário. Após terem desmaiado devido ao medo no Chonyid Bardo, eles agora despertam em uma nova forma – o corpo bardo. O corpo bardo difere daquele grosseiro que conhecemos de nosso quotidiano. Ele não é composto de matéria e tem muitas qualidades notáveis. É dotado com o poder de movimento desimpedido e pode penetrar através de objetos sólidos.

Aqueles que existem na forma do corpo bardo podem aparecer e desaparecer à vontade, viajar instantaneamente a qualquer lugar na terra e mesmo até o Monte Meru, a montanha cósmica sagrada. Eles podem mudar de tamanho e forma, replicar sua forma, manifestar-se simultaneamente em mais de um local. Neste ponto pode parecer a alguém que ele se encontra no comando de poderes cósmicos milagrosos; aqui o Bardo Thödol faz uma advertência muito séria a qualquer um que se permita sentir desejo por essas forças e apegar-se a elas.

A qualidade de experiências neste bardo – o grau de felicidade ou miséria – depende do registro cármico da pessoa envolvida. Aqueles que acumularam muito carma ruim serão atormentados por eventos assustadores, como demônios comedores de carne ou rakshasas balançando armas, terríveis bestas predadoras e forças elementais furiosas da natureza. Estas podem ser o encontro com rochas que se chocam e destroem-se, mares transbordantes de raiva, fogos roncantes, fendas e precipícios ominosos. Aqueles que acumularam méritos cármicos irão experimentar vários prazeres deliciosos, enquanto que aqueles com carma neutro irão encarar o aborrecimento incolor e a indiferença.

O culminar das experiências no Sidpa Bardo é a cena do julgamento, durante a qual o Senhor e Juiz da Morte, cujo nome é Yama Raja ou Dharma Raja, examina as ações passadas do indivíduo de um ponto de vista cármico com o auxílio de seu espelho contador de histórias. Ele então designa a pessoa de acordo com seus méritos e débitos a um dos seis lokas ou reinos nos quais alguém pode renascer – o reino dos deuses, dos asuras beligerantes, seres e bestas sub-humanos, humanos, fantasmas famintos, ou inferno.

Quando as luzes dos seis lokas estão surgindo na pessoa neste estágio da jornada bardo, pode ser feita uma tentativa para fechar a porta do útero e prevenir uma reencarnação desfavorável. O Bardo Thödol sugere várias abordagens para esta finalidade. Pode ser útil a contemplação da divindade tutelar ou meditar sobre a pura luz; outras possibilidades são perceber o vazio essencial de todas as aparições sansáricas ou concentrar na corrente do carma bom. Alguém pode evitar os fortes sentimentos experimentados neste momento através das figuras dos futuros pais que são percebidos como corpos nus em união sexual. Em concordância com a moderna psicologia profunda da morte, estas emoções tomam a forma da atração pelo pai do sexo oposto e repulsão ou raiva contra a figura paterna do próprio sexo.

Se todas as oportunidades de libertação tiverem sido perdidas, a pessoa poderá ser irresistivelmente direcionada por ilusões vívidas e o renascimento se seguirá invariavelmente. Com a devida orientação, o desafortunado indivíduo ainda tem uma última esperança: com a devida orientação, ele ou ela pode ainda ter alguma influência sobre a escolha do útero no qual irá renascer. Com o ambiente certo e apoio, a nova vida pode oferecer oportunidades para prática espiritual que proveria melhor preparo para a próxima jornada através dos estados bardos.

A RODA TIBETANA DA MORTE E RENASCIMENTO

O Panteão das Divindades Budistas Tibetanas do Bardo Thödol

Muitas religiões e culturas têm mitologias elaboradas com vívidas descrições de deidades e demônios bem como cenários complexos de vários reinos arquetípicos. Contudo, nenhum deles se compara com a iconografia rica e meticulosa do Budismo Tibetano. Ela também encontra sua expressão no Bardo Thödol, que oferece descrições meticulosas de um fantástico arranjo de deidades felizes e coléricas e outros habitantes do plano pós-morte. Elas são descritas com maravilhosa precisão relativa às suas aparências gerais, características específicas, atributos simbólicos e cores associadas.

Enquanto as experiências da Pura Luz Primária e Secundária que caracterizam o Chikhai Bardo representam a energia criativa cósmica e sua natureza pura e refletem de um modo completamente amorfo toda a sua potencialidade de manifestar os infinitos reinos do ser, a progressão através do dois Bardos remanescentes revela uma crescente multidão de formas específicas. No Chonyid Bardo, as cinco expressões primordiais desta energia, ou os Buddhas Dhyani, surgem primeiramente em seus aspectos felizes e gradualmente se desenvolvem em um maravilhoso panteão de Deidades Guardiãs do Conhecimento, Coléricas, Guardiãs de Portais, Yoginis dos Quatro Pontos Cardeais, e um rico arranjo de outros seres arquetípicos. Simultaneamente brilham as torpes luzes de diferentes cores, representando os seis lokas, ou reinos nos quais se pode renascer. O Sidpa Bardo então traz a cena do Julgamento com Dharmaraja e seus auxiliares, bem como o intrincado cenário dos seis lokas e seus habitantes.

As Deidades Pacíficas do Chonyid Bardo


Os cinco primeiros Budas primordiais são também chamados de Tathagatas ou Jinas. Tathagata significa literalmente “portanto ido”, ou aquele que se tornou um com a essência do que é, e Jina se traduz como “vitorioso”. Ambos os termos são sinônimos com o nome Buda que significa “o desperto”. Os cinco Tathagatas são os cinco principais modos de energia da natureza Búdica, consciência plenamente desperta. Eles incorporam cinco qualidades de sabedoria; tudo que é parte da existência – seres viventes, locais ou eventos – está profundamente conectado com e descrito em termos de um dos cinco. Por esta razão, eles também são conhecidos como as cinco famílias. Contudo, no mundo sansárico ou no estado de mente de uma pessoa não-iluminada, eles aparecem como cinco venenos ou emoções confusas. Esta situação é então representada pelos seus aspectos coléricos.

Vairochana (Propagando a Semente Adiante) é o Buda do Reino Central. Ele é branco e o espaço em que surge é azul; a deslumbrante luz azul de Dharmdhatu que se irradia a partir de seu coração compete com a torpe luz branca do reino dos deuses (devaloka). Sentado em um trono de leão e abraçado pela Mãe do Espaço do Paraíso, ele está segurando uma roda de oito raios em sua mão, simbolizando transcendência do tempo e direção. Vairochana é freqüentemente representado com quatro faces, percebendo simultaneamente todas as direções, o que expressa completa abertura de consciência e visão panorâmica descentralizada. Ele representa a sabedoria de dharmadhatu, o espaço ilimitado que a tudo penetra, onde tudo existe como realmente é. Sendo a figura original e central, sua família é conhecida como a família Buda ou a família Tathagata; estes nomes representam a realidade verdadeira, oposto da ignorância. Em seu aspecto negativo, ele simboliza o veneno básico da confusão ou ignorância básica fora da qual todos os outros evoluem.

Akshobhya (o Buda Imóvel) ou Vajrasattva (Ser Diamante) é o Buda do Reino Oriental da Felicidade Pré-Eminente. Ele é azul e a brilhante luz branca da sabedoria espelhada que se irradia de seu coração compete com a torpe luz esfumaçada do reino do Inferno (narakaloka). Abraçado pela sua Shakti Buda-Locana, a Buda Olho, ele está descansando em um trono elefante, segurando em sua mão uma Vajra de cinco dentes ou raio. Seus acompanhantes assistentes são os Boddhisattvas Kshitigarbha, a Essência da Terra, e Maitreya, o Amoroso, bem como dois Bodhisattvas femininos, Lasya, a deusa da dança e Pushpa, a deusa das flores. Akshobhya é o soberano da família Vajra que representa sabedoria transcendental profunda que reflete tudo com claridade e sem julgamento crítico. O veneno correspondente é agressão ou ódio.

Ratnasambhava (Nascido de Uma Jóia) é o Buda do Reino Meridional Dotado de Glória. Ele é amarelo e irradia deslumbrante luz de equanimidade e não-discriminação, a riqueza e majestade que podem fazer alguém escolher a concorrente luz amarelo-azulada torpe do reino humano (manakaloka). Sentado em um trono cavalo, Ratnasambhava está segurando em sua mão a jóia realizadora dos desejos. Sua cor amarela representa a fertilidade, prosperidade e riqueza da Terra; sua consorte Mamaki representa a água, um elemento indispensável para a fertilidade. Os dois acompanhantes Bodhisattvas masculinos são Akashagarbha, ou a Essência do Espaço, e Samantabhadra, o Todo-Bom e suas contrapartes femininas são Mala, representando jóias e adornos preciosos de todos os tipos, e Dhupa, a deusa do olfato, perfume, e ar fresco. Ratnasambhava preside sobre a família Ratna que é caracterizada pela sabedoria da luz não-discriminante da equanimidade e igualdade; seu veneno específico é o orgulho.

Amitabha (o Buda da Luz Infinita) é o Buda do Reino Ocidental da Felicidade, O Paraíso Ocidental, ou Sukhavati. Ele é vermelho e irradia de seu coração brilhante luz vermelha da sabedoria que a tudo discrimina; a alternativa aqui é a torpe luz vermelha do reino dos fantasmas famintos (pretaloka). Amitabha está sentado em um trono de pavão, segurando um lótus em sua mão, e abraçado por sua Shakti Pandaravasini, a Vestida de Branco. O pavão e o lótus simbolizam pureza, abertura e aceitação. Os Boddhisattvas de Amitabha são Avalokiteshvara, a inteligência definitiva da compaixão, Manjushri, representando a comunicação da compaixão através do som, Gita, a deusa do som e a porta-tocha Aloka. Amitabha comanda a família Padma caracterizada pela compaixão e sabedoria discriminante; seu veneno é a indulgência nas paixões ordinárias e o apego aos aspectos prazerosos do mundo material.

Amogha-Siddhi (o Buda da Mágica Infalível) é o Buda do Reino Setentrional das Performances Bem Sucedidas das Melhores Ações. Ele é verde e emana de seu coração radiante luz verde que compete com a torpe luz verde do reino dos guerreiros divinos (asuraloka). Ele está sentado em um assento de sheng-sheng, uma forma de harpia ou Garuda, um pássaro arquetípico que é músico e um símbolo de realização; ele pode voar e percorrer todo o espaço. Amogha-Siddhi está abraçado por sua consorte, Samaya-Tara, a Salvadora do Mundo Sagrado, e a vajra cruzada multicolorida que ele segura em sua mão simboliza a área de todas as atividades percebidas em todas as direções, um tipo de realização e preenchimento panorâmicos. Aqui encontramos os Bodhisattvas Vajrapani, ou O que porta a Vajra, simbolizando enorme energia, e Sarvanivarana-viskambhin, o Purificador de Todos os Obstáculos, bem como suas contrapartes femininas, Gandha, a deusa do perfume, e Naivedya, que fornece alimento para a meditação. Amogha-Siddhi preside a família Karma, associada com ação sábia, eficiência, e desempenho; seu veneno característico é a inveja.

Os cinco Tathagatas surgem individualmente nos primeiros cinco dias consecutivos do Bardo Chonyid. No sexto dia, todos estes cinco Budas primordiais se manifestam simultaneamente. Se alguém não estiver preparado para esta experiência, isto leva a um estado de perplexidade, já que os cinco Tathagatas preenchem todo o espaço, todas as direções, não há escape, uma vez que os quatro portões também estão guardados pelos Guardiões dos Portões: Vijaya ou O Vitorioso (Leste), Yamantaka ou O Destruidor do Senhor da Morte (Sul), Hayagriva ou o Rei Cabeça de Cavalo (Oeste), e Amritakundali ou a Espiral do Néctar da Imortalidade (Norte), todos com suas Shaktis. Além disso, há os Budas dos seis lokas, e outras figuras, completando quarenta e duas deidades.

As Deidades Guardiãs do Conhecimento do Chonyid Bardo


No sétimo dia, com o desenvolvimento das imagens do Chonyid Bardo, os Vidyadharas, ou Deidades Detentoras do Conhecimento, fazem sua aparição. As deidades do Bardo Thödol têm uma conexão específica com os centros de energia psíquica ou chakras. Enquanto que as divindades pacíficas estão associadas ao chakra do coração e as divindades coléricas seguintes com o chakra frontal, os Detentores do Conhecimento representam a ligação entre eles, mediada pela fala e estão, portanto conectados ao chakra da garganta. Similarmente, eles não são nem pacíficos nem irados, mas intermediários, eles são imponentes, impressionantes, e esmagadoramente irresistíveis. No momento de sua aparição, a luz verde do reino animal (tiryakaloka) se manifesta simbolizando a ignorância.

Os Vidyadharas estão todos dançando, enquanto fazem mudras de fascinação e seguram longos punhais e crânios cheios de sangue; o significado esotérico do crânio cheio de sangue é a renúncia à vida humana e ao mundo de samsara. No centro de seu círculo está a Lótus do Senhor da Dança, o Supremo Detentor do Conhecimento Que Matura O Fruto Kármico, em um halo de radiantes cores do arco-íris, abraçado pela sua Dakini Vermelha. No leste está a deidade chamada Detentor do Conhecimento Terra-Permanente, de cor branca e abraçado pela Dakini Branca. Ao Sul está o sorridente e radiante Detentor de Conhecimento chamado Aquele que Tem Poder Sobre A Duração da Vida, de cor amarela e com a Dakini Amarela. A deidade no Oeste é o Detentor do Conhecimento do Grande Símbolo, vermelho, sorridente e radiante, e abraçado pela Dakini Vermelha. E finalmente ao Norte está o Detentor do Conhecimento Auto-Evoluído, verde na cor, com o semblante metade furioso e metade sorridente, abraçado pela Dakini Verde.

Os Detentores do Conhecimento são rodeados por inumeráveis dakinis de vários tipos, heróis, heroínas, guerreiros celestiais e deidades protetoras da fé. Utilizando tambores, trompetes de fêmures, pandeiros de crânios, cobertas e bandeiras de peles humanas, eles produzem música pavorosa que faz o mundo inteiro vibrar, sacudir e estremecer. Mantras inspirando assombro se alternam com gritos apavorantes: “Matar! Matar!”.

As Deidades Coléricas do Chonyid Bardo


Do oitavo ao décimo segundo dia, os Tathagatas aparecem em seus aspectos demoníacos, horripilantes e instigadores de pavor, como herukas e suas consortes. Eles têm três cabeças, seis braços e quatro pés e representam a qualidade irrestrita e ilimitada da energia das famílias Búdicas. Toda a energia básica de todos os Coléricos Herukas está concentrada no Grande Glorioso Heruka marrom escuro; ele é o aspecto horripilante de Vairochana. Vajra-Heruka é azul escuro e é a forma colérica de Vajra-Sattva (Akshobhya). O aspecto horrível de Ratnasambhava é o Ratna-Heruka amarelo, enquanto que a contraparte escura do Buda Amitabha é Padma-Heruka preto avermelhado, e a de Amogha-Siddhi é o Karma-Heruka verde escuro.

No décimo terceiro dia se manifestam os Kerimas, Os Oito Coléricos, e Htamenmas, assombrosas deidades zoomórficas; elas têm as cabeças de vários animais – de um leão, tigre, raposa negra, lobo, abutre, pássaro vermelho de cemitério, corvo e coruja. No décimo quarto dia, as visões do Chonyid Bardo terminam com um rico arranjo de deidades, entre elas Quatro Guardiões Femininos de Portais com cabeças de animais e outras poderosas deidades zoomórficas e Yoginis. Se todas as oportunidades de libertação nos primeiros dois Bardos foram perdidas, o processo se move para o Sidpa Bardo, ou O Bardo da Busca Pelo Renascimento, com seus desafios específicos.

Sidpa Bardo: O Julgamento e os Seis Reinos da Existência


Um tema central no processo de buscar o renascimento no Sidpa Bardo é a cena do julgamento que leva à designação para um dos seis reinos da existência ou lokas. O Rei e O Juiz da Morte é uma deidade chamada Dharma Raja (Rei da Lei) ou Yama Raja (Rei da Morte); ele é o aspecto colérico de Chenrazee, o Protetor Nacional do Tibet. Sua cabeça e corpo, bem como seu pavilhão e sua corte são adornados com crânios humanos, cabeças e peles. Sob seus pés, ele está pisando uma figura Mara, simbólica de maya, a natureza ilusória da existência humana. Ele julga a morte segurando em sua mão direita uma espada, um símbolo de poder espiritual e em sua mão esquerda o Espelho do Karma, no qual estão refletidas todas as boas e más ações para o julgamento.

Ao lado da balança, assistidos por Shinje, uma deidade com cabeça de macaco, perfilam-se duas figuras – O Pequeno Deus Branco com um saco de seixos brancos e O Pequeno Deus Negro com um saco de seixos pretos. Seguindo as instruções de Yama Raja, eles colocam na escala seixos brancos ou pretos de acordo com os méritos ou débitos kármicos do julgado. Um conselho de deidades sentado na Corte do Julgamento, muitas das quais com cabeças de animais, asseguram justiça imparcial e a regularidade do procedimento. De acordo com o resultado da pesagem, os mortos são designados a um dos seis reinos da existência. Na psicologia Budista Tibetana, todo este processo não está limitado ao tempo da morte biológica, mas se aplica igualmente às profundas transformações que ocorrem ao longo da prática espiritual. É esta parte do Bardo Thödol, a que mais agudamente se equipara aos eventos do Livro da Morte Egípcio, bem como aos textos escatológicos de outras culturas.

O Reino do Inferno (narakaloka) é um domínio onde alguém é exposto a torturas extremas, cada uma delas representa em última análise as forças que operam na nossa própria psique. Aqui estão os Oito Infernos Quentes onde campos e montanhas são feitos de metal quente ao rubro, rios são transformados em ferro derretido e o espaço claustrofóbico é preenchido com fogo. A situação é oposta nos Oito Infernos Frios, regiões de extremo frio onde tudo está congelado e coberto com gelo e neve. Nos infernos quentes estão aqueles que cometeram atos ímpios motivados por raiva violenta, enquanto que os atos resultantes de motivos egoístas e orgulhosos levam alguém aos infernos frios. Algumas torturas adicionais envolvem ser cortado ou serrado em pedaços, estrangulado com laços, perfurado por espinhos e exposto a pressões esmagadoras. Este é o Inferno Avitchi, onde aqueles que usam magia para destruir seus inimigos ou aqueles que deliberadamente negligenciaram a realização dos votos Tântricos sofrem torturas por tempos quase imensuráveis.

O Reino dos Fantasmas Famintos (pretaloka) é habitado pelos pretas, lamentáveis criaturas que possuem apetite insaciável. Eles têm grandes estômagos estendidos que demandam satisfação, mas suas bocas são do tamanho de furos de alfinete, de modo que eles nunca podem obter o suficiente. Neste reino, há uma tremenda ânsia de riqueza, para a obtenção de posses. Contudo, mesmo que obtenhamos os frutos de nossos desejos e os possuamos, somos incapazes de desfrutá-los Isto nos faz sentirmo-nos mais famintos e mais privados, carentes. Em adição, nossa satisfação não dura e após uma fugaz experiência de prazer segue-se mais outra busca sem fim. Este é o sofrimento que está associado com a ganância.

O Reino Animal (tiryakaloka) é caracterizado por um torpe modo de vida; isto é mera sobrevivência em um nível simples e descomplicado, onde um senso de segurança se alterna com episódios de medo. Toda as vezes que algo está irregular ou imprevisto é ameaçador e se torna uma fonte de confusão e paranóia. Entre outros, o reino animal é caracterizado por ausência de humor. Os animais podem vivenciar prazer e dor, mas o senso de humor e ironia não existe em suas vidas.



Extraído de: http://www.orion.med.br/psictrans/art11.htm

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