Por: Rogério Grassetto Teixeira da Cunha
Embora a crise econômico-financeira atual motive preocupação, principalmente em relação às conseqüências para os mais pobres, preocupo-me muito mais com turbulências de outra natureza, que só tendem a aumentar e terão impacto muito mais profundo. Isso porque estou convicto de que as crises ocasionadas pela reação da natureza aos nossos despautérios ambientais (embora negligenciadas pela maioria da mídia e da sociedade) aumentarão muito em freqüência, serão muito piores e terão efeitos mais duradouros que aquelas geradas pela criatividade burra de engravatados milionários.
Ao focarmos nossa atenção apenas nos aspectos econômicos da crise atual, estamos perdendo uma importante chance de discutir com coragem as bases insustentáveis da economia global. Ou seja, o modelo que se baseia no crescimento eterno e funciona no formato de um fluxo linear, que começa na extração de recursos naturais e termina na disposição de lixo. Mas não. O principal tema que domina as discussões é o temor da recessão, da queda no consumo, vendidas como monstros terríveis. Na verdade elas são, sim, monstros, mas apenas se aceitarmos este modelo. Por isto que é preciso analisá-lo e criticá-lo a partir de uma perspectiva externa, para fugir das amarras que ele nos impõe e mostrar suas incongruências.
Por exemplo, essa falsa necessidade de que é preciso crescer, crescer sempre, crescer a qualquer custo. Mas a economia não existe como algo que paira suspenso no vácuo (embora alguns financistas tenham lucrado muito vendendo esta idéia, antes que a bomba estourasse no colo de todos). Ela precisa de dois elementos básicos, além do trabalho humano: matéria-prima e energia. Como o suprimento destes é finito, simplesmente não há recursos naturais suficientes para sustentar um crescimento constante da economia. Aliás, não há recursos suficientes nem mesmo para sustentar por muito tempo a taxa atual de consumo de recursos naturais, ainda que as economias permanecessem com o tamanho atual, sem crescimento algum. É até assustador, de tão simples e óbvio. Não há pirotecnia de argumentos tecnicistas que possam contradizer esta realidade inquestionável. Até uma criança pode entender isto facilmente (às vezes elas entendem melhor do que muitos adultos nas principais cadeiras das maiores universidades). Experimente. Dê a ela uma pilha de qualquer coisa, feijões, bolinhas, botões (que seriam os recursos naturais não renováveis) e proponha um jogo: “olha, toda vez que você quiser brincar ou ganhar um doce (os objetos de consumo), você tem que jogar no lixo um item”. A criança trocará seus itens até que acabem, e só então irá abalar-se de verdade. Mas daí perceberá que os recursos finitos são justamente isso, finitos e, uma vez terminados, adeus consumo.
Diversos cálculos já foram feitos mostrando que o planeta não conseguirá suprir recursos naturais suficientes para sustentarmos taxas até mesmo modestas de crescimento até o fim deste século. Outros cálculos comparam a quantidade de recursos que consumimos a cada ano com aquela que o planeta é capaz de repor no mesmo período. Estas estimativas mostram que, a partir de meados dos anos 1980, passamos a gastar mais recursos naturais do que o planeta pode repor. Com isto, criamos um débito do futuro. Os responsáveis pela idéia usam uma metáfora, pela qual vão somando o consumo diário de recursos desde o dia primeiro de janeiro. Na data em que o uso acumulado iguala a quantidade que o planeta é capaz de repor ao longo do ano inteiro, chega-se ao limite que poderíamos ter consumido naquele ano. A partir daí, passamos a avançar nos recursos do futuro. E esta data tem chegado mais cedo a cada ano.
Ou seja, não estamos nem pagando e nem estacionando a nossa dívida, mas aumentando-a continuamente. Pior ainda, a própria quantia que descontamos a cada ano de nosso futuro também vem aumentando. É como se estivéssemos na mão de um agiota muito cruel, nós mesmos. Por isso que, ainda que toda a economia do planeta parasse subitamente de crescer e ficássemos estacionados no volume atual, mesmo assim, a Terra não agüentaria por muito tempo.
Qual a solução então? Bem, em primeiro lugar, seria necessário que houvesse sim uma estagnação do crescimento e uma recessão por algum tempo, até que as economias chegassem a um nível de consumo de recursos que fosse inferior à capacidade de reposição do planeta. “Ah, mas recessão gera desemprego e pobreza”, dirão. Sim, é verdade, mas apenas se forem mantidos outros pressupostos e pilares desta estrutura sócio-econômica. Se houvesse distribuição mais eqüitativa da riqueza gerada, o problema seria menor. Mais, se o lucro e a produtividade não fossem os únicos parâmetros a guiar as atividades econômicas, mas sim a função social das mesmas, teríamos mais elementos positivos para combater o desemprego.
Por fim, e mais importante, o problema seria imensamente menor se a estrutura econômica não fosse calcada no consumismo, num sem-número de necessidades fictícias que foram sendo criadas nos últimos séculos e sem as quais convivemos sem grandes crises durante 99,9% do tempo em que estivemos aqui neste planeta.
Reduzindo-se a necessidade de satisfação dos desejos de consumo, reduz-se também a necessidade de dinheiro para adquiri-los, o que casa perfeitamente com uma distribuição mais eqüitativa da riqueza e com o foco voltado para a função social da produção industrial, agrícola e de serviços.
E se você acha a proposta muito radical, é bom lembrar que a crise ambiental já vem apresentando-se aos poucos. É um furacão Catarina aqui, um desastre de Nova Orleans ali, uma abertura do mar do Pólo Norte acolá. Não sabemos ao certo se a catástrofe ambiental virá na forma de uma batida abrupta contra o muro que afetará a todos (ou à maioria) de uma vez só ou se seguirá de forma mais gradual e dispersa, como tem acontecido, intensificando-se aos poucos. Porém, qualquer que seja o processo, logo mais não será questão de escolha, seremos forçados a uma redução drástica no consumo. Dependendo da magnitude da crise, talvez sejamos obrigados até mesmo a mudar para um estágio pré-industrial.
Não defendo agora um retorno ao estilo de vida pré-industrial como solução. Primeiro porque não sei se seria preciso ser tão radical. Segundo porque acho que nunca conseguiremos isto por vontade própria, por mais que fosse interessante do ponto de vista ambiental. Teremos sim (por bem ou por mal) que frear muito o consumismo, reduzir paulatinamente o que achamos ser necessidades (e no geral não são), mudar a nossa relação com o meio ambiente, repensar nosso estilo de vida, aumentar muito a reciclagem e tentarmos ir equilibrando por aí. Aqueles que começarem mais cedo estarão mais preparados e sofrerão menos (física e psicologicamente) com as mudanças que inevitavelmente virão. Bem, há outra opção. A nossa extinção.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
Fonte:EcoDebate
(Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação socioambiental.)
Ao focarmos nossa atenção apenas nos aspectos econômicos da crise atual, estamos perdendo uma importante chance de discutir com coragem as bases insustentáveis da economia global. Ou seja, o modelo que se baseia no crescimento eterno e funciona no formato de um fluxo linear, que começa na extração de recursos naturais e termina na disposição de lixo. Mas não. O principal tema que domina as discussões é o temor da recessão, da queda no consumo, vendidas como monstros terríveis. Na verdade elas são, sim, monstros, mas apenas se aceitarmos este modelo. Por isto que é preciso analisá-lo e criticá-lo a partir de uma perspectiva externa, para fugir das amarras que ele nos impõe e mostrar suas incongruências.
Por exemplo, essa falsa necessidade de que é preciso crescer, crescer sempre, crescer a qualquer custo. Mas a economia não existe como algo que paira suspenso no vácuo (embora alguns financistas tenham lucrado muito vendendo esta idéia, antes que a bomba estourasse no colo de todos). Ela precisa de dois elementos básicos, além do trabalho humano: matéria-prima e energia. Como o suprimento destes é finito, simplesmente não há recursos naturais suficientes para sustentar um crescimento constante da economia. Aliás, não há recursos suficientes nem mesmo para sustentar por muito tempo a taxa atual de consumo de recursos naturais, ainda que as economias permanecessem com o tamanho atual, sem crescimento algum. É até assustador, de tão simples e óbvio. Não há pirotecnia de argumentos tecnicistas que possam contradizer esta realidade inquestionável. Até uma criança pode entender isto facilmente (às vezes elas entendem melhor do que muitos adultos nas principais cadeiras das maiores universidades). Experimente. Dê a ela uma pilha de qualquer coisa, feijões, bolinhas, botões (que seriam os recursos naturais não renováveis) e proponha um jogo: “olha, toda vez que você quiser brincar ou ganhar um doce (os objetos de consumo), você tem que jogar no lixo um item”. A criança trocará seus itens até que acabem, e só então irá abalar-se de verdade. Mas daí perceberá que os recursos finitos são justamente isso, finitos e, uma vez terminados, adeus consumo.
Diversos cálculos já foram feitos mostrando que o planeta não conseguirá suprir recursos naturais suficientes para sustentarmos taxas até mesmo modestas de crescimento até o fim deste século. Outros cálculos comparam a quantidade de recursos que consumimos a cada ano com aquela que o planeta é capaz de repor no mesmo período. Estas estimativas mostram que, a partir de meados dos anos 1980, passamos a gastar mais recursos naturais do que o planeta pode repor. Com isto, criamos um débito do futuro. Os responsáveis pela idéia usam uma metáfora, pela qual vão somando o consumo diário de recursos desde o dia primeiro de janeiro. Na data em que o uso acumulado iguala a quantidade que o planeta é capaz de repor ao longo do ano inteiro, chega-se ao limite que poderíamos ter consumido naquele ano. A partir daí, passamos a avançar nos recursos do futuro. E esta data tem chegado mais cedo a cada ano.
Ou seja, não estamos nem pagando e nem estacionando a nossa dívida, mas aumentando-a continuamente. Pior ainda, a própria quantia que descontamos a cada ano de nosso futuro também vem aumentando. É como se estivéssemos na mão de um agiota muito cruel, nós mesmos. Por isso que, ainda que toda a economia do planeta parasse subitamente de crescer e ficássemos estacionados no volume atual, mesmo assim, a Terra não agüentaria por muito tempo.
Qual a solução então? Bem, em primeiro lugar, seria necessário que houvesse sim uma estagnação do crescimento e uma recessão por algum tempo, até que as economias chegassem a um nível de consumo de recursos que fosse inferior à capacidade de reposição do planeta. “Ah, mas recessão gera desemprego e pobreza”, dirão. Sim, é verdade, mas apenas se forem mantidos outros pressupostos e pilares desta estrutura sócio-econômica. Se houvesse distribuição mais eqüitativa da riqueza gerada, o problema seria menor. Mais, se o lucro e a produtividade não fossem os únicos parâmetros a guiar as atividades econômicas, mas sim a função social das mesmas, teríamos mais elementos positivos para combater o desemprego.
Por fim, e mais importante, o problema seria imensamente menor se a estrutura econômica não fosse calcada no consumismo, num sem-número de necessidades fictícias que foram sendo criadas nos últimos séculos e sem as quais convivemos sem grandes crises durante 99,9% do tempo em que estivemos aqui neste planeta.
Reduzindo-se a necessidade de satisfação dos desejos de consumo, reduz-se também a necessidade de dinheiro para adquiri-los, o que casa perfeitamente com uma distribuição mais eqüitativa da riqueza e com o foco voltado para a função social da produção industrial, agrícola e de serviços.
E se você acha a proposta muito radical, é bom lembrar que a crise ambiental já vem apresentando-se aos poucos. É um furacão Catarina aqui, um desastre de Nova Orleans ali, uma abertura do mar do Pólo Norte acolá. Não sabemos ao certo se a catástrofe ambiental virá na forma de uma batida abrupta contra o muro que afetará a todos (ou à maioria) de uma vez só ou se seguirá de forma mais gradual e dispersa, como tem acontecido, intensificando-se aos poucos. Porém, qualquer que seja o processo, logo mais não será questão de escolha, seremos forçados a uma redução drástica no consumo. Dependendo da magnitude da crise, talvez sejamos obrigados até mesmo a mudar para um estágio pré-industrial.
Não defendo agora um retorno ao estilo de vida pré-industrial como solução. Primeiro porque não sei se seria preciso ser tão radical. Segundo porque acho que nunca conseguiremos isto por vontade própria, por mais que fosse interessante do ponto de vista ambiental. Teremos sim (por bem ou por mal) que frear muito o consumismo, reduzir paulatinamente o que achamos ser necessidades (e no geral não são), mudar a nossa relação com o meio ambiente, repensar nosso estilo de vida, aumentar muito a reciclagem e tentarmos ir equilibrando por aí. Aqueles que começarem mais cedo estarão mais preparados e sofrerão menos (física e psicologicamente) com as mudanças que inevitavelmente virão. Bem, há outra opção. A nossa extinção.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
Fonte:EcoDebate
(Artigo originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação socioambiental.)
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