Tradução
Fábio Fernandes
O antropólogo anarquista David Graeber nos deixou essa semana. Publicamos a sua última entrevista à Jacobin, onde conta como um emprego de merda é um trabalho tão inútil que até mesmo a pessoa que o faz acredita que ele não deveria existir – e por que se prolifera como nunca nos dia de hoje.
Em seu livro mais recente, David
Graeber, o autor do best-seller Dívida: os Primeiros 5000 Anos,
argumenta que muitos empregos hoje são essencialmente inúteis – ou, como o
título do livro os chama, Bullshit Jobs (Trabalhos
de Merda).
Suzi Weissman, da Jacobin Radio, conversou com Graeber para descobrir o
que são trabalhos de merda e por que eles proliferaram nos últimos anos.
Uma Taxonomia
SW
Vamos direto ao assunto. Qual é a definição de um
trabalho de merda?
DG
Um trabalho de merda é um trabalho tão
inútil, ou mesmo pernicioso, que até a pessoa que o faz acredita secretamente
que ele não deveria existir. Claro, você tem que fingir – esse é o elemento de
merda, que você meio que tem que fingir que existe uma razão para esse trabalho
estar aqui. Mas, secretamente, você acha que se esse trabalho não existisse, ou
não faria qualquer diferença ou o mundo seria na verdade um lugar um pouco
melhor.
SW
No livro, você começa distinguindo entre trabalhos
de merda e merdas de trabalhos. Talvez devêssemos começar a fazer isso aqui
agora, para depois podermos conversar sobre quais são os trabalhos de merda?
DG
Sim, as pessoas costumam cometer esse
erro. Quando você fala sobre trabalhos de merda, elas pensam apenas em
trabalhos que são ruins, trabalhos que são degradantes, trabalhos em condições
terríveis, sem benefícios e assim por diante. Mas, na verdade, a ironia é que
esses trabalhos não são realmente de merda. Você sabe, se você tem um emprego
ruim, é provável que ele esteja realmente fazendo algo de bom no mundo. Na
verdade, quanto mais o seu trabalho beneficia outras pessoas, menos
provavelmente elas pagarão a você e mais provavelmente será uma merda de trabalho
nesse sentido. Então, você quase pode ver isso como uma oposição.
Por um lado, você tem trabalhos que são
uma merda de trabalho, mas são realmente úteis. Se você está limpando banheiros
ou algo assim, os banheiros precisam ser limpos, então pelo menos você tem a
dignidade de saber que está fazendo algo que está beneficiando outras pessoas –
mesmo que você não consiga muito mais que isso. E, por outro lado, você tem
trabalhos onde é tratado com dignidade e respeito, recebe um bom pagamento,
recebe bons benefícios, mas trabalha secretamente com o conhecimento de que seu
emprego, seu trabalho, é totalmente inútil.
SW
Você divide seus capítulos em diferentes tipos de
trabalhos de merda. Existem lacaios, paus-mandados, tapa-buracos, preenchedores
de caixinhas, mestres de obras e o que eu chamo de contadores de feijão. Talvez
possamos ver quais são essas categorias.
DG
Certo. Isso veio do meu próprio
trabalho, de pedir às pessoas que me enviassem testemunhos. Reuni centenas de
depoimentos de pessoas que tinham trabalhos de merda. Eu perguntei às pessoas:
“Qual é o trabalho mais inútil que você já teve? Conte-me tudo sobre isso; como
você acha que aconteceu, qual é a dinâmica, seu chefe sabia?” Eu recebia esse
tipo de informação. Fiz pequenas entrevistas com as pessoas depois, material de
acompanhamento. E assim, de certa forma, criamos sistemas de categorias juntos.
As pessoas me sugeriam ideias e, gradualmente, elas acabaram se reunindo em
cinco categorias.
Como você disse, temos, primeiro, os
lacaios. Isso é meio evidente. Um lacaio existe apenas para fazer outra pessoa
parecer bem. Ou se sentir bem consigo mesmo, em alguns casos. Todos nós sabemos
que tipo de trabalho eles são, mas um exemplo óbvio seria, digamos,
recepcionistas em lugares que na verdade não precisam de recepcionistas. Alguns
lugares obviamente precisam de recepcionistas, que estão ocupados o tempo todo.
Em alguns lugares, o telefone toca talvez uma vez por dia. Mas você ainda tem
que ter alguém – às vezes duas pessoas – sentado lá, com ar de importância.
Então, eu não tenho que ligar para ninguém no telefone, eu terei alguém que
dirá apenas: “Há um corretor muito importante que quer falar com você.” Isso é
um lacaio.
Um pau-mandado é um pouco mais sutil.
Mas eu meio que tive que criar essa categoria porque as pessoas sempre me
diziam que achavam que seus empregos eram uma merda – se eles fossem do
telemarketing, advogados corporativos, se estivessem em RP, marketing, coisas
assim. Eu tive que entender por que eles se sentiam assim.
O padrão parecia ser que esses são
trabalhos realmente úteis em muitos casos para as empresas para as quais
trabalham, mas eles sentiam que toda a indústria não deveria existir. Eles são
basicamente pessoas que estão ali para irritar e pressioná-lo de alguma forma.
E, em termos de serem necessários, só eram necessários porque outras pessoas os
têm. Você não precisa de um advogado corporativo se seu concorrente não tiver
um advogado corporativo. Você não precisa de um operador de telemarketing, mas
na medida em que você pode inventar uma desculpa para dizer que precisa dele, é
porque os outros caras têm um. Tudo bem, isso aí é até fácil.
Tapa-buracos são pessoas que estão lá
para resolver problemas que não deveriam existir em primeiro lugar. Na minha
antiga universidade, a impressão era que tínhamos apenas um carpinteiro, e
carpinteiros eram muito difíceis de conseguir. Um dia, a prateleira do meu
escritório na universidade onde eu trabalhava na Inglaterra desabou. O
carpinteiro deveria ter vindo, e havia um buraco enorme na parede, dava para
ver o estrago. E ele nunca aparecia, ele sempre tinha outra coisa para fazer.
Finalmente descobrimos que havia um cara sentado ali o dia todo, se desculpando
pelo fato de o carpinteiro nunca ter vindo.
Ele é muito bom no trabalho, é um
sujeito muito simpático, que sempre parecia um pouco triste e melancólico, e
era muito difícil ficar com raiva dele, e é claro que trabalho dele era para
isso. Ele era efetivamente um sujeito que estava ali para tomar esporro. Mas aí
eu pensei, se eles demitissem aquele cara e contratassem outro carpinteiro, não
iam precisar mais dele. Então, esse é um exemplo clássico de tapa-buracos.
SW
E os preenchedores de caixinhas?
DG
Preenchedores de caixinhas existem para
permitir que uma organização diga que está fazendo algo que na verdade não está
fazendo. É como uma comissão de inquérito. Se o governo fica constrangido com algum
escândalo – digamos, os policiais estão atirando em muitos cidadãos negros – ou
se alguém aceita suborno, há algum tipo de escândalo. Eles formam uma comissão
de inquérito, fingem que não sabiam o que estava acontecendo, fingem que vão
fazer algo a respeito, o que é completamente falso.
Mas as empresas também fazem isso. Elas
estão sempre criando comissões. Existem centenas de milhares de pessoas em todo
o mundo que trabalham com compliance em
bancos, e isso é uma besteira completa. Ninguém jamais teve a intenção de
seguir qualquer uma dessas leis que lhe são impostas. Seu trabalho é
simplesmente aprovar todas as transações, mas é claro que não é suficiente
aprovar todas as transações porque isso parece suspeito. Então você tem que
inventar razões para dizer que há algumas coisas que você investigou. Existem
rituais muito elaborados de fingir que se está olhando para um problema que
você não está realmente olhando.
SW
Então você vai para o mestre de obras.
DG
Mestres de obras são as pessoas que
estão lá para dar às pessoas trabalho que não é necessário, ou para
supervisionar pessoas que não precisam de supervisão. Todos nós sabemos de quem
estamos falando. A gerência média, é claro, é um exemplo clássico disso. Eu
tinha pessoas que me diziam sem rodeios: “Sim, eu tenho um emprego de merda,
estou na gerência média. Fui promovido. Eu costumava fazer o trabalho de
verdade, e eles me colocaram no andar de cima e disseram para supervisionar as
pessoas, fazer com que elas fizessem o trabalho. E eu sei perfeitamente bem que
eles não precisam de alguém para supervisioná-los ou obrigá-los a fazer isso.
Mas eu tenho que inventar alguma desculpa para existir de qualquer maneira.”
Então, eventualmente, em uma situação como essa, você diz: “Tudo bem, vamos
apresentar estatísticas de destino, para que eu possa provar que você está
realmente fazendo o que eu já sei que você está fazendo, para que eu possa
sugerir que eu fui o cara que fez você fazer isso.”
Na verdade, você pede que as pessoas
preencham uma série de formulários, de forma que elas gastam menos tempo
fazendo o trabalho. Isso acontece cada vez mais em todo o mundo, mas nos EUA
alguém fez algum estudo estatístico e descobriu que algo como 39% do tempo
médio que um funcionário de escritório deveria estar trabalhando, ele está de
fato trabalhando em seu emprego. Cada vez mais, são e-mails administrativos,
reuniões inúteis, todos os tipos de preenchimento de formulários e papelada,
basicamente.
Inchaço
Administrativo
SW
No pensamento radical ou marxista, existe o
conceito de trabalho produtivo e improdutivo. Eu me pergunto como a categoria
do trabalho de merda se conecta à ideia de trabalho ou emprego improdutivos.
DG
É diferente. Porque produtivo e
improdutivo significa a existência de produção de mais-valia para os
capitalistas. Essa é uma pergunta bem diferente. É uma avaliação subjetiva do
valor social do trabalho pelas pessoas que o executam.
Por um lado, as pessoas meio que
aceitam a ideia de que o mercado determina o valor. Isso é verdade na maioria
dos países agora. Você quase nunca ouve pessoas no varejo ou em serviços
dizendo: “Eu vendo bastões para selfies, por que as pessoas querem bastões para
selfies? Isso é burrice, as pessoas são imbecis.” Elas não dizem isso. Elas não
dizem: “Por que você precisa gastar cinco dólares em uma xícara de café?”
Então, as pessoas em trabalhos de serviços não acham que têm trabalhos de
merda, em quase nenhum caso. Eles aceitam que se há um mercado para algo, as
pessoas querem. Quem sou eu para julgar? Eles compram a lógica do capitalismo
nesse grau.
No entanto, eles olham para o mercado
de trabalho e dizem: “Espere aí, eu recebo 40 mil dólares por ano para sentar e
fazer memes de gatos o dia todo e talvez atender um telefonema, isso não pode
estar certo.” Portanto, o mercado nem sempre está certo; claramente o mercado
de trabalho não funciona de forma economicamente racional. Existe uma
contradição. Eles têm que apresentar outro sistema, um sistema tácito de valor,
que é muito diferente da relação produtivo/improdutivo para o capitalismo.
SW
Como o aumento desses trabalhos de merda se
relaciona com o que consideramos trabalhos produtivos?
DG
Bem, isso é muito interessante. Temos
uma narrativa da ascensão da economia de serviços. Você sabe, desde os anos
oitenta, estamos abandonando a manufatura. Da forma como é apresentado, nas
estatísticas econômicas, parece que a mão-de-obra agrícola em grande parte
desapareceu, a mão-de-obra industrial diminuiu – não tanto quanto as pessoas
parecem pensar, mas diminuiu – e os serviços estão em alta.
Mas isso também ocorre porque eles
dividem os serviços para incluir cargos de escritório, gerenciais, de
supervisão e administrativos. Se você os diferenciar, se olhar para os serviços
nesse sentido, para as pessoas que estão cortando seu cabelo ou servindo sua
comida – bem, na verdade, o serviço permaneceu praticamente estável em 25% da
força de trabalho nos últimos 150 anos. Não mudou em nada. O que realmente
mudou foi essa explosão gigantesca de burocratas de papel, e esse é o setor de
trabalhos de merda.
SW
Você chama isso de burocracia, setor
administrativo, setor de gerência média.
DG
Exatamente. É um setor onde o público e
o privado se fundem. Na verdade, uma área para a proliferação maciça desses
trabalhos é exatamente onde não está claro o que é público e o que é privado: a
interface, onde privatizam os serviços públicos, onde o governo está detendo o
avanço dos bancos.
A seção bancária é uma loucura. Há um
cara com quem eu começo o livro, na verdade. Eu o chamo de Kurt, não sei seu
nome verdadeiro. Ele trabalha para um subempreiteiro de um subempreiteiro para
um subempreiteiro do exército alemão. Basicamente, há um soldado alemão que
deseja mover seu computador de um escritório para outro. Ele tem que fazer um
pedido a alguém para ligar para alguém para ligar para alguém – isso passa por
três empresas diferentes. Por fim, ele tem que dirigir 500 quilômetros num
carro alugado, preencher os formulários, colocar na embalagem, transportar,
outra pessoa desempacota, e ele assina outro formulário e vai embora. Esse é o
sistema mais ineficiente que você poderia imaginar, mas tudo é criado por essa
interface entre as coisas público-privadas, que supostamente tornaria as coisas
mais eficientes.
SW
Grande parte do ethos, como você
assinala, dos tempos Thatcher-Reagan, é que o governo é sempre o problema e o
governo é onde estão todos esses trabalhos. Então, foi um ataque ao setor
público. Ao passo que você mostra que muito disso vem do setor privado, dessa
burocratização. A necessidade de maximizar lucros e cortar custos – que é o que
pensamos em termos de capitalismo e do estresse da competição – não milita
contra a criação desses trabalhos inúteis no setor privado?
DG
Seria de imaginar que sim, mas parte da
razão pela qual isso não acontece é que, quando imaginamos o capitalismo, ainda
estamos imaginando um monte de empresas de médio porte engajadas na manufatura
e no comércio, e competindo umas com as outras. Não é bem assim que a paisagem
se parece hoje em dia, especialmente no setor FIRE.
Além disso, se você olhar para o que as
pessoas realmente fazem, há toda essa ideologia de enxuto e eficiente. Se você
é um CEO, é elogiado por quantas pessoas pode demitir, reduzir e acelerar. Os
caras que estão sendo reduzidos e acelerados são os operários, os produtivos,
os sujeitos que estão realmente fazendo as coisas, movendo-as, mantendo-as, fazendo
o trabalho de verdade. Se eu sou UPS, os motoristas estão sendo taylorizados
constantemente.
No entanto, você não faz isso com os
caras que estão nos escritórios. Acontece exatamente o contrário. Dentro da
corporação, há todo esse processo de construção de impérios, por meio do qual
diferentes gerentes competem entre si, principalmente para ver quantas pessoas
trabalham sob seu comando. Eles não têm nenhum incentivo para se livrar das
pessoas.
Você tem esses caras, equipes de
pessoas, cujo trabalho todo consiste em escrever os relatórios que executivos
importantes apresentam em grandes reuniões. Grandes reuniões são como o
equivalente a justas feudais, ou os rituais elevados do mundo corporativo. Você
entra lá e tem todo esse equipamento, e tem tudo isso, seus pontos de energia,
seus relatórios e assim por diante. Portanto, há equipes inteiras que estão lá
apenas para dizer: “Eu faço as ilustrações para os relatórios desse cara” e “Eu
faço os gráficos” e “Eu tabulo os dados e mantenho o banco de dados”.
Ninguém nunca lê esses relatórios, eles
estão lá apenas para dar uma olhada. É o equivalente a um senhor feudal – tenho
um cara cujo trabalho é apenas aparar meu bigode e outro cara que está polindo
meus estribos e assim por diante. Só para mostrar que eu posso fazer isso.
SW
Você também vê um paralelo com o aumento dos
trabalhos de merda, que é o aumento dos trabalhos que não são de merda. Você os
chama de trabalhos de cuidar ou prestar cuidados. Pode descrever esses
trabalhos? Por que há um aumento nesses trabalhos, e em que setores eles estão?
DG
Estou pegando o conceito em grande
parte da teoria feminista. Eu acho que é muito importante, porque a ideia
tradicional de trabalho, eu acho, é muito teológica e patriarcal. Temos essa
ideia de produção. Vem com a ideia de que o trabalho deve ser doloroso, é o
castigo que Deus infligiu a nós, mas também é uma imitação de Deus. Quer seja
Prometeu ou seja a Bíblia, os humanos se rebelam contra Deus, e Deus diz: “Ah,
você quer meu poder? Tudo bem: você pode criar o mundo, mas será terrível, você
vai sofrer para fazer isso.”
Mas também é visto como um negócio
essencialmente masculino: as mulheres dão à luz e os homens produzem coisas, é
a ideologia. Claro, isso torna todo o trabalho real que as mulheres fazem, de
manter o mundo, invisível. Essa ideia de produção, que está no cerne das
teorias do movimento operário do século XIX, a teoria do valor-trabalho – é um
pouco enganosa.
Você pergunta a qualquer marxista sobre
trabalho e valor-trabalho, eles sempre vão imediatamente para a produção. Bem,
aqui está uma xícara. Alguém tem que fazer a xícara, é verdade. Mas fazemos um
copo uma vez e lavamos dez mil vezes, certo? Esse trabalho simplesmente
desaparece por completo na maioria desses relatos. A maior parte do trabalho
não é produzir coisas, é mantê-las iguais, é mantê-las, cuidar delas, mas
também cuidar de pessoas, cuidar de plantas e animais.
Houve um debate, se não me engano, em
Londres sobre os trabalhadores do metrô. Eles estavam fechando todas as
bilheterias do metrô de Londres. Muitos marxistas disseram: “Ah, você sabe, de
certa forma esse é provavelmente um trabalho de merda, porque você realmente
não precisaria de compradores de ingressos no comunismo pleno, o transporte
seria gratuito, então talvez não devêssemos defender esses trabalhos.”
Lembro-me de pensar que havia algo um tanto superficial ali.
E então eu vi um documento que foi na
verdade publicado pelos grevistas, onde eles diziam: “Boa sorte no novo metrô
de Londres sem ninguém trabalhando na estação de metrô. Vamos torcer para que
seu filho não se perca, vamos torcer para que você não perca suas coisas, vamos
torcer para que não haja acidentes. Vamos torcer para que ninguém surte e tenha
um ataque de ansiedade ou fique bêbado e comece a assediar você.”
Eles examinam a lista de todas as
coisas diferentes que eles realmente fazem. Você percebe que mesmo muitos
desses trabalhos clássicos da classe operária são realmente uma mão de obra de
cuidado, é sobre cuidar das pessoas. Mas você não pensa nisso, você não percebe
isso. É muito mais como uma enfermeira do que como um operário.
Além da Merda
SW
Uma das coisas que você diz em seu livro é que você
pensou que o Occupy poderia ser o início da rebelião da classe assistencial.
DG
Havia uma página no Tumblr chamada
“Somos os 99%”, e era para pessoas que estavam ocupadas demais trabalhando para
realmente tomar parte nas ocupações de forma contínua. A ideia era que você
pudesse escrever uma pequena placa onde falasse sobre a sua situação de vida e
porque apoia o movimento. Sempre terminaria, “Eu sou o 99%.” Teve uma grande
resposta; milhares e milhares de pessoas fizeram isso.
Quando eu analisei isso, percebi que
quase todos eles estavam no setor de assistência em algum sentido. Mesmo que
não fossem, os temas pareciam ser muito semelhantes. Eles estavam basicamente
dizendo: “Olha, eu queria um emprego onde pelo menos não estivesse machucando
ninguém. Realmente, onde eu estivesse fazendo algum tipo de benefício para a
humanidade, eu queria ajudar as pessoas de alguma forma, eu queria cuidar dos
outros, eu queria beneficiar a sociedade”. Mas se você acabar na saúde ou na
educação, no serviço social, fazendo algo onde você cuida de outras pessoas,
eles vão te pagar tão pouco, e vão te deixar tão endividado, que você não
consegue nem cuidar de sua própria família. Isso é totalmente injusto.
Foi aquele sentimento de injustiça
fundamental que acho que realmente impulsionou o movimento mais do que qualquer
outra coisa. Percebi que eles criam esses empregos fictícios, onde basicamente
você está lá para fazer os executivos se sentirem bem consigo mesmos. Eles têm
que inventar trabalho para outras pessoas fazerem. Na educação, na saúde, isso
é incrivelmente realçado. Você vê isso o tempo todo. Frequentemente, os
enfermeiros passam metade do tempo preenchendo papelada. Professores,
professores do ensino fundamental, pessoas como eu – não é tão ruim no ensino
superior quanto se você estiver ensinando na quinta série, mas ainda é ruim.
SW
Todos nós sonhamos com esta sociedade que nos
liberta de um trabalho destruidor, para que possamos perseguir nossas paixões e
nossos sonhos e cuidar uns dos outros. Então, é apenas uma questão política? É
algo que a RBI, renda básica universal, poderia resolver?
DG
Bem, acho que seria uma demanda de
transição, faz sentido para mim. Em algum lugar, Marx realmente sugeriu que não
há nada de errado com as reformas, desde que sejam reformas que amenizem um
problema, mas criem outro problema, que só pode ser resolvido por reformas
ainda mais radicais. Se você fizer isso continuamente, pode eventualmente
chegar ao comunismo, disse ele. Mas ele é um pouco otimista demais.
Sabe, sou anarquista, não quero criar
uma solução estatizante. Uma solução que torne o estado menor, mas ao mesmo
tempo melhore as condições e torne as pessoas mais livres para desafiar o
sistema, não vai encontrar muita argumentação da minha parte. E é isso que eu
gosto na RBI.
Não quero uma solução que crie mais
trabalhos de merda. Uma garantia de emprego parece algo bom, mas, como sabemos
pela história, tende a criar pessoas pintando pedras de branco ou fazendo
outras coisas que não precisam necessariamente ser feitas. Também requer uma
administração gigante para administrar isso. Muitas vezes parece que são as
pessoas com as sensibilidades da classe profissional-gerencial que preferem
esse tipo de solução.
Ao passo que a renda básica universal
significa dar a todos o suficiente para que possam sobreviver; depois disso,
cabe a você. (Refiro-me às versões radicais, obviamente; não sou a favor da
versão de Elon Musk.) A ideia é separar trabalho e compensação, de certa
maneira. Se você existe, você merece um meio de vida. Você poderia chamar isso
de liberdade na esfera econômica. Eu posso decidir como quero contribuir para a
sociedade.
Uma das coisas que é muito importante
sobre o estudo que fiz sobre trabalhos de merda é como as pessoas são
miseráveis. Isso realmente transpareceu nos relatos. Em teoria, você está
recebendo algo por nada, você está sentado aqui sendo pago para fazer quase
nada, em muitos casos. Mas isso simplesmente destrói as pessoas. Há depressão,
ansiedade, todas essas doenças psicossomáticas, locais de trabalho terríveis e
comportamento tóxico, agravados pelo fato de que as pessoas não conseguem
entender por que tem motivos justos para estar tão chateadas.
Porque, sabe, por que estou reclamando?
Se eu reclamar com alguém, eles vão dizer: “Pô, você está ganhando algo por
nada e ainda está reclamando?” Mas isso mostra que nossa ideia básica da natureza
humana, que é inculcada em todos pela economia, por exemplo – que todos nós
estamos tentando obter a maior recompensa com o mínimo de esforço – não é
realmente verdade. As pessoas querem contribuir com o mundo de alguma forma.
Então, isso mostra que se você dá às pessoas uma renda básica, elas não vão
sentar e assistir TV, o que é uma das objeções.
A outra objeção, claro, é que, talvez
eles queiram contribuir com a sociedade, mas eles vão fazer algo estúpido, para
que a sociedade fique cheia de poetas ruins e músicos de rua irritantes,
mímicos de rua por toda parte, gente desenvolvendo seus dispositivos de
movimento perpétuo de manivela e outras bugigangas. Tenho certeza de que haverá
um pouco disso, mas veja: se 40 por cento das pessoas já pensam que seus
trabalhos são completamente inúteis, como pode ser pior do que já é? Pelo menos
eles ficarão muito mais felizes fazendo essas coisas do que preenchendo
formulários o dia todo.