terça-feira, 30 de março de 2010

Epiteto



"O que perturba os homens não são as coisas, mas os juizos que os homens formulam sobre as coisas. A morte, por exemplo, nada é de temível - e Sócrates, quando dele a morte se foi aproximando, de maneira nenhuma se apresentou a morte como algo tremendamente terrível.

Mas no juizo que fazemos da morte, considerando-a temível, é que reside o aspecto terrível da morte. Quando somos hostilizados, contrariados, perturbados, atormentados e magoados, não devemos sacar as culpas a outrem, mas a nós próprios, isto é. aos nossos juízos pessoais e mais íntimos.

Acusar os outros das suas infelicidades é mera ação de um ignorante; responsabilizar-se a si próprio por todas as contrariedades é coisa de um homem que começa a instruir-se; e não culpabilizar ninguém nem tão pouco a si próprio, então, sim, é feito de um homem perfeitamente instruído."


(Epiteto, in Manual)

quarta-feira, 24 de março de 2010

O fim do site Rizoma.net


É uma pena, mas somente hoje percebi que o site Rizoma.net saiu do ar.

Anárquico, vanguardista, provocador, inteligente. O Rizoma foi um marco na cibercultura, divulgando, produzindo ou traduzindo textos, entrevistas, matérias e reflexões libertárias e extremamente inovadoras.

Transgressor e sofisticado, inimigo da vulgaridade e do neo-fascismo jeca que assola o momentum pos-moderno, o Rizoma trafegava/traficava tranquilamente nas fronteiras da arte, filosofia, antropologia, psicanálise ou qualquer outra manifestação da vida, sempre em busca de novos paradigmas, rompendo limites.

No Rizoma pude ler e conhecer mais um pouco do Situacionismo ou das vanguardas punks ou ciber-punks, ou do pensamento anarquista-místico de Hakim Bey, só para ficar nos exemplos mais conhecidos.

Desde o falecimento de seu criador, Ricardo Rosas, o Rizoma vinha passando por mudanças.

No entanto, seu acervo não se perdeu. Parece que o pessoal que continuou a obra do Ricardo está disponibilizando acesso livre, para download, de todo o precioso material publicado.

Altamente recomendado para todos aqueles que se interessam por arte, vanguardas, filosofia, antropologia, anarquismo....

Confira nos links abaixo:




Nota: mudei o endereçamento do link do Rizoma, na figura dos sites recomendados aqui do Blog, remetendo diretamente para o link acima.

domingo, 21 de março de 2010

As estranhas experiências de Robert Monroe (3)


INFINITO, ETERNIDADE

Por: Robert Monroe



A melhor apresentação do Local II é sugerir uma sala com um cartaz acima da porta dizendo: "por favor, verifique todos os conceitos sobre o físico aqui". Se acostumar-se à idéia de um Segundo Corpo foi experiência árdua, o Local II poderá ser mais difícil de aceitar. Certamente produzirá efeitos emocionais à medida que avulte diante daquilo que sempre aceitamos como realidade. E o que é mais: muitas de nossas doutrinas religiosas e suas interpretações tornam-se abertas ao questionamento.



Basta dizer que apenas pequena porção das visitas ao Local II através do Segundo Corpo forneceu dados evidenciais, já que essas visitas por si mesmas não levam facilmente a comprovações. Sendo assim, muito do material sobre o Local II é cautelosa extrapolação. No entanto, várias centenas de experimentos nessa área específica apresentaram consistência decisiva. Se A mais B é igual a C sessenta e três vezes, existe alto índice de probabilidade de que A mais B será igual a C a sexagésima quarta vez.



Postulado: o Local II é um ambiente não-material com leis de movimento e matéria apenas remotamente relacionadas com o mundo físico. É imensidade cujas fronteiras são desconhecidas (ao experimentador), e tem profundidade e dimensão incompreensíveis para a mente finita, consciente. Nessa vastidão jazem todos os aspectos que atribuímos a céu e inferno (veja capítulo 8), que não passam de parte do Local lI. É habitado, se é esse o termo, por entidades com vários graus de inteligência, e com quem é possível a comunicação.



Como se viu em análise porcentual num dos últimos capítulos, as regras fundamentais são alteradas no Local lI: o tempo não existe pelos padrões do mundo físico. Existe, sim, uma seqüência de acontecimentos, um passado e um futuro, mas nenhuma divisão cíclica. Ambos continuam a existir coincidentemente com o "agora". Medidas, desde microssegundos até milênios, são inúteis. Outras medidas podem representar esses fatores em cálculos abstratos, mas sem uma garantia. Leis de conservação da energia, teorias de campos de força, mecânica ondulatória, gravidade, estrutura da matéria, todas aguardam comprovação pelos mais versados no assunto.



Suplantando tudo surge uma lei principal. É o Local II um estado, um modo de ser onde aquilo que rotulamos de pensamento é a mola-mestra da existência. É a força criativa vital que produz energia, agrupa "matéria" num formato, e fornece canais de percepção e comunicação. Suspeito que o próprio eu ou alma, no Local II nada mais é do que um vórtice ou uma deformação organizada nessa regra fundamental. O que você pensa é o que você é.



Em tal ambiente não se encontram aparatos mecânicos, nenhum automóvel, barco, avião ou foguete é necessário para o transporte. Você pensa em movimento e ele existe. Nada de telefone, rádio, televisão e outros recursos de comunicação têm valor. A comunicação é instantânea. Nenhuma fazenda, jardim, rancho de criação, fábrica de beneficiamento ou mercado de varejo estão em evidência. Em todas as visitas experimentais não houve indicação da necessidade de energia alimentar. Como é substituída a energia, se for verdadeiramente despendida, não se sabe.



O "mero" pensamento é a força que supre qualquer necessidade ou desejo, e o que você pensa é a matriz de sua ação, situação e posição nessa realidade maior. Esta é essencialmente a mensagem que a religião e a filosofia têm procurado transmitir através dos séculos, embora talvez menos nebulosa e freqüentemente deturpada.

Um aspecto aprendido nessa atmosfera de pensamento explica muito; é o seguinte: Igual atrai igual.

Eu não sabia que existia essa regra funcionando tão especificamente. Até então fora para mim nada mais nada menos que uma abstração. Projete isso para fora e você começará a gozar das infinitas variações encontradas no Local II. Seu destino parece fixado completamente inserido na moldura das mais íntimas e constantes motivações, emoções e desejos. Você pode não querer "ir" até lá, mas não tem escolha. Sua "supermente" (alma?) é mais forte e geralmente toma as decisões por você. Igual atrai igual.



O aspecto interessante desse mundo (ou mundos) de pensamentos do Local II é que se percebe o que parece matéria sólida, bem como artefatos comuns ao mundo físico. São trazidos à "existência", logicamente, por três fontes. Primeira: são produto do pensamento daqueles que certa vez viveram no mundo físico, cujos padrões persistem: Isso se efetua quase automaticamente, sem intenção proposital. Segunda fonte: são aqueles que gostaram de certas coisas materiais no mundo físico, as quais recriaram aparentemente para valorizar seu meio-ambiente no Local II. A terceira fonte presumo seja uma ordem mais elevada de seres inteligentes mais cônscia do meio-ambiente do Local II do que a maioria dos habitantes .. Seu objetivo parece o de simular o ambiente físico temporariamente, pelo menos para benefício dos que emergem naquele momento do mundo físico, após a "morte". Isso é feito para reduzir o trauma e o choque dos "recém-chegados" pela apresentação de figuras e ambientes, a eles familiares, nos primeiros estágios de entendimento.



A esta altura pode-se começar a entender o relacionamento do Segundo Corpo com o Local II. Este é o meio-ambiente natural do Segundo Corpo. Os princípios envolvidos em sua ação, composição, percepção e em seu controle correspondem todos aos do Local II. Foi por isso, então, que a maioria das tentativas de viagens experimentais me levou involuntariamente a algum ponto no Local II. Basicamente, o Segundo Corpo não é deste mundo físico. Aplicá-lo para visitar a casa de fulano ou outra destinação física é como pedir a um mergulhador para descer até o fundo do oceano sem aparelhagem ou traje de mergulho. Ele poderá fazê-lo, mas não durante muito tempo, e não por muitas vezes. Por outro lado, ele pode caminhar um quilômetro diariamente até o trabalho sem efeitos secundários. Logo, viajar para certos lugares do mundo físico é um: processo "forçado" no estado do Segundo Corpo. Recebendo a oportunidade para a mais leve relaxação mental, a supermente o guiará, no seu Segundo Corpo, até o Local II. Este é o ato "natural".



Nosso conceito tradicional de lugar sofre duramente quando aplicado ao Local II. Parece interpenetrar em nosso mundo físico, porém estende fronteiras sem limites além da compreensão. Têm surgido muitas teorias na literatura, através dos tempos, quanto ao "onde", mas poucas inspiram a moderna mente científica.



Todas as visitas experimentais a essa área pouco ajudaram na formulação de teoria mais aceitável. A melhor é o conceito de vibrações de ondas, que presume a existência de uma infinidade de mundos, todos operando em seqüências diferentes, uma das quais é este mundo físico. Assim como diversas freqüências de ondas no espectro eletromagnético podem simultaneamente ocupar espaço com um mínimo de interação, também o mundo ou mundos do Local II se podem dispersar pelo nosso mundo de matéria física. A não ser por condições raras ou invulgares, nossos sentidos "naturais" e nossos instrumentos, que são extensões deles, são totalmente incapazes de assimilar e relatar esse potencial. Se aceitarmos essa premissa, o "onde" é explicado minuciosamente. "Onde" é "aqui".



A história das ciências humanas reforça essa premissa. Não tínhamos sequer a idéia de que existiam sons além do alcance do ouvido humano até inventarmos instrumentos para detectá-los, medi-los e criá-los. Até época relativamente recente, aqueles que afirmavam poder escutar o que outros não conseguiam eram considerados loucos ou perseguidos como bruxas e feiticeiros. Entendíamos o espectro eletromagnético apenas em termos de calor e luz até o último século. Desconhecemos ainda a capacidade do cérebro humano, organismo eletroquímico, em termos de transmissão e recepção de radiação eletromagnética. Com esse vácuo não preenchido é fácil compreender por que a ciência moderna não começou a levar a sério a capacidade da mente humana em penetrar numa área onde nenhuma teoria séria já foi promulgada.



Há tanta coisa para relatar acerca do Local II que seria impraticável repetir citações diretamente das centenas de páginas de anotações. Visitas próximas ou longínquas ao Local II resumem a maior parte dos relatórios no decorrer dos capítulos subseqüentes. É a soma de experiências consistentes que pode deixar o padrão em evidência e apresentar perguntas a exigir respostas. Para cada fator conhecido pode haver um milhão de desconhecidos, mas pelo menos aqui existe um ponto de partida.



No Local II a realidade é composta dos mais profundos desejos e dos medos mais desvairados. Pensamento é ação, e nenhuma camada secreta de condicionamento ou inibição protegerá o seu âmago contra os outros, onde a honestidade é a melhor política, porque não pode ser de outra forma.



Pelos padrões básicos descritos acima, a existência é com certeza diferente. É essa diferença que gera os maiores problemas de adaptação, mesmo quando tentando visitar lá enquanto no Segundo Corpo. A tosca emoção tão cuidadosamente reprimida em nossa civilização física é desencadeada a plena força. Dizer que no princípio é esmagador seria gigantesca atenuação da verdade. Na vida consciente física tal estado seria considerado psicótico.



Minhas primeiras visitas ao Local II trouxeram à tona todos os padrões emocionais reprimidos que eu nem mesmo remotamente supunha ter, mais outros tantos que eu não sabia existirem. E dominaram de tal forma minhas ações que reagi completamente confuso e envergonhado diante de sua enormidade e de minha incapacidade para controlá-los. Medo era o tema dominante, medo do desconhecido, de seres estranhos (não físicos), da "morte", de Deus, do rompimento dos preconceitos, da descoberta, e da dor, para citar apenas alguns. Tais receios eram mais fortes do que o impulso sexual para a união, o qual, conforme relatado em algum outro ponto da obra, era por si só um tremendo obstáculo.



Um a um, dolorosa e laboriosamente, os incontroláveis padrões emocionais em explosão tiveram de ser "domados". Até se conseguir isso não foi possível nenhum pensamento racional. Sem consistência rigorosa, eles começam a retornar. A operação se assemelha a um lento aprendizado, desde a irracionalidade até o calmo e objetivo raciocínio. Uma criança aprende a ser "civilizada" durante seu crescimento na infância até o estado adulto. Desconfio que o mesmo acorra integralmente, de novo, na adaptação ao Local II. Se não acontece na vida física, torna-se fator primordial na morte.



Isso significa que as áreas do Local II "mais pr6ximas" do mundo físico (em freqüência vibratória?) são povoadas, na maior parte, por loucos ou quase loucos, seres impulsionados emocionalmente. Isso parece aplicar-se à maioria dos casos. Eles incluem os vivos, mas dormindo ou drogados, e usando seu Segundo Corpo; e muito provavelmente os "mortos", mas ainda impulsionados emocionalmente. Há provas em favor do primeiro caso, e o último parece provável.



Muito compreensivelmente, essa área próxima não é lugar de permanência agradável. É um nível ou plano ao qual você "pertence" até aprender mais. Não sei o que acontece àqueles que não aprendem. Talvez fiquem por ali eternamente. No instante em que você se dissocia do físico por meio do Segundo Corpo, coloca-se às margens dessa seção próxima do Local II. Aqui se encontram todas as espécies de personalidades desajustadas e seres animados. Se existe algum mecanismo protetor do neófito, para mim não ficou aparente. Somente através de experimentos cautelosos e às vezes aterradores fui capaz de aprender a arte ou truque de atravessar essa área. Ainda não estou precisamente seguro acerca de todos os itens desse processo de aprendizado, pois somente presenciei o óbvio. Seja qual for o processo, felizmente não tenho encontrado problemas nessas paragens há vários anos.



A parte os atormentadores e os diversos conflitos totais inseridos nos relatórios seguintes, a principal motivação desses habitantes vizinhos é a liberdade sexual sob todas as formas. Se considerados como produto de civilizações recentes, incluindo tanto os "vivos, porém dormindo" e os "mortos", é muito simples entender a necessidade de libertação da repressão dessa função básica. A chave da coisa está em que todos nessa seção próxima tentam praticar sexualidade em termos de corpo físico. Não há conscientização ou conhecimento do impulso sexual como ele se manifesta em partes mais distantes do Local II. Com o prolongado condicionamento de nossa própria sociedade, foi difícil evitar participação, às vezes, já que a reação era automática. Promissoramente, aprende-se a controlar tal fator.



Igual atrai igual.



Até hoje não observei o processo da morte em quaisquer experimentos. Contudo, a conclusão de que certa forma de existência no Local II imita atividade vital no mundo físico conhecido ultrapassa a conjectura.



Experiências semelhantes à seguinte, consistentes no seu conteúdo pelos últimos doze anos, podem ser explicadas por algum outro conceito. A esta altura nada mais se encaixa tão detalhadamente.



Certa ocasião eu acabara de deixar o físico quando senti necessidade urgente de ir 'a "algum lugar". Obedecendo à insistência, desloquei-me pelo que me pareceu distância curta e parei subitamente num quarto de dormir. Um menino estava deitado sozinho. Parecia ter dez ou doze anos, e aquela percepção íntima de identidade, agora familiar para mim, funcionava, ao invés de apenas "ver". O garoto, solitário e amedrontado, parecia doente. Fiquei perto dele algum tempo, tentando confortá-lo; finalmente parti quando se acalmou, prometendo voltar. Foi rotineira a viagem de retorno ao físico, e não tive noção de onde estivera.



Várias semanas depois deixei o físico e estava a ponto de concentrar-me num destino definido quando o mesmo garoto entrou em cena. Viu-me e se aproximou de mim. Espantado, mas não com medo.



Olhou-me e perguntou:



- Que é que faço agora?



Não consegui pensar numa resposta de imediato, por isso passei meu braço pelo seu ombro e dei-lhe um apertão carinhoso. Pensei: quem sou eu para instruir ou dar conselhos no que parecia um momento vital? O menino sentiu-se seguro com minha presença e descontraiu-se.



- Para onde irei? - perguntou, automaticamente.



Dei-lhe a única resposta que pareceu lógica para o momento.



Disse-lhe que aguardasse exatamente onde estava: que alguns amigos seus logo chegariam e o levariam para onde deveria ir.



Isso pareceu satisfazê-lo, e mantive meu braço em torno dele por algum tempo. Depois fiquei nervoso diante de um sinal do corpo físico, dei-lhe um tapinha no ombro e parti. Regressando ao físico descobri meu pescoço enrijecido devido a uma posição incômoda. Após endireitá-lo, tive êxito em reentrar no Segundo Corpo e procurar o garoto: ele se fora, pelo menos não consegui achá-lo.



Esclarecimento interessante: no dia seguinte os jornais traziam a história da morte de um menino de dez anos de idade após doença prolongada. Morrera à tarde, logo após o início de meu experimento. Tentei pensar em algum pretexto aceitável para abordar seus pais e obter uma confirmação, e talvez aliviar-lhes a dor, porém não achei saída.



Só quando você passou do estágio da "emoção irracional” é que penetra nos inúmeros, mas evidentemente organizados grupos de atividades do Local II. Impossível transmitir a outra pessoa a "realidade” dessa eternidade não física. Como muitos já declararam em séculos passados: deve-se fazer a experiência.



Mais importante ainda: em diversos lugares visitados, os habitantes "ainda" são humanos. Diferentes, num ambiente diverso, porém ainda com atributos humanos (compreensível).



Em certa visita fui parar num local parecido com um parque, onde havia flores, árvores e grama Cuidadosamente tratadas, lembrando muito uma alameda com trilhas cortando a área. Havia bancos ao longo dos caminhos, e centenas de homens e mulheres passeando ou sentados nos bancos. Alguns, bastante calmos, outros um tanto apreensivos, e muitos apresentavam um olhar desorientado, aturdido, chocado. Pareciam inseguros, não sabendo o que fazer ou o que iria acontecer em seguida.



De certa forma eu sabia ser um ponto de encontro, onde recém chegados esperavam por amigos ou parentes. Dessa Praça de Encontros tais amigos levariam cada novato ao devido lugar a que "pertencia". Não consegui achar outro motivo para demorar mais, não havia ali ninguém que eu conhecesse, por isso regressei ao físico sem incidentes.



Em outra oportunidade, deliberadamente saí em exploração, na esperança de encontrar uma resposta para trazer de volta. Após dissociar-me e entrar no Segundo Corpo, comecei a deslocar-me velozmente à medida que me concentrava no pensamento "desejo ir onde existam inteligências mais elevadas". Permaneci concentrado enquanto percorria rapidamente um vácuo parecendo interminável. Finalmente parei. Estava num vale estreito de aparência normal. Havia homens e mulheres usando túnicas escuras até a altura dos tornozelos. Dessa vez resolvi, por alguma razão, mudar de estratégia. Aproximei-me de várias mulheres, perguntando-lhes se sabiam quem eu era. Foram todas muito delicadas, tratando-me com grande respeito, mas suas respostas foram negativas. Afastei-me e fiz a mesma pergunta a um homem que usava bata de monge, o qual me pareceu assustadoramente conhecido:



- Sim, eu o conheço - replicou o homem.



Havia forte senso de compreensão e amizade na sua atitude. Perguntei-lhe se realmente sabia quem eu era. Olhou-me como se visse um velho amigo querido que agora sofresse de amnésia:

- Saberá - sorria gentilmente ao dizer isso.



Perguntei-lhe se sabia quem eu fora ultimamente. Tentava forçá-lo a dizer meu nome.



- Ultimamente foi um monge em Coshocton, Pensilvânia respondeu.



Comecei a ficar inquieto e saí me desculpando, regressando ao físico.



Recentemente um amigo meu, padre católico, teve o trabalho de investigar essa possibilidade de um monasticismo de vida pregressa. Para minha surpresa e contentamento existe um obscuro mosteiro perto de Coshocton. Ofereceu-se para levar-me até lá numa visita, mas não houve tempo (coragem?) ... Talvez algum dia ...



Poderia descrever muitas outras dessas experiências sem detalhar completamente os objetivos e dimensões do Local II. Houve visitas a um grupo aparentemente usando uniformes, e operando equipamento altamente técnico; identificava-se como "Exército do Alvo" (interpretação mental do que foi dito). Havia centenas deles, cada qual aguardando "missões". Seus objetivos não foram revelados.



Outra visita levou-me a uma bem organizada cidade, onde minha presença foi imediatamente interpretada como hostil. Só adotando ação evasiva, correndo, escondendo-me, e finalmente subindo direto, fui capaz de evitar a "captura". Não sei que ameaça eu significava para eles.



Com característica mais direta, o surgimento de ações muito agressivas tendeu a confirmar novamente que o Local II não é tão somente um lugar de serenidade e não conflito. Em mais uma viagem fui abordado por um homem vestido convencionalmente. Com cautela, aguardei para ver o que faria.



- Conhece ou lembra-se de Arrosio Le Franco? – perguntou-me abruptamente.



Respondi que não, ainda cuidadoso.



- Tenho certeza de que se recordará, se pensar no passado - disse o homem, com firmeza.



Havia nele uma atitude dominadora que me tornou nervoso.



Repliquei ter certeza de não me lembrar de ninguém com esse nome.

- Conhece alguém lá embaixo? - perguntou.



Eu acabara de explicar que não quando de súbito me senti vacilante, e então o homem segurou-me. Pegou um dos meus braços enquanto eu sentia mais alguém pegar o outro, e começaram a arrastar-me em direção ao que pareceram três fortes focos de luz. Lutei até desvencilhar-me, quando me lembrei do sinal de "ir-para-o-físico·. Mexi-me velozmente e, após curto prazo, achei-me de volta ao escritório e ao físico. Evidentemente, esperava, eu fora confundido com outrem.



Outra viagem, ainda, teve atributos "humanos". Eu chegara a um lugar em nada específico, apenas tudo cinza, e tentava resolver o que fazer, quando uma mulher se aproximou de mim.



- Sou da igreja... e estou aqui para ajudá-lo - falou calmamente.



Chegou mais perto, e imediatamente senti a sexualidade latente porém me detive, pois achava que a igreja. .. não pensava nesse tipo de ajuda. Enganei-me.



Após um instante agradeci-lhe e me virei para ver um homem de pé ali perto, vigiando.



"Falou" com voz forte, pesada de sarcasmo:



- Então, agora já está pronto para aprender os segredos do universo?



Disfarcei minha vergonha perguntando quem era.



- Albert Mather! - quase berrou. Também tive a impressão de que me chamava por esse nome.

- Espero que esteja preparado - prosseguiu, elevando a voz com raiva - porque ninguém se deu ao trabalho de me contar quando eu estava lá.



Não ouvi o resto. Foi como se houvesse interferência estática de um rugido. Afastei-me, sem saber ao certo como sua raiva iria desabafar, e retornei ao físico rotineiramente. Verificando depois, não descobri registro histórico significativo a respeito de Albert Mather (com "a" longo), que parece não ter relação com o sacerdote Cotton Mather, do século dezoito.



Outras experiências no Local II foram mais amistosas, conforme indicamos em outros pontos desta obra. Na maioria não há padrão discernível para o que me atraiu até algumas das estranhas situações. Talvez isto surja eventualmente.



Duas invulgares ocorrências repetidas devem ser acrescentadas aos acontecimentos nessa área. Certo número de vezes o movimento de viagem, geralmente rápido e suave, foi interrompido pelo que se assemelhava a uma forte rajada de vento, parecida com um furacão, no espaço através do qual nos deslocamos. É como se fôssemos empurrados para longe por essa força incontrolável, jogados pelos cantos à revelia, como uma folha num temporal. Impossível alguém mover-se contra essa torrente ou fazer qualquer coisa além de deixar-se carregar. Finalmente se é cuspido para a margem da corrente, depois se cai fora, ileso. Não há nada que identifique isso, mas parece de criação natural, ao invés de artificial.



A segunda ocorrência é o sinal no céu. Observei isso em cinco ou seis ocasiões quando escoltado pelos "auxiliadores". É uma série inacreditável de símbolos toscos pendurados em arco diretamente através de uma seção do Local II. Quando em movimento pela área, todo mundo tem de rodear essa barreira, pois é sólida, irremovível, imutável.



Os símbolos, pelo melhor que minha "visão" pôde estabelecer, eram toscos, ilustrações semelhantes a colagens de um homem, uma mulher idosa, uma casa, e o que pareciam equações algébricas. Foi com um dos "auxiliadores" que aprendi a história do sinal. Contou-me com certo humor, quase apologeticamente.



Parece que há um tempo atrás quase infinito uma mulher muito rica (por que padrões não se sabe) e poderosa quis certificar-se de que seu filho iria para o céu. Uma igreja ofereceu-lhe essa garantia desde que a mulher lhe desse enorme soma de dinheiro (sic). Ela pagou à igreja, mas o filho não entrou no céu. De raiva e por vingança a mãe empregou tudo que lhe sobrara em dinheiro e poder para mandar colocar o sinal nos céus para que, por toda a eternidade, todos soubessem da desonestidade e patifaria da igreja.



Foi um trabalho bem feito. Os nomes da mulher, de seu filho e da igreja perderam-se no tempo. Mas o sinal permanece, intocável aos esforços dos cientistas, através dos tempos, para reduzi-lo ou destruí-lo. A origem da desculpa e do ligeiro constrangimento não é a perfídia de alguma seita obscura, mas a incapacidade de todos em retirar o sinal! Como resultado, todos os estudos científicos nesta parte do Local II devem necessariamente incluí-lo. Seria quase a mesma coisa se alguém criasse artificialmente um elemento entre cobalto e cobre. Se você estudasse química teria, por necessidade, de incluir esse elemento "esquisito". Ou se uma gigantesca lua artificial fosse criada, e estivesse além de nossa ciência o trazê-la para baixo, estudantes de astronomia incluiriam isso em suas aulas como fato corriqueiro.



Essa é a história conforme me foi contada.



A maior dificuldade é a incapacidade da mente consciente, treinada e condicionada num mundo físico, aceitar a existência desse infinito Local lI. Nossas jovens ciências mentais ocidentais tendem a negar sua existência. Nossas religiões o afirmam numa abstração ampla, distorcida. As ciências aceitas contradizem tal possibilidade) mas não encontram provas confirmatórias através de seus instrumentos de pesquisa e mensuração.



Acima de tudo há a Barreira. Por que existe, não é do real conhecimento de alguém, pelo menos no mundo ocidental. É a mesma tela que se abaixa quando você acorda do sono, apagando seu último sonho, ou a lembrança de sua visita ao Local II. Não quero dizer que obrigatoriamente todo sonho é produto de uma visita ao Local lI. Mas alguns deles bem podem ser a configuração de experiências nesse terreno.



A configuração, simbolização da experiência no Local lI, não faz necessariamente parte da Barreira. Ao contrário, parece ser o esforço do consciente para interpretar eventos superconscientes no Local II que estão acima de sua capacidade de compreender ou definir. A observação por meio do Segundo Corpo no· Local II (aqui-agora) provou que as funções e ações mais comuns eram sujeitas a má interpretação, especialmente quando observadas fora do contexto. O Local lI, ambiente totalmente desconhecido do consciente, oferece essa margem tão maior de erro interpretativo.



Como se pode deduzir, desconfio que muitos, a maioria, ou todos os seres humanos visitam o Local II em algum momento durante o sono. Por que tais visitas são necessárias, não sei. Talvez um dia nossas ciências vitais desvendem esses conhecimentos, e nova era nascerá para a humanidade. Com ela virá uma ciência inteiramente inédita, baseada nos dados sobre o· Local II e nosso relacionamento com esse mundo maravilhoso.



Algum dia. Se a humanidade conseguir agüentar até lá.





(Extraído do livro de Robert Monroe, "Viagens Fora do Corpo" - cap. V.)


terça-feira, 9 de março de 2010

Estados Alterados de Consciência entre índios da Amazônia - uma descrição densa



"Neste artigo, vou abordar o ritual de droga nixi pae como um dos contextos privilegiados nos quais é rompida a ordem de percepção e de sentido cotidiana. O foco de minha atenção consiste basicamente nas alterações da percepção que ocorrem neste processo. Aqui, o meu interesse não é orientado por questões de caráter nem neuro-fisiológicos, nem sensorial-científicos ou perceptual-psicológicos. No centro da minha análise encontram-se os discursos indígenas sobre experiências alucinógenas.(...)"


Nixi pae como participação sensível no princípio de transformação da criação primordial entre os índios Kaxinawa no Leste do Peru


Por: Barbara Keifenheim

(traduzido do alemão por Ricardo Ferreira Henrique)

Os índios Kaxinawa, cuja praxis alucinógena é o ponto central deste meu estudo, pertencem à família etno-linguística dos índios Pano e vivem na região fronteiriça entre o Peru e o Brasil. Sua população é estimada em aprox. 4600 pessoas. Em minhas pesquisas de campo, realizadas regularmente desde 1977, concentrei-me exclusivamente nos Kaxinawa do lado peruano. Estes são descendentes de um ramo da etnia, que, no final do auge da exploração da borracha, fugiram para a região da nascente do rio Curanja e evitaram qualquer contato com o mundo exterior até final dos anos 40. Ainda que hoje tenha se completado um processo de assimilação à sociedade peruana, estes Kaxinawa aproveitam seu isolamento geográfico para viver relativamente livres de uma influência externa maciça, em comparação a outros grupos indígenas.
Ao contrário do que acontece em diversos grupos indígenas amazônicos e em outros grupos Pano, entre os Kaxinawa a utilização de alucinógenos não está associada forçosamente praxis xamânica. Para a sua interação com os espíritos, os xamãs Kaxinawa utilizam preferencialmente o tabaco (dume). Somente em casos excepcionais, quando seus métodos não alcançam a cura almejada, é que eles bebem a droga nixi pae em sessões especiais para dialogar com os espíritos. E já que o modelo interpretativo do xamanismo não dá conta do caso Kaxinawa, aqui a questão do sentido e do significado da praxis alucinógena demanda uma outra abordagem. Nos últimos anos, minhas pesquisas evidenciaram que, para alcançar uma compreensão mais profunda deste processo, é imprescindível levar em conta os conceitos indígenas do ver e do visualizar, bem como a integração destes conceitos num complexo universo da percepção. Em outro trabalho, demonstrei detalhadamente como certos conceitos culturais específicos - como o da transformação, da ilusão da realidade externamente perceptível, da existência de múltiplas realidades, da interferência do visível e do invisível, da representação da forma como metamorfose "congelada", etc. - revelam-se como dispositivos igualmente estruturados e estruturantes, que contribuem para a construção das interpretações indígenas específicas das experiências da percepção. Simultaneamente, comprovei, em nível praxeológico e conceitual, o significado central epistêmico atribuído pelos índios Kaxinawa aos processos de transformação visual, que são vivenciados em sua plenitude numa experiência sinestética. Sob a perspectiva dos Kaxinawa, as experiências visuais liminais - que em geral podem ser relacionadas tanto a sonhos, delírios febris, comas e alucinações, quanto a certos modos de contemplação de padrões ornamentais - permitem participar da metamorfose continuamente possível de formas e dimensões. Através deste processo de participação, por meio da auto-experiência sensorial-corporal, manifestam-se os princípios mitológico-cosmológicos coletivos.

Neste artigo, vou abordar o ritual de droga nixi pae como um dos contextos privilegiados nos quais é rompida a ordem de percepção e de sentido cotidiana. O foco de minha atenção consiste basicamente nas alterações da percepção que ocorrem neste processo. Aqui, o meu interesse não é orientado por questões de caráter nem neuro-fisiológicos, nem sensorial-científicos ou perceptual-psicológicos. No centro da minha análise encontram-se os discursos indígenas sobre experiências alucinógenas. Em seu fundamento, e a partir da minha observação de muitas sessões de drogas, serão analisados os processos de percepção desde as modalidades sensoriais cotidianas, até à experiência sinestética.




O alucinógeno nixi pae

Os Kaxinawa utilizam um alucinógeno muito difundido na América do Sul, conhecido na literatura sobretudo sob os nomes de Ayahuasca ou Yagé. Ele é produzido através do cozimento de cipós (Banisteriopsis caapi) e folhas (Psychotria viridis). Esta bebida alucinógena é chamada pelos Kaxinawa de nixi pae, o que significa, na tradução literal, ´sob o efeito do cipó´. Quanto aos ingredientes, distinguem-se três sub-tipos do cipó Banisteriopsis caapi, que trazem os nomes de xawan huni, baka huni e xane huni. Conforme foi-me relatado, estes três tipos não se diferenciam externamente, mas sim de acordo com o seu efeito. Meus interlocutores mencionaram expressamente que cada um desses tipos define as cores dominantes específicas, assim como os motivos predominantes das visões por ele provocadas. Via de regra, o nixi pae primeiro é bebido por alguém experiente, que espera o início do efeito da droga para então comunicar aos outros participantes de que tipo de cipó se trata. O cipó xawen huni provoca, segundo diversas declarações unânimes, visões de cor predominantemente vermelha (taxipa), dominadas por motivo de sangue e fogo, consideradas as mais fortes e mais terríveis. As visões provocadas pelo cipó xane huni são descritas como predominantemente azul-verde (nanketapa) e relacionadas a imagens de aldeias despovoadas. Em contrapartida, para as alucinações vaporosas-esbranquiçadas (hene kexa) do cipó baka huni, frequentemente são mencionados motivos de seca e de sede. As visões de serpentes são consideradas - independente do tipo de cipó - como uma constante de todas as experiências alucinógenas. Porém, cada tipo de cipó define a cor na qual as serpentes são visualizadas. Conforme inferi de diversos relatos, as serpentes tanto podem aparecer em sua forma completa, quanto na forma de língua de serpente enquanto atributo de outras aparições. Por exemplo, ao se vislumbrar um pássaro nas visões xane huni, este aparece com uma língua de serpente azul-verde, assim correspondendo à cor dominante provocada pelo cipó xane huni.

As folhas da família Psychotria viridis, adicionadas ao cipó durante o cozimento, são chamadas de kawa - como também entre outros grupos Pano. Em geral, atribui-se a este ingrediente o poder de elevar a intensidade e a duração das alucinações. O mesmo é válido para o Shipibo-Conibo e o Sharanawa. Meus interlocutores diferenciam dois tipos de kawa, chamados de nai kawa e de kawa kayabi, e a este último é atribuído um efeito mais forte. As folhas de kawa kayabi às vezes também são chamadas de ninka wa kawa, onde ninka wa, na tradução literal, significa ´fazer ouvir´. Aqui encontra-se, eventualmente, uma indicação linguística de que seja atribuída a responsabilidade sobre os efeitos acústicos à Psychotria viridis.

Os participantes de uma sessão nixi pae

As figuras mais destacadas numa sessão de nixi pae são os cantadores. Segundo a opinião geral, além da preparação da bebida alucinógena, a sua tarefa consiste em conduzir os participantes, com muita responsabilidade, através do labirinto das visões e garantir que todos retornem à ordem de percepção cotidiana. Todavia, eles não têm nenhum tipo de comunicação privilegiada com os espíritos com base nas visões induzidas pela droga, a partir do que seria possível atribuir-lhes, p.ex., algum tipo de capacidade para realizar diagnósticos ou curas de doenças, conforme é reportado sobre os Shipibo-Conibo e os Yaminawa, entre outros.

Hoje em dia, a participação nas sessões de droga é reservada exclusivamente aos homens. Assim que um garoto atinge a puberdade, as experiências alucinógenas acompanham o processo do tornar-se adulto. É parte da vida de todo homem expor-se às visões, aprender a se controlar, aprender com as experiências nixi pae. Porém, isto não significa que todos os homens Kaxinawa tomem nixi pae da juventude à velhice. Via de regra, depois de ter a visão de sua própria morte, o indivíduo não participa mais das sessões.

No passado, parece que as mulheres também bebiam nixi pae, e ainda há lembrança da versão feminina da invocação pronunciada ao ingerir-se a bebida do cipó. No passado houve mulheres especialistas, que tanto colhiam os ingredientes para a bebida alucinógena, quanto incumbiam-se da preparação da mesma. Se hoje as mulheres mantém-se afastadas das sessões, isto não ocorre devido a uma proibição. Shuarez (+), um dos mais respeitados especialistas do nixi pae no começo dos anos 80, gostaria que sua mulher também vivenciasse as visões coletivas. Porém, ela sempre se recusou, embora me exortando a tomar o nixi pae. Quando decidi fazê-lo, isto foi aceito pelos homens sem nenhum problema. Possivelmente, a sedentarização dos Kaxinawa contribuiu para que as mulheres se mantivessem afastadas das sessões de droga. Nos tempos da migração, a relação das mulheres com a floresta era muito diferente da atual, e naquela época as mulheres, de maneira semelhante aos homens, vivenciavam a floresta como o espaço por excelência onde a ordem da realidade se transforma, portanto numa dimensão espiritual, também definida pela experiência do nixi pae. Como as mulheres atualmente permanecem unicamente na região da aldeia e nas plantações dos arredores, sua relação com este espaço de experiência é limitada. Não obstante, elas manifestam sempre um grande interesse nos relatos de seus homens sobre as experiências com o nixi pae.

Aspectos do setting nixi pae

As sessões ocorrem à noite. Em geral, começam por volta das 20 horas e durante, normalmente, de seis a oito horas. Em noites de luar não há encontros para se beber o nixi pae, já que, desde o início do efeito alucinógeno, é insuportável a presença de qualquer tipo de luz. Nos primeiros anos de minhas pesquisas de campo, eram realizadas sessões nixi pae quase toda semana. Todavia, havia situações nas quais a necessidade de se "ver claramente" conduzia à ingestão quase diária da droga alucinógena. Assim, em 1979, os relatos dos Kaxinawa brasileiros que visitavam uma aldeia à margem do rio Curanja provocaram tumulto e inquietação, pois eles retrataram a vida no Brasil nas mais sedutoras cores, referindo-se a presentes generosos oferecidos pelo governo e convidando a aldeia peruana a juntar-se a eles. Temendo um êxodo maciço, o então chefe da aldeia convocou reuniões diárias, durante as quais tentou tranquilizar o seu povo e convencê-lo de que tais relatos emanavam de um "espírito mentiroso" . Neste período de debates turbulentos, diversos homens tomavam o nixi pae diariamente, para obter um "retrato real" da vida no Brasil.

Nos últimos anos, a influência de membros da Missão Suíça, atuante nas aldeias Kaxinawa da região Purus-Curanja durante várias semanas por ano e veementes opositores do alucinógeno, por eles considerado como "obra satânica", tem provocado uma redução sensível das sessões nixi pae. Isto vem ocorrendo, no mínimo, em aldeias onde o próprio chefe tornou-se cristão.

Assim que um cantador anuncia que vai procurar cipós para cozinhá-los naquela noite, a maioria dos participantes prepara-se para a ocasião, cumprindo determinadas regras de dieta. Quem não faz um jejum completo, ao menos evita o consumo de carne assada (yapa xui), e principalmente de carne de caça masculina (yuinaka bene).

Via de regra, a reunião ocorre na frente da casa daquele que cozinhou os ingredientes (nixi pae hua-nika), e que portanto irá liderar a sessão noturna (nixi pae-n hai-bu). Os homens levam bancos e bastões longos e espessos. Quase sempre os assentos são enfileirados paralelamente ao rio. Cada um escolhe o seu lugar e começa a enfiar o seu bastão no chão. Posteriormente, durante a embriaguez, os participantes seguram-se nestes bastões, procurando manter uma postura corporal reta. Depois de organizar os assentos, alguns homens desenham com tinta de urucum uma faixa oblíqua na testa, assim como uma faixa longitudinal no nariz e nas têmporas. Os braços também são ornamentados com uma faixa vermelha. Este padrão ornamental é chamado de ´pata de jaguar´ (inu tae) e tem a função de proteger contra visões demasiado poderosas. Muitas vezes, os participantes também friccionam o corpo com ervas aromáticas e mantém algumas nos bolsos das calças. Este aroma deve agradar aos espíritos e provocar visões agradáveis.

Após estes preparativos, é iniciada a ingestão do caldo escuro e amargo. Normalmente, o "anfitrião" é o primeiro a beber, para, conforme relatado acima, identificar o tipo de cipó de que se trata. Depois, ele passa a bebida nixi pae para cada um dos participantes e pronuncia uma invocação.

Haux haux a-ti-ki Haux haux,

(esta é a bebida)

samama hau mia bepe hanu-dan.

(para te provocar neste momento (visões)
longínquas.)

Dami betsa betsapa
(Muitas visões mudando desejas ter)

uin katsi-dan.
Hawaida main katsi-dan.

(Rapidamente estarás outra vez
curado.)

Uin haska wa dami

(Que venham muitas imagens)

betsa betsapa..

(Para que tu as vejas.)

mia uin-ma-ya,

(Depois de vê-las, cantando eu as)

nichin ê-ê-i-ti-ki.

(mandarei embora para ti.)

Ninka bai-nin hau nixi pae

(E no caminho sonoro nós todos sairemos)

butu-nun-dan.

(da embriaguez do nixi pae.)

Após a ingestão do suco da droga, os participantes sentem seus corpos tornar-se ´moles´ (babu). Frequentemente ocorrem tonturas, assim como a necessidade de vomitar e defecar. Ao dar-se vazão a estas necessidades, o efeito alucinógeno do suco de cipó é elevado e acelerado. Participantes experientes bebem novamente após cerca de quinze a vinte minutos, para liberar visões especialmente fortes.

Fases no decorrer de uma sessão de nixi pae

Um processo surpreendentemente homogêneo desenrola-se em sessões de drogas, ao se comparar os relatos de meus interlocutores Kaxinawa com os relatos de práticas alucinógenas em outras etnias indígenas amazônicas, e com os relatos de experiências próprias de etnólogos. Assim, geralmente diferenciam-se duas fases específicas, onde a primeira é caracterizada por visões de desenhos geométricos, e a segunda por imagens figurativas. Além disso, a ocorrência de sequências alucinatórias, como, p.ex., a ameaça de serpentes, é um fenômeno constante. Ao realizar tais comparações, identificam-se também a presença de variáveis culturais específicas, que se espelham - em termos de motivo e conteúdo - nos repertórios imagéticos alucinógenos. Estes repertórios desempenham um papel decisivo na iniciação de novatos e definem basicamente tanto o horizonte de expectativa de todos os participantes , quanto a trama narrativa para a comunicação intersubjetiva sobre as experiências alucinógenas.

Nas sessões dos Kaxinawa, observei que os efeitos do nixi pae não se manifestam em uma progressão contínua, mas sim crescem e diminuem em várias fases, embora também ocorram efeitos nos quais a ordem de percepção cotidiana parece ser temporariamente re-estabelecida. Assim, algumas vezes os participantes saem do círculo dos bebedores embriagados de nixi pae e conversam sobre suas experiências e suas visões com outros que também estejam num momento de tranquilização. Porém, ao perceber uma reiteração do efeito, o indivíduo retorna rapidamente ao seu lugar. O decorrer de uma sessão de droga em diversas fases foi-me representado graficamente na forma de uma linha ondulada.

O primeiro estágio é descrito, em sua maior parte, de maneira idêntica por todos os participantes; enquanto que, nas descrições das fases posteriores, há variações individuais, apesar da ocorrência generalizada de visões coletivas.



A primeira fase nixi pae

Com base em diversos relatos dos Kaxinawa sobre suas experiências, mostro a seguir como a fase inicial é descrita sob o aspecto das alterações da percepção.

Assim que o efeito da droga se manifesta, primeiro ocorre uma alteração da percepção acústica. Enquanto os participantes ainda percebem o mundo material ao redor com ”olhos normais”, eles começam a ouvir coisas para as quais não há correspondentes visuais. Assim, sempre ouve-se primeiro um ´vento forte´ (niwe kuxipa) , sem que haja uma real movimentação das árvores ou das folhas no campo visual do participante. Trata-se de um ´ouvir, sem ver o que se ouve´ (bana ninka). Em seguida, o espaço acústico tornado autônomo é atravessado por sons cristalinos, reproduzidos de modo onomatopaico: Tinnn.... Bing... Piii... Com um certo atraso temporal em relação a estes "relâmpagos acústicos", em seguida tem-se a visão de relâmpagos luminosos multicoloridos. Os contornos do mundo material também se iluminam, e diluem-se em incontáveis desenhos luminosos (ma yama bai tapia-ki). Deste modo, a impressão de profundidade espacial se apaga.

Em seguida, também altera-se a percepção da ordem temporal dos processos de vibração acústica: ao invés de ir-se perdendo na distância, os sons e os timbres voltam a crescer (chintuani ´ir e voltar´, ´virar numa curva´), causando uma forte pressão no ouvido. A partir deste momento, as sequências sonoras são visualizadas como ´caminhos sonoros´ (bana bai). Nesta fase inicial, eles são descritos como ´tortos´ (bai yuxtu). Quando estes movem-se em direção ao ouvinte, são comparados a serpentes que os circundam e por fim os envolvem com força, antes de ´penetrar em sua cabeça e espalhar-se no corpo inteiro´ (buxka medan ichapa haida-kain-mis-ki hame-dan hiki-mis-ki hawen yuda medan). Assim que o primeiro participante constata que suas percepções auditivas e visuais se ´transformaram´ (dami-a-ki), e que os fenômenos acima descritos começaram a ocorrer, ele dá um sinal ao cantador, para que este inicie os cantos de acompanhamento.

De acordo com cada tipo de cipó e com as cores e os motivos dominantes respectivos, o cantador vai entoar um ´canto para evocar as visões´ (yube kena-ti dewe). Se houver vários cantadores presentes, também estes irão cantar cantos de seu próprio repertório. Os ´caminhos sonoros´ dos cantos de acompanhamento são visualizados em azul-verde. Esta tradução de estímulos acústicos em percepção visual marca o início de uma experiência sinestética no processo crescente das alterações da percepção. Os cantos só serão encerrados quando todos os bebedores tiverem retornado de suas visões. Mesmo os participantes que não têm o status de cantores também cantam, para cumprir uma necessidade subjetiva de tentar chegar o mais próximo possível do canto de um cantador. Porém, as suas vozes não assumem nenhuma função condutora no decorrer da sessão.

Com o prosseguimento do efeito da droga, os participantes têm a impressão de que os sons percebidos produzem, ou esboçam, ´desenhos´ (kene). Agora, eles vêem como tudo é recoberto - da terra (mai) até o próprio corpo (yuda) - por desenhos geométricos pretos em transformação contínua. "Agora tu tens a impressão nítida de que tudo é mantido junto por desenhos" (Xabaka mia kene mani-a-ki), é a descrição desta fase. Estes desenhos permanecem como uma constante visual em todos os estágios subsequentes da embriaguez. Os padrões ornamentais induzidos pela droga são descritos como grandes formas geométricas abstratas.

Neste ponto, todos os participantes já se encontram sob o efeito completo do alucinógeno; no entanto, este estado ainda é descrito como ´embriaguez boa´ (pae pepa), pois não causa medo.
Pouco a pouco, os ´caminhos sonoros´ dos cantos se sobrepõem acusticamente; além do canto, ouve-se, p.ex., o assobio do ian isa (donacobius atricapillus), os gritos do xawan (ara macao) vermelho ou também do pássaro (?) chunchun.. Estas vozes de pássaros "chamam" as lagartas (xena), que sobressaem dos desenhos. Mesmo que nas fases posteriores os bebedores vivenciem aparições visuais diferenciadas, esta fase inicial é dominada por este único motivo. Os homens que beberam pouco suco de cipó, ou que, por outras razões, experimentam apenas um efeito alucinógeno reduzido, não ultrapassam este estágio. As aparições visuais que ocorrem neste processo são denominadas como as primeiras visões (dami, literalmente ´transformação´, ´alteração´), a partir das quais, em rápidas sequências contínuas, desenvolvem-se novas. Assim, segundo cada tipo de cipó, logo as lagartas visualizadas transformam-se ou em serpentes ( no caso de baka huni) ou dissolvem-se em sangue (no caso de xawan huni) ou em chuva torrencial ( no caso de xane huni). E assim começa a segunda fase nixi pae.





Início das alterações da percepção

A partir das descrições dos Kaxinawa, depreende-se que a fase inicial caracteriza-se essencialmente pela dissolução da ordem de percepção cotidiana e pela constituição de um outro dispositivo sensorial. Neste processo, é possível acentuar os seguintes aspectos: primeiro, as percepções acústicas e óticas derivam-se tanto de sua referência no mundo material ao redor, quanto de sua sincronicidade recíproca. Já que a audição, por definição, é vinculada à sequência temporal de sons, aquilo que os Kaxinawa descrevem como a percepção de um processo vibratório retrógrado de sons implica em uma modificação da dimensão temporal da ordem de percepção cotidiana. Simultaneamente, ocorre um entrelaçamento específico das modalidades sensoriais acústica e visual: os sons parecem gerar aparições visuais , num processo onde os sons específicos dos cantos nixi pae dewe são visualizados como "caminhos sonoros" constantes. No plano visual, ocorre uma desconstrução, à medida que, primeiro, os contornos do mundo material se dissolvem, para em seguida reagruparem-se em desenhos geométricos (kene), que se sobrepõem ao mundo material "indiferenciado", aproximando oticamente os seus elementos entre si.

O fato de que o participante percebe a si mesmo recoberto por desenhos, indica que apaga-se a diferenciação ente sujeito e objeto no aspecto da superfície. Ao mesmo tempo, a descrição da percepção de sons/serpentes espalhando-se no corpo inteiro indica que, na percepção de si próprio, também é eliminada a distância entre quem percebe e aquilo que é percebido.

A primeira fase da droga termina assim em visões representacionais (dami) que "transportam" o bebedor de nixi pae para um universo visual extra-cotidiano.

A segunda fase nixi pae

A segunda fase é marcada pela presença maciça de visões (dami), independente dos olhos estarem abertos ou fechados. Assim que um participante começa a perceber seres humanos ou espíritos antropomórficos, isto é um sinal de que ele agora se encontra no estágio da ´embriaguez completa´ (pae kayabi). As características que definem o estado de pae kayabi são o fenômeno de ver a si mesmo de fora ou de se perceber enquanto chuva ou crocodilo gigante, assim como a sensação de movimentar-se no céu estrelado ou em partes desconhecidas do mundo , de encontrar-se em um outro tempo.

Quando perguntei a René, um cantador experiente, o quê é visto nesta fase, ele fez uma listagem muito representativa, que aqui reproduzo literalmente:

Nixi paen dami-ma-kin.

Nixi pae muda
continuamente.


Xabakabi wa-kindan..

Põe (tudo) em clara
luz.

Dasibi dami betsa betsapa

Te deixa ver

mia uin wa-kindan..

imagens mudando o tempo todo.

Nai bapu mia uin-ma-kin.

Te deixa ver aviões.

Hene bapu mia uin-ma-kin.

Te deixa ver barcos motorizados.

Huni kuin mia uin-ma-kin.

Te deixa ver Kaxinawa.

Ianwan mia uin-ma-kin.

Te deixa ver grandes
lagoas.

Kapetawan mia uin-ma-kin.

Te deixa ver o grande
crocodilo.

Dunuwan mia uin-ma-kin.

Te deixa ver a grande
cobra.

Min nabu ichapa bi-xan-ai.

Traz muitos parentes
para perto.

Huni-kindan, mia dau-en-ibu

Te deixa ver

uin-kindan.

um homem que
quer te envenenar

Yuda mawa-a-bu uin-kindan..

Deixa ver um morto.

Hanida mae ewapa uin-kindan.

Deixa ver grandes
cidades estranhas.

Mi-n daya-ai, mia uin-ma-kin.

Deixa te ver a ti mesmo
trabalhando.

Mi-n tsaka-ai, mia uin-ma-kin..

Deixa te ver a ti mesmo
caçando.

Mi-n ain-ya-xan-ai uin-kinan.

Deixa te ver como
vais ter uma mulher.

Mi-n mawa-xan-ai uin-kindan..

Deixa ver como vais
morrer no futuro.

Sai ik-ai-bu uin-kindan.

Deixa ver homens
(estrangeiros) gritando.

Huni mawa sain ik-ai-bu

Deixa ver alguém

uin-kindan.

de luto chorando.

Nai wa-ai-bu uin-kindan..

Deixa ver um homem
no enterro.

Yuxibu uin-kindan.

Deixa ver
espíritos terríveis.

Yuxin betsa betsapa.

Deixa a gente ficar vendo

uin-kindan

outros espíritos.

Yuda-bu betsa betsapa

Deixa a gente ficar vendo

uin-kindan.

Homens (estrangeiros).

Haska-ki nixi pae-n

Assim são as visões nixi pae.
dami-dan.

Hanubi nuku-n yuda uin-kin.

Lá nós vemos
nossos corpos.

Nuku dunu pi-xan-ai

Nós vemos se no futuro

uin-kindan.

uma cobra vai nos morder.

Nu-n isin tenen i-xan-ai

Nós vemos se no futuro

uin-kindan.

ficaremos doentes.

Nu-n ainbu bake wa-xan-ai

Nós vemos se nossa mulher

uin-kindan.

no futuro vai parir crianças.

Nu-n ainbu hene-xan-ai

Nós vemos se nossa mulher

uin-kindan.

no futuro vai nos abandonar.

Haska nuku uin wa-mis-ki

Tudo isso nos permite ver

nixi pae-n dami-dan.

as visões nixi pae.

Embora as aparições visuais estejam no centro deste relato sobre a segunda fase nixi pae, ocasionalmente há menção a uma relação som-imagem específica, que já se tornara evidente nas descrições da primeira fase. Assim, bebedores de nixi pae relataram repetidamente sobre sua impressão de que as visões se alteram com os sons, ou através dos sons. Às vezes há uma conversão visual direta, mesmo que temporalmente deslocada, de coisas primeiramente apenas ouvidas. Alguns contaram que primeiro costumam ouvir pessoas estranhas à etnia gritando (sai ik-ai-bu ninka-mis-ki) , e que depois também as visualizam. Alguns informaram de que regularmente ouvem tiroteios de brancos (nawa tsaka ninka-mis-ki) e em seguida vêem imagens de mestiços ou brancos se matando mutuamente. Como, com o aumento do efeito da droga, se ouve em diversos níveis, nem todos os sons são convertidos em imagens, mas alguns são ´somente ouvidos´ (ninka bisti).

Ouvir em diversos níveis pode significar, por um lado, que ocorre uma sobreposição de camadas de significados na identificação de um estímulo acústico. Desta maneira, é possível ocorrer que, no ruído causado por um participante esfregando os pés no chão, perceba-se simultaneamente o ruído de uma maré subindo, e o riso sinistro do espírito de um morto. Por outro lado, o ouvir em diversos níveis pode significar que diversos ruídos e sequências sonoras são percebidos em uma relação específica: estes diversos sons podem parecer ou como igualmente significantes e presentes, ou então em uma relação figura-fundo alternante. Via de regra, uma tal relação figura-fundo ocorre quando vários cantadores estão cantando e seus cantos correspondem a estados de embriaguez diferenciados.

É característica de um bebedor de nixi pae experiente conseguir estar sempre percebendo em primeiro plano um canto correspondente ao seu estágio alucinatório. Assim que seu estágio se altera, este canto passa para um segundo plano e um outro canto assume o primeiro plano, tornando-se uma "figura" dominante. Se houver somente um cantador presente, é possível originar-se, entre os seus cantos e os sons induzidos pela droga, uma relação figura-fundo.

Neste estágio da embriaguez ´ocorrem tonturas e grandes dores de cabeça´ (buxka nisu i-mis-ki nixi pae-dan) e ´o embriagado precisa vomitar muito´ (pae-n hanan-mis-ki). O vômito é percebido em cores determinadas através de cada tipo de cipó. Assim, no caso de xawan huni ele aparece vermelho, no caso de xane huni azul-verde e no caso de baka huni aparece branco-leitoso. Na visão de um bebedor de nixi pae o vômito também assume formas diferenciadas: freqüentemente é descrito como fogo, sangue, lagartas, excremento, vísceras ou penas de arara.
No estado pae kayabi mesclam-se também cheiros alternantes na seqüência, cada vez mais rápida, de sons, imagens e sensações corporais. Segundo os relatos de meus interlocutores, estes cheiros nada têm a ver com o mundo olfativo cotidiano, mas são atribuídos a fontes aromáticas estranhas. Ou seja, provenientes sobretudo de espíritos ou de lugares longínquos ou seres desconhecidos. Os sentidos se misturam. A percepção sinestética é formulada, p.ex., no seguinte relato: " Ma mi-n bedu betsa-ki dami inun inin xete i-dan.”. Na tradução literal: "E teu olho já mudou completamente quando ele respira visões e cheiros". A consciência integradora xinan, que garante a coordenação e a integração de modalidades sensoriais separadas, é desativada no processo sinestético. Nos cantos entoados nesta fase, esta é sempre caracterizada como uma ´pobre consciência sofredora´ (xinan nuitapa-ya), que não é mais utilizada.

À medida que a alteração da percepção progride, também violentamente parece que o corpo perde seus limites. O bebedor de nixi pae sente como seu peito ´pula´ (naxpi-kia), de maneira que as vísceras saltam para fora. A proximidade do auge é anunciada pela mistura crescente da percepção de imagens e de si próprio. Alguns descrevem que, neste momento, têm a sensação tanto de serem tragados para o interior das imagens, quanto de que as imagens penetram em seus corpos. Quase todos os participantes tentam, tanto desesperados quanto inutilmente, escapar das imagens. Quando no auge da embriaguez serpentes penetram no intestino de um participante, ele não consegue dominá-la. Outros vivenciam a aproximação de um fogo, sentindo um calor doloroso (kui isin), sem condições de fugir. Um bebedor me conta que, ao ver a cidade de Lima em suas visões, sentiu um grande frio (matsi). Nesta fase, todos os participantes sofrem (nui-mis-ki). A fusão da percepção de imagens e do corpo de modo sinestético sempre provoca uma ‘morte’ (mawa). O repertório dos tipos de morte é, em sua maior parte, determinado pelo tipo de cipó utilizado. Uma exceção é a "morte da serpente", que pode ocorrer em qualquer sessão, independente do tipo de cipó. A descrição desta luta mortal alucinada parece seguir um modelo narrativo fixo, já que, neste caso, os relatos individuais quase não se diferenciam. Na luta com a serpente Boa os envolvendo, apertando e devorando, os bebedores de nixi pae vivenciam a própria morte, com a sensação de estarem sendo digeridos no interior da cobra gigante. Este processo é vivenciado como extremamente longo, e eles dizem a si mesmos: "A Boa me engoliu - dunu ea xea-a-ki". Eles já não sentem o próprio corpo e choram: "Meu espírito foi embora", dizendo para si mesmos "estou morrendo; estou morto - e-n yuxin ka-xu-ki, i-tan, e-n mawa-ai, e-n mawa-a-ki”. O embriagado se contorce sem perceber, gesticulando as mãos descontroladamente, e um cantor o segura e lhe canta no ouvido. No motivo do fogo, a morte consiste em vivenciar um ardor até tornar-se cinzas. Na luta com o jaguar, o embriagado sente como as patas do felino lhe penetram na carne e como ele se aproxima com a bocarra aberta, e por fim o devora. Neste momento ele morre, e nada mais sente. Só depois de ‘ressuscitar’ (besten) graças aos cantos, ele comenta: "o jaguar me devorou - Inu-dan ea pi-xu-ki". Outros vêem a si mesmos sentados na raiz de uma árvore gigante nas profundezas da terra e morrem. Outros vivenciam a morte por sede.

É só a voz de um cantador que pode fazer ressuscitar os "mortos". "Ao ouvirem esta voz, eles sempre saram - Ha ninka-tan main-mis-bu-ki". Por isto, a instrução mais importante para um novato é, certamente, de nunca perder completamente a ligação com os cantos. Por mais que os bebedores de nixi pae estejam presos em suas alucinações, eles precisam lembrar-se deles e procurar a voz de um cantor. Assim que eles voltam a conseguir percebê-la e visualizá-la, eles são ´curados´ (xuxa). E o indivíduo ressuscita são e salvo das cinzas ardentes; da barriga da cobra, onde fora esmagado; rebenta como um grão e sente-se ´renascido´ (bake bena). A consciência xinan retorna. "O corpo sente-se melhor do que nunca - Yuda batu-mis-ki", mas ainda está ´fraco´, ou ´mole´ (babu).

Para muitos participantes de uma sessão, aqui acaba a experiência alucinógena. Todavia, de acordo com a quantidade de nixi pae ingerida pela experiência do bebedor e segundo fatores individuais, é possível dar-se ainda outra fase. Uma fase que, ao contrário da segunda, é dominada exclusivamente por imagens agradáveis. Após o auge, as visões se afastam e não mais provocam medo. Nos relatos que consegui obter sobre este estágio, chamou-me a atenção a ausência completa de referências sobre os processos de percepção. A afirmação geral é a de encontrar-se em um estado de ´visão pura´ (uin kayabi).





Os cantos de acompanhamento nixi pae dewe

A unanimidade sobre a função condutora e estruturante dos cantos (nixi pae dewe) coloca a questão sobre suas características específicas .

Os cantos são compostos de versos de 7 sílabas e refrões, nos quais repetem-se sílabas onomatopaicas como kdi-kdi, ou seqüências vocálicas como ê-êa-ê. Todos os interlocutores frisaram que o efeito dos cantos não advém dos textos. Minhas pesquisas revelaram uma homogeneidade acentuada tanto no texto quanto no conteúdo de todos os nixi pae dewe. Neste nível, quase não há diferenças, p.ex., entre os cantos das fases inicial e final. As diferenças são mais de natureza musical, e referem-se principalmente ao ritmo, ao volume e ao tom da voz do cantor.

Nos textos dos cantos, há uma primazia da linguagem metafórica. Assim, o alucinógeno é chamado de nawa huni (´homem estrangeiro´, ou ´homem branco´), nawa huni kene-ya (´homem branco recoberto por desenhos´) ou ainda huni nixi (´homem-cipó`). Os bebedores de nixi pae são denominados ´crianças pequenas crescendo´ (bake yume-tan). O céu é comparado a uma ´cuia ornamentada´ (munti kene-ya). ´Segurar o céu´ (hatun nai mesten) significa ´estar fortemente embriagado´. A consciência desativada pela embriaguez é chamada xinan kene-ya ou também xinan nuitapa, `recoberta por desenhos`, ou `pobre consciência sofredora´.

As nixi pae dewe contém diversos versos na língua Yaminawa, p.ex., habina tubi ou yame duka duka-ii.
Mesmo os cantadores não sabem o significado de tais versos.

Em termos temáticos, prevalecem as descrições de estados de embriaguez, quase todas baseadas em metáforas visuais. Assim, p.ex., o início das alucinações é cantado como o surgimento do huni nixi kene-ya (literalmente, ´o homem-cipó recoberto de desenhos´), e no auge do efeito alucinógeno, o céu é denominado como uma canoa vermelha (nai taxi xaxu-na).

Um outro leitmotiv são as qualidades especiais do cantador, como a sua capacidade de ver a visão dos outros participantes: "Eu vejo o que tu vês - mia uin-matana, kdi kdi "; "Eu vejo como ele vai embora - uin-kia wa-baini, kdi kdi "; "Eu canto para ti porque estás embriagado - pae-yan-xun-a-men, kdi kdi ". Este tema associa-se à exortação constante de que os bebedores ouçam os cantos. Assim, ao último verso citado, quase sempre se segue um Ninka inibidani, kdi kdi (´ouça-me bem de perto´). Em outros momentos, segue-se ao verso Mia ninka-tima wa, kdi kdi (´ tu não estás ouvindo bem´) a exortação Ninka bea-baini, kdi kdi (´Para onde quer que tu vás, ouça!´).

Ao se comparar todos os cantos nixi-pae dewe, temos um repertório relativamente reduzido em termos de versos sintaticamente completos, resultando num conteúdo fechado . As diferenças entre cada canto consistem na distribuição específica de unidades básicas repetitivas e nos refrões diferenciados.

A seqüência típica de versos de um canto não é baseada em nenhum princípio construtivo fixo e através disso diferencia-se, p.ex., da distribuição BC, ABC ou C, BC, ABC, descrita por Illius como modelo para os cantos Shipibo-Conibo (1997: 224). A distribuição das unidades textuais repetitivas, que pode ser improvisada por um cantor Kaxinawa durante a sua performance, ocorre sempre de modo assimétrico e, assim, corresponde a um dos princípios estéticos básicos dos Kaxinawa, que também pode ser observado no âmbito da arte ornamental e da arte plumária.

Os cantos alucinógenos dos Kaxinawa, na forma de cantos altamente padronizados e conhecidos antecipadamente por todos os participantes, diferenciam-se muito dos cantos dos Yaminawa (Townsley 1993: 457ff) e Shipibo-Conibo ( Illius 1987: 176f, Gebhardt-Sayer 1987:228), que são vistos como traduções ad hoc das alucinações acústicas e óticas.

O efeito condutor da percepção, este sim atribuído pelos Kaxinawa aos seus cantos de droga, naturalmente carece de um "fio condutor" estruturante. Este possivelmente é fornecido pelo refrão que segue a cada verso, e também pela repetição contínua dos versos dentro de um canto. No auge do estado de embriaguez, em alguns cantos há seqüências de versos que se caracterizam por repetir palavras ou elementos de palavras do verso imediatamente anterior:

nawa huni xeani kdi kdi Nós bebemos nixi pae;
xeanibu pae-n kdi kdi os bebedores estão embriagados;
pae xeaniya kdi kdi embriagados daquilo
que eles beberam.

Tais procedimentos estilísticos de repetição insistente acabam por criar continuidades sonoras que, literalmente, dão o tom, fazendo passar para um segundo plano o significado textual, que aliás já é ausente per se no caso dos versos em língua Yaminawa. Seria de grande valor realizar aqui uma análise sob o aspecto da musicologia. Infelizmente minha competência não dá conta do estudo do movimento melódico, do ritmo e de outros aspectos formais e estruturais. Pesquisas neste campo poderiam contribuir, em primeiro lugar, para uma melhor compreensão das dimensões acústicas da experiência alucinógena, as quais volta e meia se referem os relatos Kaxinawa. Em segundo lugar, elas seriam de grande auxílio para responder às questões sobre eventuais correspondências estilísticas entre os padrões musicais e os padrões ornamentais da pintura corporal e da tecelagem.

As vozes dos cantores e sua visualização

O efeito estruturante e condutor das vozes dos cantores, com auxílio das quais é possível reencontrar o caminho para fora do "tumulto sensorial" sinestético, é mais tematizado do que explicitado. A função condutora também se evidencia em afirmações negativas, p.ex., quando se acusa um cantor de ter provocado intencionalmente visões de serpentes especialmente longas, para castigar determinados participantes. Este tipo de acusação também surge quando, após uma sessão, é relatado que a tentativa de um cantador de "evocar" visões terríveis fracassou porque outros cantores conseguiram cantar acima dele e, assim, impor as "suas" próprias visões.

Ao ser visualizada, a voz de um cantador é chamada de ´caminho´ (bai) - conforme já citado - e vista em azul-verde (nanketapa), independente da cor predominante nas visões. Também é unânime a afirmação de que este caminho sonoro nunca é ´torto´ (yuxtu), mas sempre retilíneo (yuxtu-ma) , movendo-se em ziguezague entre o cantor e o céu (ina kai-ni-kiki, chintun-kida-ni-kiki). Nas instruções aos novatos, encontra-se sempre a recomendação de seguir unicamente os caminhos retilíneos dos cantos, e de não seguir as linhas do desenho (kene), que podem ser vistas durante a sessão inteira, e que também apresentam formas curvilíneas. A visualização da altura da voz do cantor depende de cada fase da droga. Os cantos iniciais que evocam as visões começam bem baixo (yuan eskadabes) e a voz é descrita como ´suave´, ou ´cantando leve´ (hui babu-an yuanki). No decorrer das sessões, ocorre uma progressão contínua. Com uma altura crescente a voz alcança o "ouvido" de ´novos mortos´ (mawa bena), ´velhos mortos´ (mawa xeni) e outros espíritos, que por elas são atraídos e visualizados pelos bebedores de nixi pae em "condensação corporal".

No auge da sessão, quando são iniciados os cantos com as quais as visões são afastadas (nichin-ti dewe), a voz azul-verde do cantor, que agora canta alto e com força (hui kuxipa haida-ki), finalmente alcança o céu em seus movimentos ziguezagueantes e o perfura (hawen hui nanketapa nai-ki chachi-mis-ki), para então tomar o caminho de volta. Quando ela retorna ao círculo dos bebedores de nixi pae, ocorre a cura. Todavia, isto se dá sob a condição de que os participantes não tenham se desconectado da voz, ou de que voltem a se lembrar dela no momento correto conseguindo visualizá-la.




Considerações finais

Na experiência da percepção induzida pela droga, na qual são dissolvidos simultaneamente os limites tanto do mundo material cotidiano, quanto do próprio bebedor de nixi pae, este participa, sensorialmente, da metamorfose continuamente possível das formas e das dimensões, aproximando-se do princípio fundamental da história da criação: o princípio da transformação.

No começo das coisas, conforme narram os mitos primordiais Kaxinawa , a vida se desdobrava em um fluxo de contínuas transformações (dami). Tudo o que existe podia mudar de forma, metamorfosear-se em outras formas do ser, comunicar-se com o todo. O visível e o invisível, o material e o imaterial não se opunham como contrários, mas eram aparições em fluxo de uma única realidade indivisível. O tempo era sincronicidade, em que tudo podia ser tanto si mesmo, quanto uma outra coisa. Deste modo, o princípio da transformação generalizada parece ser a característica essencial da criação primordial. Com a ruptura da criação primordial, a capacidade de transformação dos primeiros seres perdeu-se, e aí se originaram os planos da realidade dividida em materialidade e imaterialidade, em visível e invisível, em tempo e espaço. Contudo, a divisão destas realidades não é absoluta, mas tem limites fluidos, permitindo sempre a ocorrência de interferências.

O discurso mitológico e as visões alucinógenas retraçam o processo da criação de modos opostos, ainda que complementares. Os mitos acentuam o processo de diferenciação introduzido através da ruptura da criação primordial. Ao longo de seqüências, é retratado como o "mundo-no-começo-das-coisas" tornou-se o mundo fragmentado de ordens antagônicas que hoje encontramos. Nas visões alucinógenas, ao contrário, através da dissolução da ordem da percepção cotidiana, ocorre uma indiferenciação do mundo atual em derredor. Com o efeito progressivo da droga, a separação entre as coisas é abolida e substituída pela visão, determinada sinesteticamente, de um mundo pré-formal, preenchido pelos Kaxinawa com um sentido mitológico/cosmológico: No processo referido da diferenciação, os estilhaços da criação fragmentada amalgamam-se na visão sinestética. Por isso é possível afirmar que o olhar marcado pela experiência sinestética conduz a uma visão holística das coisas. Holística também porque a sinestesia não apresenta nada além de um leque de impressões sensoriais para um único estímulo sensorial. Aqui, a unidade dos sentidos e a unidade da criação primordial estão inter-relacionadas. A holística baseia-se na indiferenciação tanto em termos de motivo quanto de percepção. Todavia ela deve ser controlada pois os homens do tempo atual não podem esquecer que, em última instância, ela conduz à dissolução e à morte. Em virtude disso os cantos de acompanhamento têm uma função organizadora e condutora das visões induzidas pela droga.

As experiências de percepção liminares permitem aos Kaxinawa vivenciar sensorialmente o princípio da transformação, ao invés de o formular semanticamente. Assim, o nixi pae oferece uma possibilidade controlada e coletiva de participar daquela ordem de criação primordial que confere sentido à existência tanto do indivíduo, quanto de seus iguais. Uma história que, através deste processo, a cada vez se constitui novamente.


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