sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Dilemas da extrema-direita

 

Numa sociedade em que a cultura é  republicana, em que todos são iguais perante a lei, ou seja , perante o Estado, de que forma os cidadãos canalizam suas reivindicações e, no outro sentido, de que forma o Estado atende a essas reivindicações (verbas)? Classicamente e precipuamente, por meio dos partidos políticos. As politicas públicas são ditadas em maior ou menor grau, por meio das coalizões partidárias. Temos aqui as politicas universalistas, posto que os partidos, por definição, anseiam representar a todos.

Numa sociedade onde os indivíduos são tratados a partir de suas identidades, pós-moderna (alguns identificam até mesmo no fascismo/corporativismo a origem desse modelo) , os canais de representação não são mais universais.  Têm que se dar por meio das entidades - que representam essas identidades. São os movimentos sociais, ONGs etc., que se fazem representar no Estado. Este, por sua vez, reconhecendo como legítimos esses lobies, canalizam seus recursos e politicas públicas para e por meio  dessas entidades/identidades. 

Essa teria sido a opção do lulopetismo.

Se foi esse o modelo que faliu, (lembrando que as manifestações de 2013 reivindicavam mais e melhores serviços públicos PARA TODOS), então temos uma ironia da historia - veremos isso ao final deste texto.

Ora, esse debate não pertence à direita, mas , de certo modo, foi capturado por ela.

Com efeito, o debate "focalização versus universalismo" é antigo, remonta aos anos 80 e se deu principalmente no âmbito da esquerda do espectro político. 

Teria, de fato, a ênfase pós-moderna no "identitarismo" se refletido em políticas públicas, nos respectivos canais de representação, pressão e execução orçamentária ? Será isso verdade ? No imaginário senso-comum, sim. Mas voltaremos a esse ponto em outra postagem, pois essa pergunta requer um aprofundamento na análise e uma verificação empírica mais aprofundada.

Ora, o discurso direitista aproveita esse imaginário (de que politicas públicas foram capturados pelos grupos identitários), para reivindicar para si o exclusivismo do universalismo. 

O bolsonarismo parece mesmo que veio para contestar essa politica de identidades e sua suposta captura do Estado, das verbas e das politicas públicas por grupos identitários. Mas vai além, pois ao reivindicar para si um pseudo universalismo, o faz em nome, também ele, de uma suposta maioria. "Nosso povo" contra "eles".  Se a esquerda abriu mão da maioria em nome de um caleidoscópio de minorias, a direita vai no sentido de um autoritarismo de uma suposta maioria, tentação essa contra a qual nos advertiram, há muito tempo, todos os teóricos do liberalismo clássico.

Porém, há aqui uma inflexão importante. Pois, na medida em que também despreza o sistema partidário, o universalismo da direita acaba sendo capturado por um discurso "do governo sem mediações", um discurso povo/estado, dando margem ao populismo fascista. Porém, mesmo nesse caso, quem irá fazer a mediação das politicas públicas ? Ora, essa é uma questão prática: se há uma Estado, há, necessariamente, mediações. E esse é o dilema da extrema direita. Ou o governo se torna disfuncional ou é capturado por novos grupos de pressão, que assumindo discursos ideológicos extremados, caem na ditadura de minorias, tais como seitas religiosas e similares.
O Rei está nu.

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