segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Conflitos distributivos e a ascensão da extrema-direita

 Na última postagem, introduzi o tema da ascensão da extrema direita no Brasil dentro do contexto do conflito distributivo. Nesta sequência - pretendo postar outros textos sobre o tema - reproduzo trecho de artigo de André Luis L.R Saraiva (a fonte encontra-se mencionada ao final da postagem).


Focalização x universalização

 

Atacar  os  problemas  expostos  anteriormente  passa,  entre  outras coisas, por uma opção entre a focalização e a universalização das políticas sociais. No caso de política universalizada, “todos os indivíduos têm direito de acesso a determinados serviços públicos (...). Na focalização, os  recursos  disponíveis  são  concentrados  em  uma  população  de beneficiários. Os indivíduos-alvo das políticas focalizadas são, geralmente, aqueles  em  maior  (desvantagem),  como  os  pobres,  as  minorias,  etc.” (MEDEIROS , 1999, p. 5-6).

Existem basicamente três tipos de argumentos com relação a esse tema:

1)    A  defesa da universalização  tem inspiração no modelo sueco de Welfare State , em que há elevada carga tributária que financia inúmeras políticas sociais que atingem indistintamente todos os cidadãos. Segundo essa perspectiva, deveria haver a universalização total das políticas sociais, dado que essas estão intimamente relacionadas com direitos de  cidadania , com “conquistas” sociais (MEDEIROS , 1999, p. 5). Alguns autores, como é o caso  de Weffort (1992), entendem que os direitos sociais estão intimamente ligados aos pressupostos de um regime democrático. Seguindo ainda essa linha de raciocínio, as políticas focalizadas seriam basicamente compensatórias. Ou seja, seriam desenhadas apenas para amenizar a situação de determinados indivíduos ou, então, as externalidades negativas dedeterminada política pública. Desse modo, ao não abarcarem setores mais amplos  da  população,  elas  não  reverteriam  efetivamente  o  quadro  de exclusão  social.  O  problema  em  torno  desta  abordagem  está  nas  condições de financiamento dessas políticas exclusivamente pelo Estado, bem como no efetivo acesso que as camadas mais baixas têm a determinados recursos,  como  bolsas  para  estudantes  universitários  (PIO,  sd),  emboraseja sabido que a maior parte dos estudantes das universidades públicas écomposta por indivíduos de classe média e alta. Ou seja, o Estado acabagastando mal um recurso que já é escasso, sendo que poderia direcionar sua  alocação  para  a  população  mais  necessitada.  É  importante  ainda mencionar o velho problema de eficiência estatal na execução desse tipode política.

2)    A defesa da focalização está fundamentada na idéia de maior eficiência e racionalidade na aplicação dos recursos, já que esse tipo de programa social é mais barato que os universais, pois atende apenas aqueles que mais necessitam. Nesse caso, a idéia seria tratar os diferentes diferentemente, ou seja, por exemplo, garantir educação gratuita para aqueles que efetivamente não tenham condições de ter acesso a esse tipo de bem ou serviço por seus próprios meios. Um dos problemas da focalização está também na eficiência estatal tanto na execução do programa, como na localização precisa do público-alvo. A dificuldade de produção de cadastros confiáveis e a escassez de determinados dados dificultam a implementação desse tipo de programa social (MEDEIROS, 1999, p. 5).

3)     A defesa  da  focalização  +  universalização   defende  que  a focalização e a universalização não são, necessariamente, excludentes, ou seja, existem determinadas políticas que, “obrigatoriamente”, deveriam ser  universais,  como  saúde  e  educação  básica,  e  serviriam  especificamente para a redução da desigualdade social.

 

(Extraído de Saraiva, A. L. L. R. (2014). Políticas sociais: focalização versus universalização. Revista Do Serviço Público55(3), p. 91-95. https://doi.org/10.21874/rsp.v55i3.253)


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