terça-feira, 25 de agosto de 2020

Quando a Democracia não se encaixa na Justiça

Senador Randolfe Rodrigues 

Os devaneios autoritários de Bolsonaro atingiram um perigoso patamar com a descoberta da existência de um dossiê produzido dentro do Ministério da Justiça contra servidores públicos identificados como “antifascistas”.

 No total, 579 pessoas são listadas no dossiê, na maioria ligadas à área da segurança pública, além de professores universitários. Em comum a todas elas, o posicionamento crítico ao governo conduzido por Jair Bolsonaro. 

O documento, compilado pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (Seopi), traz uma lista com nomes, endereços e até mesmo fotografias das pessoas espionadas, bem como suas redes sociais. Subordinada diretamente ao ministro André Mendonça, a Seopi produziu o dossiê sigilosamente até a sua descoberta e divulgação pelo jornalista Rubens Valente. 

Os relatórios das tarefas não estavam submetidos a acompanhamento judicial. As informações foram reunidas após a eclosão de diversas manifestações antifascistas ocorridas de norte a sul do Brasil. Um manifesto publicado por servidores da ativa e aposentados de diferentes forças da área da segurança pública serviu de motivação para a investigação. 

As pessoas monitoradas foram divididas por região do país e classificadas de acordo com a sua influência, sendo alguns “formadores de opinião” identificados. 

Poucos dias após a descoberta deste dossiê, o governo Bolsonaro editou decreto alterando a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), praticamente dotando-a de capacidade ativa para requerer informações a quaisquer órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência (SBI) sobre o manto do vago “interesse nacional”. 

Antes eram recebidas passivamente pela Abin –quando identificados dados relevantes por alguns dos órgãos que compõem o SBI. Pode-se dizer que o decreto editado por Bolsonaro prevê o acesso aos relatórios e demais documentos sem observância aos termos e condições relativos às normas e procedimentos para o intercâmbio de informações entre os órgãos componentes do SBI. 

O compartilhamento de dados e informações é parte fundamental dos serviços de inteligência. Entretanto, tais trocas devem ser muito bem fundamentadas e existem dispositivos constitucionais disciplinando o tema. 

Não se pode permitir que, com uma simples canetada, sejam excluídas as devidas motivações para o compartilhamento. Em ambas situações –o dossiê produzido pelo Ministério da Justiça e o decreto de alteração da Abin– podemos observar o aparelhamento do Estado e suas instituições com objetivos que parecem distantes do interesse nacional e mais próximos aos interesses do governante de plantão, inaugurando um novo movimento do intuito bolsonarista de corrosão da democracia e dos valores republicanos. 

Os arroubos retóricos colocados em prática. 

O Congresso Nacional não assistirá passivamente a ruína democrática do Brasil. A Rede Sustentabilidade e o PSB ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contrária ao decreto de aparelhamento da ABIN. 

A intenção é impedir a recriação de um novo SNI, o Serviço Nacional de Informações da Ditadura Militar, responsável por compilar dados que levaram à prisão, morte e desaparecimento de centenas de pessoas. 

Também apresentamos, em conjunto com o senador Jaques Wagner, requerimento à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência solicitando esclarecimentos ao ministro André Mendonça sobre o dossiê produzido pela Seopi. A previsão é de que uma reunião entre os membros da comissão e o ministro ocorra nesta 6ª feira à tarde. Na ocasião serão exigidas as devidas explicações e motivações para mais esta afronta à democracia perpetrada por Jair Bolsonaro. 

 Artigo publicado no site Poder 360

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A direita sempre precisa dobrar a aposta

Órfãos do pós-modernismo, os adeptos dessa direita se vêem numa contingência difícil. Não é à tôa que sua percepção do jogo social se assemelha a uma guerra. 

Pois por serem conservadores, se vêem na difícil situação de defender o indefensável. A realidade está sempre em mutação. Ser conservador num mundo em transformação...É uma guerra !

Enfim, por defenderem o indefensável, optaram por seguir uma nova estratégia: se tudo são discursos, se não há mais referências, utopias ou grandes narrativas, vamos para a DISTOPIA ! 

E assim, de conservadores tornaram-se revolucionários reacionários. 

Para conservar o " inconservável ", tiveram que elaborar realidades paralelas, mentiras atrás de mentiras.  Fatos alternativos. Meia verdades associadas a mentiras deslavadas. Teorias conspiratórias. 

É como andar numa corda bamba, você tem que manter o movimento, senão cai ! A mentira tem perna curta e assim, quando uma verdade alternativa cai, outra já deve estar em cena e assim sucessivamente.

O reacionário moderno tem que ser uma usina de novas mentiras funcionando a todo vapor !

Ora, quando cai um inimigo imaginário, outro já tem que estar pronto, saindo do forno, para manter o circo funcionando. E quanto maior e mais poderoso for o inimigo, melhor ! Nesse ponto George Orwell nos ensinou tudo !

Sempre foi assim. Hitler não precisou de uma guerra para manter em funcionamento sua máquina de mentiras ?


sábado, 22 de agosto de 2020

Alvo de delegado da PF, Sleeping Giants vai à fonte para minar financiamento de Olavo de Carvalho

A matéria abaixo, publicada na edição brasileira do El País, é de autoria do jornalista Breiller Pires

Incômodo para o bolsonarismo, perfil foi investigado, mas inquérito acabou arquivado pela Justiça. Movimento trava agora batalha contra patrocínio digital do mentor da família presidencial

 

São Paulo - 18 AGO 2020

“Desmonetizar” é um verbo que passou a frequentar o vocabulário do debate político desde que o Sleeping Giants, movimento que expõe empresas que financiam sites de extrema direita e notícias falsas por meio de anúncios, chegou ao Brasil há exatos três meses, provocando incômodo em setores influentes bolsonaristas e motivando até um breve e controverso inquérito da Polícia Federal, cuja existência foi revelada nesta terça-feira pelo The Intercept Brasil. Na Internet, o conceito de desmonetização significa tirar dinheiro de propaganda automática das páginas, mas, para o perfil que alerta anunciantes sobre publicidade em espaços de desinformação, a palavra tem representado a ação mais efetiva para desidratar redes disseminadoras de ódio e mentira, a exemplo da encabeçada pelo maior guru do Governo Bolsonaro, Olavo de Carvalho.

Terceiro alvo da versão brasileira do Sleeping Giants, o site Brasil Sem Medo foi criado no fim do ano passado pelo escritor, mentor intelectual do bolsonarismo, definindo-se como “o maior jornal conservador do país”. Em março, quando a pandemia de covid-19 já havia matado 30 pessoas no Brasil, com base nos dados oficiais divulgados na época, o portal teve um vídeo retirado do ar pelo YouTube em que Olavo afirmava que “não tem um único caso confirmado de morte por coronavírus. Essa epidemia simplesmente não existe.” De linha editorial pró-Governo, o site endossa a narrativa bolsonarista e insiste em relativizar as mortes pela doença. Na semana passada, repercutiu a interpretação deturpada do tabloide sensacionalista Daily Mail a respeito de um relatório do Governo britânico, também difundida pelo presidente Jair Bolsonaro, sugerindo que o confinamento teria matado duas de cada três pessoas que morreram por coronavírus —na verdade, o levantamento ressalta que as medidas de isolamento social no Reino Unido salvaram mais de meio milhão de vidas.

No início de junho, o Sleeping Giants iniciou uma campanha para desmonetizar o Brasil Sem Medo por “utilizar constantemente notícias falsas, discursos odiosos e teorias conspiratórias”, além de “promover o ‘anticientificismo’ em plena crise de saúde pública”. Não bastasse a cobrança aos anunciantes pela retirada de propaganda automática, o perfil adotou a estratégia de “ir direto na fonte” ao alvejar empresas fornecedoras da tecnologia de pagamentos ao site, que cobra 290 reais pelo plano de assinatura anual. Em um primeiro momento, a Hotmart, utilizada como sistema de venda online das assinaturas, hesitou em parar de prestar o serviço ao portal. “Não somos a instância julgadora de fake news da Internet”, justificou em nota João Pedro Resende, CEO da empresa.

Já em 7 de julho, a Hotmart divulgou comunicado informando sobre a decisão de descontinuar o oferecimento de sua tecnologia à categoria de produtos jornalísticos e periódicos de cunho político, “independentemente da ideologia”. A empresa prometeu informar aos clientes afetados e interromper as vendas em no máximo 30 dias. Porém, o Brasil Sem Medo seguiu utilizando até a semana passada o sistema —já bloqueado pela Hotmart— para a comercialização de assinaturas, que, segundo cálculos do Sleeping Giants, rendem aproximadamente 236.000 reais por mês ao portal. O novo sistema operado pelo site não identifica o provedor do serviço.

Outra tática de desmonetização da máquina olavista empregada pelo Sleeping Giants foi expor PayPal e PagSeguro, plataformas que promovem a venda dos cursos online de Olavo de Carvalho e arrecadam doações para o ideólogo bolsonarista. Após mais de um mês de reivindicações pela interrupção do serviço, a norte-americana PayPal bloqueou a conta de arrecadação de Olavo, reiterando “o compromisso de revisar diligentemente qualquer usuário que não se enquadre nas políticas de uso”. Por outro lado, a brasileira PagSeguro, pertencente ao grupo UOL, resiste em suspender as transações eletrônicas remetidas ao filósofo, ainda que o Sleeping Giants sinalize violação dos termos de uso da plataforma por parte do usuário, como “propagar mensagem ou material que incite à violência ou ao ódio”.

“Reforçamos nosso compromisso transparente e ético em não compactuar com a disseminação de ódio, fake news ou qualquer tipo de discriminação”, manifesta o PagSeguro ao dizer que há impedimento legal para bloquear Olavo. “Por lei, instituições de pagamentos devem garantir acesso não discriminatório aos seus serviços e liberdade de escolha dos usuários finais.” Para uma corrente de especialistas em direito comercial, entretanto, empresas não atentam contra a Constituição ao deixar de prestar serviço a propagadores de notícias falsas. “Isso pode ser entendido como uma forma de compliance empresarial para observância de política corporativa de respeito aos direitos humanos”, argumentou Vladimir Aras, mestre em direito público e procurador do Ministério Público Federal (MPF).

Indignado com o bloqueio do PayPal, Olavo de Carvalho chama de “censura do comunismo” a campanha para desidratar o financiamento do site. “Usam a palavra desinformação para designar qualquer erro acidental ou imprecisão”, disse o filósofo em uma live do Brasil Sem Medo. “Não mostraram nenhuma fake news minha.” Em sua pregação contra ideais progressistas aos quais se refere como “doutrinação comunista”, Olavo já associou a pedofilia ao “movimento gay” e, recentemente, rogou pena de morte ao ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito das fake news no STF que mira influenciadores e parlamentares bolsonaristas.

De acordo com o último balanço do Sleeping Giants, mais de 270 empresas atenderam à solicitação para bloquear a monetização em mídia programática, sistema de anúncios automáticos do Google, no site Brasil Sem Medo. Em três meses de atuação, a versão brasileira do movimento calcula ter ajudado a desmonetizar cerca de 1 milhão de reais de páginas e canais ligados à extrema direita, incluindo campanhas de crowdfunding (financiamento coletivo) paralisadas por plataformas que aderiram aos apelos do perfil. “Temos muito a agradecer a todos os seguidores que se engajam diariamente em nossa luta, cobrando das empresas a responsabilidade social em prol de um país livre de fake news”, afirma o administrador da conta brasileira, que mantém anonimato por questões de segurança, ao celebrar os resultados obtidos pelo movimento em menos de 100 dias de operação no país.

Inquérito da PF

Antes do Brasil Sem Medo, o Sleeping Giants mirou o Jornal da Cidade Online (JCO) e o Conexão Política, ambos com linha editorial bolsonarista e histórico de propagação de fake news. Primeiro alvo da ofensiva antiextremismo, o JCO também perdeu mais de 200 anunciantes, mas, após passar dois meses desmonetizado, voltou a veicular anúncios por meio de plataformas alternativas de mídia, como o programa de afiliados da Bet365, empresa de apostas britânica. O site ainda é irrigado por propagandas automáticas em sua página no Facebook.

Para manter contribuições e escapar do cerco digital, sobretudo no sistema do Google, ativistas digitais associados ao bolsonarismo têm recorrido a outras formas de financiamento. Entre as opções testadas está o uso de bitcoins ou até mesmo de plataformas de financiamento coletivo menos conhecidas, como a recém-lançada Thinkspot, voltada à monetização de conteúdos ultraconservadores. Por causa da debandada de anunciantes em sites alinhados à extrema direita, a cruzada do Sleeping Giants despertou reação de apoiadores e integrantes do Governo Bolsonaro, que passaram a levantar campanhas pregando boicote às empresas que vetam anúncios nas páginas de seus aliados. Um estudo elaborado pelo Netlab, laboratório da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que pesquisa interações em redes sociais, identificou que 30% dos perfis que subiram hashtags contra marcas no Twitter eram operados por robôs.

Jornal da Cidade Online recorre a novo sistema de anúncios após bloqueios no Google.

O contragolpe não se limita ao ambiente digital. Segundo o The Intercept Brasil, a Polícia Federal de Londrina tentou investigar o perfil, em maio, por meio de um inquérito que terminou arquivado por pedido do MPF e decisão da Justiça. “A informação de que há sites propagadores de fake news causou extremo desgaste e inconformismo à toda população, inclusive a que vive em Londrina”, diz trecho do inquérito agora arquivado. O EL PAÍS questionou a PF sobre o inquérito, mas não havia obtido resposta até a publicação desta reportagem. O administrador do perfil do Sleeping Giants tampouco havia respondido aos questionamentos do jornal a respeito.

Fazendo coro aos filhos do presidente, o secretário de Comunicação do Planalto, Fabio Wajngarten, assegurou publicamente que iria contornar a situação a favor dos “veículos independentes” após o Banco do Brasil restringir anúncios no Jornal da Cidade Online em resposta ao Sleeping Giants. A possível interferência no órgão gerou ações no MPF e no Tribunal de Contas da União (TCU), que, no fim de maio, determinou a suspensão de campanhas digitais do banco em sites, blogs e redes sociais reconhecidos por disseminar notícias falsas. Relatório da CPMI das Fake News aponta que páginas apoiadoras do Governo já veicularam aproximadamente 2 milhões de anúncios pagos com verbas da Secom. A pasta explica que apenas contratou o serviço de mídia programática do Google, negando ter feito direcionamento específico a sites bolsonaristas.

Em nota enviada à reportagem, o porta-voz do Google informa que a empresa removeu anúncios, entre abril e junho deste ano, de mais de 600.000 páginas e 16.000 domínios no país por violação de suas políticas, que foram atualizadas em março para evitar a monetização de sites e canais com informações sobre a pandemia de covid-19 que contradizem o consenso científico. Recentemente, o TCU recomendou que o Governo suspendesse contratos com o Google para evitar a veiculação de propaganda estatal em páginas impróprias. A plataforma mantém contatos com o tribunal a fim de esclarecer o funcionamento do sistema de mídia programática, “incluindo opções de configurações e controles colocados à disposição dos anunciantes ou de seus representantes (como agências de publicidade)”, pontua o Google.

Com mais de 380.000 seguidores no Twitter, o Sleeping Giants Brasil já tem alcance maior que a matriz norte-americana, que foi tema de reportagem do EL PAÍS que inspirou o movimento brasileiro. Além do foco na desmonetização dos três sites, o perfil acumula trunfos pontuais, como a derrubada de uma campanha de financiamento dos 300 do Brasil, descrita pelo Ministério Público como “milícia armada”, e a investida contra o Xbox Mil Grau. O canal de gamers notórios por falas racistas, sexistas e homofóbicas acabou derrubado devido à mobilização em torno do YouTube e anunciantes. “Uma luta coletiva que deu resultados”, comemorou o perfil.

 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O Capitalismo é um sistema cultural

 O Capitalismo não é (apenas) um sistema econômico.

Ele é um sistema regulador de vontades.

Mais do que isso.

É um sistema regulador da atenção. Uma economia da atenção. (...como, aliás, dizia Debord)

"Distraídos, venceremos !"

(Leminski)




terça-feira, 18 de agosto de 2020

Escravidão, desigualdade, racismo


Transcrevo abaixo uma interessante informação extraída do livro "A filosofia explica Bolsonaro", de Paulo Ghiraldelli Jr.:




Quando se deu a Abolição da Escravatura, os negros caíram em festas e bebedeiras. Muitos foram levados para o centro do Rio de Janeiro, onde permaneceram completamente nus, bêbados, com as famílias destroçadas, urinando e defecando nas ruas da capital. Era o último ano do Império. Quando veio a República, eles já estavam morando em casebres, em lugares em que contraíam tudo que era tipo de doença. Tentaram se empregar. Mas, com roupas sujas, exalando o cheiro de aguardente barata – única forma de suportar a vida e elemento que os viciou durante a escravidão – e descalços, eles não conseguiam ser ouvidos por nenhuma dona de casa. Ninguém os queria como mão de obra. Os tais “imigrantes” estavam para chegar! Todos diziam isso e rechaçavam os negros. Os imigrantes chegaram. Eram pobres. Mas estavam de terno e gravata. Não tinham o “cheiro de preto”. Parecia que poderiam viver fora das senzalas, quase como humanos. Aos negros nunca foi dada a condição de possíveis humanos. Então, o capitalismo brasileiro se integrou na narrativa do capitalismo internacional: trabalho assalariado para todos. Menos para os negros. Eles foram decretados não os sem-trabalho, mas os vagabundos".


"Nasceu daí o preconceito. Ser negro passou a ser alguém que só poderia trabalhar a ferros; uma vez livre, entraria para a vida da bebida e da bandidagem. Diziam: “é de índole”. As negras, então, deixariam de lado a função de amas de leite para enveredar na prostituição barata, uma vez que a prostituição menos degradante era aquela não da sífilis, mas da simples gonorreia, transmitida pelas polacas. Minha bisavó, aos 107 anos, gostava de me contar histórias da escravidão. Mas aquelas que ela contava do negro livre eram sempre as que mais revoltavam. Pois o negro livre parou de apanhar no pelourinho da praça para ser massacrado nas prisões das delegacias de todo o país. Ela lembrava sempre da peregrinação do Negro José, um homem forte que por seis meses andou pela cidade de Nova Europa, no interior de São Paulo, tentando arrumar um terreno para carpir, sem sucesso. Foi então que ele, já à míngua, deitou-se na praça e escutou do guarda da esquina: “Está preso por vagabundagem.” Espancado na cadeia, José morreu de hemorragia interna. Durante a escravidão, durante mais de trinta anos, José havia sido o carregador de fezes da casa paroquial. Trazia para as fossas o cocô dos padres que, depois da escravidão, passaram a ir eles mesmos às fossas – “que degradante”, diziam, xingando a imperatriz. Eles mesmos tinham de defecar, sem a ajuda dos pretos. Era horrível, diziam. O negro foi tornado trabalhador livre, mas impedido de trabalhar, para em seguida receber o nome que, hoje, alguns policiais usam: “vagabundo”. Eis aí a origem do preconceito." 

Os que negam as cotas e insistem em não criar uma política de integração étnica, para afastar o preconceito, são os agentes do cinismo. Procuram fingir que não sabem dessa história toda, de como o preconceito foi gerado, e insistem que no Brasil as cotas seriam um privilégio, uma odiosa marca no liberalismo, que garantiria a igualdade perante a lei. Como alguém acha que negro é realmente igual perante a lei no Brasil? Os liberais brasileiros deveriam pôr a mão na consciência e, também, nos melhores livros, ao virem com a conversa fiada da igualdade perante a lei. O preconceito só vai diminuir se o branco puder ver o negro, mais rapidamente do que temos conseguido fazer até agora, em cargos executivos, costumeiramente. As políticas de ações afirmativas são para isso, elas não são prêmios individuais ou políticas para dar diploma ou melhorar a renda do negro. Elas são políticas para abaixar a bola do preconceito. Os liberais não querem entender isso por uma razão simples: Locke era um liberal escravocrata. Nosso neoliberalismo atual é escravocrata. Nosso liberalismo desconhece John Rawls ou John Dewey." 

(from "A filosofia explica Bolsonaro" by Paulo Ghiraldelli Jr.)

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Sobre o encarceramento em massa

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE AS POLITICAS DE ENCARCERAMENTO EM MASSA

A partir da administração Nixon, promoveu-se o endurecimento das leis anti crime e diminui os programas sociais. 

OBS:(Ver o livro q fala mais detalhadamente sobre a perda de primariedade após um delito com subsequente punição mais dura no caso de cometimento de infração leve).

Nos Estados Unidos, desde a “guerra contra o crime” dos anos 1990, quem reincidia duas vezes, tendo cometido ao menos um crime que valesse dez anos de cadeia, ia preso para sempre —sem condicional. 

No papel, parece uma boa lei: vamos tirar de circulação os contumazes. Por essa lei, Alvin Kennard cumpriu 36 anos de cadeia por assaltar uma padaria de faca na mão e roubar US$ 50 e uns quebrados. Isso por ser reincidente, embora seus crimes anteriores não fossem violentos. Quem soltou Alvin foi um juiz, opondo-se à lei. 

Para Wacquant, a teoria da penalidade neoliberal também fundamenta-se na generalização do trabalho assalariado precário. As políticas assistencialistas têm seu cerne alterado do welfare para o workfare. O trabalho passa a ser visto como um dever político, mesmo que em condições precárias, punindo os que não o adotam. A generalização do trabalho precário repousa no uso direto da coação política e participa de um projeto de classe, substituindo um estado-providência materialista por um Estado punitivo “paternalista”, capaz de impor o trabalho assalariado dessocializado como norma e base da nova ordem polarizada de classes. 

Os programas paternalistas têm como alvo duas populações: os beneficiários de ajudas sociais aos indigentes e os clientes do sistema de justiça criminal, as mulheres e crianças do sub proletariado, no que concerne ao welfare, e seus maridos, pais, irmãos e filhos, no que diz respeito ao sistema penal. O estado social funciona como um braço penal disfarçado, como instrumento de vigilância e de disciplina dos beneficiários, remetendo-os diretamente a seu homólogo criminal em caso de fraqueza. As implicações do paternalismo do Estado são particularmente severas para as minorias raciais, sobrerepresentadas entre os pobres. Os resultados que se destacam da aplicação dessas práticas penais nos Unidos foram o hiper encarceramento, o aumento massivo de demandas judiciárias (sendo que, estatisticamente, na década de 1990, mais da metade delas não chegava a ser julgada, ou pelo fim de prazos, ou por não possuírem qualquer fundamento), a desconfiança da população mais pobre em relação ao aparelho policial (com um aumento de queixas) e a discriminação racial, com a confirmação de prisões apenas baseadas na aparência do sujeito, infundadas, principalmente de latinos e negros.



1.     Essa teoria é globalizada e passa a balizar as medidas de segurança pública no final da década de 1990 e início dos anos 2000. A sua principal feição europeia foi construída em Londres, em uma apropriação dessa teoria defendida por Tony Blair. Partindo do Reino Unido, as noções e dispositivos formulados pelos neoconservadores dos Estados Unidos se espalha pela Europa, ironicamente, como solução específica para o suposto aumento da criminalidade nacional. A exportação dessas práticas penais neoliberais, como mostrado pelo autor, tem efeitos particularmente devastadores em países caracterizados por fortes desigualdades de condições e oportunidade de vida e, acima disso, sem tradição democrática ou instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho, especialmente os países recentemente industrializados da América do Sul
2.     Brasil, em especial, tem ainda como agravante o efeito nefasto das forças da ordem, a polícia em especial, com a banalização da violência injustificada do Estado, as recorrentes práticas de tortura e violência letal, se inscrevendo em uma tradição nacional, oriunda da escravidão, e da manutenção da ordem pública como manutenção da ordem de classes. 
3.     Outro agravante é o estado do cárcere, semelhantes à campos de concentração para pobres, sem qualquer função penalógica, além da ineficiência congênita da prisão para redução da criminalidade. Por fim, agrava-se também pela hierarquia social e a estratificação etnorracial, com práticas discriminatórias endêmicas no sistema judiciário e policial, penalizar a miséria invisibiliza o problema negro e traz um aval do Estado para a dominação racial. A juventude mais pobre e dos bairros considerados problemáticos não possui nenhuma rede de proteção social, e é esmagada pelo desemprego e subemprego crônicos do capitalismo, recorrendo a práticas criminosas para seu sustento. 
4.     Atualmente, estima-se que haja mais de 11 milhões de pessoas presas em todo o mundo. Somente a soma da população prisional dos 10 países que mais aprisionam (Estados Unidos, China, Brasil, Rússia, Índia, Tailândia, Indonésia, Turquia, Irã e México) corresponde a mais do que 60% desse total. O fenômeno do aumento exponencial do encarceramento é global e está conectado, conforme leitura clássica de Wacquant, à nova ordem neoliberal do desemprego em massa, do subemprego e da gestão punitiva da insegurança social [Wacquant, 2007, 2011], tendo nos Estados Unidos o laboratório central de produção e exportação das políticas “contra a violência urbana” do “lei e ordem”, da “guerra contra o crime e às drogas”, do “tolerância zero”, entre outras especiarias tecnocráticas do novo punitivismo neoliberal. 
5.     Nesse contexto, a população prisional dos Estados Unidos saltou de aproximadamente 300.000 pessoas presas em 1970 para cerca de 2,3 milhões em 2008 (mais do que 700% de crescimento em menos de quarenta anos); entre 1990 e 2008, a taxa de encarceramento estadunidense subiu de 457 pessoas presas para cada 100 mil habitantes a 755. Sob a marcha de “difusão transatlântica” dos “temas e das teses de segurança incubados pelos Estados Unidos” [Wacquant, 2011: 60], muitos outros países decidiram expandir exponencialmente sua população aprisionada e fizeram expressivo recrudescimento do número de pessoas presas para cada 100 mil habitantes da primeira metade dos anos 1990 até o período entre 2000 e 2010 : China (de 105 para 121), Rússia (de 473 para 729), Inglaterra (de 90 para 153), França (de 76 para 114), Portugal (de 92 para 133), Espanha (de 85 para 165), Itália (de 46 para 112), Alemanha (de 74 para 96), Grécia (de 52 para 104), México (de 101 para 202), Argentina (de 62 para 168), Chile (de 153 para 320), entre outros.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NOS EUA (2)

PARTE 2 - ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS E OUTROS DADOS CONCRETOS



  1. CASO Citzens United (2010): no qual a Suprema Corte anulou os efeitos da lei McCain-Feingold, permitindo doações ilimitadas de empresas para campanhas. Para 2 avaliações fortes das contribuições de campanha na politica americana ,ver Heather K. Gerken: The Real Problem with Citzen United : Campaign Finance, Dark Money and Shadow Parties" . E Jane Mayer: Dark Money: The Hidden History of the Billionaires behind the Rise of The Radical Right. Ver tb o livro de Zephyr Teachout - Corrupção na América;
  2. Reagan relaxou a lei federal do pós-guerra sobre equilíbrio e diversidade de pontos de vista na mídia, a Fairness Doctrine, um ato que facilitou o avanço da Fox Broadcasting Company, a rede aberta recém-fundada por Murdoch. Vale lembrar que o chamado jornalismo objetivo foi uma exceção e não uma norma na história da imprensa americana. Entre a Segunda Guerra e o final de década de 1980, o negócio do jornalismo, sustentado por anunciantes, dependia de atingir audiências maiores, portanto, não sectárias. O acirramento da polarização política nos EUA, sob o governo Clinton, e a emergência da mídia digital coincidiram com a ascensão da Fox News no cabo. Mas a rede começou conservadora, não lunática. Hoje, a programação do horário nobre do canal, assistida por uma média de 2.5 milhões de espectadores, é um loop contínuo de propaganda, conspirações e desinformação. Medo e raiva são o modelo editorial. 
  3. Em 2013, a Suprema Corte descobriu que racismo não era problema nos EUA e tomou uma decisão cujas consequências demonstraram a falsidade dessa premissa. A Lei de Direito ao Voto de 1965 exigia que estados com histórico de supressão do voto de afro-americanos submetessem mudanças em suas leis eleitorais para aprovação dos tribunais. Quando a Suprema Corte entendeu que isso não era mais necessário,  certos estados imediatamente passaram a dificultar o acesso ao voto de afro-americanos (e de outros cidadãos). Em todo o Sul dos EUA, locais de votação  desapareceram, em geral sem aviso, em cima da hora da eleição.  Em 22 estados foram aprovadas leis destinadas a reduzir o peso de afro- americanos e hispânicos nas urnas - leis que materialmente afetaram a eleição presidencial de 2016. Na eleição de 2016, no estado de Ohio, 144 mil pessoas a menos votaram em condados que incluíam grandes cidades em relação a quatro anos antes. Nesse mesmo ano, na Flórida, cerca de 23% dos afro-americanos tiveram negado o direito ao voto por serem criminosos condenados. Os crimes na Flórida incluem soltar balão de gás hélio ou pescar lagostas de cauda curta. Ainda em 2016, no Wisconsin, foram contabilizados 60 mil votos a menos em comparação com a eleição presidencial anterior. A maior parte dessa redução ocorreu na cidade de Milwaukee, que concentra a maioria dos afro-americanos do estado. Barack Obama tinha ganhado na Flórida, em Ohio e no Wisconsin em 2012. Trump venceu nos três estados por pequena margem em 2016, sendo que no Wisconsin obteve apenas 23 mil votos a mais. (from "Na contramão da liberdade: A guinada autoritária nas democracias contemporâneas" by Timothy Snyder, tradução Berilo Vargas)
  4. Caso do encarceramento em massa : a partir da administração Nixon, promoveu-se o endurecimento das leis anti crime e diminui os programas sociais. (Ver o livro q fala mais detalhadamente sobre a perda de primariedade após um delito com subsequente punição mais dura no caso de cometimento de infração leve). Nos Estados Unidos, desde a “guerra contra o crime” dos anos 1990, quem reincidia duas vezes, tendo cometido ao menos um crime que valesse dez anos de cadeia, ia preso para sempre —sem condicional. No papel, parece uma boa lei: vamos tirar de circulação os contumazes. Por essa lei, Alvin Kennard cumpriu 36 anos de cadeia por assaltar uma padaria de faca na mão e roubar US$ 50 e uns quebrados. Isso por ser reincidente, embora seus crimes anteriores não fossem violentos. Quem soltou Alvin foi um juiz, opondo-se à lei.  Os resultados que se destacam da aplicação dessas práticas penais nos Unidos foram o hiper encarceramento, o aumento massivo de demandas judiciárias (sendo que, estatisticamente, na década de 1990, mais da metade delas não chegava a ser julgada, ou pelo fim de prazos, ou por não possuírem qualquer fundamento), a desconfiança da população mais pobre em relação ao aparelho policial (com um aumento de queixas) e a discriminação racial, com a confirmação de prisões apenas baseadas na aparência do sujeito, infundadas, principalmente de latinos e negros. 
  5. A chamada Lei Do Direito ao Trabalho, pelo qual dispensou a contribuição sindical obrigatória ao mesmo tempo que confere àquele que não contribui os mesmos direitos de representatividade sindical (Do livro : Como Funciona o Fascismo, de Jason Stanley). Nos anos 1980, o governo federal enfraqueceu a posição das organizações sindicais. A percentagem de norte-americanos em empregos sindicalizados  caiu de cerca de um quarto para menos de 10%. A sindicalização no setor privado  despencou ainda mais, de 34% para 8% entre os homens  e de 16% para 6% entre as mulheres. A estimativa de Bruce Western e Jake Rosenfeld é de que a dessindicalização explica de um quinto a um terço do aumento da desigualdade.
  6. Os EUA tinham recursos p oferecer politicas básicas que estabilizariam as classes medias (aposentadoria, transporte coletivo, assistência medica, ferias remuneradas e licença maternidade e paternidade), mas uma tendência regressiva na politica tributaria tornava isso mais difícil. Enquanto os trabalhadores pagavam uma carga tributaria cada vez maior, através  de impostos na folha de pagamentos, as empresas e as famílias ricas viam a sua cair pela metade, ou mais.
  7. Dos anos 1980 para cá,  as alíquotas tributarias pagas pelos norte-americanos de maior renda, que formam o topo de 0,1%, caíram de 65% para 35% e pelos que formam o topo do topo de 0,01%, de 75% para menos de 25%. 
  8. Em 1981 , Reagan baixou a alíquota máxima de imposto de renda p a população de alta renda de 70% para 50%; em 1986 baixou novamente, para 38,5%. George Bush reduziu p 35%; e a alíquota sobre ganhos de capital, de 20% para 15% em 2003.
  9. Desde 1986, o PIB per capta dos EUA cresceu 59%; o patrimônio liquido do país cresceu 90%; o lucro empresarial aumentou 283%. Porem só 1% do crescimento total de 1986 a 2012 foi para as famílias que compõem 90% da base da pirâmide social. Em contrapartida 42% foi para o 0,1% do topo.
  10. Reagan cortou pela metade o financiamento de subsídios a alugueis e habitações sociais e tirou 1 milhão de pessoas do auxilio-alimentação. Bill Clinton substituiu o Auxilio a Famílias com Filhos Dependentes , um programa sem limite de duração, pela Assistência Temporária para Famílias Carentes, um programa administrado pelos estados e que tem limite de 2 anos consecutivos ou 5 ao todo. Os estados por sua vez corroeram o sistema de amparo social usando os recursos para preencherem seus orçamentos. Por isso se ha 2 décadas , 68% das famílias pobres com filhos recebiam auxilio financeiro , atualmente somente 26% recebem.

Obs: As últimas três notas retiradas de O Povo Contra A Democracia e Na Contramão da Liberdade.

11.A aliquota de imposto de renda nos EUA em 2012 para empresas foi quase um recorde mundial: 39,1% . Porem o percentual efetivamente pago foi o mais baixo em 4 décadas: 12,1%.

12.Em 1978, uma família no topo do topo, de 0,01%, era 222 vezes mais rica do que a família norte-americana media. Em 2012, essa família era 1120 vezes mais rica. Dos anos 1980 em diante, 90% da população norte-americana não ganhou  na pratica coisa nenhuma, fosse em riqueza ou renda. Nos anos 2010, os EUA  se aproximaram do padrão russo de desigualdade. Nesse, período ocorreu a emergência dos clãs oligárquicos  Koch, Mercer, Trump,  Murdoch na política. ( de Na Contramão da Liberdade);

OBS: Com base em vários relatórios sobre pobreza das Nações Unidas,  um estudo de 2006 nos mostra que por volta de 1980, para cada US$ 100 de crescimento mundial, os 20% das pessoas de menor renda receberam US$ 2,20. Duas décadas depois, um crescimento mundial adicional de US$ 100 traduziu-se em míseros US$ 0,60 extras para os 20% mais pobres. O que é  agravado pelas políticas impostas pelo FMI aos países de terceiro mundo na esteira da crise da divida e que se traduz em cortes de serviços públicos e austeridade.( de O Minotauro Global - Yanis Varoufakis)

OBS : em 2003, para cada US$ 1 de renda mundial, circulavam US$ 1,80 em derivativos. Quatro anos depois , em 2007, essa proporção  havia aumentado 640% : cada US$ 1 de renda mundial correspondia US$ 12 em derivativos. (IDEM) 
  
13- O Institute on Taxation and Economic Policy informa que os 9 maiores bancos norte-americanos pagaram apenas 18,6% de impostos entre 2008 e 2015 . Os 6 maiores administram 2.342 sucursais em paraísos fiscais. (From Ladislau Dowbor , A Era do Capital Improdutivo)

14 -  O retrocesso nos Estados Unidos é particularmente preocupante e explica, sem dúvida, transformações políticas recentes. Um texto curto e de excepcional qualidade traz dados que chocam: “Os nossos dados mostram que a metade na base inferior de distribuição de renda nos Estados Unidos foi completamente excluída do crescimento econômico desde os anos 1970. De 1980 a 2014 a renda média nacional por adulto cresceu 61% nos Estados Unidos. No entanto, a renda média antes da tributação dos 50% com menor renda individual (individual income earners) estagnou em cerca de 16 mil dólares por adulto, ajustados à inflação. Em contraste, a renda explodiu (skyrocketed) no topo da distribuição de renda, subindo 121% para os 10% no topo, 205% para o 1% no topo, e 636% para o 0,001% no topo”. Particularmente importante, a pesquisa mostra que o aumento da riqueza no topo se deve essencialmente ao rendimento de aplicações financeiras, capital improdutivo. As implicações políticas não escapam aos autores: “Uma economia que deixa de assegurar crescimento para a metade da sua população no período de uma geração inteira gerará necessariamente descontentamento com o status quo e uma rejeição das políticas do establishment.” (from "A era do capital improdutivo: Nova arquitetura do poder - dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta" by Ladislau Dowbor)

sábado, 8 de agosto de 2020

Populismos...

 

Populismos (1)

 

O processo de mundialização implicará profundas alterações urbanas e também demográficas, especialmente nas grandes metrópoles da Europa (mais acentuadamente). Esse tipo de transformação profunda e ampla é,  naturalmente, muito traumática, especialmente para aqueles que vivem passivamente o processo, no caso, os europeus tradicionais moradores há gerações dessas cidades mais atrativas. É nessa dificuldade que floresce o populismo, com suas soluções imediatistas e respostas fáceis (fechamento de fronteiras, proibição de imigrações).

Mas será que isso é realmente possível?

Será que um grupo de governantes conseguiria parar o processo de integração com a Ásia , "na marra"?

Ou são apenas tolos saudosistas e/ou oportunistas políticos evocando um passado mítico que nunca existiu de fato?

Entendo que os conservadores são tolos - conseguem até conquistar o poder, mas não conseguem fazer face a esses desafios que a historia impõe. 

É possível parar a marcha da história em nome do medo?

 

Populismos (2)

 

Uma coisa a gente pode tender a concordar com o populismo de extrema direita: considerando a média de padrão de vida mundial, a Europa e os EUA vivem com o file mignon e o resto do mundo, mal e mal,  com o osso. Se você diz "sim" à globalização (livre fluxo migratório e de capitais, integração dos processos produtivos etc.),  das duas uma: 

1. Ou você vai viver um decréscimo do padrão de vida dessa elite, em maior ou menor grau; ou 

2. você advoga q todos cresçam, os asiáticos mais que os europeus, de modo q ninguém perde , mas os pobres ganham mais (é o que os globalistas têm defendido). 

Suspeito que quem paga a conta dessa segunda hipótese é o meio-ambiente. Ou seja, para você sustentar ganhos globais constantes, o índice de produtividade terá que ser muito alto, extraindo-se da natureza esse excedente a ser apropriado desigualmente.

Provavelmente o processo histórico será uma combinação de ambos, da seguinte forma:

A elite de primeiro mundo e também a classe média tentarão  se fechar cada vez mais, numa tentativa de segurar o máximo do filé possível. Mas o processo histórico segue seu curso e conspira contra esse conservadorismo. Os populistas tentam vender a ideia de que é possível, sim , brecar essa marcha. Mas os chineses, indianos, paquistaneses, africanos e muçulmanos de diversas nações,  dentre tantos outros  continuam e continuarão chegando e mudando o perfil habitacional, de mercado de trabalho, a educação , a cultura etc.

 

Populismos (3)

 

Ha quem diga que a própria natureza vai impor um limite ao crescimento nas próximas décadas. Se isso acontecer, voltamos ao cenário (1), anteriormente mencionado, com maior radicalismo. Ou seja, o crescimento de produtividade não se sustenta e a elite mundial ( estou aqui incluindo a classe media dos países avançados) vai tentar se fechar ainda mais, diante da escassez de recursos. 

Num certo sentido e sob esse ponto de vista sócio-econômico, é como se a pauta ambientalista jogasse mais lenha no fogo  populista, pois ao propor maior preservação dos recursos , está dizendo: o consumo de vocês é - e sempre foi - exagerado, ele só se sustentou graças à exploração de populações inteiras de outros continentes (colonialismo) e graças a uma exploração ambiental insustentável. Mas agora que todos estão se integrando, seus filhos terão que se contentar com menos

Ora, isso, para essa elite , é absolutamente inaceitável! 

Sem uma mudança cultural profunda  (menos consumismo, menos filhos, decrescimento econômico, mudança da matriz energética etc.), esse pessoal cai no colo do discurso populista , simplesmente porque não admite abrir mão de nada , nesse momento crucial para o mundo humano e não humano.

 


O medo e o ressentimento

1. O ressentimento

O fascismo se alimenta do ressentimento.

A força desse sentimento, tão poderoso que sobrepuja qualquer argumento racional, finca suas raízes também numa tendência da pessoa em focar sua atenção, e portanto seus pensamentos, mais no passado que no presente (e , muito menos , que no futuro).

A chamada circuitaria cerebral vai acostumando as sinapses a percorrer de maneira privilegiada, em relação aos demais pontos de vista possíveis, caminhos que levam a pessoa, de preferência,  ao passado.

Na verdade é um tipo de vivência que a pessoa se acostumou a experienciar no cotidiano.

E, assim, o passado se torna mais significativo que as demais experiências.

Se esta revivecência for povoada de motivos que produzam ressentimentos, estes tornam- se mais relevantes que outros caminhos possíveis. O ressentimento passa a ser a principal motivação para as ações presentes.

Ora, a realidade é  um fluxo de infinitas possibilidades. Mas a pessoa está acostumada a pensar sempre da mesma forma, é  uma tendência.

E isso não apenas nas questões coletivas, posicionamentos políticos etc, pois esse processo foi criado e lubrificado na biografia individual.

Para tais pessoas, eu diria: não é  boa estratégia, tanto pessoal, como ainda mais em questões politicas, basear suas decisões em ressentimentos. 

Será que esse é o caminho mais sábio ?

O que dirão as gerações futuras , que terão  que viver sob o peso do seu ressentimento ?

2. O medo

O medo geralmente diz respeito ao futuro.

Tenho medo de perder o que já conquistei, e por isso adoto uma posição conservadora.

Até aí, é compreensivel (o que não quer dizer, aceitável !)

Porém, esse sentimento torna-se patológico quando ele próprio é tão poderoso que o objeto do medo oblitera todas as demais considerações. 

Torna-se uma espécie de fobia - e que pode ter sido induzida por terceiros ou simplesmente auto-imolada.

Digamos que eu tivesse pânico de voar. Obviamente sempre que entramos em um avião, existe a possibilidade de ele cair. Porém, normalmente , a pessoa não é  tomada de assalto por esse pensamento, de modo que ele pudesse invadir toda a consciência presente e impedisse a pessoa de entrar. Mas a possibilidade de fato existe.

Para isso, deve-se acionar, de início, a própria racionalidade, de modo a criar novas circuitarias, novos caminhos para as sinapses. Outras possibilidades devem ser trazidas à luz da consciência, conferindo àquele pensamento  o devido peso relativo. Esse processo racional à principio facilitará  à consciência abrir-se a futuras e mais amplas possibilidades. E o pensamento inicial, de que o avião pode cair, não se transmuta na idéia fixa de que o avião vai cair.

Em suma: é necessario lutarmos contra a rigidez, em todas as suas formas e dimensões, acionando para isso o instrumental de que dispomos !

É melhor termos muitas dúvidas do que muitas certezas !

É sempre recomendável exercitar a auto observacão e verificar racionalmente se nossos pensamentos e sentimentos não estão enviezados (inclusive por terceiros que nos influenciam), e se estamos levando em consideração todas as possibilidades, atribuindo a devida relatividade a cada elemento.

É sempre bom termos em mente: estou fechando meus horizontes ou abrindo e descortinando maiores possibilidades ?

Um futuro feliz se constrói com paz e liberdade e não com medo, ressentimento e ódio.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NOS EUA (1)


PARTE 1 - ORIGEM DO PROBLEMA E CONTEXTUALIZAÇÃO

Ao final da Guerra de Secessão, as lideranças escravocratas reunidas em torno do Partido Democrata do Sul dos EUA estavam derrotadas. O Partido Republicano, nortista abolicionista e vitorioso na Guerra impôs uma agenda integracionista em relação aos antigos escravos. Essa agenda ficou conhecida como Reconstrução.


Reconstrução dos Estados Unidos foi um período da história dos Estados Unidos que se iniciou após o término da Guerra de Secessão, em 1865, e se estendeu até o ano de 1877. O período é marcado pelo retorno gradual dos estados que haviam se separado do país e formado os Estados Confederados da América, do status dos líderes da antiga Confederação, e pelo início do processo de integração dos ex-escravos afro-americanos.

O governo dos Estados Unidos à época era dominado pelo Partido Republicano. Líderes republicanos concordavam que remanescentes do poder político dos antigos senhores de escravos, bem como o nacionalismo confederado, teriam que ser suprimidos. Republicanos moderados, liderados pelos Presidentes Abraham Lincoln Andrew Johnson, sugeriram a unificação do país o mais rapidamente possível. Porém, republicanos extremistas queriam ações severas contra os Estados que compunham a antiga Confederação.

Em 1866, Johnson rompeu com os republicanos, e aliou-se com o Partido Democrata, que se opunham à igualdade entre brancos e afro-americanos e à abolição do trabalho escravo. Nas eleições de 1866 da Câmara dos Representantes, os republicanos radicais obtiveram posições suficientes para anular vetos do Presidente Jonhson, e até mesmo para iniciar um processo de impeachment. O processo foi aprovado na Câmara dos Representantes mediante votação, mas Johnson permaneceu no cargo após votação no Senado, por apenas um único voto, embora possuísse pouco poder político em assuntos ligados à Reconstrução.[1]

Durante a Reconstrução, os estados que haviam formado os Estados Confederados da América foram ocupados por tropas militares dos Estados Unidos. Enquanto isto, os republicanos radicais instituíram diversas medidas que desagradaram a elite de tais estados, como:

  • permitindo que afro-americano votassem em eleições;
  • colocando negros em posições de poder e
  • removendo o poder de voto de cerca de 15 mil brancos, antigos soldados ou oficiais confederados.

Gradualmente, os radicais foram substituídos por republicanos mais moderados, que se esforçaram para modernizar os estados ocupados.

Em 1876, o republicano Rutherford B. Hayes venceu as eleições presidenciais americanas, em uma eleição controversa. Enquanto isto, os democratas haviam assumido o poder de todos os estados que formavam a antiga Confederação. Tais democratas concordaram em aceitar os resultados da eleição, caso as tropas federais que ocupavam tais estados fossem removidas da região. Como muitos já consideravam o nacionalismo confederado e o trabalho escravo como destruídos no país, Hayes concordou, e removeu as tropas em 1877, dando fim à Reconstrução.

A Reconstrução deixou profundas feridas nas relações entre o antigo Sul e Norte americano, que durariam aproximadamente um século. No cenário político do país, os democratas teriam amplo domínio político do Sul, enquanto o Norte seria dominado pelos republicanos. Este cenário permaneceu praticamente intacto até a  Grande Depressão da década de 1930, e mudaria profundamente somente a partir da década de 1960.

CONSENSO SOBRE EXCLUSÃO RACIAL (1877-1965)

Segundo Steven Levitsky e Daniel Ziblatt , em “Como As Democracias Morrem”:

As normas que sustentam o sistema politico norte-americano repousavam até os anos 1960/70 , num grau considerável, em exclusão racial. A estabilidade do período entre o final da Reconstrução e os anos de 1980 estava enraizada num pecado original: o Compromisso de 1877 e suas consequências, que permitiram a “desdemocratização” do Sul e a consolidação das leis Jim Crow. A exclusão racial contribuiu diretamente para a civilidade e a cooperação partidárias que passaram a caracterizar a política norte-americana no sec. XX.

Ou seja, para os autores, o consenso politico só foi possível graças à segregação de boa parte da população.

Ainda segundo os autores: a tolerância mútua só se estabeleceu depois que a questão da igualdade racial foi retirada da agenda politica. Dois acontecimentos foram decisivos.

  • O primeiro foi o infame Compromisso de 1877. O pacto acabou efetivamente com a Reconstrução, pois ao retirar as proteções federais para os afro-americanos , permitiu aos democratas sulistas anular direitos democráticos e consolidar o domínio de um partido único.
  • O segundo acontecimento foi o fracasso do Projeto de lei de Eleições Federais de Henry Cabot Lodge, em 1890, o qual teria permitido a supervisão federal de eleições legislativas a fim de garantir a implementação do sufrágio negro. O fracasso do projeto deu fim aos esforços federais para proteger o direito ao voto dos afro-americanos no sul, ocasionando, consequentemente, a sua extinção.

Paradoxalmente, portanto , as normas que mais tarde serviriam como fundação para a democracia norte-americana emergiram de um arranjo profundamente antidemocrático: a exclusão racial e a consolidação da predominância de um partido único no Sul.

Depois que democratas e republicanos se aceitaram como rivais legítimos, a polarização declinou gradativamente, dando origem ao tipo de politica que caracterizaria a democracia americana nas décadas seguintes. A cooperação bipartidária viabilizou uma serie de reformas importantes, inclusive a 16 Emenda (1913), que legalizou o IR Federal, a 17 Emenda que estabeleceu a eleição direta para senadores, a 19 Emenda (1919) que concedeu às mulheres o direito de voto.

"Visto que ambos os partidos tinham uma composição interna bastante heterogênea, a polarização entre eles era muito mais baixa do que é hoje. Congressistas republicanos e democratas se dividiam em torno de questões como impostos e despesas, regulação governamental e sindicatos, mas os partidos se sobrepunham na potencialmente explosiva questão de raça. Embora ambos os partidos tivessem facções que apoiavam os direitos civis, a oposição dos democratas do Sul e o controle estratégico do sistema de comitês do Congresso mantiveram a questão fora da agenda. Essa heterogeneidade interna neutralizava os conflitos. Em vez de ver um ao outro como inimigos, republicanos e democratas muitas vezes encontravam bases comuns. Enquanto republicanos e democratas liberais frequentemente votavam juntos no Congresso para pressionar em prol dos direitos civis, democratas do Sul e republicanos de direita do Norte sustentavam uma “coalizão conservadora” no Congresso para se opor." (from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)

O MOVIMENTO PELOS DIREITOS CIVIS E O FIM DO CONSENSO RACIAL

O movimento pelos direitos civis, que culminou com a Lei dos Direitos Civis em 1964 e a Lei do Direito de Voto em 1965, deu fim a esse arranjo partidário. Não só ele finalmente democratizou o Sul, emancipando os negros e acabando com o domínio de um único partido, mas acelerou um realinhamento em longo prazo do sistema partidário cujas consequências estão se desdobrando ainda hoje.

Seria a Lei dos Direitos Civis – que o presidente democrata Lyndon Johnson abraçou e o candidato republicano de 1964, Barry Goldwater, combateu – que definiria os democratas como o partido dos direitos civis e os republicanos como o partido do status quo racial.

Nas décadas que se seguiram, a migração sulista branca para o Partido Republicano se acelerou. Os apelos raciais da “Estratégia Sulista” de Nixon e, subsequentemente, as mensagens codificadas sobre raça de Ronald Reagan comunicaram aos eleitores que o GOP era a casa dos conservadores raciais brancos. No final do século, aquela que por muito tempo fora uma região solidamente democrata tinha se tornado firmemente republicana. Ao mesmo tempo, os negros sulistas – aptos a votar pela primeira vez em quase um século – afluíram em bando para os democratas, assim como vários republicanos liberais que apoiavam os direitos civis. Quando o Sul se tornou republicano, o Nordeste se tornou autenticamente azul, a cor dos democratas." (from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)

A NOVA FRONTEIRA DE KENNEDY E A GRANDE SOCIEDADE DE TRUMAN

De 1955 a 1960, o crescimento econômico se enfraqueceu nos EUA. Depois de 8 anos de governo republicano (1952-1960) ,  Kennedy foi eleito com uma plataforma que fazia alusão ao New Deal. Seu manifesto Nova Fronteira prometeu gastos com educação,  saúde,  renovação urbana, transportes, artes, proteção ambiental, radiodifusão pública, pesquisa na área das humanidades etc.. Truman lança um programa ainda mais ambicioso, a Grande Sociedade, tendo como objetivo central a meta de eliminar não só a pobreza para a classe trabalhadora branca, mas também o racismo. Em seus primeiros 3 anos 1 bilhão  de dólares foi gasto anualmente em diversos programas  para aumentar as oportunidades educacionais e introduzir cobertura de saúde para idosos e vários grupos vulneráveis. 

Quando começou,  mais de 22% dos norte-americanos viviam abaixo da linha de pobreza oficial. No final do programa , essa percentagem tinha caído para 13%. Entre os negros , foi de 55% (em 1960) para 27%  ( em 1968).(extraído de O Minotauro Global - Yanis Varoufakis)

SEPARAÇÃO IDEOLÓGICA DOS ELEITORES

"O realinhamento pós-1965 também deu início a um processo de separação ideológica dos eleitores. Pela primeira vez em quase um século, filiação partidária e ideologia convergiam, com o GOP se tornando sobretudo conservador e os democratas se tornando predominantemente liberais.

Nos anos 2000, os partidos Republicano e Democrata já não eram mais “grandes tendas” ideológicas. Com o desaparecimento dos democratas conservadores e dos republicanos liberais, as áreas de sobreposição entre os dois partidos aos poucos desapareceram. E, como a maioria dos senadores e deputados acabou passando a ter mais em comum com seus aliados partidários do que com membros do partido de oposição, eles começaram a cooperar com menos frequência e a votar consistentemente com seu próprio partido. À medida que tanto eleitores como seus representantes eleitos iam se agrupando em “campos” cada vez mais homogêneos, as diferenças ideológicas entre os partidos iam se tornando cada vez mais marcadas. " (from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)

O EFEITO DA IMIGRAÇÃO

Juntamente com a emancipação negra, a imigração transformou os partidos políticos norte-americanos. Esses novos eleitores apoiaram desproporcionalmente o Partido Democrata. A fração dos votos democratas não brancos subiu de 7% nos anos 1950 para 44% em 2012. Os eleitores republicanos, em contraste, ainda eram quase 90% brancos anos 2000 adentro. Assim, enquanto os democratas se tornaram cada vez mais um partido de minorias étnicas, o Partido Republicano permaneceu quase inteiramente um partido de brancos.

A DIREITA CRISTÃ

O Partido Republicano também se tornou o partido dos cristãos evangélicos. Os evangélicos entraram em massa na política no final dos anos 1970, motivados, em grande parte, pela decisão Roe contra Wade da Suprema Corte, que legalizava o aborto.

A partir de Ronald Reagan em 1980, o GOP abraçou a direita cristã e adotou posições crescentemente pró-evangélicas, incluindo :

  • oposição ao aborto,
  • apoio ao direito de oração nas escolas públicas e, mais tarde,
  • oposição ao casamento gay.

Evangélicos brancos – que se inclinaram para os democratas nos anos 1960 – começaram a votar no Partido Republicano. Em 2016, 76% dos evangélicos brancos se identificavam como republicanos. Eleitores democratas, por sua vez, se tornaram cada vez mais seculares. A porcentagem de democratas brancos que frequenta igrejas regularmente caiu de 50% nos anos 1960 para abaixo de 30% nos anos 2000. Trata-se de uma mudança extraordinária. Como destaca o cientista político Alan Abramowitz, nos anos 1950 os cristãos brancos casados eram a maioria esmagadora – quase 80% – do eleitorado norte-americano, divididos mais ou menos igualmente entre os dois partidos. Nos anos 2000, cristãos brancos casados mal chegavam a 40% do eleitorado, estando então concentrados no Partido Republicano.

Em outras palavras, os dois partidos encontram-se agora divididos sobre raça e religião– duas questões profundamente polarizadoras, que tendem a gerar maior intolerância e hostilidade do que questões políticas tradicionais como impostos e despesas governamentais." (from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)

AFROUXAMENTO DAS REGRAS DE FINANCIAMENTO

Graças, em parte, ao afrouxamento das leis de financiamento de campanha em 2010, grupos de fora como o Americans for Prosperity e a American Energy Alliance – muitos deles parte da rede bilionária da família Koch – adquiriram uma influência extraordinária no Partido Republicano durante os anos Obama. Só em 2012, a família Koch foi responsável por mais de 400 milhões de dólares em despesas eleitorais. Junto com o Tea Party, a rede Koch e outras organizações similares ajudaram a eleger uma nova geração de republicanos para a qual fazer concessões era um palavrão. Um partido cujo núcleo foi ativamente esvaziado por doadores e grupos de pressão também ficou mais vulnerável a forças extremistas." (from "Como as democracias morrem" by Steven Levitsky, Daniel Ziblatt, tradução: Renato Aguiar)

TEA PARTY

A partir sobretudo da eleição de 2008 (Obama), o Partido Republicano deu una guinada à direita. Foi quando o Tea Party começou a ter proeminência na indicação de candidatos do partido. Organizações bem financiadas como Freedom Works, Americans for Prosperity, Tea Party Express e Tea Party Patriots patrocinaram dezenas de candidatos. Em 2010, mais de 100 foram candidatos, sendo 40 eleitos. Em 2011, o Tea Party tinha 60 membros na Câmara de Representantes.