sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Sobre o encarceramento em massa

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE AS POLITICAS DE ENCARCERAMENTO EM MASSA

A partir da administração Nixon, promoveu-se o endurecimento das leis anti crime e diminui os programas sociais. 

OBS:(Ver o livro q fala mais detalhadamente sobre a perda de primariedade após um delito com subsequente punição mais dura no caso de cometimento de infração leve).

Nos Estados Unidos, desde a “guerra contra o crime” dos anos 1990, quem reincidia duas vezes, tendo cometido ao menos um crime que valesse dez anos de cadeia, ia preso para sempre —sem condicional. 

No papel, parece uma boa lei: vamos tirar de circulação os contumazes. Por essa lei, Alvin Kennard cumpriu 36 anos de cadeia por assaltar uma padaria de faca na mão e roubar US$ 50 e uns quebrados. Isso por ser reincidente, embora seus crimes anteriores não fossem violentos. Quem soltou Alvin foi um juiz, opondo-se à lei. 

Para Wacquant, a teoria da penalidade neoliberal também fundamenta-se na generalização do trabalho assalariado precário. As políticas assistencialistas têm seu cerne alterado do welfare para o workfare. O trabalho passa a ser visto como um dever político, mesmo que em condições precárias, punindo os que não o adotam. A generalização do trabalho precário repousa no uso direto da coação política e participa de um projeto de classe, substituindo um estado-providência materialista por um Estado punitivo “paternalista”, capaz de impor o trabalho assalariado dessocializado como norma e base da nova ordem polarizada de classes. 

Os programas paternalistas têm como alvo duas populações: os beneficiários de ajudas sociais aos indigentes e os clientes do sistema de justiça criminal, as mulheres e crianças do sub proletariado, no que concerne ao welfare, e seus maridos, pais, irmãos e filhos, no que diz respeito ao sistema penal. O estado social funciona como um braço penal disfarçado, como instrumento de vigilância e de disciplina dos beneficiários, remetendo-os diretamente a seu homólogo criminal em caso de fraqueza. As implicações do paternalismo do Estado são particularmente severas para as minorias raciais, sobrerepresentadas entre os pobres. Os resultados que se destacam da aplicação dessas práticas penais nos Unidos foram o hiper encarceramento, o aumento massivo de demandas judiciárias (sendo que, estatisticamente, na década de 1990, mais da metade delas não chegava a ser julgada, ou pelo fim de prazos, ou por não possuírem qualquer fundamento), a desconfiança da população mais pobre em relação ao aparelho policial (com um aumento de queixas) e a discriminação racial, com a confirmação de prisões apenas baseadas na aparência do sujeito, infundadas, principalmente de latinos e negros.



1.     Essa teoria é globalizada e passa a balizar as medidas de segurança pública no final da década de 1990 e início dos anos 2000. A sua principal feição europeia foi construída em Londres, em uma apropriação dessa teoria defendida por Tony Blair. Partindo do Reino Unido, as noções e dispositivos formulados pelos neoconservadores dos Estados Unidos se espalha pela Europa, ironicamente, como solução específica para o suposto aumento da criminalidade nacional. A exportação dessas práticas penais neoliberais, como mostrado pelo autor, tem efeitos particularmente devastadores em países caracterizados por fortes desigualdades de condições e oportunidade de vida e, acima disso, sem tradição democrática ou instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho, especialmente os países recentemente industrializados da América do Sul
2.     Brasil, em especial, tem ainda como agravante o efeito nefasto das forças da ordem, a polícia em especial, com a banalização da violência injustificada do Estado, as recorrentes práticas de tortura e violência letal, se inscrevendo em uma tradição nacional, oriunda da escravidão, e da manutenção da ordem pública como manutenção da ordem de classes. 
3.     Outro agravante é o estado do cárcere, semelhantes à campos de concentração para pobres, sem qualquer função penalógica, além da ineficiência congênita da prisão para redução da criminalidade. Por fim, agrava-se também pela hierarquia social e a estratificação etnorracial, com práticas discriminatórias endêmicas no sistema judiciário e policial, penalizar a miséria invisibiliza o problema negro e traz um aval do Estado para a dominação racial. A juventude mais pobre e dos bairros considerados problemáticos não possui nenhuma rede de proteção social, e é esmagada pelo desemprego e subemprego crônicos do capitalismo, recorrendo a práticas criminosas para seu sustento. 
4.     Atualmente, estima-se que haja mais de 11 milhões de pessoas presas em todo o mundo. Somente a soma da população prisional dos 10 países que mais aprisionam (Estados Unidos, China, Brasil, Rússia, Índia, Tailândia, Indonésia, Turquia, Irã e México) corresponde a mais do que 60% desse total. O fenômeno do aumento exponencial do encarceramento é global e está conectado, conforme leitura clássica de Wacquant, à nova ordem neoliberal do desemprego em massa, do subemprego e da gestão punitiva da insegurança social [Wacquant, 2007, 2011], tendo nos Estados Unidos o laboratório central de produção e exportação das políticas “contra a violência urbana” do “lei e ordem”, da “guerra contra o crime e às drogas”, do “tolerância zero”, entre outras especiarias tecnocráticas do novo punitivismo neoliberal. 
5.     Nesse contexto, a população prisional dos Estados Unidos saltou de aproximadamente 300.000 pessoas presas em 1970 para cerca de 2,3 milhões em 2008 (mais do que 700% de crescimento em menos de quarenta anos); entre 1990 e 2008, a taxa de encarceramento estadunidense subiu de 457 pessoas presas para cada 100 mil habitantes a 755. Sob a marcha de “difusão transatlântica” dos “temas e das teses de segurança incubados pelos Estados Unidos” [Wacquant, 2011: 60], muitos outros países decidiram expandir exponencialmente sua população aprisionada e fizeram expressivo recrudescimento do número de pessoas presas para cada 100 mil habitantes da primeira metade dos anos 1990 até o período entre 2000 e 2010 : China (de 105 para 121), Rússia (de 473 para 729), Inglaterra (de 90 para 153), França (de 76 para 114), Portugal (de 92 para 133), Espanha (de 85 para 165), Itália (de 46 para 112), Alemanha (de 74 para 96), Grécia (de 52 para 104), México (de 101 para 202), Argentina (de 62 para 168), Chile (de 153 para 320), entre outros.

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